Orfeu

Sou eu que marco a cadência.

                          Geraldo Teodoro Pereira.

1

 

o carnaval       pertence 

       ao sábado

com narrativas de vagões

mortos sobre o avô

morto

 

spirituals

na vitrola sedan

em 78 45 33 16

    rotações

 

o carnaval        muda

       em sede que se arruma

 

2

a tarde amadurece

no ar a alegria das mangas

a esperança não

 

no pátio

a sombra das vigílias

 

 

o gato absurdo

 

 

o cabelo cede à vida

ondulação imperceptível

 

a esperança não

 

 

3

 

o mar escreve duras idéias

 

a réclame de aimé césaire

aprende das ilhas

 

mas antes

anota da mudança a muda

 

os negros os mexicanos

os amarelos

audimos um passado ainda vivo

um ritmo intenso

de jardins

 

 

4

 

pedra verde

pássaro

e água

 

a um canto respiram avós

maternos paternos eternos

 

de uma vez sei a morte

os dedos

riscam a pedra

 

 

 

o pássaro

 

 

o negro

o azul

o vermelho

conversam em escalas

águas

 

fluem

 

uma casa ramo

sem obstáculo

em sua madrugada

 

 

5

 

a porta-bandeira deixou

o amor

os nervos de mestressala

mas a noite os reconcilia

 

o vermelho espera

as cinzas de quarta-feira

 

ausentes os rumores o amigo

de infância

longe

 

 

 

assim como o galo

sua frase

 

e os desprevenidos colhedores

de jasmins

 

 

6

 

o carnaval na esquina

lembra o festim e a peste

 

no dia

em que arlequim descobre

os avós

triangulares

 

percorro

as alas o ritual dos possessos

 

e o samba no zinco

enreda a si mesmo

 

 

7

 

os milagres são

quando o sapato cifra um samba

que durasse

perfeitos anos

 

ou a praça inumerável

há quantos séculos

desde os de tia ciata

educando os descompassos

 

na quarta-feira o rubro

o negro

o branco

o brilho da pérola sobre o dia

 

o que se transporta no elance

da porta-bandeira

e o mestressala

(O velho cose e macera. In: Zeosório blues: obra poética 1, 2002).