Carolina Maria de Jesus

e o associativismo político cultural negro nos anos 19601

 

Mário Augusto Medeiros da Silva*

Agora sei que a terra me pertence / como pertence ao branco e a descoberta / do que é meu por fim me arrebata / e a minha velha alma está liberta / Agora está liberta a minha alma... / e cresce em mim o ardor de sonhos novos: / Ah, todo negro é homem entre os homens / e pode, irmãos, erguer-se entre os povos / Festejais minha entrada entre as faces risonhas, / aplaudi o findar do meu longo lamento, / este se esvai ao longe, leva-o o vento... / Derrubei as estátuas de faces tristonhas / que choravam meu ser, ah, irmãos, festejai! / É primavera e o inverno longe vai!

Poema da Descoberta (À Carolina Maria de Jesus), Níger, ACN, São Paulo, setembro de 1960.3

O ano de 1960 marca a edição de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, de Carolina Maria de Jesus. Lançado em agosto, a Associação Cultural do Negro4 promove homenagem à autora no seu salão, em 28 de setembro, Dia da Mãe Negra. Para tanto, convida diferentes entidades civis, como a Academia Paulista de Letras e o Grêmio da Faculdade de Filosofia e Letras da USP5. Nesse mesmo ano, a associação passa a editar, desde julho, um jornal mensal chamado Níger. Seu terceiro número (setembro de 1960) traz aquela escritora na capa.

Níger – Publicação a serviço da coletividade negra, presta homenagem à autora que seria o sucesso literário de vendas do ano, bem como a grande expressão de um autor negro nacional, sem precedentes, evocando-a como um fato de extrema importância, cultural e social, ao grupo que aquele jornal e associação buscavam representar. Nesta edição, publicam-se um editorial (sobre a figura de De Jesus e a mulher negra), o poema apócrifo de Oswaldo de Camargo – que serve de epígrafe a esta subparte – e um samba em deferência à escritora, de autoria de B. Lôbo. O editorial da publicação é uma exaltação, com ressalvas, à figura da mãe negra atribuída à escritora, bem como uma tentativa de construir sua imagem como síntese dos propósitos do meio negro organizado:

Carolina Maria de Jesus é a expressiva figura, por nós escolhida, para simbolizar a homenagem que hoje rendemos à “Mãe Negra”, num ato de nosso civismo, pelo transcurso da data de 28 de setembro, e do 89º aniversário da Lei do Ventre Livre. [...] A nossa homenageada – a “Mãe Negra” – é uma imagem emotiva que vive em nossa recordação, e por isso mesmo não podemos jamais olvidá-la pelos feitos que no passado ela concretizou [...] deu ao Brasil suas melhores tradições e soube encher os velhos solares das famílias de tantas ternuras e poesias [...] Carolina Maria de Jesus é uma contradição histórica de tudo isso. Ela vem malsinada, tal qual uma sombra errante, do submundo da sociedade moderna, para contar uma história, a sua história, que galvanizou os sentidos de toda opinião pública, pelas suas revelações estarrecedoras. [...] O diário da favelada Carolina é um depoimento que não só retrata, em seu triste conteúdo, as nossas mazelas sociais do momento, como remontam[sic] aos erros políticos – em matéria de justiça social – desde o alvorecer da República. [...] Pelo menos para nós esse livro foi mais que isso [sucesso de vendas], porque nele encontramos uma advertência fora do comum [...] O significado dessa advertência tem suas ressonância nos fundamentos daqueles pontos básicos que são a razão de ser dos anseios de nossa luta [...]6

Ilustração 1: Carolina M. De Jesus em Niger da ACN, setembro de 1960.

Segundo as memórias de Correia Leite, ainda foi feita, na casa dele, “[...] um grande almoço e foi a primeira homenagem que a Carolina de Jesus recebeu por causa de seu livro, Quarto de Despejo [...] Foi uma homenagem que me deixou sensibilizado por causa da Carolina, que praticamente ofuscou o aniversariante que era eu”. A figura de De Jesus passaria a ser alvo de disputa após a publicação de seu primeiro livro, de diferentes interesses e matizes intelectuais ou políticos. No meio negro organizado, embora em menor escala, não se deu algo diferente.

