Xangô, o guerreiro conquistador

Vou contar para vocês o que me foi contado por uma velhinha, filha de Oxalá, chamada Maria Báda (Olufan Deyi, nome do orixá).

Um certo dia ela estava na roça do Opô Afonjá, sentada em um banquinho em frente da casa de Ossain, eu fiai passando, e ela disse:

— Meu neto, venha cá, você é filho de Xangô, não é?

Respondi:

— Sou, sim, senhora.

— Você sabe ou tem algum conhecimento das façanhas e proezas que seu pai andou fazendo por todo este mundo?

— Não, senhora.

— Pois bem, vou contar uma delas para você.

Xangô era um homem forte, de cor preta, simpático, atraente e conquistador.

Ele gostava muito de passear pelas tribos, conquistando e se apoderando das mulheres dos outros.

Um dia o sol estava tinindo de quente, ele ia passando por um lugar e encontrou com Obá ajoelhada, pedindo aos seus deuses para mandarem chuva.

Xangô, atrevido como ele só, forçou Obá e viveu com ela.

Ela era velha, mas muito bonita, amorosa e recomendava a todos o amor daquele varão; mas Xangô era moço, cheio de vida e logo se aborreceu de Obá.

Uma noite que a velha descendente do céu adormeceu, ameaçando com as cóleras de Orixalá, Xangô fugiu e começou pelo mundo uma vida de prazeres e de lutas.

Em cada canto aparecia um inimigo, em cada tribo uma guerra. Xangô correu por todos os sertões onde as cobras suspendiam as cabeças escamosas, chegou a limpar o suor do rosto no seu saiote de fogo, dizendo com desespero:

Baba l’ori mi, ba mi ô! (O pai da minha cabeça, me valha!).

Certa vez ele chegou em uma aldeia, todo roto, com o rosto ferido e perseguido por uma tropa de guerreiros, quando a rainha Oxun mandou chamar ele no palácio. Quando ele chegou ficou pasmado, o palácio era enorme e todo de cristal líquido. O Sol, com seus raios de luz, clareava todo o palácio com cores estranhas, era um verdadeiro paraíso. Dentro, a linda rainha Oxun sorria com o seu mais doce sorriso.

— Xangô, você é muito valente — disse ela. — Eu gosto de você. Vem morar comigo aqui neste palácio, que desde já lhe pertence.

Xangô, que era muito desconfiado e prudente, perguntou:

— Quem é a senhora?

— Eu Oxun sou, neta de Obá, descendente dos Orixalás.

Xangô pensou, em pé na porta sem querer entrar. Depois de ter pensado e refletido bem, ele disse:

— Oxun, você é muito bonita, mas é neta de Obá, a velha que me persegue com seus feitiços. Vejo que você não me quer mal, mas só entro se você mandar abrir uma porta no fundo deste palácio...

Oxun estendeu o braço,  no fundo do palácio um pano d’água caiu, e Xangô viu a floresta escura. Nisto ele foi entrando, dizendo para Oxun:

— Você é muito boa.

Neste momento também foram chegando os inimigos e com receio de que Xangô tivesse fugido, foram consultar os Babalaôs, dos quais o mais moço, por nome Kankanfô, era tão sábio que todos os orixás lhe respeitavam.

Os Babalaôs fizeram e amarraram um Oxê (figura de gameleira), para mostrar que Xangô não tinha fugido; os guerreiros invadiram o palácio, quando se depararam com o Oxê, saíram todos a bradar:

— O rei não se enforcou. Vamos para a guerra!!!

Foi quando ouviram um enorme trovão, e Xangô, num relâmpago de fogo, apareceu gritando:

— Emi Xangô, Oba Ati Baba Inã (eu sou Xangô, o rei e pai do fogo).

Xangô já era um Deus. Os guerreiros ficaram estáticos, com as armas nas mãos sem nada poder fazer.

Os Babalaôs levantaram as mãos ao céu em sinal de respeito, dizendo:

— Ayo! Kabiesi!

Xangô olhava para todos com desprezo. De repente, no rio formou uma neve e apareceu a imagem de Oxun, que, com sua voz terna, assim dizia:

— Xangô, aqui estou, vamos para casa...

O guerreiro ia se retirando, mas teve que parar.

Os Babalaôs disseram para Xangô:

— Você é mais do que um homem, mas só sai daqui depois que fizer o ebó dos Orixás.

Xangô disse:

— Eu sou um guerreiro e não me sujeito. Ninguém é mais do que eu! Kankanfô, o mais sábio dos homens e dos deuses, vai falar!

Kankanfô apareceu, olhando os assistentes, olhou o céu e disse:

— Você anda mal, Xangô. Reprovo toda sua vida. Falo para o seu bem. Se não fizer o ebó com um cágado e todos os preparos, nunca mais você vai deixar esta vida errante, e a vida, assim, é um grande mal para o seu corpo e para todos nós. Faz o ebó, guerreiro!

Havia tanta doçura nas palavras de Kankanfô que Xangô se curvou, dizendo:

— Vou fazer.

— E comerás com os outros o amalá, caruru de quiabo, sem desperdiçar um só caroço de quiabo?

— Comerei — disse Xangô.

Kankanfô sorriu e jogou o opelé (adereço usado pelo sacerdote de Ifá) para saber o futuro daquele instante, mas não teve tempo.

Velha, toda acabada e apaixonada por Xangô, chegava Obá, dizendo:

— Estou cansada de perseguir Xangô. Se não fosse por minha causa ele não chegava a ser o que é. O meu ebó deve ser feito junto com o dele.

— Nunca, velha horrível! Só obedeço à palavra de Kankanfô!

O jovem Babalaô não disse nada. Jogou seu opelé. Pensou, refletiu bem e depois disse:

— O ebó de Obá deve ser separado porque ela é, no momento, apenas avó de Oxun...

Nisto Xangô se jogou nos braços da rainha Oxun, e uma nuvem com trovão, vento e chuva embebeu toda a terra durante aquele enlace.

 

(Contos negros da Bahia e Contos de nagô. p. 201-204.)