O MENELICK, 100 anos (1915-2015): Revisitando a trajetória da imprensa negra em São Paulo

Nabor Jr.*

 

Caso estivesse sendo regularmente publicado “mez a mez” desde a sua fundação, em 1915, como ambicionava seu núcleo gestor, o jornal O Menelick, que exibia orgulhoso em seu subtítulo a sugestiva frase orgam noticioso, literário e crítico dedicado aos homens de cor, completaria em 2015 um século de existência. Nada mal para um periódico que, entre outros inúmeros obstáculos, superou o fato de nascer no último país das Américas a “abolir” formalmente a escravidão e que enfrentou toda a sorte de um pseudomovimento eugênico brasileiro que se disseminava por diversos setores da elite intelectual do país. Isso sem contar os escassos recursos financeiros que dispunha e os incontáveis efeitos políticos, econômicos e sociais ocasionados pela Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918).

Tivera sido respeitada a heterogeneidade dos povos responsáveis por alicerçar as bases formadoras da sociedade brasileira, as diferentes matizes que a constituíram, a livre expressão dos oprimidos e das “minorias”, a utopia da secular longevidade do periódico brasileiro superaria hoje, por exemplo, consagrados ícones da imprensa negra mundial. Como por exemplo as gigantes norte-americanas Ebony (1945), Jet (1951) e Essence (1970) – que, apesar de suas polemicas linhas editorias, juntas somaram quase 3 milhões de revistas vendidas em 2014. Outras significativas publicações negras ao redor do mundo vide as seminais Légitime Défense (1932) e L ́étudiant noir (1935), que serviram de plataforma para impulsionar a polêmica e famosa corrente literária Négritude, também teriam sido deixadas para trás pelo periódico paulista.

Mas a realidade enfrentada pelo jornal O Menelick – assim como de quase a totalidade dos veículos de comunicação da chamada imprensa negra brasileira –, foi e continua sendo outra, mesmo com as palpáveis conquistas adquiridas pela comunidade negra no Brasil especialmente nas primeiras décadas do século 21.

Com pouquíssimos recursos financeiros para se viabilizar (essa imprensa sobrevivia de maneira geral de módicos anúncios publicitários e da solidariedade étnica da comunidade negra) e, consequentemente, com sérias dificuldades em manter uma periodicidade regular, o jornal encerrou seus trabalhos ainda em seu segundo número, em 1916. Mas a semente estava plantada, e a importância dos negros de São Paulo possuírem um jornal que os representasse, em um movimento editorial iniciado por jornais como A Pátria (1889), O Baluarte (1903), O Propugnador (1907), A Pérola (1911), O Combate (1912) e O Patrocino (1913), tomou fôlego através das poucas páginas publicadas por O Menelick, suficientes, porém, para encorajar que outras publicações semelhantes surgissem à sua luz.

O Menelick foi um dos primeiros jornais associativos que surgiram em São Paulo, criado pelo poeta negro Deocleciano Nascimento, falecido, mais ou menos há oito anos. Esse O Menelick, por causa da época da guerra da Abissínia com a Itália, teve repercussão muito grande dentro de São Paulo. Todo negro fazia questão de ler O Menelick”.

Publicado pela primeira vez em 17 de outubro de 1915, segundo as primeiras pesquisas acerca do tema, o periódico inaugurou uma nova era dentro da então embrionária imprensa negra paulista, período este que anos depois ganharia o nome de primeira fase da Imprensa Negra Paulista (1915-1923), caracterizado por uma tentativa dos próprios negros de se integrarem à sociedade brasileira e também pelo início da constituição de uma consciência racial que mais tarde ganharia força dentro da comunidade.

Ainda em seu primeiro número, os redatores de O Menelick publicaram uma nota na qual esclareciam aos leitores o significado do título e a intenção do jornal: Ao 18 de julho do corrente anno, a convite do Snr. Deocleciano Nascimento reuniram-se em sua residência a Rua da Graça n 207 os seguintes Snrs: Geralcino de Souza, Juvenal de Pádua Mello, Paulo de Souza Lima, Octaviano Ferraz, Marceano Marques de Oliveira, João Benedicto, Marcelino Cruz, Reginaldo Maximo Gonçalves, José Paulino, Aristides Alves da Costa, Avelino Paiva e José Luiz Sampaio.

