Seu Marabô

– Mas você não vê como ele flutua? É incrível. É fasci­nante. É encantador!

– Não, não vejo nada. Só sinto que ele roda, gira, gira, e não tenho controle.

– Ah, é uma pena que você não veja. Ele é diferente, anda de lado, dançando. E gira de lado também, torto. E tira o chapéu, cumprimenta as pessoas e sorri de lado.

– E vocês não têm medo?

– Medo? Nada, de que jeito? Ele é duro, não alivia, põe a batata quente na mão da gente e você que se vire, que resol­va seus pobrema. Mas é humorado, engraçado, filosófico. Usa metáforas que todo mundo entende. Outro dia recomendou a uma moça que derretesse em um tacho de estanho o orgu­lho que lhe obstruía o peito, os olhos e a respiração. À outra falou um negócio sobre a cavalaria que ela trazia dentro do peito. Disse que cavalo cansado não ganha guerra. Precisa parar, descansar, beber água e dormir.

Disse que se o cavalo está cansado, na hora em que o cavaleiro mais precisa dele, o bicho resfolega e não responde. "Já pensou que vexame, per­der a guerra porque o cavalo tá cansado?" A mim, disse que eu era dele, que carregava o povo dele. Por isso, não deveria passar no meio de encruzilhada, sempre nas laterais, pois, "pra entrar na casa dos outros não tem que pedir licença?" Então. Era assim também para passar pela casa do povo da rua. Olha lá, olha lá! Lá vem ele.

(Cada Tridente em seu lugar, p. 21).