Douglas, Amarildo e Claudia

DOUGLAS poderia estar em um cursinho pré-vestibular gratuito
Já que a escola não o preparou para as universidades públicas
E, quem sabe, com dedicação e esforço no ano que vem seria ele
O próximo aluno negro a entrar em Geografia na UNESP
De mudança para Presidente Prudente
Levando na bagagem os sonhos colhidos na Zona Norte.
Não deu tempo.

Só conseguiu balbuciar:
Por que o senhor atirou em mim?

AMARILDO poderia estar contando historias para seus filhos
Que nem só de dourado vive o pescador e que há peixes grandes
Nesse mar imenso desse tal de Rio de Janeiro, fevereiro e março...
E quem sabe estivesse de emprego novo, salário digno
Sem hipocrisia de um patrão pagar R$300 ao mês para um pai de 6 filhos.
Mas naquele dia era pra ser só divertimento
Ver o jogo do Vasco X Flamengo.
Nunca mais voltou
O desaparecido.

Do morro aos quatro cantos do mundo:
Onde está o Amarildo?

CLAUDIA poderia estar preparando um bolo com cobertura de chocolate
Para o aniversário de sua sobrinha mais nova.
Quem sabe naquele domingo estivesse ouvindo
Paulinho da Viola ou Jorge Bem para se distrair
Sem parar no peso dos serviços gerais
Que desde a escravidão pesa para
Pessoas de sua cor.
Mas não, foi apenas comprar o pão.
De troco, a carne exposta ao chão.

Deu no jornal, virou notícia.
Mas ninguém se comove
Quando gente preta morre
Pelas mãos da polícia
Ninguém.

Isto não é um poema.

 

                                                                                    (Terra fértil, p. 108)

 

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