A Noite Te Convida

África mãe, Brasil filho,
O leite do mundo habitou suas tetas.
Mamilos perfeitos acalentados de açoite.
Seu ventre sempre foi livre
Gerando toda a história desse universo mal-agradecido
Se ser mãe é dádiva de Deus
Então a África é o berçário onde Ele nasceu.
Suas crianças, dotadas de grande picardia,
Lançaram ao mundo variadas culturas.
A noite recente traz o eco
da trilha sonora daquele tempo,
Tambores confeccionadas pelas mãos
Arquitetas do mundo.
Metralhadoras, fuzis e armas químicas
Deitarão no seu colo
para dividir o espaço com as rosas vermelhas.
Os amores não-correspondido
se contentaram ao seu lado.
Corações sujos que me lembram as pedras,
Hipérbole da herança maldita,
que umedece e goteja em pequenos ventres
Multiplicando a desgraça e mal vivida vida.
Vida que alimenta a feijoada,
Vida que suinga o carnaval,
Vidas de mãos feridas que tocam os instrumentos...
Umbanda, candomblé.
Tragam-me a garrafa com o líquido da cultura nordestina
Vou me embriagar desse sincretismo puro e natural.
Noite! Termo abstrato
que absorve o sentimento africano.
África mãe, África pai, África.
Sinônimo de negro.
Ovaciona o seu hino de raiz
Que a recitação voe até a audição
desses espíritos maléficos,
Âmago sem cultura.
África! Sou larápio de cena
Que cutuca a sua bonança com palavras egocêntricas.
Venha mãe, dance comigo o batuque atual
Porque, nas nossas festas noturnas,
A sua entrada é franca.
Então, ginga o batuque atual.
Que cada gesto teu tenha um pedaço de desdém,
Venha, pois a noite... te convida para dançar.

(Cadernos Negros: três décadas)

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