Cor de fogo

Aidil Araújo Lima

A alegria da mulher foi sumindo dentro do corpo a olhos vistos, até desaparecer inteira. Uma tristeza estranha se esparramou como água em sua alma. Alguns diziam ser castigo por descumprir promessa. O marido desconversava essa invenção de preceitos. Procurou motivo nas ideias, e teve uma certeza: a alegria de viver da mulher foi arrancada no parto em hospital da cidade. Deitaram sua florzinha em cama estranha, a menina amuada na barriga, tão sem nascer e já com medo do mundo. O médico mexeu com a mão por dentro de sua intimidade e puxou Maria Aparecida. Ela ficou assim acabrunhada e nunca mais voltou para antes, foi-se entrando em si mesma, até sumir lá dentro. Os outros nasceram em casa, na cama cheia de lembranças; agarrava-se às recordações, fazia força e a gente via a cabeça, fazia outra força e ele vinha completo. Ela pegava o filho no peito e sorria, já esquecida da dor. Passados os dias de respeito, ela se afogueava. Cedo embalava as crianças com voz de ninar, depois vinha com o corpo ardente, fazia um cafuné acabar meu para cansaço e despertar o desejo. Logo, logo, eu já estava tinindo no ponto. Ela sempre queria mais. Assim não desse jeito tu vais me matar. E agora parece sempre queria mais. Tinha dias que eu dizia: mulher. aguento, que virou freira, não posso nem encostar um dedo, que faz cara de ofensa. Imagina se encosto outras coisas...A casa parece uma igreja, só falta o altar. Para distrair a raiva, falava com o vento. O vento, já cansado de tanto lamento, soprou-lhe no ouvido uns conselhos. Que comprasse um vestido vermelho, cor de fogo que acende a vida apagada. Saiu desalentado pela rua, viu um vestido vermelho na vitrine, se mostrando, provocando o juízo, comprou com seu último recurso. Deitou nos braços cansados da mulher o presente. Com gestos amolecidos, ela abriu a caixa. Seus olhos, quando viram o vestido, brilharam que nem relâmpago, seu corpo tremeu como já havia quase esquecido. Ele sorriu em gozo pensado. Rapidamente, colocou o presente no corpo e dançou. Num rodopio, chamou o vento que se espalhou por toda parte, chamando muita gente. Chegaram por todos os lados, trazendo ofertas de comidas e bebida quente. Vieram tocadores com os atabaques. O céu mandou seus raios e relâmpagos para a celebração. Nesse dia, sua voz voltou a cantar para embalar as crianças. Desentristeceu-se. Era madrugada, um grito rasga o silêncio.

(In: Olhos de azeviche: contos e crônicas, Rio de Janeiro: Malê, 2020, p.11-12).

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