DADOS BIOGRÁFICOS

 

José Carlos Limeira Marinho Santos nasceu em Salvador-BA, no dia 1º de maio de 1951. Os primeiros cinco anos da sua infância foram vividos no Campo da Pólvora, em Salvador, hoje um bairro mais ligado a questões jurídicas, pois lá se encontra o Fórum Rui Barbosa, espécie de “Corte Suprema” da Bahia. Aos cinco anos, passou a residir no corredor da Lapinha. Em entrevista o poeta afirma que “a Lapinha e a Liberdade exerceram uma influência muito forte na minha vida, porque é a Liberdade que me mostra mais radical e contundentemente, de forma mais imediata, as contradições dessa enorme cidade. Um bairro eminentemente negro.”

O autor concluiu o curso de Engenharia Operacional Mecânica, em 1976, na Universidade de Santa Úrsula no Rio de Janeiro. E, mais recentemente, cursou Letras na Universidade Católica de Salvador. Em 1999, participou do Programa de Visitantes Voluntários patrocinado pela USIA, o que lhe permitiu estadia em vinte universidades estadunidenses tradicionalmente negras, além de contatos com entidades culturais voltadas à promoção social. Na sequência, coordenou no Brasil um Programa de Intercâmbio com a Universidade de Maryland, proporcionando a imersão na cultura e realidade brasileiras de estudantes de graduação e pós-graduação, tendo planejado e executado diversos outros programas para visitas de entidades voltadas à promoção e transformação de comunidades carentes, assim como para sua sustentabilidade, seguindo o exemplo do projeto efetuado e realizado com o grupo Miami Fellowship Initiative, em 2001. Nesse mesmo ano, foi também palestrante do Programa Raça e Democracia nas Américas, realizado na Califórnia. Interlocutor ativo da diplomacia africana no Brasil, em 2002 coordenou em Salvador as comemorações do aniversário de independência da África do Sul.

Participou da criação e coordenação do Projeto de Capacitação de Trabalhadores Culturais Afrodescendentes que atendeu, em cursos, treinamentos e diversas ações voltadas à cidadania, cerca de 3.700 pessoas ligadas às Instituições de matriz africana da cidade de Salvador e região. Militante do Movimento Negro brasileiro, integrou a direção de diversas entidades como o IPCN – Instituto de Pesquisa das Culturas Negras –, do qual foi vice-presidente cultural, sendo também fundador do primeiro Bloco Afro Cultural do Rio de Janeiro, o Afro Axé Terê Babá. Vinculado ao Candomblé, participou intensamente de atividades comunitárias e religiosas do povo negro brasileiro, atuando em diversas organizações, desde blocos afro, como Ilê Aiyê e Arca do Axé, e afoxés, até as comunidades religiosas da cidade de Salvador e recôncavo baiano, sendo também sócio contribuinte da sociedade Steve Biko, ganhadora do Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Defensor das políticas de ações afirmativas para inclusão social de afrodescendentes e, também, de indígenas, proferiu centenas de palestras em escolas, associações comunitárias, universidades e outras organizações.

Fundador do GENS – Grupo de Escritores Negros de Salvador –, José Carlos Limeira deixou poemas e contos publicados em diversos números da série Cadernos Negros, bem como nas antologias Axé – antologia contemporânea de poesia negra brasileira, Schwarze poesie, Schwarze prosa, IKA, A razão da chama, Callaloo, O negro escrito, Quilombo de palavras e Negro brasileiro negro, entre outras.

Estreou na literatura em 1971, com o volume de poemas Zumbi...dos, lançado no Rio de Janeiro no auge da repressão política oriunda da ditadura civil-militar. O livro, como não poderia deixar de ser, carrega tons de protesto e denúncia próprios ao inconformismo do poeta recém-chegado à idade adulta. No ano seguinte, vale-se novamente da autoedição para lançar, também no Rio de Janeiro, seu segundo livro – Lembranças – que revela, como o anterior, a inquietude do sujeito que insiste em percorrer os caminhos nada fáceis da criação.

Em 1978, publica em conjunto com Éle Semog, a coletânea O arco-iris negro, contemplada com vibrante prefácio de Oswaldo de Camargo, que não hesita em distinguir o livro como “umas das melhores realizações poéticas de autores negros falando de si, de seu mundo, de sua esperança” (1978, p. 12). Além da amizade que sempre os uniu, a parceria com Semog daria frutos cinco anos mais tarde, quando ambos voltam à cena literária com mais um livro de poemas – Atabaques – em que o som do instrumento metaforiza todo um estado de espírito combativo. Por meio de um lirismo que acalenta e inspira reflexão, o poema “Maio” lança mão de um léxico que aponta para a identidade negra: “quero ver colares, gritos, danças”. Os versos da primeira estrofe criam quadros metonímicos que movimentam uma cena que, vista como um todo, remete à ideia de coletividade. Ao que acrescenta Limeira, em versos que mais tarde serão ecoados em inúmeras manifestações antirracistas: “por menos que conte a história / não te esqueço meu povo / se Palmares não vive mais / faremos Palmares de novo” (1983, p. 21).

