Água de barrela

(excertos)

 

Os anos foram passando. Umbelina cumpriu a determinação da senhora à risca: ensinou tudo o que sabia a Anolina, afinal ela era filha de uma patrícia de sua Ketu. Tudo mesmo. Iniciou a menina no forno, fogão, nos demais afazeres domésticos e em seus cultos, que eram secretos para os senhores. Certo dia, um grito horrendo explodiu no ar por volta das 14 horas. Um contraste macabro com o dia claro e sol a pino, céu azul e sem nuvens. Por um instante, tudo parou. Cessaram as respirações, os corações pareciam que até os ponteiros do imenso carrilhão na entrada do sobrado dos senhores petrificaram pelo berro medonho. O gelo que o grito deixou só foi quebrado quando o sangue escorreu pela terra. Foi uma correria, e outros gritos, choros e gemidos se fizeram ouvir.

O escravo Tito, na mecânica atividade de enfiar a cana na moenda, se aproximou demais e teve seu braço direito tratado pelas engrenagens como se fosse mais um dos compridos pedaços do vegetal. Roberto, o feitor da moenda, que orientava Tito na delicada tarefa, não pensou duas vezes: sacando do enorme facão posto ali para tirar folhas laterais e limpar a cana antes de coloca-las para moer, cortou o braço do cativo na altura que ainda não tivera sido tragada pelos pesados e poderosos cilindros. Salvara a vida dele, pois em poucos minutos Tito seria todo puxado e esmagado, como diziam ter acontecido com o antigo feitor-mor, que por descuido prendeu a manga do paletó e não teve tempo de desvencilhar antes de ser puxado com toda a força para dentro da máquina, sendo triturado e devolvido como bagaço de cana e suas tripas como caldo.

  (Água de Barrela, p.63-64)

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A imperatriz dona Tereza Cristina, retirou algumas moedas da quantia que levaram para dar em esmolas e doações para as igrejas do lugar, e assim deu “um agrado” aos da cozinha, que foi levado por um dos assessores da comitiva. E assim Anolina começou uma poupança que garantiria o recomeço de vida para sua filha e neta após a sua morte.

Entre as conversas, o imperador fez elogios ao calçamento, que era todo como o do Rio de Janeiro antigo, e o coronel Tosta deu conta de números do orçamento e dados da cidade. Disse ele a Dom Pedro que Cachoeira somada a São Félix tinha “uma população de 20 mil almas”.

No dia seguinte, a comitiva seguiu para Feira de Santana, e o coronel Francisco o acompanhou, bem como Egas Moniz Aragão e uma comitiva de muitos homens montados que cercaram o cavalo do imperado e o carro da imperatriz, que era puxado por sete animais entre os mais belos do lugar. Assim como era em Cachoeira, as recepções pelo caminho foram igualmente grandiosas. Na viagem, os senhores e Dom Pedro tiveram a oportunidade de conversar sobre muitas coisas, e o monarca se assustou com o fato de ainda não usarem o arado na agricultura, apenas deixando o terreno descansar entre uma cultura e outra.

                                                                                                                                                                                                (Água de Barrela, p. 115)

 

 

 

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