DADOS BIOGRÁFICOS

Jussara Santos nasceu em Belo Horizonte-MG no dia 12 de setembro de 1963. Filha de José Luiz dos Santos e Conceição Oscar dos Santos. Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, concluiu Mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC Minas e Doutorado na mesma Instituição. Foi professora do Projeto Ensino Supletivo de 1º grau do Centro Pedagógico da UFMG, em 1992. Lecionou também no Ensino Superior. Professora da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte, como pesquisadora da FAPEMIG, integrou o Projeto da PUC Minas intitulado “Literatura afro-brasileira, equívoco ou uma fratura da linguagem?” É autora de vários ensaios sobre as questões relacionadas à afro-brasilidade.

Jussara Santos possui poemas publicados em várias antologias, assim como tem publicado ensaios em revistas literárias. Seu livro de contos De flores artificiais foi publicado em 2002, pela Editora Sobá. É ganhadora do Concurso de Poemas Rosas de Abril - UFMG/1993, e do 25º concurso de contos, poemas e ensaios da Revista Literária do Corpo Discente da UFMG, em 1993.

Alguns de seus poemas, tais como “Passional” e “I Corpus” foram publicados no programa A tela e o Texto, do projeto “Leitura para Todos”, uma iniciativa da Faculdade de Letras da UFMG em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, voltado para divulgar textos literários nos ônibus da cidade. Objetivando o acesso aos textos literários, foram afixados, em 15 linhas que circulam na capital, 3.300 “lâminas” com poemas, crônicas, contos e fragmentos de romance.

Jussara Santos recebeu o “1º Prêmio BDMG Cultural de Literatura – Poesia”. Uma Coletânea de poesias de quatro autores mineiros. E seu livro De flores artificiais foi adotado pela Prefeitura de Belo Horizonte para ser distribuído a todas as Escolas da rede municipal de Ensino.

 

Entrevista com JUSSARA SANTOS 

por Fernanda Rodrigues de Figueiredo

literafro: Por que escrever?

JS: Para mim, escrever é como o ar que eu respiro. Acho que é uma necessidade mesmo. Algumas coisas que a gente percebe e vê, algumas imagens que a gente vê, algumas coisas que a gente sente na escrita, de alguma forma, a gente exorciza. Sempre gostei muito de escrever.

Quando eu fui para a escola no ciclo formal, eu gostava muito de escrever, mas achei que era coisa normal, comum. Percebi que nem todo mundo escrevia ferozmente como eu. Foi aí que parei para prestar atenção: ler poesias com atenção. Fiz muitas poesias nessa época (na adolescência), joguei fora várias delas.

literafro: Se para você escrever é algo essencial, o momento da escrita é sofrido (como diria Clarice Lispector,”um parto”) ou é natural?

JS: (risos) Acho que depende, não sou tão extremista quanto Clarice. Nem sempre é um parto. Às vezes sim é sofrido. Porque, de uma certa forma, eu maturo muito as imagens, os sentimentos e, quando a escrita vem, ela flui muito. Mas em determinadas situações, eu concordo com Clarice, vira um parto mesmo. São situações assim graves, por exemplo, no livro De flores artificiais, tem um texto curtinho sobre duas mulheres na fila de um banco; aquilo ali me perseguiu durante muito tempo. Porque um dia eu estava mesmo na fila de um banco e vi aquela imagem. E a relação entre elas era aquela mesma do texto. E aquilo me incomodou tanto, ver aquela mulher entre aspas aparentemente dependente da outra. Fiquei super incomodada com aquilo e isso me perseguiu. Não sei se é porque nos encaramos. Eu estava olhando muito para elas. Este texto é um texto curto, mas demorei mais para escrevê-lo, foi mais difícil de ser escrito que os outros. Engraçado isso.

Dessa questão de exorcizar o conto De flores artificiais é um exemplo de como a escrita como possibilidade de exorcizar algumas coisas que se vê, sente e que te incomoda.

literafro: Isso é um pouco reflexão, é um ponto para o próprio leitor refletir?

JS: É. Penso que a escrita tem que ser um pouco isso, ela tende mais do que ser uma reflexão de quem escreve é levar o leitor a refletir. Não que o tempo inteiro você tem que fazer uma escrita assim que tem proposta de reflexão.

literafro: Esse conto "De flores artificiais" parece partes de um todo, não um todo linear e sim como a construção de uma casa de pau-a-pique, ou seja, construção por “fleches” de um todo. Essa impressão-imagem tem alguma recorrência?

JS: Creio que sim, não tinha pensado nesta imagem assim, mas é isso. É uma imagem legal. A escrita se faz de uma série de imagens, um pouco cinematográficas.

literafro: Da sua obra como um todo, existe um texto predileto?

JS: Gosto de todos. Destacaria o "De flores artificiais" e o "Da barriga do abutre".

literafro: Para você a escrita feminina tem marcas próprias, na sua escrita você percebe isso?

