DADOS BIOGRÁFICOS

Abdias Nascimento nasceu em Franca, no interior do Estado de São Paulo, em 14 de março da 1914, neto de africanos escravizados e filho de pai sapateiro e mãe doceira. Estudou no Ateneu Francano, formou-se como Contador e, entrando no exército, participou das Revoluções de 1930 e 1932. Formou-se em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro em 1938. Participou da Frente Negra Brasileira, cujas atividades foram encerradas pela ditadura do Estado Novo (1937-1945). Foi preso pelo Tribunal de Segurança Nacional por protestar contra as arbitrariedades do governo de Vargas. Em 1944, fundou o TEN – Teatro Experimental do Negro, do qual participaram Solano Trindade e outros intelectuais e artistas afrodescendentes. O objetivo maior do TEN era criar um espaço criativo nos palcos brasileiros para o negro, excluído, à época, do meio teatral.

No ano seguinte, organizou, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a Convenção Nacional do Negro, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a criminalização do racismo, no momento em que a Assembleia Nacional Constituinte implantava um novo ordenamento jurídico no país. Em 1950, organizou, no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro. Formado na primeira turma do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, fundou, em 1968, o Museu da Arte Negra.

No ano seguinte, perseguido pela ditadura militar, exilou-se nos EUA, tendo lecionado nas universidades de Yale, Wesleyan, New York e Temple. Atuou ainda na Universidade de Ifé, na Nigéria. Nos anos 1970, participou de significativos eventos internacionais sobre a cultura negra realizados no Brasil e no Exterior. A África, a América Latina e os EUA testemunharam a sua forte atuação, lutando sempre com o objetivo de colocar o negro no seu patamar de dignidade e evidência. Com a abertura do regime militar, põe fim ao exílio e retorna ao Brasil.

Abdias Nascimento participou ativamente da vida política do país, tendo sido eleito Vice-Presidente Nacional do PDT, que ajudou a fundar. Foi responsável, ainda, pela criação do IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, na PUC de São Paulo, e pela organização do Terceiro Congresso de Cultura Negra das Américas. Em 1983, criou a Revista Afrodiáspora, um órgão de divulgação das atividades, dos problemas e das aspirações dos afrodescendentes, especialmente nas Américas. O escritor foi protagonista de inúmeros fatos históricos relevantes, entre eles, a criação do Movimento Negro Unificado, em São Paulo. Ouçamo-lo:
 
Eu estava lá, em 1978, nas escadarias do Teatro Municipal, no momento em que foi fundado o MNU. Depois, fizemos várias viagens por todo o país criando núcleos do movimento negro na Bahia, em Minas Gerais e na Paraíba, por exemplo.

Em 1980, auxiliou na criação do Memorial Zumbi; em 1982, elegeu-se Deputado Federal pelo PDT do Rio de Janeiro; na década seguinte, ocupou a cadeira de Senador da República. Foi também titular da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Nascimento foi o primeiro deputado federal do país a desenvolver projetos de lei de políticas afirmativas. Como suplente do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado, assumiu a cadeira entre 1991 e 1992 e de 1997 a 1999.

Além de poeta, teatrólogo e artista plástico, Abdias Nascimento destacou-se como cientista social e como autor de importantes trabalhos que tratam da temática afro-brasileira, considerados referência obrigatória nesse campo de estudos.

Foi agraciado com os títulos de Professor Emérito da Universidade do Estado de Nova York em Buffalo, EUA, e Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1990) da Universidade Federal da Bahia (2000). Em 2001, recebeu o prêmio “Herança Africana”, oferecido pelo Schomburg Center for Research in Black Culture, o prêmio UNESCO, categoria Direitos Humanos e Cultura da Paz e o prêmio “Cidadania Mundial”, oferecido pela Comunidade Baha’i do Brasil. Recebeu das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador, a honraria mais alta outorgada pelo governo brasileiro.

Em 2003, lançou edição facsimilada do jornal Quilombo, do Teatro Experimental do Negro, contendo a reprodução dos números 01 a 10, que circularam entre dezembro de 1948 e julho de 1950.

