O resgate de uma obra:

Júlio Romão da Silva: entre o formão, a pena e a flecha

 

Marina Luiza Horta*

 

Depois de longo silêncio da crítica, parte da obra do escritor piauiense surge reunida na antologia Júlio Romão da Silva: entre o formão, a pena e a flecha: fortuna da obra de um escritor negro brasileiro. O livro, publicado em 2012 pela Editora da Universidade Federal do Piauí e organizado pelos escritores e acadêmicos Ací Campelo e Elio Ferreira, é um resgate de vários escritos do autor e de parte da sua fortuna crítica: artigos biográficos e ensaios de crítica literária; entrevistas colhidas em periódicos e jornais; iconografia; artigos escritos pelo autor sobre política e literatura; além de ensaios biográficos sobre a vida de artistas e intelectuais afro-brasileiros. A antologia traz, ainda, uma vigorosa amostra da produção intelectual de J. Romão da Silva, que percorre os campos da criação teatral, da crítica, da etnolinguística e dos estudos biográficos. Temos, portanto, a reedição ipsis litteris dos livros: A mensagem do Salmo e José, o vidente (teatro); Luiz Gama e suas poesias satíricas e Luiz Gama: o mais consequente poeta satírico brasileiro (crítica literária); Evolução do estudo das línguas tupis do Brasil e Os índios Bororos: família Etnolinguística (Etnolinguística indígena); e Vida e obra de Teodoro Sampaio (biografia).

Júlio Romão da Silva nasceu em 22 de maio de 1917 em Teresina, Piauí. Foi um dos fundadores do movimento da negritude brasileira, declarado em manifesto de 1945 pelo Comitê Democrático Afro-Brasileiro, de que fizeram parte, juntamente com o poeta Solano Trindade, os sociólogos Edison Carneiro e Guerreiro Ramos, o escritor Raymundo de Souza Dantas, o teatrólogo Abdias Nascimento, entre outros. Foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro, do Teatro Popular e da Orquestra Afro-Brasileira.

A antologia é organizada em quatro capítulos, que agrupam diferentes aspectos da obra de Júlio Romão. Em um primeiro momento, os organizadores apresentam um apanhado de ensaios críticos sobre a obra do autor, que trazem como temática, principalmente, sua importância na dramaturgia negro-brasileira. O capítulo segundo é uma compilação de entrevistas cedidas, que revelam, dentre outros aspectos, a preocupação com a valorização das identidades. E, logo adiante, o capítulo mais volumoso conta com reedições das obras do autor acima listadas.

No que diz respeito à crítica literária, Júlio Romão foi peça fundamental para a consolidação de uma crítica literária afrodescendente e contribuiu com importantes obras como Luís Gama e suas poesias satíricas (1981). Nesta, Romão, além de construir uma importante biografia sobre o abolicionista, procura ressaltar a importância do poeta para o reconhecimento do sujeito negro na cultura brasileira. Romão também é responsável pela publicação de um estudo feito a partir da leitura da obra de Solano Trindade, principalmente dos textos que trazem como temática a questão afrodescendente e o folclore. Esses ensaios críticos também fazem parte da antologia organizada por Ferreira e Campelo.

Docente de Ciências Humanas e Sociais, versado em linguística e etnologia aborígene e professor da disciplina no curso de altos estudos amazônicos do Instituto Rondon e Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, J. Romão escreveu importantes trabalhos sobre o assunto. Na antologia, o estudo das línguas indígenas aparece nos ensaios “Os índios Bororos: família Etnolinguística” e “Tupi: língua indígena natural do Brasil”.

O quarto e último capítulo é formado por artigos de Júlio Romão da Silva que foram publicados em jornais e revistas. O autor colaborou em vários órgãos da imprensa periódica e diária carioca, notadamente em O Malho, Vamos Ler, Revista da Semana, Dom Casmurro, Diário Carioca, Jornal do Comércio, de que foi revisor, e no Correio da Manhã, onde, começando também pela revisão, em 1951, trabalhou pelo espaço de dez anos, destacando-se como repórter político e redator responsável pelo Suplemento Econômico. A antologia traz na íntegra três artigos – dois deles sobre Getúlio Vargas e um outro uma apreciação crítica da obra de Aleijadinho.

Apesar de ser uma iniciativa importante, os organizadores da antologia ressaltam que esse é apenas o primeiro passo para a divulgação dos escritos de Júlio Romão da Silva e confessam o desejo de ver a publicação da obra completa do autor ao alcance da população brasileira e de leitores de outras nacionalidades. Prestam deste modo, não apenas uma tocante homenagem ao escritor – falecido em 2013 após noventa e cinco anos de uma vida dedicada à literatura, ao jornalismo e ao estudo de nossa diversidade cultural – mas contribuem, sobretudo, para o merecido resgate de sua obra.

Referências

CAMPELO, Aci; FERREIRA, Elio (Org.). Júlio Romão da Silva, entre o formão, a pena e a flecha: fortuna da obra de um escritor negro brasileiro. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2012.

SILVA, Júlio Romão da. José, o vidente: saga dramática de Israel. Rio de Janeiro: MLG Editora, 1983.

_____. A mensagem do Salmo. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1990.

_____. Geonomásticos cariocas de procedência indígena. Rio de Janeiro: Liv. São José, 1962.

_____. Denominações indígenas na toponímia carioca. Rio de Janeiro: Brasiliana, 1966.

_____. Luiz Gama e suas Poesias Satíricas. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1981. Organização e estudo crítico.

* Marina Luiza Horta é Mestre em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela UFMG e professora de português e literatura no Ensino Médio em Belo Horizonte.

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