Em 2003, após inúmeras publicações coletivas no país e no exterior, Limeira retoma um projeto individual e publica Black intentions / Negras intenções, em edição bilíngue. O livro mantém vivo o estilo incisivo do autor – “Meu sonho vara madrugadas / Som alto / De timbales que se arrebatam em cânticos / E trago-o como Olorum na crença / Que não me pune em pecados” (p. 65). Mas, aos poucos, o poeta se volta para outros ângulos, em que despontam, por exemplo, “Teu sorriso franco / Bandeira desfraldada / Promessa completa / Rumo a novas estradas” (2001, p. 45).

Nesta linha, seu último livro, Encantadas (2015), traz um visível alargamento de horizontes, em que a temática amorosa ganha destaque, entre outros temas de âmbito universal sem, contudo, deixar de lado o pertencimento identitário que marca toda a sua produção. Aqui, a negrura faz-se presente não apenas como legítima defesa de um universo sociocultural sob constante pressão, mas igualmente para cantar a beleza negra em seu esplendor. O poeta mergulha na subjetividade para tratar de temas caros ao ser humano em sua relação com a pessoa amada. No poema “Quissange”, percebe-se um trabalho estético que visa associar a corporeidade da mulher negra com a beleza da sonoridade do instrumento, criando um efeito de movimento e uma ideia de belo diretamente associada a propriedades de origem africana. Já no poema “Negra I”, a reiteração do adjetivo no primeiro verso, seguida por um segundo que aponta a injustiça praticada contra essa persona poética, ao mesmo tempo em que denuncia uma prática de violação historicamente localizada, desloca o sentido pejorativo da palavra para um campo semântico positivo e afetuoso. A voz poética masculina constrói um lirismo direcionado à mulher negra que contraria os sentidos de esterilidade e objetificação que geralmente perpassam os discursos naturalizados na sociedade.

De um modo geral, os poemas de José Carlos Limeira trabalham a negritude, seus aspectos identitários e históricos, a partir de traços marcantes na cultura e na sociedade – a cor negra, um instrumento característico, a data da abolição, Zumbi dos Palmares, os anseios do povo negro, dentre outros – subvertendo e desconstruindo valores pejorativos e estereotipados atribuídos a estes sujeitos. E esse projeto poético de (re)valorização do negro não se circunscreve apenas ao âmbito dos argumentos e das ideias vinculadas em seus poemas, mas está também no léxico, na sonoridade e na imagem, criando uma rede de propriedades estético-discursivas.

Contemplado com verbetes na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho, e no Quem é Quem na Negritude Brasileira, de Eduardo de Oliveira, o autor deixou inúmeros inéditos, dentre eles o aguardado Malakê, em que busca construir, acima da memória individual, uma arqueologia das origens culturais e políticas das comunidades afrodescendentes de Salvador e do recôncavo baiano, principalmente Cachoeira.

José Carlos Limeira faleceu em 12 de março de 2016. Além de traduzidos em vários idiomas, seus textos em prosa e poesia são objeto de teses e dissertações no Brasil e no exterior.

 


PUBLICAÇÕES

Obra individual

Zumbi... dos. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1971. (poesia).

Lembranças. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1972. (poesia).

Black intentions / Negras intenções. Salvador. Edição do autor, 2003. (poesia).

Encantadas. Salvador: Ogum’s Toques Negros, 2015. (poesia).

Coautoria

O arco-íris negro (com Ele Semog). Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1978. (poesia).

Atabaques (com Ele Semog). Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1983. (poesia).

Antologias

Calalloo, vol. 2, number 1. University of Kentucky/USA, 1980.

Cadernos Negros 3. Org. Cuti. São Paulo: Ed dos Autores, 1980.

Cadernos Negros 4. Org. Cuti. São Paulo: Ed dos Autores, 1981.

Axé – Antologia da Poesia Negra Contemporânea. Org. Paulo Colina. São Paulo: Global Editora, 1982.

Cadernos negros 6. Org. Quilombhoje. São Paulo: Ed. dos Autores, 1983.

