A biografia de Stella do Patrocínio ainda gera incertezas e lacunas documentais, reflexo da exclusão social a que foi submetida em vida. Nascida em 6 de janeiro de 1941, no Rio de Janeiro, era filha de Manoel do Patrocínio e Zilda Francisca do Patrocínio. Durante a juventude, trabalhou como empregada doméstica, num contexto de opressão enfrentado por mulheres negras que atuavam nas casas de família. Aos 21 anos, numa possível abordagem policial ocorrida num ponto de ônibus, sob a justificativa de comportamento inadequado, Stella foi encaminhada compulsoriamente para o hospital psiquiátrico Pedro II. Nesse local, foi diagnosticada com “personalidade psicopática mais esquizofrenia hebefrênica, evoluindo sob reações psicóticas” (MOSÉ, 2001, p. 21).

Stella passa, então, grande parte de sua vida internada, especialmente na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, onde permaneceu por décadas, até falecer em 20 de outubro de 1992. Morre sem que a instituição tivesse contato com seus familiares e, por isso, foi enterrada como indigente no Cemitério de Inhaúma, localizado na cidade em que nasceu. Ao longo dos 30 anos de confinamento, foi submetida a tratamentos invasivos e violentos, como o eletrochoque, prática comum à época e hoje amplamente denunciada por movimentos em defesa dos direitos humanos.

Apesar da violência institucional que sofreu, Stella do Patrocínio legou-nos uma importante obra oral: os seus "falatórios". Entre 1986 e 1988, suas falas – poéticas e, em certo sentido, proféticas – foram gravadas em áudio por meio de uma ação artística e documental conduzida pelas artistas Carla Guagliardi e Nelly Gutmacher. Essas gravações revelam uma força criativa, marcada por um discurso oral fragmentado e lírico, o que encontra ressonância na tradição da poesia oral e da performance, bastante difundidas na produção artística contemporânea.

Essas falas (falatórios/poemas) foram organizadas e transcritas por Viviane Mosé, no livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, publicado em 2001, quase duas décadas após a morte de Stella, pela editora Azougue Editorial, e hoje esgotado. O livro tornou-se referência na discussão sobre arte, loucura e literatura no Brasil, colocando Stella como autora póstuma que se destaca nos debates sobre a estética da voz, da oralidade e da marginalidade.

Nos últimos anos, novos estudos ampliam a compreensão sobre sua produção e sua trajetória. Entre eles, destaca-se Uma encarnação encarnada em mim (2021), de Bruna Beber, que interpreta as falas da escritora como um entrelaçamento de poética e profecia, um fenômeno raro na literatura brasileira. Beber destaca o modo como Stella elabora, com a força da palavra falada, um espaço de resistência simbólica dentro da clausura manicomial, bordando múltiplos registros — religiosos, populares, literários, delírios e memórias.

A crescente visibilidade dada a Stella do Patrocínio também se insere no contexto do fortalecimento do movimento antimanicomial no Brasil, que questiona os métodos da psiquiatria tradicional e defende a humanização do cuidado em saúde mental. Recuperadas por artistas, estudiosos e militantes, a vida e a obra de Patrocínio consolidam-se como símbolos de denúncia da violência institucional, além de anunciar a força criativa na voz daqueles que, historicamente, foram silenciados em função também do racismo.

Contemporaneamente, Stella é reconhecida não apenas como figura central da luta antimanicomial, mas também como presença indispensável à literatura brasileira, cuja existência resiste ao apagamento por meio da força de sua palavra.

  Dados Biográficos - Por Lara Carvalho Cipriano

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PUBLICAÇÕES

Publicação póstuma

Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001. (Poesia).

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TEXTOS SELECIONADOS 

 

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CRÍTICA

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FONTES DE CONSULTA

ARBEX et al. Stella do Patrocínio e a loucura no Brasil. [Locução de]: Carla Guagliardi, Daniela Arbex, Marcio Rolo, Natasha Felix, Rachel Gouveia. 451 MHz Podcast, 13 mai. 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ftD6PPBQj-U&t=2533s. Acesso em 25 mar. 2025.

BEBER, Bruna. Uma encarnação encarnada em mim. São Paulo: José Olympio, 2022.

MUSEU Bispo do Rosário Arte Contemporânea. Stella do Patrocínio. Disponível em: https://museubispodorosario.com/stella-do-patrocinio-memorias/. Acesso em 25 mar. 2025.

PATROCÍNIO, Stella do. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001.

ZACHARIAS, Anna Carolina Vicentini. Stella do Patrocínio, ou o retorno de quem sempre esteve aqui. Revista Cult. 2020. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/stella-do-patrocinio-retorno-sempre-esteve-aqui/. Acesso em: 25 mar. 2025.

ZACHARIAS, Anna Carolina Vicentini. Stella do Patrocínio: da internação involuntária à poesia brasileira. 2020. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/1639572. Acesso em 25 mar. 2025.

ZACHARIAS, Anna. Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui. Rio de Janeiro: Telha, 2024. 

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