DADOS BIOGRÁFICOS

Cristiane Sobral nasceu na zona oeste do Rio de Janeiro, no bairro Coqueiros, em 1974 e hoje mora em Brasília. Entre 1989 e 1998, teve como prioridade sua formação profissional. Iniciou as atividades artísticas em 1989, no Rio de Janeiro, em um curso de teatro do SESC, encerrado com o espetáculo “Cenas do Cotidiano”. Um ano depois chega a Brasília e começa a atuar em grupos de teatro no ambiente estudantil e monta a peça “Acorda Brasil”. Aos dezesseis anos ingressa no Ensino Superior, e torna-se a primeira atriz negra a se formar em Interpretação Teatral pela Universidade de Brasília.

A partir de 1999, a autora iniciou sua nova fase, dedicando-se à atuação profissional, envolvendo-se com temas sociais. Destaca-se sua atuação no curta metragem “A dança da Espera”, de André Luís Nascimento; no vídeo “A carreira e formação do diplomata”, de André Luís da Cunha, e ainda, a apresentação do Programa televisivo do PT para o GDF. Atuou também na peça “Machadianas Cenas Cariocas”, dirigida por Ginaldo de Souza em 2001. Protagonizou e concebeu os espetáculos: “Uma Boneca no Lixo”, premiado em 1999 pelo Governo do Distrito Federal e dirigido por Hugo Rodas; “Dra. Sida”, premiada pelo Ministério da Saúde em 2000 e no I, II e III Ciclo de Dramaturgia Negra realizado em Brasília e Porto Alegre.

A partir de 2000, Sobral inicia sua participação na publicação  coletiva Cadernos Negros, a partir do volume 23. Em 2005, integra a publicação O negro em versos; em 2008, está presente em mais duas antologias: Cadernos Negros, três décadas: ensaios, poemas, contos; e Cadernos Negros “Black Notebooks”, edição bilíngue com volumes em prosa e poesia editados nos Estados Unidos. A seguir, participa da  antologia crítica Literatura e afrodescendência no Brasil (2011), ao lado de 99 outras autoras e autores negros brasileiros dos séculos XVIII, XIX, XX e XXI. Por fim, em 2018, integra a coletânea Encontros com a poesia do mundo.

Na imprensa, assinou uma coluna sobre crítica teatral para a revista brasiliense Tablado. Mais tarde, Concluiu Pós-Graduação em Educação, com ênfase no ensino de artes.

Em 2003, esteve no palco do Instituto Camões da Embaixada de Portugal em Brasília, onde homenageou Castro Alves e Joaquim Manuel de Macedo no projeto Herança da Literatura Brasileira com os espetáculos “Eu Sou Marabá” e “Brasil Negreiro”. Neste mesmo ano, ofereceu cursos de expressão na agência de modelos Scouting.

Em 2004, participou do recital “Oi Poema”, organizado por vários poetas e realizado pelo Ministério da Cultura como parte do projeto “Fome de livro, sede de poesia”. Além disso, formou atores para a Cia de Teatro Brenda Kelly, e consolidou o trabalho de direção do grupo teatral Cabeça Feita, fundado em 1999, composto por atores negros também graduados pela Universidade de Brasília. O mais novo espetáculo do grupo, “Petardo, será que você aguenta?”, esteve em cartaz em maio de 2004 no “Nacional Cine Teatro”, de Luanda, em Angola. Em junho, “Petardo”, cujos textos são de sua autoria em parceria com Dojival Vieira, estreou em Brasília. Nesse mesmo ano, atuou em “Ajala, o fazedor de cabeças”, que também conta com textos de sua autoria. A autora já realizou diversos trabalhos em teatro, vídeo, televisão e cinema.  