Se a ACN promove um número de seu recém-lançado jornal e uma homenagem na casa de um de seus principais líderes à escritora, o Clube 220, espécie de organização rival7, sediada no mesmo prédio, a partir da publicação de Quarto de Despejo passa a promover O Ano Carolina Maria de Jesus (1960-1961). A disputa fica clara na carta-resposta que o 220 remete à ACN, por ocasião do convite que esta fizera àquele clube, em razão do evento promovendo o Ano Cruz e Souza:

Acusamos o recebimento de seu estimado ofício s/n º que embora datado de 31 de Janeiro, somente chegou às nossas mãos no dia 6 do fluente (?), cujo conteúdo mereceu a nossa proverbial consideração [...] Como já é sabido do conhecimento Vv. Ss., e também do domínio público, esta comissão – supervisionada pela diretoria do Club “220” instituiu o Ano “CAROLINA MARIA DE JESUS”, programado para o decorrer do ano em curso uma série de festividades em homenagem ao êxito nacional e internacional conquistado por aquela escritora, com seu livro “QUARTO DE DESPEJO”, best-seller de 1960, contando já esta comissão com todas as Associações interioranas à margem enumeradas [...] Como ponto alto de tais festividades, desejamos comunicar Vv. Ss., que a Câmara Municipal de São Paulo acolheu a nossa iniciativa, aprovando a concessão do título de “CIDADÃO PAULISTANA” àquela escritora, que será entregue no próximo dia 9 de março p. vindouro [...] Eis os motivos porque este Clube lamenta a impossibilidade de atender o gentil convite de Vv. Ss. [...] Outrossim, no sentido de dirimir dúvidas, apreciaríamos que Vv. Ss. consultassem novamente seus registros, uma vez que de acordo com dados oficiais que mantemos em nossos arquivos, o nascimento do emérito poeta JOÃO DA CRUZ E SOUZA, ocorreu a 09 de março de 1892[sic] transcorrendo portanto o centenário do seu nascimento no próximo ano e não neste ano. [...]8

A ACN exaltava De Jesus como um exemplo de afirmação do negro e, particularmente de mãe negra, talvez inaugurando uma das imagens mais associadas à escritora: a mãe negra, uma espécie de reserva moral e benigna. Simbolicamente, uma homenagem se deu no dia 28 de setembro de 1960. Todavia, é importante observar que um embate entre essa organização e a autora. A mãe negra em questão é solteira, com três filhos, de três pais diferentes e dois anos de instrução formal. Causava um certo empecilho para os propósitos daquela associação (o elevamento moral do negro, que em grande parte passava pela valorização / normatização do comportamento mundano). São sintomáticos, neste sentido, os depoimentos de Correia Leite e Camargo, referências política e cultural da ACN:

[...] o Audálio Dantas me chamou de lado e disse: [...] – Leite, você que tem um certo prestígio, vê se dá uns conselhos para a Carolina porque parece que ela está deixando subir na cabeça certas bobagens por causa do sucesso do livro...[...] Eu fui falar com a Carolina e ela me prometeu que ia continuar a mesma, que não ia deixar aquilo acontecer. Só que, não demorou muito tempo, ela se desligou do Audálio Dantas e andou fazendo algumas bobagens, como aparecer no carnaval com roupas excêntricas, querer freqüentar certos meios que ela não tinha condições... E homens também que ela começou a encontrar. Uma mulher sofrida que se vê, de repente, numa situação daquela, se não tiver muita força de vontade, vai fazer das suas mesmo, vai querer passar pelo que não é [...]9

Oswaldo de Camargo, intelectual negro que pertenceu à Associação, acentua a crítica por outro ângulo, da repentina obsolescência que a autora de Quarto de Despejo ganha em meio a ACN:

