A Cor da Pele: apresentação

Fábio Lucas*

A Cor da Pele de Adão Ventura explora um campo novo da literatura brasileira, ao poetizar o nosso complexo racial a partir da herança africana. O poeta assume a tragédia do negro “sem perfumar sua flor sem poetizar seu poema" (João Cabral de M. Neto): contempla o ser-no-mundo de sua sensibilidade negra sob o impacto de uma sociedade mestiça, habituada à ideologia colonialista europeia, presumidamente branca e intrinsecamente agressora. O poeta, assim, vê o mundo do lugar onde a cultura é expressão monopolítica do poder colonial branco.

É claro que a consciência da cor, embora dê origem a uma consciência social e a protesto, não faz o poeta. O poeta, em Adão Ventura, já vem feito ao chegar à temática negra. Só que, agora, alcança uma realização mais depurada, mais dirigida, mais carregada de História, pois sai do mundo neutro da magia.w

O poeta assume a biografia soterrada por montanhas de preconceitos. Daí, talvez a força com que brota e se manifesta. Adão Ventura faz o lirismo da revolta, um Cruz e Sousa às avessas. E paulatinamente ingressa na órbita da poesia social, exprimindo os obstáculos de uma raça, de uma cor e de uma situação humana insuportável. Versos curtos, diretos, nada descritivos do mundo exterior nem de indecisões interiores:

para um negro
a cor da pele
é uma faca
       que atinge
muito mais em cheio
o coração.

O poeta é quase escolástico em sua ânsia de definir o estado geral dos negros:

faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

A Cor da Pele tem a agudeza e o corte de um bisturi. E desloca a poesia de Adão Ventura para novo horizonte.

* Fábio Lucas é escritor, crítico literário e professor aposentado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Este texto foi retirado da 5a edição de A cor da Pele, de Adão Ventura, publicada em 1988, com edição do autor.

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