A imagem da África na poesia afro-brasileira contemporânea

 

Moema Parente Augel*

“Eu sou a África
o esteio do Universo
e a confiança no porvir”
Bélsilva, Bandeira Negra.

Desejo tratar aqui de escritores brasileiros, quase que desconhecidos da crítica consagrada, um grupo dinâmico e atuante de poetas e contistas de ambos os sexos, espalhados por todo o Brasil, que vêm escrevendo e publicando desde a década de 70, mas que continuam quase completamente ignorados e silenciados, só excepcionalmente contando com o apoio de pequenas casas editoriais.

São escritores que se chamam a eles mesmos de escritores negros, que proclamam uma literatura negra, isto é, afro brasileira, ressaltando a sua africanidade, as suas origens distantes da ação civilizatória colonizadora, a sua cultura não pautada nos moldes da cultura dominante.[1] Estreitamente ligadas à estratificação social, mas não idênticas a ela, estão no Brasil a questão racial e a procura por parte da população não branca tanto da sua identidade cultural como da ampliação dos seus espaços de ação, numa sociedade norteada pela ideologia do branqueamento e ainda deformada por resquícios da mentalidade colonialista e dominadora. São escritores que se querem intérpretes e porta-vozes dos anseios, das dores, dos sentimentos da grande maioria anônima dos brasileiros de origem africana.

Uma das formas de afirmação cultural por parte dos afro brasileiros é exercida justamente através da literatura. “A Poesia Negra tem a força do quilombo”, diz um dos versos mais conhecidos. Em todo o país se pode registrar a atuação de escritores negros que se qualificam como tais, assumindo a sua origem africana e fazendo da cor da pele e da discriminação daí decorrente uma verdadeira bandeira.

Essa literatura surgiu por força da situação social em que os negros brasileiros se encontram e da qual a sociedade envolvente não lhes facilita a saída. Seus representantes usam a palavra com maestria e segurança, ardor e originalidade de expressão. Fazem uma literatura engajada, de grande força denunciadora do status quo atual como injusta continuação do passado humilhante, pondo a descoberto o que o discurso oficial brasileiro da democracia racial quer esconder, negar ou ignorar, reivindicando, como disse Cuti, poeta de São Paulo, que na verdade é preciso “não somente o pão de comer, mas o pão de ser”.[2] Se bem que a abolição da escravatura se tenha dado há mais de um século (e é importante não esquecer que o Brasil foi o último país da América do Sul a acabar com esse regime), a situação dos descendentes dos escravos africanos não é nada satisfatória: continuam a engrossar as fileiras dos desprotegidos, dos “damnés de la terre”, para usar a expressão do martinicano Frantz Fanon, grande teórico das relações de dominação dos países colonizados e de suas consequências.[3] Como Paulo Colina, poeta negro de São Paulo[4], uma vez se expressou, referindo-se à continuidade da condição desprotegida e marginalizada dos afro brasileiros: “A Princesa esqueceu-se de assinar nossas carteiras de trabalho” (Pressentimento).[5] Ou como disse Adão Ventura, de Minas Gerais: [6] “Minha carta de alforria/ não me deu fazendas/ nem dinheiro no banco/ nem bigodes retorcidos” (Negro Forro).[7]

Mas não estamos diante de panfletários ou rebeldes. Não vejo neles insufladores de discórdia, mas sim de necessário desassossego. Consideram que é importante rever a História, resgatar o afro brasileiro de sua situação de inferiorização, sacudir as ideias, denunciar a discriminação que corrói e humilha, pôr a nu as sutilezas e armadilhas da segregação racial e, sobretudo, querem dar-se o direito de expressar o que sentem e o que pensam, mesmo se isso incomoda, ou justamente por isso. Os poetas e prosadores a que me refiro são representantes de um movimento literário fecundo e amplo, escrevendo a partir da perspectiva de se saberem e de se quererem negros, assumindo a sua identidade e suas origens, marcando seus textos com o fogo dessa experiência de vida própria, carregada de emoção e de altivez. Nisso tudo não há uma postura nem de herói nem de revolucionário, mas é parte da vivência mais íntima e indelével, que é a vivência de se ver tantas vezes posto no escanteio da segregação, disfarçada ou aberta, por causa da cor da pele e da condição social, das suas origens menos festejadas pela sociedade dominante.

A decisão do poeta de se proclamar negro e com isso identificar-se com a massa estigmatizada e colocada fora das esferas de prestígio do país, é plenamente consciente e assumida, com todas as dificuldades que daí advêm: “a palavra negro tem chaga de chega”, adverte Cuti, mas prossegue: “tem também gosto de sol que nasce” (A palavra negro).[8]

Uma tal posição é sem dúvida vista como provocadora pela sociedade envolvente e assume uma envergadura muito ampla. No momento em que o poeta verbaliza sentimentos despertados pela discriminação e pelo racismo, o autor não só acusa e rejeita uma atitude isolada e individual, mas põe em questão a própria sociedade que está atrás dessa atitude. Assim, a literatura negra desempenha no Brasil um importante e necessário papel questionador, revendo e abalando os valores admitidos pela sociedade estabelecida como incontestes e irrefutáveis, assumindo um lugar de contra força, de resistência contra o discurso oficial e representativo do grupo dominante. A literatura negra define-se a si própria como portadora de um posicionamento contrário e crítico, mostrado em alto e bom tom o que nem sempre é aceito nem visto com neutralidade ou sem emoção.

São muitos os temas que poderíamos escolher para tratar aqui ao apresentar a literatura afro brasileira. Entre eles, vou destacar aqueles diretamente ligados à África. Como, para os brasileiros descendentes de africanos, é vista a África, que papel desempenha na memória coletiva, no imaginário e nas manifestações populares, na busca ou na afirmação da identidade do afro brasileiro? Que simbologia está a ela ligada, até que ponto a África é algo de concreto e objetivo, até que ponto é metáfora, até que ponto é realidade? O que é a África para os afro brasileiros? Quantas Áfricas existem para os afro brasileiros? Para melhor situar minha abordagem, primeiramente vou recorrer a dois autores bastante conhecidos do século XIX, que nos seus escritos mostram o quanto se sentiam emocionalmente ligados com o continente africano, e procurarei alguns exemplos para ilustrar que imagem esses poetas faziam da África.