[...] Então, a história aí, eu só vejo o seguinte: o Quarto se tornou um caso... Não sei até que ponto é um caso de Literatura ou é um caso de memória. Tem Literatura sim [...] Mas você deve ver como memória, como documento... Só sei que ela ganhou repercussão e essa repercussão foi o que impediu depois, em parte, a Carolina. Ela não soube medir muito bem, até que ponto, ela devia tomar certas atitudes. [...] Nunca ninguém citou Carolina de não-sei-o-quê... “Vamos por a Carolina na nossa antologia... Vamos convidar a Carolina...” Não, Carolina não foi um fato! A minha opinião. A Carolina... única pessoa que, se não me engano, falou que a Carolina era um modelo para os escritores negros foi um marxista: Clóvis Moura. [...] Talvez ele quisesse dizer que todo autor negro deveria entrar nesse campo. Não. Entra quem vive, quem quer. Há outros campos muito poderosos da Literatura que não são exatamente de desmesura social. Porque, na verdade, a Carolina era desmesurada: ela tava fora de todo padrão. Mas você não precisa viver daquele jeito, para ser escritor. [...] Não altera nada a Literatura nossa. A Literatura continuou sendo feita pelos mesmos autores. As reuniões que nós fazíamos na década de 60, na casa da Nair Araújo [membro do TEN-SP e do setor cultural da ACN]e outros autores, na minha casa... ninguém pensou: “Ah, convida a Carolina para...”10

Se a ACN possui resistências à figura e ao tema de Carolina – embora ambos lhe tenham sido úteis no princípio, e mesmo que como verniz tenha sido simpática aos dois – a mesma reserva com a conjugação das imagens não possui o Clube 220. Pelo contrário: é esta associação – autointitulada Entidade Orgulho da Família Negra Brasileira – que, além de promover o Ano Carolina Maria de Jesus, lança a campanha para outorga do título de Cidadã Paulistana à autora. Frederico Penteado Jr., presidente do Clube, afirma em carta à ACN que

[...] Conforme já é do conhecimento Público, foi esta entidade autora do manifesto Público contendo mais de cinco mil assinaturas, dirigido à Câmara Municipal de São Paulo através do edil Italo Fittipaldi, pelo seu ofício n º 51 datado de 12 de setembro de 1960 o qual solicitava que a autora do livro Quarto de Despejo, mineira, côr Preta, de 46 anos, mãe solteira de filhos e que foi, há pouco ocupante do barraco n º 9 da Rua A, na Favela do Canindé, fosse agraciada por essa Edilidade, como “CIDADÃO PAULISTANA”, cuja literatura contemporânea foi revolucionada por um livro, “QUARTO DE DESPEJO”[...]deseja esta entidade contar […] com sua presença no próximo dia 28, para o seguinte PROGRAMA:[...]Pela manhã na igreja da Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no largo do Paissandú, missa em homenagem a esta babá, Mãe de duas gerações da Branca e da Preta, às 9,30hs[...] Em seguida, com a presença da escritora Carolina Maria de Jesus e outros, colocará no Monumento à Mãe Preta diversos ramalhetes de flores como gratidão da família brasileira àquela ilustre personalidade[...] Às 15h no Plenário da Câmara Municipal de São Paulo quando os edis em sessão especial entregará [sic] a Carolina Maria de Jesus o título de “CIDADÃ PAULISTANA”, iniciativa deste clube[...]11

Vejamos como se dá, então, esse processo de conversão simbólica de Carolina Maria de Jesus, intermediado pelas associações negras paulistanas, com seus interesses em disputa.

De Habitante do Monturo a “Shakespeare de Cor”

Outorgamos, hoje, com a pompa necessária, o Título de Cidadã Paulistana à maravilhosa figura da mineira Carolina Maria de Jesus [...] Ela é cidadã de São Paulo – cidadã do Brasil [...] Trata-se de uma personalidade invulgar, da mensageira de um protesto assombroso, de uma alma literária que, como a planta ressurge do chão, e vive, e respira, e se ramifica, pelos descendentes, no futuro [...] Da favela obscura, misérrima – quem o poderia supor? – aparece um Shakespeare de cor, um Mollière que é mulher, um Dante que descreve o inferno em terra, e a linguagem vibrante, ágil, pura e sonora que indica o verdadeiro poeta, que transporta a carne, o sangue para o papel, na pungente descrição das angústias e decepções dum canto da humanidade.12

Se as ideias de um protesto e revolta negros até então se consumavam de maneira abstrata, galvanizando sujeitos ligados a associações – e, internamente, em número menor, aqueles afeitos à Literatura – a concretização daquelas ideações em Quarto de Despejo: diário de uma favelada é absolutamente inesperada.

