Escutem, vou contar um caso para vocês. Conheci, numa cidade cujo nome não me recordo no momento, dois rapazes muito amigos e que se consideravam irmãos, vestiam iguais, comiam juntos, onde um ia o outro também o acompanhava e assim por diante.

Eles eram tão unidos que chegavam a dizer: nunca havemos de nos separar, a não ser com a morte de um de nós.

Neste lugar todos admiravam e chegavam mesmo a invejar a união dos dois rapazes, até mesmo os colegas faziam coisas de horror para ver se destruíam aquela amizade, porém nada conseguiam.

Um dia, um daqueles camaradas, bastante revoltado por não conseguir separar os amigos, apelou para Exu, dizendo assim para os demais que se achavam presentes no momento:

— Nós não podemos dar jeito preciso para fazer estes dois camaradas se separarem, não é? Pois tenho plena certeza de que Exu vai fazer o que nós queremos e para este fim já o invoquei.

Todos que ouviram ele falar naquele momento ficaram arrepiados devido à atitude tomada pelo amigo, porém, como estavam no mesmo propósito, não levaram em consideração o que poderia acontecer.

 

Passados alguns dias, os dois camaradas saíram passeando e, como era tempo de frutas, eles foram por uma estrada onde avistaram uns pés de cajus em posições contrárias, e cada um com os frutos mais bonitos.

Vai um deles e diz:

— Eu vou colher alguns cajus naquele cajueiro do lado direito.

E o outro também, por sua vez, disse:

— Eu colherei daquele lado esquerdo pois acho melhor que os da direita.

Quando eles subiram nos cajueiros e estavam colhendo os cajus, apareceu na estrada um homem vestido com um pierrô com um lado preto e o outro vermelho.

O homem, que era Exu, passou pela estrada entre os dois rapazes e, quando já ia bem distante, um dos rapazes perguntou para o outro:

— Você viu aquele homem que passou pela estrada com uma roupa vermelha?

— Para mim está parecendo que hoje é carnaval e os cajus estão lhe fazendo ficar bêbado, porque aquele homem que passou pela estrada foi vestido de preto — respondeu o outro.

O primeiro, convicto do que tinha visto, disse:

— Lembre-se que existe grande consideração entre nós, nunca lhe menti, e não admito que me chame de mentiroso.

Daí desceram dos cajueiros e entraram em discussões severas, a ponto de brigarem corporalmente; quando estavam bem cansados, sem que houvesse um vencedor, o dito homem voltou e ia desapartar a briga, chegando em posição contrária; imediatamente os rapazes reconheceram o homem e um deles disse:

— É, meu amigo, você está com a razão.

O outro, respondendo, falou:

— Você também está com toda razão, pois estou vendo o mesmo homem com a vestimenta da cor que você disse; aconteceu ou fizeram qualquer mal contra nós para nos separar.

Aí então o homem, que era Exu, explicou:

— Ninguém fez nada demais contra vocês, fui eu quem quis fazer assim para mostrar que, nesse mundo, nem tudo pode ser como vocês querem — e desapareceu.

Os rapazes continuaram sendo amigos, porém não existia mais aquela amizade e dedicação que tinham antes.

 

(Contos negros da Bahia e Contos de nagô, p. 131-134.)