Ossain, Dono das ervas e médico da religião africana no Brasil

Conto africano da nação de Ketu

 

Havia na África, em uma certa época, um casal que tinha três filhos. Um deles chamava-se Ossain. Desde pequeno era devotado às matas e só vivia dentro delas; era muito querido por todos que o conheciam.

Com a idade de dez anos já era o médico de todos os moradores da cidade e de toda a redondeza onde ele morava com sua mãezinha e seus irmãos, faltando o pai, que ele não tinha conhecido.

A sua mãe lhe gostava um pouco, porém simpatizava mais com os outros dois seus irmãos, que também lhe invejavam muito e não lhe tinham muita simpatia.

Ossain reconhecia tudo o que faziam com ele em casa, porém não ligava, pois tudo o que faltava a ele em casa encontrava no mato, na rua, a chamado de alguma família, finalmente, em qualquer que fosse o lugar que ele estivesse.

Os anos passaram. Sua mãe já estava bem velhinha e seus irmãos também já estavam com a idade bem avançada; só Ossain contava com dezoito anos de idade.

Um dia, sem ninguém esperar, Ossain pegou um apó okê (saco grande), juntou todos os seus adôs kekerê (cabaças pequenas) com seus ixés (trabalhos), suas roupas e todos os seus demais ingredientes; depois de tudo arrumadinho, despediu-se de sua mãe, seus irmãos e todos, saindo pelo mundo afora.

Todo lugar por onde ele passava, era bem recebido pelo Obá Laiyê (rei da terra), e todas as pessoas que tinham parentes doentes iam à sua procura e ele imediatamente, confiado no seu poder, dava a atenção precisa àquela pessoa, fazendo com que ficasse boa o mais depressa possível.

Havia uma cidade onde o rei estava às portas da morte e dizia sempre para todos que arranjassem uma pessoa que o fizesse ficar bom, homem ou mulher, que ele dava o seu trono.

Aconteceu que Ossain tinha chegado nesta cidade e imediatamente foi falar com o rei para arranjar uma hospedagem. Quando foi chegando à porta do palácio, disse para o guarda:

— Desejo falar com sua real majestade.

— Sua real majestade está acamado e não pode atender pessoa alguma — respondeu o guarda.

— A mim ele atende, diga que é Ossain Obá Igbô (rei do mato).

O soldado curvou-se a ele e imediatamente providenciou que Ossain chegasse à presença do rei, que ficou muito satisfeito, pois tinha conhecimento dos seus feitos e, pensando na sua cura, mandou que Ossain ficasse no palácio como seu hóspede.

Ossain aceitou e, por recompensa ao rei, resolveu dar alguns remédios para que ele ficasse bom; sem saber de nada do que o rei tinha prometido.

Dentro de seis dias o rei ficou completamente bom; estava curado e bem forte. Passados uns dias depois disso, Ossain foi a presença do rei e disse:

— Rei meu senhor, vossa majestade vai me perdoar, mas o trabalho que tive para lhe devolver a vida tem que ser pago. Não é do meu costume trabalhar para pessoa nenhuma de graça.

Se eu não quiser lhe pagar e lhe mandar para a forca? – perguntou o rei.

Antes de eu subir para a forca, rei meu senhor morrerá; no corpo de vossa majestade está o meu sangue e a minha vila; sou tão poderoso quanto vossa majestade; basta que eu diga três palavras, para que rei meu senhor deixe de viver para sempre.

O rei, muito espantado com toda aquela arrogância de Ossain para com ele, perguntou:

— Quanto custa o seu trabalho, Ossain?

— Rei meu senhor paga meu trabalho com dezesseis cauris (búzios furados e enfiados em forma de rosário).

— Ossain, a palavra de rei nunca voltou atrás; muitas vezes, mais do que se pode se tem: todo este reinado lhe pertence.

Encaminhando-se para ele, tirou sua coroa da cabeça e colocou-a na cabeça de Ossain, dizendo:

— Prometi entregar o meu reinado a qualquer pessoa que me fizesse ficar bom.

Ossain agradeceu ao rei, fazendo questão de só aceitar os seus dezesseis cauris, pois era a quantia que ele achava de direito.

O rei nomeou-o um dos nobres da corte, franqueando todo o palácio e oferecendo tudo o que ele desejasse.

Enquanto isto, a mãe de Ossain tinha ficado doente e estava nas últimas.

Os dois filhos que ela mais estimava não sabiam o que fazer; até que um dia uma vizinha mandou que eles fossem falar com um Oluô (adivinho).

Eles foram, e o Oluô disse que só quem podia resolver aquela situação era Ossain.

Daí cada um tomou para um lado, a fim de encontrar Ossain, pois eles nada sabiam, e tudo o que faziam, em vez de melhorar, piorava a saúde da velha.

Em todos os lugares por onde passavam ouviam falar de Ossain com muita reverência e dedicação. Perguntavam para onde ele tinha ido, se sabiam onde ele estava; até que, finalmente, um deles chegou na cidade onde Ossain morava com o rei, e, bem dito, era quase o rei do lugar.

Aí ele foi ao palácio, levaram ele à presença de Ossain, que muito admirado perguntou:

— Você por aqui é novidade, o que deseja de mim?

O irmão prostou-se a seus pés, pedindo que ele perdoasse tudo o que tinha acontecido e fosse até em casa salvar a sua mãe, caso ainda chegasse em tempo.

Ossain perguntou:

— Vocês estão em condições de pagar o meu trabalho?

O irmão disse que estava.

Então, Ossain viajou juntamente com o irmão e o rei, que fez questão de visitar a terra e conhecer a mãe do seu amigo.

Quando Ossain chegou, a velha estava já na hora da morte.

Ele foi logo preparando os ingredientes. Quando estava tudo pronto, justamente nesta hora, chegou o outro seu irmão que tinha saído à sua procura.

Ossain disse:

— Estou pronto, porém está faltando o principal que é o dinheiro.

Todos os que se encontravam ali por perto, menos o rei, estranharam aquela atitude tomada por Ossain. Disseram os dois irmãos:

— Você vai cobrar o trabalho que é preciso fazer para a saúde de nossa mãe?

— Sim. Se, por ventura, vocês não providenciarem bolar agora, aí no chão, sete cauris, ela morrerá, porque não posso trabalhar para ninguém no mundo, que não seja pago. Caso contrário, o que eu fizer não surtirá o efeito esperado.

Dali fizeram um rateio e conseguiram sete cauris que colocaram no chão, no lugar indicado por Ossain, que apanhou o dinheiro, fez o preceito que devia e em seguida deu o remédio à velha, que duas ou três horas depois achava-se completamente boa.

Ossain, quando viu que a velha estava fora de perigo, despediu-se dela, dos seus irmãos e de todos.

A velha pediu que ele ficasse morando com ela, conforme moravam antes, porém ele disse que não, por não pertencer a ela e não poder ficar somente naquela terra, pois ele era ewê (a folha), e tinha que estar por todo o mundo.

 

(Contos negros da Bahia e Contos de nagô, p. 69-74.)