Certo dia, é dia de preto

 

O telefone toca, a secretária anuncia um doutor Carlos etc. e tal. Em seguida, entra o homem.

_ Negrão, tudo azul? Como vai a família? Você precisa aparecer mais lá em casa.

_ Tudo certo, Carlos.

_Olha, Negrão, estou aqui com um probleminha, e logo pensei que você era a pessoa na medida para me ajudar. Afinal, você é a pessoa mais bem informada do Rio de Janeiro.

_ Pois não, Carlos, é só dizer.

_ Acontece que eu perdi meu gerente financeiro e preciso urgentemente que você me sugira um nome certo. Você está bem a par dos meus negócios, conhece o pessoal. Talvez possa me indicar uma pessoa exata. Estou pagando quanto pedir. Você me faz esta gentileza?

_ Carlos, vou dar uma pensada, mais tarde você me liga e eu vejo se consegui alguém.

_ Passo por aqui. É melhor assim. Saímos e tomamos um uísque por aí.

Bom, o dia foi longo, destes dias quentes de ar condicionado do Rio de Janeiro. No fim da tarde, logo após o expediente, como num passe de mágica, entra o Carlos, sem ser anunciado nem nada.

_ Negrão, como é? Encontrou meu gerente?

_ Sim, Carlos, encontrei.

_ Sabia. Tinha falado para o pessoal. Você nunca falha, é o homem mais bem informado do Rio de Janeiro. Pois bem, quem é a fera?

_ Eu, Carlos.

O sorriso se desfez no rosto bem barbeado e a palavra é recomposta meio a solavancos: _ Tá brincando, Negrão!

_ Não, não estou. Eu sou a pessoa no modelo para seus negócios.

_ Negrão, você sabe, aqui entre nós, ninguém duvida dos seus conhecimentos, da sua capacidade, mas você sabe, na diretoria tem gente que não vai aceitar.

_ Não, não sei, você que está dizendo agora.

_ Negrão, você é meu amigo, tenho você como irmão, não gostaria de te magoar. Não é por mim, você sabe, os clientes...

_ Boa noite, Carlos.

_ Boa noite, tia. Vim ver vocês.

Paulinho, mas como você está bonito, meu filho, quanto tempo! Senta aqui, meu filho. Olhe, cuidado, a cadeira. Anita, limpe a cadeira pro Paulinho. Senta aqui, meu querido.

_ Limpando a cadeira com o avental, cobrindo-o de carinho, a tia foi a compreensão de uma vida, na sua filosofia simples, daqueles que não esquecem mesmo quando esquecidos... Fim.