JS: Nossa, complicado! Isso dá uma polêmica! Eu não sei porque quando escrevo não penso nisso, mas penso que sim. É complicado dizer, analisar se na minha tem. Eu não saberia identificar. A mulher quando escreve deixa algo de si.

literafro: Você tem uma forma de retratar o feminino. A imagem da mulher que busca a palavra, ou de personagens como Dona Ercília do primeiro conto que parece se endurecer com a dureza da vida. Como é essa experiência de caracterização feminina?

JS: Vai muito das imagens que vejo. Não só das mulheres, mas do universo feminino negro. Ao mesmo tempo em que encontra uma dureza nas diversas relações, tem possibilidade de tirar poesia dessa dureza. Tornar algumas coisas mais leves.

literafro: Eu esperava que você me desse a deixa para tocar na questão da literatura afro. Em sua obra, você traz essa reflexão?

JS: Quando eu escrevo tento não pensar do ponto de vista da teoria, da possibilidade de uma teoria em torno dessa literatura, desse tipo de produção, mas não tem como fugir disso, não tenho dificuldade de ser negra. Sou mulher negra nesse mundo aqui. Isso para mim é uma coisa resolvida. Não tem como escrever dissociando muito disso. Não que eu tenha que todo texto que eu escrever na vida tenha esta temática. Mas eu deslocar totalmente disso é complicado, porque de uma certa forma, não que a literatura seja algo biográfico, mas você parte de alguma coisa de sua biografia; E além de sua biografia, das imagens que a gente vê, vivencia e percebe, mas você só repara as imagens que têm ligação com você, se não a gente captaria tudo.

A gente capta aquilo que bate com a gente, que chama a atenção, que tem a ver com conosco, com essa biografia num sentido amplo. Não só essa coisa de nascimento, mas sua relação com os amigos e com a família. Eu não dissocio os meus textos dessa biografia no sentido amplo. Eu acabo, de certa maneira, relacionando os meus textos com essa vivencia negra minha. Que pode refletir a vivencia negra maior além da minha.

literafro: O seu "ponto de vista", a inscrição dos corpos negros em sua obra dá voz à minoria (à margem, aos fora do centro)?

JS: Não sei se dá voz. Acho que estaria sendo pretensiosa. Quando eu penso que acaba refletindo uma biografia da gente. Eu vivi essa ausência destes corpos negros em outros textos e manifestações artísticas. E esses corpos ainda estão ausentes. Pelo menos aqui no Brasil. Agora, por exemplo, no cinema eles estão começando a acontecer. Não o corpo bandido. O corpo do ponto de vista negativo. Nos E.U.A, temos o Spaik-Lee e outros cineastas. Trabalham para trazer estes corpos, dar visibilidade a eles. Mas estes corpos ainda estão ausentes das outras artes que temos. Trazem estes corpos à cena, não só de uma forma amorosa, mas de outras formas.

literafro: Isso também mostra uma reflexão sobre a presença do negro na Literatura?

JS: Sim, com certeza. Quando a gente inscreve estes corpos negros, não estamos fora de cometer equívocos. Porque questionamos os estereótipos que o outro constrói, mas também construímos os estereótipos. Acho que é um certo cuidado que temos que ter para não construir outros estereótipos, não reforçar alguns já existentes. Mas eu penso que mesmo tendo que ter este cuidado não é preciso ter medo de trazer estes corpos negros para a cena. Porque alguns têm medo da escrita ficar rotulada, estigmatizada; é um medo desnecessário, sem fundamento. E é possível fazer isso sem rotular a escrita.

literafro: Como já havia colocado sua escrita traz a cena algumas minorias (a exemplo o conto "A vez da caça"). Como você vê essa representação?

JS: Quando penso na questão de levar o leitor a refletir é pensando num grupo estigmatizado. Por exemplo, o menino de rua, na cabeça das pessoas, é aquele menino específico, aquele menino negro, descalço, todo sujo na rua. É um pouco possibilitar essa reflexão. O questionamento: seriam negros, ou seriam mulatos ou seriam brancos ou não seriam nem meninos. Acho que temos que possibilitar que o outro saia do lugar. Do ponto de vista dos estereótipos existe certa acomodação. Os grupos sociais já estão estereotipados, definidos. E eu acho que não, não necessariamente aquele, não só aquele. Tem mais gente aí na rua, não é só a pessoa que criamos a imagem.

literafro: O periférico se tornou central na sua obra, em sua linguagem?

JS: Não colocado como centro, mas como reversão desse centro. Acho que o legal é a periferia, as coisas estão e acontecem de fato na periferia. O centro é uma enganação. A periferia é que tem voz. Eu tento fazer uma reversão desse centro. Propor uma saída do centro e uma vida para a periferia. Não uma periferia exótica, mas esta que tem voz. A periferia exótica acaba respondendo aquilo que o centro quer que ela responda.