Fundou-se então este jornal o qual buscou adquirir um nome que não deveria, mas era esquecido dos Homens de Cor, é esse o nome, o de Menelik II, o grande rei da raça preta, falecido em 1913.

Surgiu então O Menelik. Como reza o cabeçalho deste jornalzinho: orgam mensal, noticioso, crítico e literário dedicado aos homens de cor. É necessário agora que o leitor compreenda qual o destino que cada uma destas palavras toma, ou função que exercem.

É mensal porque destina aparecer de mez a mez.

É noticioso para travarmos conhecimentos de factos que se dão e passam sem prévio conhecimento da classe nossa.

É crítico (só entre a classe) para colher os ditos filosóficos que navegam nos lábios desse povo.

É literário para mostrar ao mundo a sabedoria que ocultamente vaguea no cérebro da classe.

É dedicado aos homens de cor para prestar-lhe homenagens.

(O Menelick, Outubro de 1915).

1915 – 1963: Avalanche Negra

Entre os anos de 1915, quando surge O Menelick, até meados de 1963 – vésperas da instauração da Ditadura Militar brasileira – mesmo subtraídos os oito anos do regime do Estado Novo (1937-1945), mais de 40 veículos da chamada Imprensa Negra Paulista foram publicados no Estado de São Paulo. Um número surpreendentemente alto se o compararmos com a quantidade de publicações impressas que temos hoje.

Este próspero período em termos quantitativos de pouco menos de 50 anos, por qual passou o referido movimento editorial noticioso, foi forjado em grande parte no seio de entidades associativas dos autointitulados “homens de cor”, e constitui-se através das paginas de jornais e revistas como: Binóculo (1915), A Prince do Oeste (1915), A Rua (1916), O Xauter (1916), O Alfinete (1918), O Bandeirante (1919), A Liberdade (1919), A Protetora (1919), A Sentinela (1920), O Kosmos (1922), Getulino (1923), Elite (1923), O Tamoio (1923), O Clarim da Alvorada (1924), Maligno (1924), Auriverde (1927), O Patrocínio (1928), Progresso (1928), Chibata (1932), Evolução (1933), A Voz da Raça (1933), Tribuna Negra (1935), A Alvorada (1936), Alvorada (1945), Senzala (1946), O Novo Horizonte (1946), União (1948), Mundo Novo (1950), Quilombo (1950), Redenção (1950), A Voz da Negritude (1953), Notícias de Ébano (1957), O Mutirão (1958), Hífen (1960), Níger (1960), Nosso Jornal (1961) e Correio d ́Ébano (1963).

Uma imprensa que não se cala

Mesmo com a asfixia imposta pela Ditadura, que inviabilizou todo e qualquer tipo de manifestação que incomodasse o regime militar e que ainda transformou o mito da democracia racial em peça-chave da sua propaganda oficial, os primeiros anos da década de 70 também registraram a valente e necessária manifestação dos negros de São Paulo através de uma imprensa própria. Alguns dos periódicos desta fase foram os jornais Árvore das Palavras (1974), O Quadro (1974) e Biluga (1974).

Concomitantemente à reorganização das entidades negras que retomavam seus trabalhos impondo uma nova agenda democrática ao país, e guiados pelos ideais que nortearam o nascimento, em 1978, do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNU), a Imprensa Negra Paulista ressurge. Desta vez apresentando uma maior diversidade ideológica quanto aos temas abordados, espelhando em seus cadernos as múltiplas facetas do negro brasileiro moderno.

Fazem parte deste período publicações como Jornegro (1977), publicado pelo Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN) e editado, entre outros, pelo jornalista Odacir de Matos e por Isidorio Telles; além dos jornais O Saci (1978), Abertura (1978), Vissungo (1979), Derebô (1980), Chama Negra (1986), este editado pelo cantor, compositor e maestro Estevão Maya Maya e pelos jornalistas Oswaldo Faustino e Selma Nunes. Além da Revista Ébano (1980), que circulou até 1988.

