Cidade de Oyó

Idéti era uma menina órfã que morava com uma sua tia por nome Adelaiyê e sua prima Omon-Laiyê. Todos que moravam naquela rua (Odé Aiyó) gostavam muito de Idéti e odiavam a prima Omon-Laiyê; por este motivo, Adelaiyê inventou, juntamente com a filha, que Idéti seria capaz de ir ao céu com vida.

Imediatamente encaminharam-se para o palácio do rei Obá-Laiyê e disseram que Idéti tinha dito ser capaz de fazer o que nem ele, nem nenhum rei seria capaz.

Ele perguntou:

— O que disse Idéti?

— Ela disse que pode ir com vida ao céu visitar Obá Orun e trazer qualquer coisa de lá para o rei, como prova.

Então o rei mandou chamar Idéti e disse para ela que, sob pena de morte, ela tinha que fazer a viagem ao céu, para visitar Obá Orun, conforme ela idealizou.

Ela se negou, dizendo ao rei não ter dito nada sobre aquela viagem, pois que ela não sabia como podia ter que ir ao céu com vida.

— Idéti — disse o rei — já dei a minha ordem; só resta pedir o que desejar para a viagem, e que tenha boa sorte.

— De nada preciso, nada quero, e nada temo, desde quando tenho fé em Obá Orun e no espírito da minha mãe.

Idéti despediu-se do rei e de todos os que estavam presentes, foi para o seu quartinho no fundo da casa da madrinha; lá chegando, recomendou-se a Obá Orun e ao espírito da sua mãe, arrumou sua trouxinha e saiu a caminho do céu, por ela ignorado.

Andou bastante e quando já se achava muito cansada foi perto de uma encruzilhada; aí ela se sentou embaixo de um pé de Rôko que adornava o caminho, para descansar e comer um pouco do pouco que conduzia na sua trouxinha. Foi quando apareceu um pássaro e, pousando bem pertinho dela, cantou assim:

Idetí, Idetí
Jala, julo jala
Obá aiye ati arabirin lyá
Jala, julo jala
Omo Arabinrin pelu
Jala, julo jala
Pininu louó otun
Jala, julo jala
Obá Orun feré urará
Jala, julo jala, Idetí
Jala, julo jala

Com estes dizeres o pássaro disse o seguinte:

— Idéti, sua tia, sua prima e o rei levantaram um grande falso, tome para o lado direito, Deus lhe gosta e está à sua espera.

Daí, Idéti recomeçou a jornada, andando sempre para o lado direito, conforme ordenou o pássaro, até quando deparou-se com um grande portão. Ela parou e ficou a pensar como havia de atravessar, pois não tinha outro caminho. Foi quando tornou a aparecer o pássaro, novamente cantando assim:

Agoiyá nilê ô ló esé Olorun
Jala, julo jala
Okunrin kan l’ouó otun
Jala, julo jala
Ekeji didê l’ouó osi
Jala, julo jala
Olorun jokô ninu uon
Jala, julo jala, Idetí

Nisto o pássaro vôou e Idéti entendeu o seguinte:

— Entre, você vai para os pés de Deus, tem um homem em pé do lado direito e outro do lado esquerdo; o que está sentado entre os dois é Deus (Obá Orun).

Ela tomou coragem, bateu no portão e este se abriu dando-lhe passagem. Foi andando até quando avistou uma grande e muito bonita casa para onde encaminhou-se. Quando foi chegando em frente à casa, numa grande varanda, uma pessoa veio ao seu encontro e perguntou:

— Que vieste fazer aqui, menina?

— Vim ver Obá Orun.

— Você sabe que a pessoa quando vem aqui não torna a voltar?

— Sei, porém com a fé, e pelo que fizeram comigo, ele sabe que tenho de voltar.

— Você conhece a quem veio ver?

— Não, mas se me for dado o direito de ver, conhecerei.

Levantando uma grande cortina, a pessoa apontou para as pessoas que ali estavam e perguntou para Idéti:

— Qual daqueles três é Obá Orun?

— É o do meio — disse ela.

— Venha cá, minha filha, disse Deus; lhe mandaram fazer todo este sacrifício, você, confiada em mim, fez; e terá a recompensa de tudo isto, depois que me catar uns cafunés; suba aí.

Ela subiu em uma espécie de tamborete e começou a catar uns cafunés.

Ele perguntava sempre, sempre:

— Está vendo alguma coisa?

— Não, senhor, respondeu ela.

Porém ela viu o mar, todo o céu, a terra com todos os seus habitantes, inclusive as casas do rei e da madrinha, o lugar onde ela morava, etc...