O primeiro deles é Castro Alves, o autor dos flamejantes versos descrevendo de forma pungente as desgraças da escravidão e a desumana e destruidora travessia oceânica nos navios negreiros, transportadores dos cativos. São sempre referidos seus longos poemas “Navio Negreiro” e “Vozes D’África” e aqui vou destacar sobretudo trechos deste último, em que o poeta personaliza a África, emprestando-lhe a voz, fazendo-a dirigir-se a Deus, na seguinte prece ou lamento:

Deus, ó Deus, onde estás que não respondes!/ Em que mundo, em que estrelas tu te escondes,/ embuçado nos céus? (...) Há dois mil anos te
mandei meu grito. (...)/ Onde estás, Senhor Deus? / (...) Minhas irmãs são belas, são ditosas ... Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas/ dos haréns do sultão. (...) O Ganges amoroso beija a praia/ coberta de corais .../ (...) A Europa – é sempre Europa, a gloriosa! ... / a mulher deslumbrante e caprichosa, rainha e cortesã ... / (...) Mas eu, Senhor!... Eu triste, abandonada, / em meio dos desertos/ desgarrada,/ perdida, marcho em vão!/ (...) Não basta inda de dor, ó Deus terrível?/ É pois teu peito eterno, inexaurível de vingança e rancor?/ E que é que fiz, Senhor? Que torvo crime/ eu cometi jamais, que assim me oprime/ teu gládio vingador? (...)/ Basta, Senhor! Que de teu potente braço/ role através dos astros e do espaço/ perdão para os crimes meus!/ Há dois mil anos eu soluço um grito.../ Escuta o brado meu lá no infinito,/ Meu Deus! Senhor meu Deus! …

Castro Alves, se bem que mestiço, não é considerado um poeta negro. O outro escritor brasileiro do século dezenove que desejo citar é João da Cruz e Sousa, unanimemente aplaudido pela crítica consagrada como o maior representante do simbolismo brasileiro. Seu texto em prosa O Emparedado, que permanecera inédito mesmo depois de sua morte, ocorrida em 1897, só foi divulgado muito tardiamente, com a publicação das suas obras completas, ou seja, apenas em 1961, numa edição comemorativa do centenário do nascimento do autor. Nesse texto, Cruz e Sousa refere-se ao personagem bíblico Cam, o filho de Noé que figura como progenitor da raça negra, nos seguintes termos:

Tu és Cam, maldito, réprobo anatemizado! Tu és d’África, tórrida e bárbara, devorada insaciavelmente pelo deserto, tumultuado de matas bravias, arrastada sangrando no lodo das civilizações despóticas, torvamente amamentada com o leite amargo e venenoso da Angústia! A África, arrebatada nos ciclones... das Impiedades supremas,... gemendo, rugindo, das profundas selvas brutas, a sua formidável dilaceração humana! A África laocoôntica, alma de trevas e de chamas(...). Longinqua região desolada, Criação dolorosa e sanguinolenta de Satãs rebelados, dessa flagelada África grotesca e triste, África, gigantescamente medonha, absurdamente ululante, pesadelo de sombras …

E o texto segue, longo e prolixo, abundando de afirmações desse gênero. Se alguma vez lhe escapa algo de positivo, é para referir-se apenas à natureza africana: “África cheia de solidões maravilhosas, de virgindades animais instintivas, de curiosos fenômenos de esquisita Originalidade...”.

Longe de abraçar tal perspectiva, o poeta negro brasileiro, que possuía uma formação ampla e humanística, esmera-se em mostrar com essas metáforas violentas e depreciativas todos os preconceitos e estereótipos que o etnocentrismo europeu continuava a divulgar e a fortalecer, mas com os quais não compartilhava: como o texto completo do poema o demonstra.

A partir dessa imagem herdada e deturpada, era difícil para o afro brasileiro querer identificar-se como originário dessa “África gigantescamente medonha”, castigada por Deus, por Ele esquecida e desprezada, sentindo-se emparedado, manietado pela discriminação da sociedade envolvente.

Se bem que essa impressão tão negativa e desanimadora seja um posicionamento do século passado, verifica-se, entre escritores negros brasileiros, que alguns manifestam ainda sentimentos de tristeza e pessimismo em relação ao seu continente de origem, a partir dos quais a África é vista como reflexo do sofrimento e da humilhação provocados pelo passado de servidão, cuja herança não pode ser esquecida. Como por exemplo Eduardo de Oliveira, um dos mais velhos entre os poetas negros vivos[9], em um poema, “Banzo”, no qual assim se expressa: “Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África/ pendurado na noite do meu povo./ Trago em meu corpo a marca das chibatadas/ como rubros degraus feitos de carne”.[10]

Ou neste outro exemplo, em que Oswaldo de Camargo,[11] no seu “Grito de angústia”, confidencia: “Meu coração (...)/ é o mesmo coração dos Congos/ Bantus/e outros desgraçados”.[12]

Há um poema de Oliveira Silveira, poeta do Rio Grande de Sul[13] de grande densidade e tensão poética, nessa linha pessimista e dolorida: Um talho fundo na carne do mapa:/ Américas e Áfricas margeiam um navio negreiro como faca:/ mar de sal, sangue e lágrimas no meio.//

Um sol bem tropical ardendo forte,/ ventos alíseos no varal dos juncos/ e sal e sol e vento sul no corte/ de uma ferida que não seca nunca. (“Charqueada grande”).[14]

Mas o que se vai sobretudo verificar é a crescente presença de um comportamento de amor e de admiração, de reconhecimento e afeto para com a terra dos antepassados.

