Coisas ausentes

Aidil Araújo Lima

Sentada no galho da mangueira, corpo calado no tronco, Antônia procura na memória lembranças de alegria. Aquilo sempre lhe socorria quando a tristeza vinha. De tanto usar esse alento, ele foi se gastando, ou se abrigando, como palavra escrita alcance. ao vento, largada no tempo, sem ter pensamento subiu mais uns galhos até sentir a força do vento no rosto; se que esperançou na volta das lembranças de enxotar desalento. Sentiu um aperto na emoção. Como se espremesse o resto da lembrança, a clareza anuncia a vinda do Natal. Do alto vê pessoas correndo, árvore plástica na mão, cara de espanto. Desistiu de entender a expressão doe outros, evoca os casamentos já idos, nenhuma palavra, nenhum, nada ficou. Tanto tempo, pensou, a vida levou tudo. Os gestos, filhos estão dentro do peito, não se esquece, eles é que não tinham mais tempo para visita, telefonema; muito ocupados. Uma folha cai no colo, se vê mais nova, filhos pequenos, acordando cedo para preparar o lanche da escola, fresco, ensinando o dever de casa, correndo no parque, segurando a bicicleta, gargalhando com os primeiros passos, a festa das mães na escola quando eles declamaram um verso que fizeram; a lágrima escapulida, as mãos limpando rápido para não borrar a emoção. Quando deu acordo de si, estava em casa, no quarto, revirando roupas num desejo insano de se ver bonita como no dia das mães, da emoção sentida ao ouvir os versos. Acordou cedo, nem tomou café, saiu e se precipitou em meio aos passos desesperados. Comprou árvore de Natal plástica, peru, passas; já estava voltando quando lembrou os presentes; largou as compras com conhecido, comprou presente para filhos, netos, nora. Riu, por isso viu de lá de cima da mangueira, aquelas expressões estranhas, cara de quem faz contas, imaginando se o dinheiro vai dar. Preparou a ceia, correu para se arrumar. O batom, tanto tempo sem uso, ainda fez efeito. E se entendi errado a mensagem da folha? pensou meio aflita. Esperou, esperou, bateram a porta; o coração acelerou; era Jorge, um vizinho amigo de infância. Foi dar um recado dos filhos. Não poderiam vir, estavam em viagem de férias, mandaram um abraço para ela. Antônia ainda tinha esperança de que os seus chegassem; convidou o vizinho para entrar. Ele disse que passaria o Natal sozinho e não tinha preparado ceia. Ela se deu conta, sem nenhum alarde, de que os seus também não viriam. Conversaram e riram do destino. Saíram para admirar a noite de lua cheia. Dançou sob a mangueira, uma folha cai em suas mãos. Riem como tempos atrás.

 (In: Olhos de azeviche: contos e crônicas. Rio de Janeiro: Malê, 2020, p.13-15).

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