A Malê é uma editora e uma produtora cultural, fundada por Vagner Amaro e Francisco Jorge, em agosto de 2015, no Rio de Janeiro, RJ. Foi planejada com objetivos bem específicos: “aumentar a visibilidade de escritores e escritoras negros contemporâneos; ampliar o acesso às suas obras; e contribuir com a modificação das ideias pré-concebidas sobre os indivíduos negros no Brasil, conforme assinala Vagner Amaro (http://www.letras.ufmg.br/literafro/editoras/1034-editora-male-entrevista-com-vagner-amaro, acesso em 09 abr. 2018) . Nota-se a concepção de uma missão política bem delineada nos valores propostos pela casa editorial: transparência, qualidade, diversidade e responsabilidade social.

Prova disso é a consciência da intervenção na cena cultural por meio da edição de livros. A Malê não se preocupa somente com a publicação. Ela aposta na formação de novos escritores, através de oficinas de escrita criativa. Organiza o Prêmio Malê de Literatura, o qual contempla a publicação dos textos e autores vencedores. Realiza eventos literários. Promove a circulação de seus autores e oferece assessoria de imprensa e imprensa aos autores/livros que editaram.

Segundo Vagner Amaro,

 os escritores [negros], de modo geral, criam suas obras a partir da visão de mundo que eles possuem, das suas experiências e perspectivas, o que não necessariamente quer dizer que falam de si ou fazem relatos. Mas a literatura que produzem está impregnada de algo que é uma marca da sua própria existência. [...] Então, a principal dificuldade que um escritor negro encontra está e não está associada à cor da sua pele, pois ele não estará necessariamente fora do jogo por ser negro, mas se opta por ter um projeto literário em que a sua subjetividade está inserida e representada nos seus personagens, sejam eles negros ou não, ele terá mais dificuldade de acessar os grandes investimentos que são feitos em uma obra, pois quem define isso são empresários do mercado editorial, os donos das grandes editoras, um grupo formado, quase exclusivamente, por pessoas brancas. (http://www.letras.ufmg.br/literafro/editoras/1034-editora-male-entrevista-com-vagner-amaro, acesso em 05 de jun. de 2018)

O universo editorial, como campo, nos termos que Pierre Bourdieu confere, isto é, “rede ou configuração de relações entre posições definidas objetivamente nas determinações impostas aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação” (BOURDIEU, 1982, p. 72), também está pautado pelo jogo de “legitimações, trocas e transferências de capitais de ordem simbólica” (BOURDIEU, 1982, p. 72-73) capaz de ascender a uns à centralidade e a outros à periferia do campo. Numa realidade cada vez mais codificada, entram em cena as propostas de editoras comprometidas com a publicação de autores e textos afro-brasileiros. Afinal, estar presente no campo significa não somente produzir, mas ser visto/lido/distribuído e legitimado pelos agentes do próprio campo. Em outras palavras, significa alterar continuamente a posição histórica de determinado grupo no âmbito do campo.

Por isso a preocupação com a distribuição. Os livros da Malê estão disponíveis nas grandes livrarias, como Cultura e Saraiva; em livrarias de médio porte, como Travessa e Martins Fonte; em algumas livrarias pequenas de algumas cidades, como Porto Alegre, Salvador, São Paulo, Rio de janeiro e Belo Horizonte. Os livros também são vendidos na loja virtual presente no site da editora (www.editoramale.com/loja), na Amazon, na Estante Virtual e em outros endereços. A casa editorial conta com o apoio de distribuidores que frequentam os eventos da área do livro e da literatura. A capilaridade no que diz respeito à distribuição do livro é um dos desafios encarados pelos editores.

Do ponto de vista da produção editorial, duas são as formas de atuação, segundo Vagner Amaro: ou a editora convida alguns autores que gostaria de que fossem editados pela Malê ou, em outros casos, os autores fazem contato e apresentam o trabalho. Anualmente, ocorre a seleção do material a ser editado. Alguns autores, que pretendem investir em suas publicações, também procuram a editora.