Sua defesa dos direitos humanos dos afrodescendentes lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 2010. Em março, do ano seguinte, esteve entre as lideranças negras convidadas para o encontro com o presidente norte-americano Barack Obama.

Abdias Nascimento faleceu no dia 24 de março de 2011, no Rio de Janeiro, poucas semanas após completar 97 anos de idade.

 

Festa para o nascimento de Carolina de Jesus e Abdias Nascimento

Por Cidinha da Silva

Carolina Maria de Jesus e Abdias Nascimento nasceram no dia 14 de março de 1914, em dois interiores distintos, ele, em Franca, São Paulo, e ela, em Sacramento, Minas Gerais. Em comum, o fato de terem sido desbravadores. Carolina, uma escritora de pouca escolaridade, origem popular. Abdias, de mesma origem, tornou-se intelectual versátil e artista de variada expressão: poeta, dramaturgo e artista plástico. Ambos representaram o Brasil no mundo internacional das letras.

Quando saiu de Minas, em 1930, Carolina fixou-se em Franca (cidade de Abdias), onde foi trabalhadora doméstica por sete anos. Só em 1937, depois da morte da mãe, Carolina muda-se para a capital paulista. De novo foi trabalhadora doméstica, migrando a seguir para a coleta de papelão.

Abdias, em 1930 já era técnico em contabilidade e alistou-se no Exército com o objetivo de transferir-se para São Paulo. Em 1936 mudou-se para a capital fluminense e anos mais tarde formou-se em Economia pela universidade do Estado do Rio de Janeiro. A intensa vida cultural negra carioca, a convivência com artistas de vários lugares do mundo, leva-o a criar o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, um espaço criativo e dramatúrgico para os profissionais negros das artes cênicas.

Em São Paulo, Carolina mantinha um diário que originou seu livro mais famoso, Quarto de despejo: diário de uma favelada, editado por Audálio Dantas. A obra foi sucesso estrondoso. Há registros de que foram vendidos 600 exemplares na noite de autógrafos, 10 mil exemplares na primeira semana e 100 mil exemplares em um ano. Para alguns pesquisadores renomados, o fenômeno de vendas comprova, prioritariamente, o papel decisivo da mídia no sistema literário, já naquela época, ao promover certos autores e obras. Talvez, para estes analistas tenha menos importância o contexto sócio-político do Brasil de 1960, no qual havia grande ebulição cultural e política, coroada pela curiosidade (mórbida, em muitos casos) em conhecer detalhes da vida de uma favelada.

Carolina foi gerada e destruída pela indústria cultural em curto espaço de tempo. Escreveu livros de memória e poesia. Em vida publicou Casa de alvenaria (1961), Pedaços da fome e Provérbios (1963), além de Quarto de despejo (1960). Após seu falecimento foram publicados: Um Brasil para os brasileiros (1982), Diário de Bitita (1986), Meu estranho diário e Antologia pessoal (1996).

Abdias foi o ativista negro mais longevo da História do Brasil, agregando produção artística e política fundamentais. Em sua vultosa obra destacam-se: a organização da Convenção Nacional do Negro (Rio de Janeiro) nos anos de 1945 e 1946. Em 1950, numa parceria com Guerreiro Ramos e Edson Carneiro, realizou o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro. Foi vice-presidente nacional do PDT, deputado federal e senador por este partido. Criou o conceito de Quilombismo: “reinvenção de um caminho afro-brasileiro de vida fundado em sua experiência histórica, na utilização do conhecimento crítico e inventivo de suas instituições golpeadas pelo colonialismo e o racismo. Enfim. Reconstruir no presente uma sociedade dirigida ao futuro, mas levando em conta o que ainda for útil e positivo no acervo do passado”.

Texto para download


PUBLICAÇÕES

Obra individual 

O genocídio do negro brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

O quilombismo: documentos de uma militância. Petrópolis: Vozes, 1980. 2.ed. Brasília / Rio de Janeiro: Fundação Palmares / OR Editor Produtor, 2002.