No imaginário popular, nas festas e folguedos populares, há manifestações folclóricas que datam da época da escravidão e testemunham a importância do continente de origem para os degredados, para os que foram obrigados a abandonar a Terra Mãe e para os seus descendentes. Pode-se acompanhar até hoje a força desse permanente referencial para a auto identificação do afro brasileiro. Sem pretender alongar-me aqui nesse assunto, lembrarei, a título de exemplo, as Congadas, folguedo onde se festeja anualmente a coroação simbólica do Rei e da Rainha do Congo. Mesmo no tempo da escravidão, era permitido aos cativos nesse dia celebrarem uma cerimônia na igreja, onde o sacerdote entronizava solenemente o Rei e a Rainha do Congo e os cativos desfilavam pela cidade com as suas majestades coroadas, em danças e festas, entoando canções em línguas africanas, em geral o iorubá, e que até hoje permanecem vivas nos mais diferentes recantos do Brasil.[15] Mas é sobretudo através da religião que os afro brasileiros mantiveram viva e dinâmica a sua ligação com a África. Um largo espectro do milenar conhecimento das antigas civilizações africanas veio trazido pelos escravos para o “novo” mundo e transmitido aos seus descendentes. Até hoje, em muitos templos afro brasileiros, existe a metafórica representação de um barco de madeira pendurado ou fixado na entrada das casas de culto, simbolizando o barco que os levará de volta à “Mãe África”. Muitos sacerdotes, “guardiães dos deuses”, vieram também no bojo dos navios negreiros e tentaram na diáspora uma reestruturação das suas próprias comunidades, precisando necessariamente de reformulá-las e adaptá-las às novas e difíceis circunstâncias. A herança cultural dos símbolos sagrados e da lembrança coletiva criou um espaço religioso, mítico, social e mesmo político para o afro brasileiro. A preservação do culto, dos antepassados e da crença nas divindades integrantes da cosmogonia religiosa das regiões de origem, sobretudo da África Ocidental, foi e continua a ser, um elemento essencial para a auto identificação do afro brasileiro. Há um excelente estudo de Muniz Sodré em que ele ressalta a importância da dimensão do espaço para a prática religiosa, tanto para o indivíduo isolado como para a comunidade, lembrando o papel representado pelo “território”, pelo espaço como uma condição necessária para a formulação da identidade de um grupo. As comunidades litúrgicas dos cultos afro brasileiros, os terreiros, servem exemplarmente para ilustrar o papel que representa a base territorial para a continuidade cultural dos antigos escravos e seus descendentes: estes podiam, através de um espaço próprio, fugir da pressão exercida pela sociedade colonial, controladora do espaço dentro da cidade, evitando assim uma total despersonalização. Muniz Sodré analisa a estrutura de um terreiro, isto é, de uma casa de culto afro brasileira, que é muito mais do que uma simples construção, mas comporta uma parte externa muito ampla, a chamada “roça”, que se pode comparar às florestas sagradas africanas, onde crescem as plantas e ervas litúrgicas, necessárias aos diversos rituais, onde estão as árvores dedicadas às diversas divindades, o espaço sagrado da natureza repositária da força vital dos ancestrais, que se transmite de geração em geração.

No seio do terreiro brasileiro, deu-se uma espécie de condensação simbólica, uma reprodução concentrada do espaço geográfico africano. Para Muniz Sodré, o terreiro com sua roça reconstrói dentro do espaço urbano das cidades brasileiras, na diáspora portanto, a própria África em miniatura, uma África “qualitativa”, como ele se expressa, transplantando-a simbolicamente para o exílio. No terreiro estão presentes os dois inseparáveis constituintes do universo dos iorubás, o Omm e o Aiyê, a terra e o céu, na concepção ocidental. Ali se organiza de forma densa e intensa a simbologia do cosmo visão iombá. Através do espaço preservado pelo terreiro, salvaguarda-se a ponte que liga permanentemente o passado, o presente e o futuro, tanto ao paraíso perdido como à terra prometida e à qual se quer voltar, à qual se há de voltar.[16]

O poeta Oswaldo de Camargo resume essa aspiração nos seguintes versos do seu poema intitulado “Festança”: “Ainda vamos embora, vamos embora/ viver na terra do Congo!” (...) Vamos voltar para a terra/ amada do nosso Congo!” Referências a Angola e sobretudo a Luanda, muitas vezes chamada pelo topônimo original Aruanda, abundam sobretudo na música popular brasileira, nas cantigas de pescadores, de candomblé, de capoeira. A conhecida canção de Carlos Lira e Geraldo Vandré sirva apenas como um dos muitos exemplos: “Vai, vai pra Aruanda/ vem, vem, vem de Luanda/ deixa tudo o que é triste/ vai, vai, vai pra Aruanda/ lá não tem mais tristeza/ vai que tudo é beleza/ ouve essa voz que te chama/ vai, vai, vai”.

Esta África é ainda uma África mística e mítica, monolítica e simbólica, irreal e ideal, necessária para a saúde e o equilíbrio dos seus filhos na diáspora, refúgio para o filho abandonado e solitário, colo e seio para o filho sem mãe, desenraizado e estigmatizado pela sua origem. Uma África bem diferente daquela África tenebrosa, descrita por um Castro Alves ou um Cruz e Sousa. E é a imagem predominante nos versos dos poetas afro brasileiros contemporâneos, revestida de metáforas diversas e muito ricas. Abordarei esse aspecto um pouco mais adiante.

Quase sempre os poetas falam de África como um todo, de uma forma global e não diferenciada. São frequentes as alusões a acidentes geográficos do continente africano, rios ou montanhas, numa aparência de mais realismo, mas são meras sinédoques, recurso poético muitas vezes de grande beleza, sem intuito de referências concretas. Muitas vezes o poeta se refere ao Congo, ao Niger, ao rio Nilo, quando quer com isso sinalizar a sua ligação com a África em geral. O rio Nilo é, por exemplo, para Solano Trindade, o grande precursor da poesia negra brasileira contemporânea,[17] sinônimo de imensidão: “... tenho um poema grande como o Nilo” (“Negros”).[18]

Temos aqui alguns exemplos em que o rio Nilo sempre de novo aparece em inesperadas imagens, numa alusão ao que há de mais recôndito na alma do poeta: “Quem conhece meus Nilos de dentro/ meus rios,/ raízes que regam felizes/ a carne do Brasil?/ Quem conhece meus rios/ meus cios /sonhadas carícias de vida melhor?” (“Perguntas”).[19]

Oswaldo de Camargo também lança mão da mesma figura no poema “Meu Grito”: “Meu grito é estertor de um rio convulso .../ Do Nilo, ah, do Nilo é o meu grito .../ E o que me dói é fruto das raízes, / ai, cruas cicatrizes!/ das bruscas florestas da terra africana!”.[20]

