Vamos falar de relações raciais? Crônicas para debater o antirracismo: um livro construído junto é realidade

Fabiana Oliveira de Jesus

 

Vamos falar de relações raciais?, publicada pela Editora Autêntica em 2024, é o vigésimo segundo livro da escritora Cidinha da Silva, mineira, belo-horizontina, que vive na cidade de São Paulo. A autora mais uma vez investe em um gênero com o qual vem trabalhando e tornando-se referência: a crônica.

 

Trata-se de um livro que, como apontado pela interrogativa do seu título, convida ao debate e propõe uma discussão sobre o antirracismo. Incita o leitor a produzir uma crítica que se organiza pelo exercício da leitura, não só da obra em si, mas, também, de uma sociedade que perpetua, de diferentes maneiras, o racismo. Os textos são uma provocação para pensar coletivamente em maneiras/estratégias de ação/reação.

 

As crônicas são direcionadas ao público jovem e podem ser lidas com ou sem a mediação de um adulto. Em cada uma das 27 crônicas do livro, encontra-se um caminho de possibilidades e muitas portas se abrem ao leitor. Isso porque, ao final de cada crônica, há sugestões de atividades que possibilitam a expansão do conhecimento e alimentam a construção de entendimento do que foi lido. Além disso, outro fator que chama a atenção e dialoga com a juventude – ou com os leitores – é a presença de QR codes em todas as crônicas, seja nos textos ou nos exercícios. Através deles, podem-se acessar matérias de jornais, filmes, imagens, obras de arte e etc., que auxiliam na construção crítica da obra.

 

Vamos falar de relações raciais? Crônicas para debater o antirracismo é uma obra dinâmica, versátil, leve, densa e crítica, como é próprio das crônicas e como performa a escrita de Cidinha da Silva. Ainda assim, o trabalho foi criado/pensado a muitas mãos: pela parceria entre Cidinha da Silva e a equipe da Autêntica, como ela aponta no prefácio do livro; com a participação de Vanusa de Melo, como propositora das atividades, e pela capa e projeto gráfico, assinados por Isabela Cristina. Mas, sobretudo, chama a atenção por ser uma obra a ser construída junto ao leitor.

 

Os temas são contemporâneos e podem ser lidos em notícias de jornais e informações que circulam nas redes sociais, como, por exemplo, o caso de racismo sofrido pelos filhos dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso em Portugal, em 2022; o de George Floyd, assassinado pela polícia em maio de 2020, na cidade de Minneapolis, dentre outros. Os temas nos levam a compreender e a reafirmar que o racismo se perpetua, se atualiza e reinventa formas de existir, sobreviver e se manter.

 

Esses assuntos, como aponta a autora no prefácio ao livro, são demasiadamente difíceis, segundo ela: “Falar sobre racismo, relações raciais assimétricas e antirracismo não se configura como algo leve, ao contrário, são situações densas, cheias de dor e violações de direito que deixam muitas sequelas e são difíceis de abordar.” (SILVA, 2025, p.12).

 

Na crônica “10 anos de cotas raciais”, Cidinha da Silva desenha o caminho percorrido até a promulgação da Lei n.º 12.711, de agosto de 2012, a chamada lei de cotas raciais. A autora não deixa de pontuar a importância do movimento negro nessas conquistas, fato que, por diversas vezes, é apagado da história. Ainda afirma que “A efetivação da política de cotas raciais passa por um conjunto de medidas que deve ser concretizada todos os dias” (p. 29). Com dados, informações e datas, ela transforma o texto em uma fonte de pesquisa.

 

Já em “O caso do menino Miguel”, a autora, além de relatar o fato que levou à morte do filho de Mirtes Renata Santana de Souza, em 2020, reflete sobre como as crianças negras são vistas na sociedade brasileira e constata: “A adultização das crianças negras é um dado real: é prática corriqueira estender aos meninos negros os mesmos estereótipos de marginalização afixados nos homens negros” (p. 40).

 

E embora esteja preenchida de discussões densas, ainda há espaço na obra para o leitor se emocionar, por exemplo, pelas vias de um debate importante para juventude negra no Brasil, que é falar sobre o amor entre pessoas negras. Na crônica “Michele e Obama”, lê-se:

 

Quando Michelle demonstra que Obama é seu homem e ele a apresenta como sua mulher, ambos transbordam de orgulho, cumplicidade e alegria. As pessoas os veem e acreditam que casais negros ainda são possíveis, que famílias negras podem existir. (p. 101).

 

O uso de figuras de linguagem, como ironias e metáforas, o diálogo com a mitologia e a história ajudam a tornar os assuntos mais palatáveis. Contudo, a maior contribuição para o trato desses assuntos fica a cargo das sugestões de exercícios que se encontram ao final de cada crônica. Vamos falar de relações raciais? Crônicas para debater o antirracismo é um livro estimulante que, dentre outros usos, pode ser utilizado como material didático em salas de aula e grupos de estudos. Não seria a primeira obra de Cidinha da Silva a atender a esse uso, pois, em 2020, o livro Os noves pentes D’África foi incluído no Plano Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD.

 

Belo Horizonte, maio de 2025.

 

Referências

 

SILVA, Cidinha da. Os noves pentes d’África. Ilustrado por Iléa Ferraz. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2009.

SILVA, Cidinha da. Vamos falar de relações raciais? Crônicas para debater o antirracismo. 1. Ed. 1. Reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2025.

 

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* Fabiana Oliveira de Jesus é doutora em literaturas de língua portuguesa pela PUC/MG. É graduada em letras pela UFMG e formada no curso técnico de ator no Teatro Universitário da UFMG. Integra a Cia. Bando de Belo Horizonte, dedicada ao teatro para as infâncias. Sua trajetória, de pesquisas e práticas, segue o percurso da escrita de mulheres negras.

 

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