Alessandra Martins
Brasil (Parte I)
Cidade caótica,
bonita na orla,
tenebrosa por dentro das ruas que
beiram a Linha Vermelha e Amarela.
Não tem fantasia,
não existe sonho.
Sem príncipe, sem fada, sem
Cinderela.
A infância acaba cedo.
A impunidade é silenciada.
Status: preto, jovem, morto!
Quem se importa?
É apenas mais um “negô” da favela.
A mãe chora, mas desta vez
não é com o final da novela.
Perdeu o filho para o tráfico,
mas não terá tempo para acender
vela.
Precisa sair cedo, trabalhar,
cuidar do menino no Humaitá,
onde exerce a função de babá.
Polícia ou bandido?
Asfalto ou favela?
Politicagem barata!
Usa terno, sapato e gravata,
não se importa — apenas mata!
Matar um é homicídio,
matar uma nação é genocídio.
Quem é mais criminoso?
Quem está dentro ou fora da cela?
Distribuição incoerente,
desigual, inconsequente.
Facadas, tiros, socos, gritos.
Quem escapa?
Não tá suave,
não tá tranquilo
nem favorável viver dessa maneira.
Viatura de polícia, segurança — nem
pensar.
Só se encontra na Delfim Moreira,
Visconde de Pirajá.
Cidade maravilhosa é uma tremenda
ilusão.
Corre, corre, tem mais um arrastão.
Se bobear, será você o morto
nessa vida louca,
nesse mundo cão.
Segure o dinheiro,
guarde o iPhone.
No menor, quem manda é o frio,
quem controla é a fome.
Brasil!
(In: Voa, Sankofa, voa)