Sitiado em Lagos: autodefesa de um negro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

O negro revoltado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. (com trabalhos apresentados no Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, Rio de Janeiro, 26/08/1950 a 04/09/1950).

Combate ao racismo: discursos e projetos, 6v. Brasília: Câmara dos deputados, 1983.

O quilombismo: uma alternativa política afro-brasileira. In: Afrodiásporas. Revista de Estudos do Mundo Negro. ano 3, n. 6 e 7, abr./dez. 1985.

Orixás: os deuses vivos da África. Rio de Janeiro: IPEAFRO, 1995. (edição bilíngue).

O Brasil na mira do pan-africanismo. Salvador: EDUFBA; CEAO, 2002. (inclui novas edições de O genocídio do negro brasileiro e Sitiado em Lagos).

Abdias do Nascimento: o griot e as muralhas. Coautoria Éle Semog. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.

Ficção

Sortilégio II: mistério negro de Zumbi redivivo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Axés do sangue e da esperança, (Orikis). Rio de Janeiro: Achiamé; Rio Arte, 1986.

Coautoria

Dramas para negros e prólogo para brancos. Rio de Janeiro: Teatro Experimental do Negro, 1961.

Antologias

Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. v. 1, Precursores. Organização de Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

 


TEXTOS


CRÍTICA

 


FONTES DE CONSULTA

ALEXANDRE, M. A. A cultura negra e seus questionamentos na produção dramatúrgica/espetacular contemporânea. In: DUARTE, Eduardo Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica (História, teoria, polêmica). v. 4. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

ALEXANDRE, M. A. Representações performáticas: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.

BASTIDE, Roger. Sociologia do Teatro Negro Brasileiro. In: QUEIROZ, M. I. (Org.). Roger Bastide: sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 146.

BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Tradução de Marta Kirst. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito. São Paulo: Imprensa Oficial, 1987.

DOUXAMI, Cristiane. Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono. In: Revista Afro-Ásia, 25-26, 2001, p. 281-312.

DUARTE, Eduardo de Assis. Abdias Nascimento. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. v. 1, Precursores. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

LIMA, Evani Tavares. Um olhar sobre o Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. 307p. Tese – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas. 2010.

MARTINS, Leda Maria. Cena em sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995.

MARTINS, Leda Maria. Performance do tempo espiralar. In: RAVETTI, Graciela; ARBEX, Márcia (Orgs.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: Departamento de Letras Românicas, Faculdade de Letras/UFMG; Pós-Lit, 2002. p. 69-79.

MARTINS, Leda Maria. Performance e Drama: pequenos gestos de reflexão. In: Aletria, Revista de estudos de literatura. POSLIT, Faculdade de Letras da UFMG, ano 1, n. 1, 2011. p. 101-109.

NASCIMENTO, Abdias. Entrevista com Abdias Nascimento. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, jul./dez. 2009.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. O Sortilégio da Cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Summus, 2003.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. Abdias Nascimento. Brasília: Senado Federal, 2014, Coleção Grandes vultos que honraram o Senado.

NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Abdias Nascimento 90 anos - Memória viva. Rio de Janeiro: IPEAFRO, 2004.

OCUPAÇÃO ABDIAS NASCIMENTO. Organização Itaú Cultural. São Paulo: Itaú Cultural, 2016.

OLIVEIRA, Eduardo (Org.). Quem é quem na negritude brasileira. São Paulo: Congresso Nacional Afro-Brasileiro; Brasília: Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, 1998.

PATROCÍNIO, Soraya Martins. Identidades afro-brasileiras: Sortilégio, Anjo Negro e Silêncio. 2013. 107 f. Dissertação (Mestrado em Letras/Estudos Literários/Teoria da Literatura) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais.

RAMOS, Guerreiro. O negro desde dentro. In: Teatro experimental do negro: testemunhos. Rio de Janeiro: GRD, 1966.

SEMOG, Éle; NASCIMENTO, Abdias. Abdias Nascimento: o griot e as muralhas. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.

SOUZA, Irene Sales de. O resgate da identidade na travessia do movimento negro: arte, cultura e política. São Paulo, 376p. Tese – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1991.


LINKS