Daí, ela começou a chorar, pensando em ter que voltar para enfrentar aquele mesmo cativeiro que vinha enfrentando por sua tia, morando naquele chiqueiro.

Ele então disse:

— Não chores Idéti, minha filha, você vai ser muito feliz. Tome este espelho, quando você voltar que tiver de passar pelos portões e alguém quiser impedir (Ararun, espírito, almas), você mostra, que lhe deixam passar. Tome também estas três caixas: a vermelha você entrega ao rei, logo que chegar, a amarela é da sua tia, e esta preta é a sua. Depois que terminar de falar com o rei e a sua tia, vá para o seu quartinho e abra a sua caixinha.

Ela pediu sua bênção, e ele disse:

— Vai, filha, o meu pai que lhe abençoe.

Daí ela começou a viajar. Logo no primeiro portão uma porção de Eguns (almas) se apresentaram em frente tomando- lhe o caminho, porém ela lembrou-se do espelhinho que Obá Orun tinha lhe dado, e, mostrando, todos saíram da frente e ela passou sem nada ter acontecido que a fizesse temer.

No segundo e no terceiro portão, aconteceu a mesma coisa.

Por fim, levando de vencida todos os perigos, depois de uma longa viagem, ela deparou-se com o já referido pé de Rôko, onde mais uma vez ela se sentou para um pequeno descanso, aparecendo em seguida o pássaro que já é do conhecimento de vocês, cantando desta maneira:

Olorun bukun fun é
Jala, julo jala
Mo jé araun lyá ré
Jala, julo jala

Peuá bojutô onã ré jala, julo jala, Idetí, jala, julo jala

Neste cântico o pássaro disse o seguinte:

— Idéti, Deus que lhe abençoe, sou o espírito de sua mãezinha que foi designado por Obá Orun a fim de guiar e vigiar os seus passos.

Dizendo isto, o pássaro desapareceu para sempre.

Idéti ficou muito pesarosa, chorou um pouco, depois resignou-se e se levantando recomeçou a sua jornada. Andou, andou, andou muito, até que, em uma manhã de um dia muito bonito, ela deu com a cidade onde morava e quando ia passando pela porta da casa de Adelaiyê, sua prima Omon-Laiyê chegava à janela e viu Idéti. Saiu gritando:

— Mamãe! Idéti voltou e trouxe um mucado de coisas; será que trouxe alguns presentes para nós?

— É bem capaz, minha filha. Vamos se preparar para receber-lhe de volta do Obá Orun.

Idéti encaminhou-se para a casa do rei e, por todo o lugar por onde ia passando, um mucado de pessoas lhe acompanhavam dando vivas, saudando Idéti a imortal, a rainha de Odeaiyó.

Quando ela chegou em casa do rei, este veio ao seu encontro; ela entregou a caixinha, despediu-se e voltou para casa da sua tia, onde foi acompanhada com músicas, cânticos e toques de atabaques por todos aqueles descendentes da sua raça que ali residiam.

Quando chegaram à porta da residência de Adelaiyê, todos os que não gostavam dela por causa de Idéti foram debandando para suas casas, certos de que Idéti era a sua nova rainha, a rainha imortal.

Mal Idéti botou o pé na porta, a sua tia veio buscar-lhe, junto com a sua prima. Com os maiores cuidados a tia levou- a para tomar banho, trocar de roupa, oferecendo um grande almoço, etc...

Porém nada disso Idéti aceitou. Tratou logo de entregar a caixinha amarela e depois encaminhou-se para o seu quartinho.

Quando todos saíram da casa do rei, este deu ordem para que, se alguém o procurasse, dissessem que não podia atender, pois ia gozar do presente que Obá Orun tinha lhe mandado.

Trancafiou-se dentro do seu quarto e abriu a caixa, da qual saíram tantas formigas e de tantas qualidades que deixaram o pobre rei em ossos.

A tia de Idéti, por sua vez, também ficou bastante satisfeita com o presente; chamando a sua filha, encaminharam- se para um dos quartos da casa e, quando lá chegaram que abriram a caixinha, saiu tudo quanto foi qualidade de marimbondo, acabando com a vida de todas duas.

Idéti, quando chegou no quartinho dela, sentou-se para descansar um pouco, tomando um pouquinho de Omin (água); em seguida abriu a sua caixinha; nisto, ela depara-se com um caixão de defunto e dá um desmaio.

Quando volta a si, está em um grande e muito bonito palácio, com muitos vassalos e damas de companhia para lhe servirem. E assim Idéti passou a ser rainha da terra Odé Aiyó.

(Contos negros da Bahia e Contos de nagô. 2 ed. Salvador: Editora Corrupio, 2003 p. 47-52.)