A revolta e o protesto não estão ali organizados; a autora é oscilante em meio a suas constatações. Suas ligações com as associações negras são contatos ocasionais, na rua, quando ainda não era famosa. A favela, o lugar de onde fala é suspeito, até então, para o surgimento de algo como expresso em Quarto. Ela consegue, a um só tempo, por meio da Literatura, colocar em pauta os problemas da fome, das favelas, do racismo, do clientelismo político, da marginalidade social, do negro no pós-abolição etc. visto pelos despossuídos. Entretanto, talvez por tudo isso amalgamado, Carolina Maria de Jesus desperte o interesse quase imediato – e conflituoso, seja entre si ou com a escritora – de negros organizados, em seu movimento pendular do assistencialismo à autodeterminação.

O projeto de resolução n º 54, arquivado no processo 5480 de 1960, guardado na Câmara Municipal de São Paulo, apresenta os passos efetuados para a outorga do título de Cidadã Paulistana a De Jesus. A iniciativa partiu do Clube 220 que, em tempo recorde, encaminhou carta e abaixo-assinado, com cerca de 6.000 adesões, subscritas em 46 páginas, à Câmara, em 12/09/1960. O livro de De Jesus fora lançado no mês anterior. A carta enviada ao vereador Ítalo Fittipaldi13, solicitava a aprovação de seus termos em regime de urgência pela edilidade, afirmando que

Como é do conhecimento público, a literatura contemporânea está sendo revolucionada por um livro, cuja procedência o identifica como uma das mais arrojadas páginas [...] Trata-se de QUARTO DE DESPEJO, que tem como autora a favelada CAROLINA MARIA DE JESUS[...] QUARTO DE DESPEJO, pela força do realismo com que foi escrito, consiste, longe de CRÍTICA DESTRUIDORA, um índice do caminho a seguir para exterminar com os focos malignos das sórdidas favelas do nosso País. [...] Ainda em se tratando de regime de urgência [...] seja-nos permitido indicar a data de 28 de setembro corrente para esta solenidade, tendo em vista que transcorre neste dia mais um aniversário da “Mãe Preta”, Mãe das gerações de ontem, de hoje e de amanhã.14

A repercussão de Quarto justifica, em partes, a solicitação do 220. O 220 não queria ficar de fora disso, assim como não o quis a ACN. Ambas elegem o mesmo dia para homenagear a autora, disputando o impacto causado. Todavia, dado o adiantado do tempo e os entraves burocráticos, embora aceite a outorga por mais de dois terços dos vereadores, não seria possível realizar a cerimônia naquele mês de setembro de 1960. O parecer final sobre o pedido foi emitido entre 27 de outubro e 13 de dezembro do mesmo ano, passando por diferentes comissões. Estendem-se as discussões até 1961.

Isso permite afirmar a estratégia do Clube 220 em construir uma espécie de campanha, criando o Ano Carolina Maria de Jesus, como forma de não desaquecer o ímpeto da iniciativa, enredado pela burocracia. A redação final do projeto de resolução só ocorreu em 30 de maio de 1961 e o convite para que De Jesus recebesse seu título foi enviado a 15 de setembro, como arquivado na folha 78 do processo.

A outorga, efetuada em 28/09/1961, durante a 38ª Sessão Especial da Câmara Municipal, contou com a presença (anunciada e taquigrafada) do Vice-Governador de São Paulo, General Porphyrio da Paz, do presidente da Câmara Municipal, Manuel Figueiredo Ferraz, do escritor e teatrólogo Solano Trindade, de membros do 220, além Fittipaldi, vereadores e da homenageada. O discurso proferido por Fittipaldi (folhas 86-90 do processo), associa De Jesus exagerada e retoricamente a distintas figuras da Literatura Mundial e/ou suas obras: Shakespeare (Hamlet), Zola (L´Assommoir), François Villon e Christopher Marlowe, Verdi (Rigolleto), Dickens (Oliver Twist), Machado de Assis (Memorial de Ayres). No plano da questão social, relaciona-a a Josué de Castro (Geografia da Fome). A tudo isso, a autora responde em seu discurso de agradecimento, taquigrafado às folhas 91-93 do processo 5480/60, do qual se extrai os excertos abaixo, que:

[...] A transição da minha vida foi impulsionada pelos livros. Tive uma infância atribulada. Não me foi possível concluir o curso primário, mas desde que aprendi a ler passei a venerar os livros fantasticamente, lendo-os todos os dias. [...] Se não fosse por intermédio dos livros que deu-me boa formação, eu teria me transviado, porque passei 23 anos mesclada com os marginais. [...] Devo agradecer aos brancos de São Paulo que deram oportunidade aos pretos, aceitando as nossas criações e acatando-nos no núcleo social. Este gesto contribui para abolir preconceitos raciais [...]