 Belo Horizonte, 18/03/2005


PUBLICAÇÕES

Obra individual

De flores artificiais. Belo Horizonte: Sobá, 2002. (Contos)

Com afagos e margaridas. Belo Horizonte: Quarto Setor Editorial, 2006. (Contos)

Indira. Belo Horizonte: Nandyala, 2009. 2.ed Belo Horizonte: Azeviche Letras e Artes, 2019. (Infantojuvenil)

Crespim. Belo Horizonte: Impressões de Minas, 2013. (Infantojuvenil)

Samba de santos. Belo Horizonte: Edições de Minas, 2015. (poemas)

Antologias

Um primeiro instante. In: Revista Literária do Corpo discente da UFMG - Nº 25.

Do jogo e das peças. In: Revista Literária do Corpo discente da UFMG - Nº 25.

Arlequim, arlequim. In: Revista Literária do Corpo discente da UFMG - Nº 25.

Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Organização de Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 3, Contemporaneidade.

Não Ficção

Palavra poética em transe/trânsito: manifestações pelos sete buracos da minha cabeça. In: ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.) Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.

Intelectualidades negras ou Outsiders no Brasil. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Programa de Pós-graduação em Letras, PUC Minas, 2003.

A interdisciplinaridade nos estudos afro-brasileiros. In Boletim do Centro de estudos portugueses. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1993. v. 13. n. 15.

Afrodicções: identidade e alteridade na construção poética de três escritores negros brasileiros. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: PUC Minas, 1998.

Literatura afro-brasileira: equívoco ou uma fratura da linguagem? In: Cadernos de Pesquisa - Núcleo de Assessoramento à Pesquisa/NAPQ - Faculdade de Letras/UFMG - Vol. III - maio de 1994.

Afrodicções: vozes emergentes na reconfiguração da tradição literária afro-brasileira. In: Cadernos de pesquisa do Centro de estudos literários luso-brasileiros. CELLB – UFOP/Instituto de Ciências Humanas e Sociais/Departamento de Letras. Ouro Preto-MG, 1996. p.5-17.

O triunfo da morte ou o triunfo do tongue-in-cheek? In: Cadernos CESPUC de pesquisa - PUC Minas - Série Ensaios nº 3 - Ironia e Humor na Literatura - Abril/1998, p. 7-16.

Falsa ode a um porco/povo burguês. In: Cadernos CESPUC de pesquisa – PUC Minas - Série Ensaios nº 6 - Literaturas Africanas de Língua Portuguesa – Identidade e Alteridade na Literatura/Junho/1999, p. 37-42.

Sambas de amores dispersos: pequenas melodias amorosas compostas por João Guimarães Rosa e Mia Couto. In: DUARTE, Lélia Parreira et al. (Orgs.). Seminário Internacional Guimarães Rosa – Veredas de Rosa. Belo Horizonte: PUC Minas, CESPUC, 2000, p. 332-6.

Uma tentativa de traçar pistas de vanguarda. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.). Brasil afro-brasileiro, Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

A não cor do poema ou uma escrita acima de qualquer suspeita? In: Boletim do Centro de Estudos Portugueses. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2000. v. 20. n. 27. p. 325-343.

Partindo de um certo umbigo. In: Cadernos Cespuc de pesquisa. Belo Horizonte: PUC Minas, 2001. n. 10, p. 44-56.

Talvez negro (por que não vermelho?): detalhes de um Mário arlequinal. In FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna; FONSECA, Maria Nazareth Soares (Orgs.). Poéticas afro-brasileiras. Belo Horizonte: Mazza/ PUC Minas , 2002. p. 325-343.

Intelectuais ainda que... In: Revista Iberoamericana, Vol. LXXVI, Num. 230, Enero-Marzo 2010, p. 229-236.

 


TEXTOS

 


CRÍTICA

 


FONTES DE CONSULTA

DUARTE, Constância Lima (Org.). Mulheres em Letras: antologia de escritoras mineiras. Belo Horizonte: editora Mulheres e FALE/UFMG, 2009.

DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura, política, identidades. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2005.

EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita. In ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza, 2007.

FIGUEIREDO, Fernanda Rodrigues. Representação de minorias: a "reversão do centro". Disponível em www.letras.ufmg.br/literafro, acesso em 03/01/2008.

OLIVEIRA, Luiz Henrique Silva de. Jussara Santos. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.) Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Vol. 3, Contemporaneidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

OLIVEIRA, Luiz Henrique Silva de. A violência como procedimento na literatura afro-brasileira: Jussara Santos, Madu Costa e Patrícia Santana. In: DUARTE, Constância; PÉRES, Fátima; NASCIMENTO, Imaculada; ABREU, Laile (Org.). Poéticas do feminino. Belo Horizonte: Editora Idea, 2018.

SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

http://www.revistaetcetera.com.br/20/editorial.htm

 


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