A identidade afro brasileira é também realçada através de frequentes referências a alguma característica cultural especificamente africana, como aos instrumentos de percussão, os batuques, os tambores, os tantãs, por exemplo no poema “Freqüência”, de Cuti:

O som que nos irmana/ o som que nos aquece/ o som que nos reveste/ de coragem pra vencer/ tambor tão bom teu som/ tam-tam batuque/ atã o teu doce poema/ é toque é canto e dançaI é lança é luta é gol/ é vinda de Cabinda/ do Golfo de BeninI é chuva de esperança/ o sono no capim / a noite palpitando / mil sóis dentro de mim.[21]

Salgado Maranhão, poeta do Norte brasileiro, radicado no Rio de Janeiro[22], anuncia que “quando a África bate os seus tambores”, estão “renascendo os eguns” (que são os espíritos dos mortos, dos ancestrais). E continua: “desde a Costa do Marfim, desde o Tanganica/ até o Mali/ toda a ancestralidade vibra entre as estrelas e o chão” (Vodoo).[23]

África é também símbolo de um passado feliz e sem degradação, em que a ordem social ainda não tinha sido alterada com a desordem do tráfico de escravos, sinônimo de uma época de equilíbrio e de harmonia, de satisfação e alegria: “A vitalidade da fé./ africalegremente oculta/ nas figas de marfim/ no elan dos ritos/ nos búzios e nos blues” (“Tributo a Alberta Hunter”).[24] Vê-se muitas vezes a ideia da África como o lugar da liberdade anterior à escravidão e por extensão da liberdade em geral, de redenção: “Correr, viver e ser livre/ como nas terras da África” (Cântico 11: Saudade).[25] Márcio Barbosa, de São Paulo[26], em seu poema “Um canto de liberdade”, assim se expressa: “Povo,/ ergue alto/ tua voz de tambor/ e atira ao céuI e ao coração destes cruéis homens/ Teu canto de selva africana”.[27] África no sentido de autenticidade, de integridade, verdade, coragem: “... esse meu olhar cheio de África/ que desnuda todo preconceito/ no seu continente”, diz o carioca Éle Semog em Artimanhas, do seu livro inédito Último Exemplar. E neste poema de José Carlos Limeira, da Bahia[28], intitulado “Quilombos”: “Angola Janga/ terra de negrosI livres// Ali toda vida/ toda raça/ vontade/ África”[29]. Ou aqui, nestes versos de Cuti,em que ele demonstra que, apesar da cultura branca tentar apagar a imagem, a importância da África para os brasileiros, dá-se exatamente o contrário: “África enterrada I à custa de porrada/ viva/ e que inspira/ a respiração que inspira / seus filhos” (“Amor”)[30].

Para José Alberto, de São Paulo, a África seria o centro de tudo o que se associa à fraternidade e à vida mesmo: “É a afro-centro-irmão/ afrocentricidade-vida- nossa”... (Afro-centro-irmão).[31] África é vista muitas vezes como um símbolo absoluto de perfeição, resumo dos anseios do afro brasileiro e com a qual ele se identifica plenamente a ponto de dizer: eu sou a África. Eis como a sente o poeta Bélsilva, no seu poema “Bandeira Negra”:

Eu sou a África/ uma bandeira negra/ a tremular no espaço/ Eu sou a África/ o esteio do Universo/ e a confiança no porvir/ Eu sou a terra virgem/ que todos beijarão amanhã// Eu sou a África/ uma bandeira a tremular no espaço.[32]

Ou é Jamu Minka[33] que afirma, ainda mais universalmente: “África que somos nós” (Ayodole).[34]

O afrobrasileiro, nascido e criado no Brasil, sente-se estreitamente ligado ao outro lado do oceano. O poema de Cuti intitulado “Vento” é de grande Lirismo e traduz exemplarmente esse sentimento de pertencer pelo menos em parte “ao lado de lá”, estar unido atavicamente ao outro continente, de onde emana uma potente força alentadora:

Vem da África / soprando a gente por todos os poros do mundo / vem de lá / vem do chão /do vulcão / na maré / esse vento de fé / vem / vem do calor uterino da terra .../ estufa a vela negra / não há calmaria / ... Vem no mar / vem no ar do olhar / vem no sol / nos soltando / em sustos adocicados e sorridentes / das presas brasileiras do gavião / das presas de ferro comum europeu / É grito-corisco-constante que encontra / descanço no sangue / frescor nas palavras / harmonia no corpo / é o som da dança-de- roda dos planetas / o brilho sorrido das estrelas no céu negrejando / o cheiro do trabalho na cadencia dos calos / o sabor da vida a se construir na língua do futuro / na conversa do tambor versificando os passos / O coração é um franco-atirador / em respiração de maré cheia.[35]

É exatamente essa visão “uterina” que vai inspirar alguns dos mais felizes versos da poesia afro brasileira. O continente de origem é considerado como o seio materno da Grande Mãe. É a “África humus, África raiz”, como resume Jamu Minka, poeta de São Paulo que adotou um nome africano com o qual assina seus poemas.[36]

Sobretudo a imagem da África mãe, com todos os atributos positivos e belos com que enfeitamos a lembrança de uma mãe generosa, terna e amantíssima, é sobretudo essa imagem que vai servir como alento e como consolo, como suporte e encorajamento para os que hoje em dia se sentem, mais do que nunca, devido aos difíceis revezes econômicos e políticos que o Brasil atravessa, vítimas de uma discriminação social crescente e devastadora. É assim que se expressa o poeta gaúcho Oliveira Silveira, quando compara, em seu poema intitulado “África”, o continente com um corpo de mulher, um corpo materno: Tuas tetas -vulcão, / leite-lava, / unhas e dentes -tuas feras, / tuas veias Zambeze, Níger, Congo, / cascatas-gargalhadas. / Tua savana-ventre / e a selva – cabelos, pentelhos. / Bem ai, mãe, eu quero me repor dentro de ti.[37]

É ainda Oliveira Silveira que resume seus sentimentos para com o continente d e origem d e forma um tanto prosaica, mas pitoresca, no poema “À África”: As vezes te sinto como avó / outras vezes te sinto como mãe. // Quando te sinto como neto / me sinto como sou. / Quando te sinto como filho / não estou me sentindo bem eu, / estou me sentindo aquele / que arrancaram de dentro de ti.[38]