Em 2010, lança sua primeira publicação individual, Não vou mais lavar os pratos, com poemas de grande impacto, a começar pelo que dá título ao livro, até hoje um de seus textos mais celebrados e declamados em público. Essa mesma preocupação em articular questões de gênero e etnicidade está presente em seu segundo livro – Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção, de 2014, em que apresenta narrativas curtas voltadas para os dramas cotidianos da juventude negra e periférica. Em 2914, a autora publica Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz, em que retoma seu projeto de uma poesia afro-brasileira empenhada em tocar nas mazelas do racismo estrutural presente entre nós. Em 2016, retoma sua veia narrativa com os contos de O tapete voador, para, no ano seguinte, brindar seus leitores com mais um volume de poesia – Terra negra. Este último tem destacada sua "cadência cênica" pela prefaciadora Elisa Lucinda, para quem "tem cor esse livro, tem batuque na elegância rítmica deste falar."

Para divulgar aquilo que escreve, tem interpretado textos em cidades como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Desde 1998, trabalha como Assessora de Cultura para a Embaixada de Angola.

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Abaixo, uma entrevista concedida por Cristiane Sobral, em maio de 2006, à Vera Lúcia da Silva Sales Ferreira* para o Portal literafro.

E.: Cristiane, fale um pouco de sua peça “Amor – Infinitamente provisório”, escrita em 2003, em parceria com Dojival Vieira, que é uma obra singular não só porque desafia os estereótipos atribuídos à personagem negra, mas também por apresentar uma forma que foge aos padrões teatrais, como, por exemplo, a inserção de poemas de autores negros adaptados numa estrutura dramática em lugar das falas dos atores. Como foi a idéia da criação desta peça? A que propósito vocês se atêm?

C.S.: O espetáculo “Amor – Infinitamente Provisório”, foi escrito para lançar no mercado artístico um texto que atenda às necessidades de inserção do intérprete negro no teatro, ou seja é um texto que poderia ser feito por qualquer ator, independente da cor e foge aos estereótipos normalmente divulgados em nosso meio. Surgiu do meu contato intenso com palavra, elemento da minha pesquisa teatral desde os tempos da Universidade, onde procurava refletir sobre a ação dramática e o lugar da palavra no teatro.

E.: Sua obra reflete o seu envolvimento com as questões sociais brasileiras, entretanto o leitor percebe que, em nenhum momento, você se descuida da elaboração estética de seus textos. Como você concilia estas duas vertentes?

C.S.: Acredito que a excelência na qualidade artística é ponto primordial do meu trabalho, porque de nada adiantaria deixar as questões sociais apenas no discurso, uma vez que a linguagem cênica exige a compreensão de códigos de linguagem específicos. O cuidado na elaboração estética é a forma de afinar o meu instrumento e o meio de tornar cada vez mais fina a sintonia entre o autor e o leitor. O meu maior veículo é a sensibilidade.

E.: Seus poemas e contos possuem uma marca existencial muito intensa. Você concorda que eles transmitem uma forte carga dramática advinda de sua prática de encenação teatral? Como você efetua a fusão entre o trabalho da poetisa e da atriz?

C.S.: Acredito que estas duas vozes contracenam perfeitamente e aparecem na comunicação com o público, elemento indispensável para a existência do teatro e sua interação com o leitor. Os dois pontos de comunicação são complementares, hoje não concebo mais o meu trabalho de atriz sem o exercício da escrita. Diria que a escrita traz em si uma concepção mais reflexiva, enquanto a atuação, no momento em que se dá, é prática pura. Mas também entendo que para o exercício destas funções preciso utilizar o “Se eu fosse” para conceber as minhas histórias.

E.: A questão racial é uma constante em toda a sua obra. Como você vê os movimentos negros, hoje, no Brasil? Qual é a sua expectativa em relação aos desdobramentos desta luta que o negro vem empreendendo, no Brasil, ao longo destes últimos cinco séculos?

