Tenho cem razões entre mil para querer ser feliz.

 

A criação me pega, me abraça e beija minha testa. Daí um frenesi me domina. Quando passa a explosão, rasgo páginas, xingo, dou porrada, me desquito de vez da palavra. Mas, no entanto, a criação vem como paixão bem nutrida, me pega, me abraça e beija minha testa.

Tenho cem razões entre mil, para querer ser feliz.

Ligo a tv para me encher de ilusões e viro super-homem limpando janelas. Viro mulher maravilha, mas meus sonhos acabam, quando alguém grita do reino encantado: Epa! Super-herói preto aqui não entra.

A gente vale tantos milhões de dólares que até nos deixam morrer de fome.

Todos os dias em ponto, o click do relógio fotografa-me como o padrão de operária.

Almoço cheesburger com molho burguês, batata frita e arroto indigestão.

Não sinto vontade nenhuma de tomar água, me encho de palavras.

Tenho cem razões entre mil para querer ser feliz.

Beijo minha mãe com a sensação de estar beijando o chão da África. Meu pai, de um griôt, meus irmãos, de comunidade.
Tenho cem razoes entre mil para querer ser feliz.

(Cadernos Negros 11, p. 30).