Gostaria de citar aqui por inteiro um poema de Oswaldo de Camargo, que o poeta intitulou “Oferenda”, escrito quando o autor já contava mais de 40 anos de idade, e que ilustra um outro aspecto desse sentimento filial do afro brasileiro em relação à África:

Que farei do meu reino: um terreno / no peito / onde pensei pôr minh’África, / a dos meus avós, a do meu povo de lá e que me deixam / tão sozinho? / Como sonhei falar? / minha mamãe África, / oferecer-lhe em meu peito, nesta noite turva, / os meus pertences de vento, sombra e relembrança, / o meu nascimento, a minha história e o meu / tropeço / que ela não sabe, nem viu e eu sendo filho dela! / - O’mamãe, as minhas fraldas estão sujas de brancor / e ele cheira tanto! / às vezes penso, em minha solidão, na noite turva, / que você me está chamando com o tambor do vento. / Abro a janela, olho a cidade, as luzes me trepidam / e eu perco o condão de te achar entre os odores vários / e tanta dor de gente branca, preta, variada / gama e tessitura de almas, ânsias, medo! / Como sonhei falar, sozinho,? / minha mamãe África, / e oferecer- lhe, em meu peito, nesta noite turva, os meus presentes de vento, sombra e relembrança, / o meu nascimento, a minha história, o meu tropeço / que ela não sabe, nem viu e eu sendo filho dela![39] É bastante pungente o sentimento d o filho que sabe não ser conhecido pela mãe e verifica que o objeto de sua saudade e de seu amor nem suspeita da sua existência. É o mesmo Oswaldo de Camargo que, em seu poema “Bilhete”, refere- se a essa sensação que o afro brasileiro tantas vezes experimenta, de que a sua fidelidade e o seu amor ao continente de origem não são nem conhecidos nem correspondidos: “Buscam-me ainda / crocodilos, e a mosca / tsé-tsé jamais saberá / que aqui me acho: / a oito mil, trezentos e trinta quilômetros / da costa d’África”.[40]

Márcio Barbosa, de São Paulo, fala dessa mesma sensação no seu poema “A África em mim”, a África que o brasileiro nunca viu, mas que está sempre presente:

A África em mim / sou eu que me renovo / nas raízes férteis de um sonho humanitário / um sonho nascido aceso / no amanhecer do meu dia solitário. (...) Eu preto negriciosamente preto e brasileiro / que redescubro em mim / essa tloresta amotinada / das vigorosas civilizações do Mali / as lutas libertadoras de Moçambique e Angola / pateticamente orgulhoso de terras que jamais conheci. (...) A África em mim / Dispersa em meu sangue plantada à deriva / no olho alongado do medo / do meu viver indomável / de rica pretice da pele / (...) Mitificada Savana / do meu renovado humanismo.[41]

Não é por acaso que foi justamente a partir da década de 70, com as lutas de independência dos povos africanos e com o crescente protesto contra a segregação racial na África do Sul, que o continente se tornou mais concreto para os afro brasileiros. Verificam-se a partir daí uma nova articulação de grupos negros no Brasil inteiro, em plena ditadura militar, e um despertar da literatura de expressão negra. Essa tomada de consciência torna a África igual-mente mais concreta para os afro-brasileiros, que em muitos poemas se referem diretamente a regiões africanas específicas, com as quais mais se identificam, seja por suas origens comuns, seja pela solidariedade devida à opressão semelhante. A empatia que une os que lutam pela liberdade ou contra o racismo e todas as formas de opressão traduz-se muitas vezes em excelentes versos e já Solano Trindade o anunciava na década de cinqüenta. É dele o poema “Quem tá gemendo?”, em que o poeta, embora num tom dolorido que os escritores que vieram posteriormente já ultrapassaram, mostra a sua ligação interior com “toda a África”: “Geme na minh’alma / a alma do Congo / do Níger da Guiné / de toda a África enfim / a alma da América / a alma universal”.[42]

É frequente também o poeta desprezar a precisão geográfica e, não lhe importando as distâncias, acentuar os elementos que o unem a uma mesma comunidade de sofrimento, seja no Brasil, nas Américas ou onde for, vendo sempre, porém, na África a raiz comum de todas as comunidades, “mãe maculada de tinta”, tingida com o “sangue em gotas de independência”, como neste poema de Cuti, intitulado Lutas: “Guetto / Favela / Soweto / Quem quer ser / não há de morrer em vão. // Luta / luta / luta / Guetto / Favela / Soweto / Escuta, / Sou eco / Negros lutando perto”.[43]

É ainda de Cuti aquele “África in blue”, em que ele fala do sangue do meu sangue saqueado ao sul / ... luz e lágrima / revolução a caminho / sowetos em levante / ondas que se avolurnam / de memória e sonho / áfrica do sul / mágoa de dois mares / mandela-chaka-zulu-mandela / o sol sai da tua cela / olhar de negro é janela / ansiando esta manhã.[44]

Em outro poema do mesmo Cuti, a mesma solidariedade: “Muitos tombaram como tombou Amilcar em Guiné-Bissau / e foram à sombra intensificar guerrilhas”.

Também José Carlos Limeira, em "Por que?”, refere-se ao absurdo dos assassinatos por questões de racismo, praticados na África do Sul: “Em soweto / deitado numa vala / estava aquele jovem / e seu rosto imberbe / tinha uma cor marrom, pálida / ele dormia”.[45]

Os exemplos sucedem-se e há dificuldade em limitá-los. Adão Ventura, poeta de Minas Gerais, em seu poema “Meu Pai”, de novo liga os dois lados do Oceano, com as seguintes referências: “Meu pai já está velho / e cansado / e m Serro ou em Soweto”.