Cadernos negros 7. Org. Quilombhoje. São Paulo: Ed. dos Autores, 1984.

IKA – Zeitschrift für Kulturaustausch und internationale Solidarität 25. Stuttgart. Ed. IKA, 1984.

Cadernos negros 8. Org. Quilombhoje. São Paulo: Ed. dos Autores, 1985.

A razão da chama – antologia de poetas negros brasileiros. Org. Oswaldo de Camargo. São Paulo: GRD, 1986.

Pequena antologia temática. In: CAMARGO, Oswaldo. O Negro Escrito. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1987.

Schwarze Poesie. Org. Moema Parente Augel. St.Gallen/Köln/São Paulo. Edition Diá, 1988.

Schwarze Prosa. Org. Moema Parente Augel. St Gallen/Berlin/São Paulo. Edition Diá, 1993.

Calalloo, vol. 18, number 4. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1995.

Negro Brasileiro Negro - Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 25. Rio de Janeiro. Ed. IPHAN, 1997.

Cadernos Negros - Os melhores Contos. Org. Quilombhoje. São Paulo: Quilombhoje, 1998.

Quilombo de Palavras I - A literatura dos afrodescendentes. Org. Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa). Salvador: EDUFBA, 1999.

Quilombo de Palavras II - A literatura dos Afrodescendentes. Org. Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa). Salvador: EDUFBA, 2000.

Cadernos Negros 23. Org. Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2000.

Cadernos Negros 25. Org. Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2002.

Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Org. Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 3, Contemporaneidade.

Não Ficção

Negro Brasileiro Negro - Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 25. Rio de Janeiro: IPHAN, 1997.

Revista Tempo Brasileiro 92/93 – O Negro e a Abolição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1988.

Revista Cepaia Realidades Afro-Indígenas - Universidade do Estado da Bahia. Salvador: UNEB, 2001.

Sementes: Cadernos de Pesquisa v.2 n. 3 e 4. Universidade do Estado da Bahia. Salvador: UNEB, 2001.

Agenda da Universidade do Estado da Bahia. Salvador: UNEB, 2000.

Agenda da Universidade do Estado da Bahia. Salvador: UNEB, 2001.

Agenda da Universidade do Estado da Bahia. Salvador: UNEB, 2002.

 


TEXTOS

 


CRÍTICA

 


FONTES DE CONSULTA

AGIER, Michel. A Construção do “Mundo Negro”. Comunicação apresentada no IV Encontro de Ciências Sociais no Nordeste. Salvador, 10 a 13 de dezembro. CRH/UFBa. 1989.

BERND, Zilá. Negritude e Literatura na América Latina. Porto alegre: Mercado Aberto, 1987.

CAMARGO, Oswaldo de. Apresentação. In: LIMEIRA, José Carlos; SEMOG, Ele. O Arco íris Negro. Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1978.

CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1984.

CARVALHO, Wilma Avelino de. Construção de identidade negra no conto “Tanclau”, de José Carlos Limeira. In: MENDES, A. M.; FERREIRA, E.; COSTA, M. T. A. (Orgs.). Literatura, história e cultura afro-brasileira e africana: memória, identidade, ensino e construções literárias. Teresina: Editora UFPI; Fundação Universidade Estadual do Piauí, 2013, p. 147-157.

COSTA, Haroldo. Fala Crioulo. Rio de Janeiro: Record, 1982.

DAMASCENO, Benedita Gouveia. Poesia Negra no Modernismo Brasileiro. Campinas: Pontes Editores, 1988.

LEITE, Sebastião Uchoa. Presença Negra na Poesia Brasileira Moderna. In: Revista do Patrimônio Histórico e artístico Nacional. Rio de Janeiro, n. 25, 1997.

PORTELA, Zoraide. Quilombos da memória: poesia e resistência em José Carlos Limeira. In: AUGUSTO, Jorge (Org.) Contemporaneidades periféricas. Salvador: Segundo Selo, 2018, p. 229-247.

SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Ed. Moderna, 1985.

SILVA, Zoraide Portela. A poesia quilombola de José Carlos Limeira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.

SILVA, Zoraide Portela. Por uma poética da diferença: a escrita quilombola de José Carlos Limeira. In: FERREIRA, E.; MENDES, A. M. (Orgs.). Literatura afrodescendente: memória e construção de identidades. São Paulo: Quilombhoje, 2011, p. 203-214.

SOUZA, Florentina da Silva. Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

SOUZA, Florentina da Silva. José Carlos Limeira. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 3, Contemporaneidade.

TAVARES, Ildásio. Nossos colonizadores africanos. Salvador: Editora UFBA, 1996.

 


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