Não seria bem isso que as associações negras gostariam de ouvir, pelo menos não a parte a final do discurso. A igualdade deveria ser uma conquista e não uma concessão, para maioria daquelas associações. Abre-se espaço para o discurso do presidente da Câmara, Manuel Ferraz, em que exorta a falta de preconceito racial em São Paulo e no país. Como devem ter reagido Solano Trindade, os membros do Clube 220 e outros a isso? Das fontes, nada consta. Além disso, Ferraz trata o problema da favela como se De Jesus tivesse descortinado uma cena oculta da metrópole emergente. Em verdade, ela o inseriu numa pauta sócio-política. As favelas estavam à luz dos olhos de todos. Ferraz propõe medidas que vão do assistencialismo à ação direta, fornecendo poucos elementos para a concretização de um ou doutro (folhas 94-96):

[...] é preciso que este eco tenha ressonância nesta Casa; que não fiquemos, nós outros, indiferentes ao clamor daqueles que menos favorecidos clamam por aqueles que podem acolhê-los ou socorrê-los na sua miséria e no seu abandono. [...] Por isso, escritora Carolina Maria de Jesus, o seu apelo será atendido, por certo. [...] Esta cidade [...] lhe é grata pelos serviços que você prestou a nossa coletividade, chamando a atenção para um problema que sabíamos conhecer mas que preferíamos desconhecer. E agora os nossos olhos estão abertos. É preciso que alertemos os demais para que este problema não constitua um problema mas que seja agora um movimento para a solução desse mal, que é o mal da favela de São Paulo [...]

De final dos anos 1940 até meados da década de 1960, os temas da favela, da marginalidade social e da integração do negro entrarão na ordem do dia, para diferentes setores sociais, no curto espaço de tempo até começo de 1964. De Jesus estará no centro desses debates até a altura de 1962. A mobilização de alguns setores da sociedade em busca de uma solução para o problema descortinado permite uma análise interessante sobre a forma recorrente de se lidar de maneira precária com problemas sociais, em verdade, irresolutos desde muito tempo. Ironicamente, Quarto de Despejo, o diário de uma favelada, é que traz a cidadania daqueles debates.

Notas

1 Texto modificado de Silva, Mário Augusto M. da Silva. O negro marginal e as associações negras: Quarto de Despejo, 1960. A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000), Rio de Janeiro: Aeroplano, 2013, p. 284-297. Apresentado à mesa “Carolina Maria de Jesus: a poética da palavra”, durante o VI Colóquio Mulheres em Letras, 11 de abril de 2014, Faculdade de Letras – FALE/UFMG.

2 Departamento de Sociologia – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, IFCH-Unicamp.

3 Na edição de Níger, o poema não está assinado. Contudo, Oswaldo de Camargo afirmou que: “Fui eu quem escreveu isso aqui. Ninguém sabe. [...] Eu pus aqui [em seu exemplar da revista] O.C. Só para eu não esquecer que fui eu [risos]”. Entrevista de Oswaldo de Camargo concedida a Mário Augusto Medeiros da Silva em 29/07/2007, São Paulo. Fonte do poema: AEL – Unicamp, microfilme MR/2714.

4 Fundada em 28 de dezembro de 1954, por um conjunto de intelectuais, ativistas e sujeitos negros preocupados com a invisibilidade de seu grupo social nas comemorações oficiais do IV Centenário da cidade de São Paulo (1554-1954). Sobre ela, ver José Correia Leite & Cuti. … E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992; bem como a tese de Silva, Mário Augusto Medeiros da. A descoberta do insólito. Op. Cit., além do artigo de Mário Augusto Medeiros da Silva. Fazer História, Fazer Sentido: Associação Cultural do Negro (1954-1964). Lua Nova, São Paulo, n. 85, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452012000100007&lng=pt&nrm=iso Acesso em: 04 de maio, 2014.

