A língua não deve nos separar!
Reflexões para uma práxis negra transnacional de tradução 1

Geri Augusto *

Imploro-te Exu
Plantares na minha boca
O teu axé verbal
Restituindo-me a língua
Que era minha
E ma roubaram…
Laroiê!
Abdias Nascimento,
“Padê do Exu Libertador,”
(Buffalo, New York, 1981)

Não há nenhum mundo pensante que não seja o mundo da língua,
e uma só visão do mundo que é provida pela língua.
Walter Benjamin2

Quero começar este trabalho voltando à gênese de algumas ideias, ideias propostas, em primeira instância, pela visita dos professores Conceição Evaristo e Eduardo de Assis Duarte à Brown University, quase um ano atrás. As conversas que resultaram destas ideias penetraram em minha mente e se juntaram a algumas outras que já existiam há muito e foram propostas pelas vidas negras-transnacionais – a minha própria e a de outros que me inspiraram – e a necessidade de pensar mais profundamente acerca do que significa não somente escrever teoricamente sobre diáspora, mas também praticar diáspora. 3 Ou, como penso nisso cada vez mais, viver diáspora, em todas suas contradições e cruzamentos com outras formas de viver, ser e pensar. De certa forma, tais vidas são uma tradução, algumas vezes produtivas – mas nem sempre. Tentarei demonstrar como, lendo o trabalho da professora Evaristo, se abriram possibilidades para pensar sobre isso, explorando a ideia de uma práxis transnacional negra de tradução. Num sentido estou pensando em como a luta anti- colonial pan-africana, as lutas de libertação e pelos direitos humanos, e minha participação em algumas delas por décadas, engendraram e influenciaram minha experiência como intérprete. Mas, porque sou o que alguém uma vez chamou de “feminista da comunidade” [“community feminist”], e também porque creio no projeto emancipatório de outros povos e em noções provocativas, não importando sua origem, outros conceitos também têm configurado como eu penso e atravesso as fronteiras da língua, no trabalho e na vida pessoal. Assim, minhas reflexões não são limitadas especificamente à atividade política e ao corpo de ideias chamadas pan-africanistas.

Entraram outros ingredientes na panela, como diria minha avó.

Neste trabalho quero trazer à tona algumas das maneiras em que as experiências históricas e a expressividade criativa que marcam as vidas diaspóricas evocam ideias e expressões companheiras e, portanto, podem trazer de modo fecundo inflexões particulares e significados enriquecedores para a tradução e a interpretação.

Para isto, farei uma certa leitura do trabalho de Conceição Evaristo, em particular Becos da Memória, mas aviso que não será a leitura atenta dos estudiosos literários, ou tradutores profissionais de poesia e ficção, porque não sou especialista! Em vez disso, meu texto tornará mais aparente os processos de pensamento de uma ex-intérprete, que vem de uma certa tradição radical e feminista negra, quando confrontada com as alegrias linguísticas e enigmas que a obra de Conceição Evaristo invoca.

Isso pode ser pensado como seguimento da injunçao de Walter Benjamin para somar a prática do comentário à da tradução, se quisermos que funcione bem, e não somente como exercício técnico de tentar produzir uma duplicata. 4 Eu vou pelo caminho fazer algumas afirmações provisórias, e não conclusões, porque ainda estou pensando profundamente, enquanto aqui no Brasil, sobre tudo isso. Eu preciso ouvir e observar muito mais, e conversar mais com outras pessoas negras cujos caminhos para tradução e interpretação têm sido um pouco paralelos ao meu. Não são muitos, como vocês entenderão a partir do que brevemente relatarei.

Em síntese, eu quero sugerir quatro pontos, não necessariamente com linearidade ou didática explícita. Os argumentos vêm dos espaços que habito e das encruzilhadas em que a vida me colocou, é claro. Mas isso não implica que eles sejam limitados a pessoas que se pareçam comigo, ou até mesmo para as línguas português e inglês.

Em vez disso, eles podem também servir de trampolim para expandir discussões a respeito da tradução, e sobre a construção e travessia da ponte entre a literatura brasileira menos difundida e o leitor global que deveria ter. Primeiro, quero sugerir que a tradução, ou pelo menos aquela que eu e outros temos praticado e sobre a qual quero agora refletir, é um ato ontológico. Segundo, que um certo sentimento em relação às realidades da diáspora – escravidão, racismo nas suas múltiplas manifestações, a tripla carga de muitas mulheres negras e a luta contra tudo isso é importante para uma tradução das literaturas africanas e diaspóricas. Terceiro, que a duradoura, se continuamente reconfigurada, importância da oralidade e visualidade na fala, escrita, e em outros atos expressivos e performativos dos povos africanos e afrodescendentes, faz de tais dimensões recursos críticos para tradução e interpretação. E, finalmente, desde que o racismo tem trabalhado tão arduamente para nos fazer pensar que, para os negros nas Américas, atravessar as fronteiras linguísticas é algo intrinsecamente impossível – um acaso extraordinário e surpreendente, supostamente devido à nossa inferioridade intelectual inata e relativa falta de oportunidades para viajar –, quero afirmar que a tradução pode ser uma prática negra radical, transgressiva, com múltiplas reverberações. 5