Ou neste outro poema, de Jamu Minka, em que o poeta se compraz num jogo de palavras, relacionando o herói negro brasileiro Zumbi com as lutas de independência de Zimbabwe, criando um sugestivo neologismo como título do seu poema, misturando os dois referenciais Zimbabwe e Zumbi em “Zumbabwe”: “Como a lembrar Palmares / a festejar Zumbi / agora Zumba Zimba ...bwe / Zimba / Zumba! Zumbi / Rodésia no fim / é Zimbabwe lembrando Zumbi”.[46] Lembrarei ainda o poema intitulado “Vozes X Armas”, de Edu Omo Oguian[47], da Bahia, em que ele não só nomeia concretamente certos grupos africanos, como os aproxima a alguns heróis como Zumbi e Dambara Ganga e a aldeias brasileiras como Acutirene, Andala Kituxe, que faziam parte do grande conjunto do famoso quilombo dos Palmares, o principal símbolo de resistência dos negros escravos que fugiam do jugo dos seus senhores:

Aos sons dos atabaques / ecoam gritos de chefes guerreiros / de chefes zulus / de chefes sereres / de chefes watouses / de chefes angicos / de chefes namas / de chefes lembrados / da costa da Mina, / Sudão e Mali / Império de Gana / Reino do Congo / Reino de Angola / de lá e daqui.Da rainha Ginga / Palmares / Zumbi / Dambara Ganga / Acutirene / Andala Kituxe / Nos homens perplexos o medo atua / de tão assustados colocam a tropa no meio da rua.

Domício Proença, do Rio de Janeiro, abre o seu livro Dionísio Esfacelado com o poema que leva o mesmo título, um longo e belíssimo texto, do qual destaco apenas o trecho que no momento pode mais uma vez ilustrar o que me proponho.

Aqui o poeta especifica diferentes etnias, numa longa listagem, insistindo com isso na linha de continuidade que é o traço-de-união entre os dois continentes e que justifica e embasa o que “a raça é”: “...porque bantus / zulus / congos / angolanos / minas / cafres / antigos agomés / nagôs / geges / e tapas e sentys / e hauçás / (...) a raça é”.[48]

Os heróis africanos que resistiram ao colonialismo e ao racismo do apartheid são celebrados com entusiasmo e devoção pelos afro brasileiros. Quando Nelson Mandela visitou o Brasil, em fevereiro de 1990, sua presença foi uma verdadeira apoteose, encarnando a crença na liberdade transformada em realidade. Éle Semog e José Carlos Limeira, que já tantas vezes produziram juntos, escreveram um poema com o título Mandela, em que demonstraram a esperança que o dirigente sul-africano, enfim liberto, também ajudasse com o seu exemplo e o seu apoio à luta contra a discriminação racial no Brasil. O poema foi impresso com a chancela do Movimento Negro Unificado e o Coletivo de Escritores Negros Brasileiros e distribuído em milhares de exemplares nas várias cidades por onde Mandela passou:

Vem Mandela comprar esta briga / que outros negros daqui não compraram / vem ensinar coesão / vem não ser solitário / pois com certeza I o sonho, inevitável real, / é o vômito futuro de luz. / E porque está livre o menino guerreiro / ergue de novo o braço / e sem medo como sempre foi a verdade nua / avisa aos racistas do mundo / que a luta continua.

Salgado Maranhão também constrói uma ponte para além da geografia e da coerência linguística, referindo-se à África como matriz da força sagrada e divina.

Ele lança mão do conceito mais sagrado da religião afro brasileira, que é o axé, força vital, força divina nos homens e nas coisas, num jogo Iúdico de palavras, mas muito profundo na ideia que está por trás: “África axé / África fé / África free / one day” (“Um aparte ao Apartheid”).[49]

Visto muitas vezes apenas como instrumento de diversão e de brinquedo, o carnaval brasileiro é mundialmente conhecido. Dentro do âmbito deste trabalho, queria aqui apenas referir-me rapidamente aos textos de algumas músicas, especificamente aquelas compostas para o carnaval de Salvador, a capital baiana, onde essa festa se africanizou, por assim dizer, através dos chamados “blocos afros”. Darei exemplos tirados das músicas do grupo carnavalesco Ilê Aiyê, que no ano de 1988 homenageou o Senegal e Moçambique. É preciso não esquecer que não se trata de poesia, no sentido literário, mas sim de textos de música para ser tocada e dançada.[50]

Bahia negra capital Salvador / Raiz e cultura um pedaço da África aqui estou. / O Senegal, região ocidental da África herança cultural de uma raça / de costumes ligados a Bahia de toda a África / terra de encantos e magia que tem no Ilê / a expressão da alegria. (...) / Ilê Aiyê compara o Senegal com a beleza / do brilho do sol / contemplando com méritos Thiés Koulak, Rufiske e Zinguinchor / Região Schealiana, a cultura baiana vem exaltar essa grande nação, que é simbolizada pelo Baobd (...) / Ilê vem mostrar / cultura original, exibindo / como tema República do Senegal. / A vasta expressão da negritude / que hoje se reúne fazendo surgir / ligações entre o Iiê, Senegal, Curuzu, Mauritânia e Mali.

Ou ainda o texto desta outra música, homenageando Moçambique: Olha Moçambique, Moçambique, / Moçambique Ilê Aiyê, / Ilê pede as nações / não deixem este povo morrer // É triste ver este povo / aos poucos se acabando / Ilê é negro forte I vai viver sempre protestando // Ver as crianças chorando / por um pedaço de pão / vamos esquecer as maldades / e enviar para este povo alimentação // E hoje o Ilê Aiyê / se reúne no alto do Coeso / onde discute os problemas / da Mãe África do Sul / Povo que vive lutando / pra ver se consegue uma vida melhor / talvez depois de tantas lutas / consiga um lugar ao sol.

Nem a evasão para o território místico dos antepassados ou para o regaço acolhedor da Mãe África, nem a opção ao recurso consolador da sublimação dos sentimentos, dos sonhos e anelos, nem tampouco a atitude concreta de solidariedade para com os oprimidos da África e de todo o mundo constituem os únicos meios possíveis para o afro brasileiro na busca ou no fortalecimento da sua auto identificação. Muito pelo contrário, o escritor negro brasileiro de hoje em dia, armado com o instrumento do seu verbo, tem em vista o esforço comum de emancipação social, econômica e também psicológica do homem de cor no Brasil.