Vale aqui uma menção honrosa ao jornal Versus (1975), símbolo da imprensa alternativa paulistana e que entre os anos de 1977 e 1979, publicou o caderno Afro- Latino-América, dedicado à questão negra e que se tornou um espaço de aglutinação de militantes do movimento negro, do qual fizeram parte, entre outros, os jornalistas Hamilton Cardoso, Oswaldo de Camargo, Neusa Maria Pereira, Tânia Regina Pinto e o poeta Jamu Minka.

Entre o final dos anos 1980 e início dos 90, com a chegada e posterior ascensão do movimento hip hop no país e sua influência nos hábitos e costumes de relativa parcela de jovens negros brasileiros – especialmente os negros que já não se viam plenamente representados pelas agendas impostas pelos setores mais conservadores do movimento negro –, a Imprensa Negra Paulista ganha suas primeiras grandes segmentações. No lugar do “ultrapassado” formato do jornal convencional, passam a ser editadas revistas (de preferência bem coloridas e chamativas). Também saem de cena o protagonismo dos textos puramente políticos e reivindicatórios, e passam a integrar a pauta desta imprensa o entretenimento, o comportamento e a música como ferramentas de inserção social e auto-afirmação.

As revistas Pode Crê! (1993), Agito Geral (1995), Rap Brasil (1999), Planeta Hip Hop (2000), Elementos (2007), são algumas representantes desta fase.

Neste mesmo período surge na zona norte de São Paulo aquele que talvez seja o mais longínquo dos veículos da Imprensa Negra Paulista, o jornal Tribuna Afro Brasileira, ligado às religiões de matriz afro e fundado em 1989 por Cosme Felix. Ainda em circulação, o veículo, que nasceu como o nome de jornal U&C (Umbanda e Candomblé), transformou-se em revista no inicio deste ano, quando completa 26 anos na labuta.

Com a chegada dos anos 1990, e em parte refletindo a pujança e a guinada econômica forjada pelos patrícios norte-americanos, setores da indústria e do comércio no Brasil passam a enxergar os negros brasileiros como potenciais consumidores. A imagem desta considerável parcela da população passa, então, a ser um pouco mais recorrente na mídia nacional. Produtos específicos destinados ao grupo também são criados e, consequentemente, modelos e atores ganham mais espaço na publicidade e na teledramaturgia nacional. Foi com este pano de fundo que em 1996, chegou ao mercado editorial brasileiro a revista Raça Brasil, autointitulada a revista do negro brasileiro. Mesclando valorização, orgulho e autoestima, mesmo que com apelo mais estético do que político, a revista, que chegou a vender cerca de 300 mil exemplares em seu primeiro número, segue em circulação como a revista negra de maior alcance e penetração na sociedade brasileira.

“Num primeiro momento a Raça Brasil era assim (maioritariamente focada em moda, beleza e consumo), quando surgiu pela editora Símbolo. Mas depois, sob direção do cartunista Maurício Pestana, inverteram-se as prioridades e as questões ligadas ao Movimento Negro foram para o primeiro plano, deixando a perfumaria de lado. Hoje, depois de passar pela editora Escala, a revista será publicada pela Editora Minuano, tendo como editor o Romário de Oliveira, que valoriza muito mais a questão da beleza e orgulho”, conta o jornalista e escritor Oswaldo Faustino, colaborador da revista desde a sua edição inaugural.

Também embaladas pelos conceitos que internacionalizaram as ações do movimento negro norte-americano Black is Beautiful, que exaltava a beleza física do negro que outras imprensas quando não escondiam, caçoavam, outras publicações surgem em São Paulo como as revistas Black People (1996), Negro Cem por Cento (1998) e Visual Cabelos Crespos (1997).

Ao identificar características comuns a esta nova imprensa negra que surgia, tais como a valorização do corpo, da beleza, do mainstream e do potencial de consumo da comunidade negra, o escritor e jornalista Oswaldo de Camargo, remanescente do jornal Níger e colaborador de outros periódicos negros paulistas, cunhou o termo Imprensa Negrista para nomear a “imprensa voltada para o negro, porém, sem a vivência em coletividade ou em grupos negros, e muitas vezes dirigida por brancos ou estrangeiros”.