C.S.: Vejo de forma positiva, pois a maioria de população brasileira é negra e mestiça e acredito que a cultura negra trouxe imensa contribuição ao país em todos os níveis. Entretanto divulgo a crença de que a questão racial é uma questão nacional e como tal dever ser discutida por todos que pensam e sonham com um Brasil melhor. A questão do negro não é do negro, é do Brasil, pois a inclusão da população negra na vida pública do país vai alavancar, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento do país. É uma grande chave para este país com dimensões continentais e a maior população negra fora da África. O passado escravocrata deixou profundas marcas na formação do povo brasileiro e precisamos todos, inserir esse tema na agenda das discussões essenciais do nosso povo, nas escolas, nas empresas, no nosso círculo íntimo, enfim, não há outra saída senão aprender a conviver e respeitar as diferenças. O negro é brasileiro e filho legítimo do nosso país. Como é que temos tratado os nossos filhos? Eis a grande questão para análise e reflexão, pois a educação é tudo e traz em seu conceito uma grande fonte de poder e riqueza disponível a todos os povos. É também um instrumento de libertação, tema maior presente em tudo o que faço na vida e em tudo o que escrevo, assim como o amor.

E.: Quais as influências artísticas e literárias que você destaca em sua obra? Com você define a sua relação com a arte?

C.S.: Influências trago do fato de ser uma leitora aficcionada pela palavra e, principalmente, do meu ambiente doméstico na infância, pois o meu pai era um consumidor voraz de livros e dele acredito ter herdado o amor pelas palavras. Minha mãe era professora e sempre exigiu bastante empenho nos estudos. Outro fato marcante foi a perda precoce da minha mãe, que faleceu quando eu tinha oito anos. A partir de então, os livros e o meu pai, também apaixonado por livros e namorado deles durante toda a sua viuvez até o seu falecimento, em 2004, passaram a ser os meus grandes companheiros. Sou apaixonada pela leitura e leio títulos de origens diversas o tempo todo, sou viciada em leitura, na minha casa os livros estão em toda a parte e não só nas estantes. Também gosto muito de pensar e ficar sozinha e descobri na filosofia um grande combustível e elemento potencializador do meu universo e repertório de ideias.

Minha relação com a arte é e sempre foi o mais intensa possível. A arte traz em se bojo um grande poder e age como um importante instrumento de educação da sensibilidade. Creio na força do artista como um representante da sua geração e intérprete das intenções e desejos de todo um povo, são mesmo os artistas os responsáveis pela quebra de padrões e paradigmas em todos os movimentos históricos. A própria etimologia grega da palavra teatro aponta par um lugar de onde se vê. É aí que a visão do artista contribui para a construção de todo o universo social, para o questionamento e para as transformações que desejamos e precisamos conquistar. Conquistar um lugar em cena é um exercício de coragem e ousadia que compensa o esforço com a conquista das liberdades individuais, da educação da sensibilidade.

E.: Para finalizar, qual é o projeto da mulher professora, atriz, poetisa e escritora Cristiane Sobral para os próximos anos?

C.S.: Continuar os meus estudos acadêmicos e pesquisas, escrever e publicar em outros países de expressão portuguesa e não só consolidar o meu trabalho nos palcos e no meio docente, mas manter, cada vez mais saudáveis, as minhas relações familiares e afetivas e realizar o meu grande sonho de ter um bebê.

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* Vera Lúcia da Silva Sales Ferreira é professora, Mestre e Doutora em Letras pela PUC Minas.

 


PUBLICAÇÕES

Obra individual

Uma boneca no lixo. [s.l.]: [s.n.], [s.d.]. Prêmio de montagem GDF em 1998. (Dramaturgia).

Dra. Sida. [s.l.]: [s.n.], [s.d.]. Prêmio do Ministério da Saúde em 2000. (Dramaturgia).

Não vou mais lavar os pratos. Brasília: Editora Thesaurus, 2010, col. Oi Poema. 4.ed. Rio de Janeiro: Malê, 2022. (Poesia).

Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção. Brasília: Dulcina Editora, 2011. (Contos).

Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz. Brasília: Editora Teixeira, 2014. (Poesia).

O tapete voador. Rio de Janeiro: Editora Malê, 2016. (Contos).

Terra negra. Rio de Janeiro: Editora Malê, 2017. (Poesia).

Coautoria

Petardo, será que você aguenta? Coautoria com Dojival Vieira. Brasília: 2004. (Dramaturgia).

Antologias

Cadernos Negros 23. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2000. (Poemas).

Cadernos Negros 24. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2002. (Contos).

Cadernos Negros 25. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2002. (Poemas).

O Negro em Versos: antologia da poesia negra brasileira. Organização e apresentação de Luiz Carlos dos Santos, Maria Galas e Ulisses Tavares. São Paulo: Editora Moderna, 2005.

Cadernos Negros 29. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2006. (Poemas).

Cadernos Negros 30. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2007. (Conto).

Cadernos Negros, três décadas: ensaios, poemas, contos. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje; Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, 2008. (Poema e conto).

Cadernos Negros “Black Notebooks”, edição bilíngue com volumes em prosa e poesia. Edição de Niyi Afolabi, Márcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro. Trenton-NJ; Asmara, Eritrea: África World Press, 2008.

Cadernos Negros 32. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2009. (Conto).

 

Cadernos Negros 33. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2010. (Poemas).

Cadernos Negros 34. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2011. (Conto).

Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Organização de Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 3, Contemporaneidade.

Cadernos Negros 35. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2012. (Poemas).

Cadernos Negros 36. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2013. (Conto).

Cadernos Negros 37. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2014. (Poesia).

Cadernos Negros 38. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2015. (Conto).

Cadernos Negros 40. Organização de Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2017. (Conto).

Encontros com a poesia do mundo. Organização de Solange Fiuza, Wilson Flores, Vera Oliveira e Alexandre Pilati. Goiânia: Editora Imprensa Universitária, 2018.

Do Índico e do Atlântico: contos brasileiros e moçambicanos. Organização de Vagner Amaro e Dany Wambire. Rio de Janeiro: Malê, 2019.

 


TEXTOS

 


CRÍTICA


FONTES DE CONSULTA

ASSUNÇÃO, Rita de Cássia Barros. O discurso afrofeminino em Não vou mais lavar os pratos, de Cristiane Sobral. In: FERREIRA, E.; BEZERRA FILHO, F.J.; COSTA, M.T.A. (Org.). Literatura e cultura afrodescendente e indígena: Brasil, Caribe, Colômbia e Estados Unidos. Vol. 5. Teresina: UESPI, 2017.

BRANDÃO, Ruth Silviano. O lugar do texto sobre o feminino. In: CASTELO BRANCO, Lúcia. A mulher escrita. Rio de Janeiro: Casa-Maria Editorial: LTC, Livros Técnicos e Científicos, 1989.

DIOGO, Rosália. Prefácio a Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz. Brasília: Editora Teixeira, 2014.

FERREIRA, Vera Lúcia da Silva Sales. Cristiane Sobral. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica.  Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. Vol. 3, Contemporaneidade.

LUCINDA, Elisa. A carta da terra. Prefácio a Terra negra. Rio de Janeiro: Editora Malê, 2017.

PEREIRA, Michelly. Apresentação. In: SOBRAL, Cristiane. Não Vou Mais Lavar os Pratos. Brasília: Editora Thesaurus, 2010, col. Oi Poema.

SILVA, Marcos Fabrício Lopes da. Apresentação. In: SOBRAL, Cristiane. Espelhos, miradouros, dialéticas da percepção. Brasília: Dulcina Editora, 2011.

SOUZA, Florentina. Mulheres negras escritoras. In: AUGUSTO, Jorge (Org.). Contemporaneidades periféricas. Salvador: Editora Segundo Selo, 2018, p. 93-106.

 


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