Ela é parte e instrumento de um processo de conscientização e de resgate não só cultural mas sobretudo moral que, tendo suas raízes sentimentais e históricas no passado africano, por isso mesmo é visceralmente brasileiro. O poeta crê na força alentadora e contagiante dos seus versos para desalienar seus semelhantes do conformismo, do complexo de inferioridade, da negação de si próprio: “Leva a larva leve de meu vulcão pra casa / e coloca na boca do teu”, convida, num incitamento encorajante, o poeta Cuti, no seu poema “Oferenda”.[51] Mas é exatamente o mesmo Cuti que, muito lucidamente, como porta-voz da biografia coletiva dos seus irmãos de sangue, vai afirmar o quão brasileiro o afro brasileiro é e quer ser. No poema “Para ficar” refere-se metaforicamente à sua “mala cheia / de marmita / livros / e sonhos que tanto pesam // onde calam / fundo/ soluços // ..., e essa mala”, velha “, “estufada”, “repleta”, “cheia”, está aberta, não será fechada para nenhuma viagem de retorno, pois não haverá regresso por opção e por convicção. O poeta declara, determinado e consciente: “Estou pronto / pra não fugir de volta geográfica / para África”.[52] *Pesquisadora do INEP-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau.

[1] . A primeira publicação sobre a Poesia Negra no Brasil foi Roger Bastide, A poesia afro- brasileira, São Paulo, Martins, 1943. Cf. Richard A. Preto-Rodas, Negritutude as a Theme in the Poetry of Portuguese Speaking World, Gainesville. University of Florida Press, 1970; Jane M. Mc. Divitt, From Anguish Affirmation, A Studuy of Afrobrazilian Poetry, Harvard, Harvard University Press, 1976; D. Brookshaw, Raça e cor da literatura brasileira, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1983; Raymond S. Sayers, Onze estudos de literatura brasileira, Rio de Janeiro. Civilização Brasileira/Brasília. INL. 1983. Cf. ainda Zilá Bernd, Negritude e literatura na América Latina, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto. 1987; Zilá Berd, Introdução à Literatura Negra, São Paulo. Editora Brasiliense. 1988: Oswald de Camargo, O Negro escrito. Apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira. São Paulo. Secretaria do Estado da Cultura. Imprensa Oficial do Estado, 1987: Benedita Gouveia Damasceno. Poesia Negra no Modernismo brasileiro, Campinas. Pontes Ed., 1988; Moema P. Augel, “Poesia Negra é força de quilombo”, Estudos Linguísticos e Literários n° 13, (1992). pp. 261-278; Moema P. Augel. “Aurora nas mãos. O Papel da literatura para a construção da identidade do afrobrasileiro”. Exu, n° 27 (1992). pp. 20-25; Moema P. Augel, “A Visão da herança colonial na literatura negra brasileira contemporânea”. In Actas do 3° Congresso, Associação Internacional de Lusitanistas, Coimbra. AIL, 1992, pp. 53 1-556.

[2] . Cuti, pseudônimo de Luiz Silva (1951, Ourinhos, São Paulo), é professor secundário e funcionário da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. Ele é o mais ativo e dinâmico dos jovens poetas negros, co-fundador do grupo Quilombhoje e dos Cadernos Negros (1978). Publicações: Luiz Silva, Poemas da Carapinha (poemas). São Paulo, Edição do Autor, 1978; Batuque de tocaias (poemas), São Paulo, Edição do Autor, 1982; Supensão (teatro), São Paulo, Edição do Autor, 1983; Flash crioulo sobre o sangue e o sonho (poemas). Belo Horizonte, Mazza Edições, 1987; Quizila (contos), São Paulo, Edição do Autor, 1987; A pelada peluda no largo da bola (uma história para crianças), São Paulo, Editora do Brasil, 1988; ainda, Luiz Silva. Arnaldo Xavier e Miriam Alves. Terramara (teatro), São Paulo. Edição dos Autores, 1988; Luiz Silva, Arnoldo Xavier e Miriam Alves, Dois nós na noite, São Paulo, Eboh Ed., 1991. Poemas e contos em todos os números dos Cadernos Negros e em diversas antologias como em Paulo Colina (org.), Axé. Antologia contemporânea da Poesia Negra Brasileira. São Paulo. Global Editora. 1982; em Oswaldo de Camargo (org.), A razão da chama. Antologia de poetas negros brasileiros. São Paulo. Edições GRD, 1986; vários ensaios, por exemplo em Reflexões sobre a literatura afro- brasileira. São Paulo, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, 1986; em Criação crioula, nu elefante branco, São Paulo, IMESP. 1987.

[3] . Frantz Fanon, Les danmés de la terra, Paris, 1951; dele. cf. também Peau noire, masques blancs, Paris, Seuil, 1952.

[4] . Paulo Colina (Paulo Eduardo Oliveira) nasceu em 1950, em Colina, Estado de São Paulo. Vive em São Paulo, onde trabalha como técnico de exportação. Publicações: Paulo Colina, Fogo cruzado (contos), São Paulo, Ed. Populares, 1980; Plano de vôo (poemas), São Paulo. Roswitha Kempff Ed.,1984; A noite não pede licença, São Paulo, Roswitha Kempff Ed., 1987; Todo o fogo da luta,São Paulo, João Scortecci, Editora, 1989. É o organizador da primeira antologia de poemas negros, Axé.

[5] Colina, A noite, p. 52.

[6] Adão Ventura Ferreira Reis nasceu em 1946 em Serro, Minas Gerais, estudou Direito e viveu como jornalista em Belo Horizonte. Foi presidente da Fundação Palmares. Em 1973 passou um ano como professor de Literatura Brasileira na University of New Mexico. EUA. Publicações: Adão Ventura Ferreira Reis, Abrir-se um abutre (poemas), Belo Horizonte, Ed. Oficina, 1970; As musculaturas do Arco do Triunfo (poemas), Belo Horizonte, Ed. Comunição, 1976; A cor da pele, Belo Horizonte, Edição do Autor. 1980; 1988 (5a ed.), com três curtos estudos de Rui Mourão, Fábio Lucas e Silviano Santiago. Poemas publicados ainda em Colina, Axé; e Colina, A razão.

[7] Ventura, A Cor.

[8] Cuti. Batuque, p. 76.

[9] . Eduardo de Oliveira (SP, 1962) escreveu, entre outros: Eduardo de Oliveira, Banzo. São Paulo, Obelisco,1964 ( e 1965); Gestas líricas da negritude, São Paulo, Obelisco, 1967; Túnica de ébano, Tribuna Piracicabana. São Paulo, 1980.

[10] . Oliveira. Banzo, p. 99.