5 Embora convidadas, ambas não estiveram presentes. Cf. Carta de Aristêo Seixas, Presidente da Academia Paulista de Letras, que se desculpa por que “Meu estado de saúde não me permite sair à noite, razão por que deixo de comparecer a essa reunião”; e Ofício n. 273/60, de Fred Lane, Presidente do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, datadas, respectivamente, de 28/09/1960 e 05/10/1960. Cf. ACN DIE COR 1243 P018 J001 e ACN DIE COR 1244 P018 J002. Coleção Associação Cultural do Negro, Acervo UEIM-UFSCar.

6 O sentido Humano da Mãe Negra. Níger, São Paulo, Associação Cultural do Negro, setembro de 1960. Microfilme MR/2714, Arquivo Edgar Leuenroth (AEL-Unicamp) microfilme MR/2714. Grifos e colchetes meus.

7 “Nós fizemos um convite para o Clube 220 e eles mandaram um ofício respondendo, onde fizeram uma advertência de que eles tinha conhecimento da nossa ideia de prestar uma homenagem a Cruz e Sousa em virtude da passagem do seu centenário, mas nós estávamos errados porque ele não nascera em 1861 e sim em 1862. Nós tivemos que fazer um ofício falando sobre o então recente livro do Andrade Muricy que, definitivamente, esclareceu que a data era mesmo 1861.” Esta e a citação imediatamente anterior, checar: LEITE, José C. & CUTI. ...E disse o velho militante José Correia Leite, Op. Cit., pp.179 e 184-185, respectivamente.

8 Ofício n. 69/61, do presidente do Clube 220, Frederico Penteado Júnior a Adélio Alves da Silveira, presidente da ACN, datado de 24/02/1961. Documento ACN DIE COR 1254 P018 J012. Coleção Associação Cultural do Negro, Acervo UEIM-UFSCar. Algumas das associações interioranas estão listadas em nota de rodapé.

9 LEITE, José C. & CUTI. ...E disse o velho militante José Correia Leite, Op. Cit., p. 182

10 Entrevista de Oswaldo de Camargo concedida a Mário Augusto Medeiros da Silva em 29/07/2007, São Paulo.

11 Ofício n º 283/61 de Frederico Penteado Júnior, presidente do Clube 220 ao presidente da ACN, datado de 26/09/1961. Cf. ACN DIE COR 1280 P018 J044. Coleção Associação Cultural do Negro, Acervo UEIM-UFSCar

12 Discurso proferido pelo vereador Ítalo Fittipaldi, em 28 de setembro de 1961, em homenagem a Carolina Maria de Jesus. Fonte: Arquivo da Câmara Municipal de São Paulo, Processo n º 5480, folha 86.

13 “Tendo atuado durante doze anos no antigo PSP[Partido Social Progressista, criado em 1945, por Adhemar de Barros], Ítalo Fittipaldi iniciou sua carreira política elegendo-se vereador na capital paulista em 1954, mandato que foi renovado em 1958. Ao longo desse período, Fittipaldi ocupou a Secretaria Municipal de Educação e Cultura, durante a gestão de Ademar de Barros (1955-1959). Em 1962, Fittipaldi candidata-se pela primeira vez à Câmara dos Deputados, conquistando apenas uma suplência. Após se filiar à Arena, conquista o seu primeiro mandato de deputado federal em 1966. Depois de se reeleger em 1970, o parlamentar tenta, sem êxito, a conquista de mais um mandato no pleito de 1974, deixando a Câmara dos Deputados no ano seguinte”. Cf. MADEIRA, Rafael Machado. Integração regional e fragmentação partidária: uma análise de carreira política dos deputados federais da ARENA em São Paulo. Sociedade e Cultura, v. 7, n. 2, julho/dezembro, 2004, p. 219.

14 Carta de Frederico Penteado Júnior ao vereador Ítalo Fittipaldi, datada de 12/09/1960. Fonte: Arquivo da Câmara Municipal de São Paulo, nº 5480/1960, folha n. 04.

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* Mário Augusto Medeiros da Silva é Doutor em Sociologia e Professor do Departamento de Sociologia do IFCH da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Autor de Os escritores da guerrilha urbana: literatura de testemunho, ambivalência e transição política 1977-1984 (2008), A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil, 1960-2000 (2013), e dos volumes de contos Gosto de amora (2019) e Numa esquina do mundo (2020).

 

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