Com propósitos e perfil editoriais bem diferentes dos mencionados por Oswaldo de Camargo, nasce no inicio dos anos 2000, por iniciativa da ONG Casa de Cultura da Mulher Negra, de Santos, no litoral paulista, a revista Eparrei (2001) editada pela escritora negra Alzira Rufino e que circulou fisicamente até 2010, mas que ainda hoje é publicada on line. Pouco tempo depois, a ONG Afrobras, mentora do projeto que instituiu a Faculdade Zumbi dos Palmares, lançou em 2004 a revista Afirmativa Plural, que aborda temas de interesse da comunidade negra e que é distribuída gratuitamente para um malling vip da própria ONG e aos alunos da Faculdade.

A Internet e as mídias sociais

No decorrer nos anos 2000 e, especialmente após o inicio da segunda década do século 21, a internet constitui-se em uma importante aliada à imprensa negra, embora sua vangloriada hegemonia ainda seja minoritária para considerável parcela da população, a mesma que historicamente vem sendo sistematicamente excluída dos processos “democráticos” do país. Porém, sua eficaz capacidade de difusão de informações, notícias, fatos históricos e acontecimentos cotidianos, aliada a sua relativa acessibilidade econômica e seu crescente potencial de alcance muito tem contribuído para a longevidade desta imprensa.

Ainda tendo São Paulo como recorte deste texto, destacam-se dentro de um segmento que podemos chamar de Imprensa Negra Paulista Tradicional na web, ou seja, paginas que reúnem e noticiam para além de reivindicações e denúncias que marcaram toda a trajetória da imprensa negra, editorias comuns a um jornal dito convencional, ou padrão – com as tradicionais seções de política, economia, esportes, lazer, entretenimento e cultura – organizações como Portal Áfricas, Afropress, Geledés, Instituto Portal Afro, Ceert (Centro Estudo Relações Trabalho Desigualdade) e Mulheres Negras e Cia., por exemplo.

Em comum, esses sites noticiosos possuem características como: credibilidade dentro da própria comunidade negra, capacidade argumentativa para formar as opiniões deste grupo, forte apelo ao público negro adulto e aos interessados em questões mais sérias e reflexivas relativas ao universo do negro brasileiro, em especial profissionais da educação que buscam alternativas para a implementação da Lei 11.645 em sala de aula.

Editorialmente, além dos textos (e em alguns casos vídeos) produzidos por colaboradores de dentro e fora do país (remunerados ou não) que atualizam as páginas destes sites com certa regularidade, os mesmos também costumam republicar postagens de grandes portais brasileiros e/ou estrangeiros, repercutindo os acontecimentos locais e internacionais de interesse da comunidade que atendem.

Alguns deles, em razão do baixo orçamento financeiro ou falhas de planejamento, possuem periodicidade irregular em suas atualizações. A repercussão de notícias quentes, ou seja, acontecimentos relevantes para a vida política, econômica e cotidiana do país é muito valorizada por essas organizações.

Outro ponto que une essas iniciativas é a estética visual das páginas, geralmente com muitas informações agrupadas na home e com uma estrutura visual que busca facilitar a leitura dos textos em detrimento de um layout mais arrojado que valorize as imagens e a identidade gráfica do site.

Além dessas organizações mais formais, a imprensa negra digital em São Paulo, em sintonia com o que acontece no restante do mundo, conta também com uma forte presença nas redes sociais. Fruto de iniciativas individuais e de coletivos politicamente engajados, essas páginas seguem caminhos editoriais semelhantes aos dos sites acima mencionados. Porém, frequentemente são ainda mais segmentados e propositivos em suas abordagens. É o chamado afroativismo na rede, que versa tanto com a notícia como com o relato de alguém.