A Malê prioriza a edição de textos de literatura de autoria negra brasileira ou da diáspora africana. Contudo, considera decisivo publicar o pensamento dos pesquisadores negros. Há também o selo infantil Malê Mirim, voltado para temas como cultura e histórias africana, cultura e história afro-brasileira e indígena, identidade e alteridade. Dentre seus autores, salientamos Maria Firmina dos Reis, Conceição Evaristo, Tom Farias, Meimei Bastos, Cristiane Sobra, Lívia Natália, Sônia Rosa, Fábio Kabral, Muniz Sodré, Martinho da Vila, Rosane Borges e Cuti. 

Segundo Vagner Amaro, a editora não recebe nenhum tipo de apoio, para nenhuma edição e nenhuma atividade. Todo o investimento é feito pelos sócios ou pelos próprios autores. Os editores acreditam, por fim, na bibliodiversidade como forma de democratização do universo da leitura e mais amplo acesso ao campo dos bens simbólicos.

Iniciativa independente do grande mercado de capital aberto, a Malê procura conjugar a qualidade do material publicado com a necessidade de geração e recurso financeiro. Como não está sujeita à obrigatoriedade de geração de vastíssimo volume de capital e tiragem, a editora focaliza sua atenção na construção de um catálogo de qualidade, mas sem descuidar do olhar sobre a rentabilidade dos projetos editoriais do presente, pois estes sustentam justamente os projetos do futuro. Nas palavras de López Winne e Malumián,

 

[o editor independente] persegue a auto-sustentabilidade e não depende de qualquer aporte de capital que provenha de fora de sua atividade editorial. Está comprometido com a difusão, por todos os meios possíveis, de seus autores, e a decisão sobre o que se publica ou rechaça está completamente submetida ao desejo de seu editor, sem nenhum tipo de condicionamento. É crucial a pretensão, a busca de encontrar na editora um modo de vida, um sustento econômico (LÓPEZ WINNE; MALUMIÁN, 2016, p. 14).

 

Logo, percebe-se que, no campo editorial brasileiro, iniciativas como a Malê são fundamentais para a veiculação do pensamento negro brasileiro e diaspórico africano. Se são os editores, conforme assinala Aníbal Bragança, que decidem que textos vão ser transformados em livros, pensando no “público a que devem servir”, e se cabe a estes atores sociais o “lugar de decisão e de comando” , nota-se, pois, não apenas o papel central da Malê, mas a intervenção consciente de editores-intelectuais, como Vagner Amaro e Francisco Jorge, cujas atitudes alteram as dinâmicas editoriais de seu tempo e contexto, mesmo contando com escassos recursos, o que reitera a necessidade de resistência diante das forças hegemônicas do campo editorial. O mesmo ocorrerá com outras casas editoriais.

 

Referências

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Trad. Sérgio Miceli. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1982.

BRAGANÇA, Aníbal. Sobre o editor: notas para sua história. Em Questão. Porto Alegre. v. 1, n. 2, p. 219-237, jul./dez. 2005.

LÓPEZ WINNE, Hernán; MALUMIÁN, Víctor. Independientes, ¿de qué? Hablan los editores de América Latina. México: FCE, 2016.

 

Fontes de consulta

OLIVEIRA, Luiz Henrique Silva de; RODRIGUES, Fabiane Cristine. Panorama editorial da literatura afro-brasileira através dos gêneros romance e conto. Em tese. Belo Horizonte. v. 22 n. 3 set.-dez. 2016 p. 90-107.

www.letras.ufmg.br/literafro

Entrevista concedida a Luiz Henrique Silva de Oliveira em 30 de janeiro de 2018.

 

Links

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https://oglobo.globo.com/cultura/livros/nova-no-mercado-male-promove-escritores-afro-brasileiros-20492363

http://www.publishnews.com.br/materias/2017/03/15/editora-male-lanca-selo-infantil

http://www.publishnews.com.br/materias/2016/11/23/editora-male-lanca-segunda-edicao-do-premio-de-literatura-para-jovens-escritores-negros

http://biblioo.info/bibliotecario-lanca-editora-voltada-a-tematica-afro-brasileira/

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/21/cultura/1526921273_678732.html

https://www.youtube.com/channel/UCs-ksz0OATC-q8TJzK758iQ

http://afrobrasileiros.net.br/tag/editora-male/

https://cristianesobral.blogspot.com/2017/08/literatura-e-representatividade-editora.html

https://www.cartacapital.com.br/cultura/escritores-negros-buscam-espaco-em-mercado-dominado-por-brancos

https://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/literatura-e-representatividade-1.1458190