Abdias Nascimento

O sangue e a esperança

Corre corre o sangue nas veias
Rola rola o grão das areias
Só não corre só não rola a esperança
Do negro órfão que só corre e cansa

Cansa do eito corre das correntes
Corre e cansa do bote das serpentes
Só não corre só não cansa de amar
O amor da Mãe-África no além-mar

Além-mar das águas e da alegria
Mar-além do axé nativo que procria
Aqui é o mar-aquém do desamor frio
Aquém-mar do ódio do destino sombrio

Sombrio corre o sangue derramado
No mar-aquém de tanta luta devotado
Mas o sangue continua rubro a ferver
Inspirado nos Orixá que nos faz crescer
 
Crescer na esperança do aquém e do além
Do continente e da pele de alguém
Lutar é crescer no além e no aquém
Afirmando a liberdade da raça amém

               Rio de Janeiro, 14 de março de 1982

     (In: Axés do sangue e da esperança, p. 83)