Apesar de ainda manterem certa periodicidade de posts em seus sites e blogs, essas iniciativas destacam-se por também investiram, e com desenvoltura, nos diálogos proporcionados por ferramentas como facebook, twitter, instagram e derivados. Chamam a atenção o conteúdo dos textos e postagens de ótima qualidade reflexiva e o volume de acessos e seguidores destas páginas, como, por exemplo: Blogueiras Negras (com mais de 210 mil seguidores no facebook e dezenas de colaboradoras espalhadas por todo o país), Negro Belchior (hospedado no portal da revista Carta Capital e com mais de 1 milhão de visitas), À Beira da Palavra (blog do poeta Allan da Rosa hospedado no portal da revista Fórum), e paginas como o da escritora Cidinha da Silva (apesar de sua idealizadora não estar mais fisicamente baseada em São Paulo), Eumulherpreta, Preta & Gorda, entre outros. São espaços de troca e de difusão de pensamentos críticos com foco na diversidade, com forte teor reivindicatório e político, e que procuram para além de informar seus leitores apresentando o outro lado da informação noticiada pela grande mídia, elevar a autoestima dos que representam, constituindo-se em verdadeiras armas contra o preconceito.

Ainda no campo das segmentações da Imprensa Negra Paulista no mundo virtual, é possível observarmos outras boas iniciativas individuais tão ou mais segmentadas quanto as acima citadas, porém, com uma visão mais integralista do jovem negro urbano do século 21. Nessas páginas o discurso reivindicatório e politicamente engajado são brandos, ou quase não existem. Nelas o negro é retratado como um protagonista intelectual de uma agenda contemporânea hiper- descolada, estabelecedor de novas tendências, pioneiro ou divisor de águas em diversas linguagens e temas do comportamento humano de ontem e de hoje. Um hype na acepção da palavra, ou seja, atual, antenado, positivamente alternativo e moderno.

Essas páginas – algumas com trajetórias que remetem aos conceitos descritos no termo imprensa negrista, geralmente apontam para questionamentos transculturais, apresentando junto com os temas abordados conexões históricas (de maneira geral bem documentadas), que nos permitem não apenas entender os porquês de muitos fenômenos e fatos atuais, mas principalmente por revelar o protagonismo negro por detrás das mais variadas manifestações da cultura popular.

A identidade visual dessas páginas é algo importante e valorizado. As imagens e vídeos são criteriosamente selecionados e possuem destaque dentro do site. Os assuntos publicados sugerem conexões internacionais relacionando as realidades dos negros ao redor do mundo a uma experiência diaspórica única. Neste grupo, podemos incluir páginas como Ubora, New York Kibe, Per raps, Só Pedrada Musical, por exemplo, que se destacam por não se prenderem ao noticiário convencional – pelo contrário, muitas vezes o pautam, quando não o antecedem.

A revista O Menelick 2o Ato

Apesar das facilidades do mundo virtual registradas nas primeiras décadas do século 21, com o início da popularização da internet, a imprensa negra impressa, ou escrita, por sua vez, segue sobrevivendo com dificuldades financeiras e estruturais.

Nada muito diferente das fases inicias que marcaram a sua trajetória ainda no final do século 19.

Em São Paulo, tirando algumas revistas e jornais que dedicam com certa regularidade edições ou seções especiais sobre o universo negro em suas páginas, como Fórum, Caros Amigos e Rebosteio, por exemplo, as revistas O Menelick 2° Ato, Raça Brasil, Crioula, Tribuna Afro Brasileira e a recém lançada Legítima Defesa, idealizada pelos atores Sidney Santiago e Lucélia Sergio da Cia. Os Crespos, são as poucas iniciativas da Imprensa Negra Paulista que buscam manter a chama desta imprensa acesa no Estado. Obviamente deve haver mais espalhadas pela capital e interior do Estado. Mas ainda possuem circulação restrita.

A revista O Menelick 2o Ato, autointitulada como um projeto editorial independente de valorização e reflexão acerca da produção artística da diáspora africana, bem como das manifestações culturais populares e urbanas do Ocidente negro, com especial destaque para o Brasil, como o próprio nome sugere, nasceu com o objetivo de dar prosseguimento à trajetória da Imprensa Negra Paulista. Sua primeira manifestação aconteceu em 2007, por iniciativa deste que vos escreve, quando do surgimento do blog omenelicksegundoato.blogspot.com.