[11] . Oswaldo de Camargo (Bragança Paulista, SP, 1936). Publicações principais: Oswaldo de Carvalho. Um homem tenta ser anjo (poemas), São Paulo, Ed. do Autor, 1959; Quinze poemas negros, São Paulo, Associação Cultural do Negro, 1961, (com prefácio de Florestan Fernandes); O carro do êxito (contos). São Paulo, Ed. Martins. 1972; A descoberta do frio (novela), São Paulo, Ed. Populares, 1979; O estranho (poemas), São Paulo, Roswitha Kempff Ed.,1984; O negro escrito. Apontamentos sobre a presença do negro da literatura brasileira. São Paulo, Secretaria do Estado da Cultura, Imprensa Oficial do Estado, 1987. Organizador da antologia A razão da chama.

[12] . Camargo, Quinze poemas. p. 51.

[13] . Oliveira Silveira (Rosário do Sul, RG, 1941) publicou pequenos volumes de poemas, todos em Porto Alegre e em “Edição do Autor”: Germinou (1962). Poemas Regionais, (1968), Banzo, saudade negra (1970), Décima do negro peão (1974), Praça da palavra (1976). Pelo escuro (1977). Roteiro dos tantãs (1981). Poema sobre Palmares (1987).

[14] . Silveira, Roteiro, p.5 .

[15] . Sobre o assunto cf. entre outros Luiz da Câmara Cascudo. Dicionário do Folclore brasileiro, 2 vol., Rio de Janeiro: Ed. de Ouro, 1969.

[16] . Cf. Muniz Sodré. O terreiro e a cidade. A forma social negro brasileira. Petrópolis, Vozes,1988. Cf. também, Juana Elbein dos Santos. Os nagôs e a morte. Petrópolis, Vozes, 1976.

[17] . Solano Trindade (I908-1974) foi um dos precursores da literatura negra brasileira. Deixou os seguintes livros publicados: Poemas de uma vida simples (1944); Seis tempos de poesia (1958); Cantares ao meu povo (1961, 1981, 2a ed.).

[18] . Cf. Solano Trindade.Tem gente com fome e outros pomas. Antologia poética, Rio de Janeiro, Departamento Geral da lmprensa Oficial (DGIO), 1988, p. 15.

[19] . Cuti, Batuque. p. 21.

[20] . Camargo. Quinze poemas. p. 25.

[21] . Cuti. Batuque, p. 38.

[22] . Salgado Maranhão (Maranhão, 1954), pseudônimo de José Salgado Santos, é autor de: Salgado Mannhão,Punhos de serpentes. Rio de Janeiro, Editora Achiamé, 1989.

[23] . Maranhão. Punhos, p. 54.

[24] . Maranhão. Punhos, p. 90.

[25] . Éle Semog (Rio de Janeiro, 1952) é o pseudônimo de Luiz Carlos Amaral Gomes. Publicou: Éle Semog e Antônio Carlos Limeira, O arco-íris negro, Rio de Janeiro, Ed. dos Autores, 1979; Éle Semog e Antônio Carlos Limeira, Atabuques, Rio de Janeiro, Ed. dos Autores, 1984, e ainda Éle Semog e Antônio Carlos Limeira, Curetagem, Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1987. Cf. Semog, Curetagem, 1979, p. 89.

[26] . Márcio Barbosa (São Paulo, 1959) participou de várias coletâneas de literatura negra e tem um livro indivivual: Márcio Barbosa, Semeando, São Paulo, Ed. do Autor, 1983.

[27] . Cadernos Negros 5, p. 39.

[28] . José Carlos Limeira (Bahia, 1951) publicou dois volumes de poemas, em colaboração com Éle Semog: Éle Semog e José Carlos Limeira, O arco-íris negro, Rio de Janeiro, Ed. dos Autores, 1979; Éle Semog e Antônio Carlos Limeira, Atabuques, Rio de Janeiro, Ed. dos Autores, 1984.

[29] . Colina, Axé, p. 41.

[30] . Cuti, Batuque, p.36.

[31] . Cf. Cadernos Negros 9 (1986), p. 66. José Alberto de Oliveira Souza (São Paulo, 1959) está presente em diversas coletâneas de poesia negra, entre outras Cadernos Negros; Axé.

[32] . Bélsilva, Lamentos, só lamentos, São Paulo, Ed. do Autor, 1973, p. 39. Bélsilva nasceu em Aparecida do Norte, em 1911, e é pseudônimo de Benedito Lourenço da Silva.

[33] . Jamu Minka (SP, 1946) é pseudônimo de José Carlos de Andrade. Publicou Jamu Minka, Teclas de Ébano (poemas), São Paulo, Ed. do Autor, 1986.

[34] . Cf. Cadernos Negros 9, 1986, p. 78.

[35] . Cuti, Batuque, p. 46.

[36] . Minka, Teclas, p. 11.

[37] . Silveira, Roteiro, p. 4.

[38] . Silveira, Roteiro, p.5.

[39] Camargo, O estranho, p. 52

[40] . Camargo, O estranho, p. 53

[41] . Cadernos Negros 7 (1984), p. 90.

[42] . Trindade, Cantares.

[43] . Cuti, Poemas, p. 32.

[44] . Cuti, Flash criolo, p. 44.

[45] . Semog e Limeira, O arco-íris, p. 27.

[46] . Cadernos Negros 5 (1982), p. 31.

[47] . Edu Omo Oguian, Cadernos Negros 7 (1984), p. 46. É pseudônimo de Carlos Eduardo Ribeiro de Jesus (Salvador, 1953). Foi organizador da coletânea Edu Omo Oguian, Capoeirando, Salvador, CEAO/UFBA, 1982, tendo participado de várias outras coletâneas de poemas.

[48] . Cf. Domício Proença Filho, Dionísio esfacelado. Quilombo dos Palmares, Rio de Janeiro, Achiamé, 1984, pp. 9-11.

[49] . Maranhão, Punhos, 1989, p. 56.

[50] . Estes textos, além de figurarem nas cartelas dos discos do Ilê Aiyê, podem ser lidos numa brochura editada pelo bloco: Canto Negro. Perfil azeviche, Senegal 88, Salvador, Ed. Do Ile Aiyê, 1988.

[51] . Cuti, Batuque, p. 13.

[52] . Cuti, Batuque, p. 40.

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