Porque não só rio
Adriano Moura
Porque me cortas a cidade
E o peito
Com águas e lembranças,
Deságuas nos meus olhos
Alegrias e detritos,
Alimentas e derrubas
Minhas casas e esperanças
E quando seco
Meninos brincam nas areias de teus quintais
Porque inspiras protestos e poesias
Dais abrigo a beatas e piranhas,
Lavas homens e animais...
Rio
E te atravesso apesar das correntezas
E
Só
Rio
Porque tens lágrimas demais
E meus dentes se misturaram a teu lodo fértil,
Manguezais formaram-se em minha boca,
Guaiamuns fartaram-se de poesia
E as palavras tragaram os catadores de livros
E puãs
Entre a minha
e a tua vida
há o naufrágio de grandes vapores
e a teimosia de pequenos barcos
Rio
Porque me guarda um beijo quente
O oceano.
(In: Liquidificador: poesia para vita mina)