O contexto que envolve o surgimento da publicação não difere muito da história da imprensa negra em São Paulo, ou seja, a necessidade de se criar um veículo capaz de enfrentar as barreiras de uma imprensa (branca) impermeável aos anseios e reivindicações da comunidade negra. Contudo, desde o principio, beneficiando-se das conquistas do movimento negro no Brasil, a proposta editorial da revista O Menelick 2° Ato foi abordar assuntos relacionados à produção artística e intelectual do negro brasileiro em detrimento de outros temas. Em suma, uma revista de artes e comportamento voltada à comunidade negra.

Desta forma, ainda solitariamente, passei a cobrir e postar periodicamente no blog fatos noticiosos que versassem sobre a vida associativa, cultural e social dos negros no estado, falando especialmente sobre a contribuição desta população nos campos da literatura, música, arquitetura, teatro, fotografia, artes visuais e demais temas que pertencem ao universo das artes. Sempre buscando unir um texto atrativo e bem escrito a imagens bem feitas e não menos atraentes, utilizando para isso a pouca, mas fundamental experiência acumulada como jornalista, editor e fotógrafo de jornais de bairro da zona sul da capital.

Somente em maio de 2010, após quatro anos buscando materializar uma estética editorial que pudesse aproximar fatos e trajetórias contemporâneas às raízes ancestrais responsáveis por moldar a identidade cultural do negro brasileiro, é que formamos um grupo capaz de dar vida ao sonho de um veículo impresso merecedor da alcunha imprensa negra. Assim foi publicada a primeira edição física da revista.

Frente às dificuldades encontradas, ela passou a ser bimestral e, por fim, trimestral. Quatro características, porém, acompanham a trajetória da nossa revista desde o principio: a distribuição gratuita, a tiragem de 2 mil exemplares por edição, a heterogeneidade dos formatos e o detalhismo de seu editor quanto a convergência entre texto, imagem e design. Formar um conselho editorial crítico quanto à presença corpórea e intelectual do negro na contemporaneidade, capaz de organizar e filtrar minimamente o fluxo de informações com potencialidades de publicação, também contribuiu muito para o amadurecimento da revista.

Entre os anos de 2010 e 2013, ou seja, em nossas primeiras 11 edições, a revista foi financiada em sua totalidade através de recursos próprios e escassos anúncios publicitários. Somente em 2013, quando o projeto foi contemplado, no ano anterior, pelo edital Prêmio Funarte Arte Negra, instituído pelo Ministério da Cultura é que conseguimos sair do vermelho, equacionar as contas e remunerar todos os envolvidos na produção da revista. Com o referido prêmio, quatro edições foram produzidas ao longo do ano de 2014. Agora, em 2015, novamente contemplados por um edital, desta vez o PROAC – Proteção e Promoção das Culturas Negras, promovido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, poderemos produzir outros dois números da revista.

Diferentemente do jornal O Menelick, pudemos contar em nossa ainda curta trajetória com políticas afirmativas que alocam recursos a grupos historicamente vitimados pela exclusão socioeconômica aumentando assim a participação desses na sociedade brasileira. Enxergamos com orgulho e sentimento de ter o trabalho reconhecido

Deste modo, após cinco anos de vida, mais de 130 textos inéditos publicados, cerca de 100 colaboradores na produção de conteúdo e aproximadamente 32 mil exemplares distribuídos em todo o território nacional e outros países, também nos sentimos seculares e parte integrante dos utópicos 100 anos do jornal O Menelick, efeméride que comemoramos com este breve texto.

Os desafios da Imprensa Negra Paulista impressa continuam os mesmos dos enfrentados pelo O Menelick e seus contemporâneos, como o alcance dos veículos, a auto sustentabilidade, o reconhecimento social e um maior fortalecimento das relações com outros segmentos da cultura negra para, de fato, crescermos juntos.

Seguimos, assim, vivendo, morrendo e ressurgindo. Ainda bem que não estamos sozinhos e temos força para lutar.

Vida longa aos menelicks, vozes da raça, blogueiras negras, getulinos, alvoradas, e aos deoclecianos do nascimento, josés correia leite, jaymes aguiar, oswaldos de camargo.…

• Nabor Jr. é fundador e diretor responsável pela revista O Menelick 2° Ato. Jornalista especializado em jornalismo cultural, fotógrafo e responsável pela capturação de imagens e edição dos vídeos da revista.

 

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