Incorporarei aqui, inicialmente, alguns comentários que fiz um ano atrás quando moderei o painel “The Literacy Voice in Black Brazilian Politics” 6 no Departamento de estudos da África e da Diáspora [“Africana Studies”] na Brown University, uma vez que foi aí que a conversa começou. 7

Tradução, Expressão Contra-Simbólica e Seres Ontológicos Li, profundamente feliz, Insubmissas lágrimas de mulheres, recente coleção de contos de Conceição Evaristo. Cada mulher, em sua história, foi evocativa – pude invocá-las na minha mente – como falavam, como andavam, como tinham olhado a narradora, quando ela “coletou” suas histórias. Elas eram fortes, eram bonitas. Elas eram cruéis, eram bondosas – e você, o leitor, tinha que pensar sobre quais desses traços eram mais notáveis naquelas personagens. Elas eram seres sexuais e sonhadoras determinadas. Seus muitos nomes rolam na língua, criando intrigas e provocando pensamentos... Líbia Moirã, Natalina Soledade…

Como Stuart Hall diria, estamos ligados, na diáspora africana, tanto através de nossas diferenças como de nossas semelhanças. Então, eu não pude deixar de pensar: se eu fosse ensinar a futura (ou pelo menos assim espero) versão inglesa, que eu intitularia Defiant Women’s Tears, gostaria de fazer isto lado a lado com o romance do Njabulo Ndebele, The Cry of Winnie Mandela 8 e o poema de Brenda Marie Osbey, em All Saints, Estudo no. 3 de Faubourg, “The Seven Sisters of New Orleans” 9 E talvez ter “Four Women,” 10 de Nina Simone como fundo musical.

http://m.youtube.com/watch?v=Nf9Bj1CXPH8&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3DNf9Bj1 CXPH8

Penso que tudo isto poderia ser lido, ouvido e apreciado junto, por inteiro, nos desafiando com suas diferenças e nos provocando com suas similaridades. E então poderíamos, realmente, explorar a noção de escrevivência de Evaristo, à qual quero dar uma versão inglesa, puxando um pouco da língua-nação jamaicana, como “livature,” 11 aquela noção de particular relação entre escrita e vida.

Num influente artigo entitulado “The Politics of Translation” 12 , a teórica pós-colonial e tradutora feminista Gayatri Spivak argumentou que “a pessoa que está traduzindo deve ter um sentido forte do terreno específico do original,” e acrescentou, “se você quiser fazer um texto traduzido acessível, tente fazê-lo para a pessoa que o escreveu”. 13 Bem, a professora Evaristo gostou da minha tradução do seu conceito. Deixe-me fazer aqui uma pausa para colocar o que não acrescentei naquela altura: Rastafari tem sido uns dos mais importantes construtores do que o poeta e teórico Kamau Brathwaite chama “nation-languages” do Caribe de língua inglesa. 14 Todas estas construções diaspóricas são repletas de contra-simbolismos criativos. A estudiosa de linguística jamaicana Vilma Pollard nota que a língua falada dos Rastas, dread-talk, é agora amplamente usada na literatura caribenha – para não mencionar seu uso no rap e reggae brasileiros engajados. Ela tem se tornado, como colocou o teórico e historiador cultural jamaicano Rex Nettleford, um elemento da “New World culturesphere” 15 . Ainda mais, aquelas expressões contra-simbólicas e as contra-histórias, aqueles fonemas, comuns nas comunidades negras nas Américas, têm também nos fornecido algo mais.

Andre Lefevere argumenta que tradução ou mediação entre “pelo menos dois sistemas de código” envolve uma atividade não meramente sobre “fidelidade” mas, além disso, um duplo movimento: ambas as traduções, a textual e a conceitual, são “resultado de um processo de socialização”. Eu penso que Lefevere em parte está dizendo aqui que o tradutor pode também compor, ou pelo menos prover uma versão acessível, de seres ontológicos – coisas e realidades – para o leitor, dependendo da sua própria socialização. 16 Se isso é verdade, então a contra-fala e a oratura negras são também uma ferramenta epistemológica, um caminho para construir ou reconfigurar objetos de conhecimento – seres e entidades ontológicas. Isso faz deles um recurso potencialmente rico para a tradução.

Deixe-me ser um pouco mais precisa. Tradutores têm considerado como particularmente problemáticas aquelas palavras que um estudioso chama de “culturalmente marcadas”. 17 Muitas vezes têm que se contentar em estabelecer uma definição, ao invés de um bom equivalente. Mas as culturas e as histórias da diáspora, penso eu, às vezes podem fornecer justamente o caminho certo para sair desse dilema.

Livity é o que Pollard classifica como uma palavra da “Categoria IV”, no dread-talk, um “novo item”. 18 Eu encontro nisso a ponte perfeita para a tradução da escrevivência de Evaristo, como um estilo literatura de vivência [livity literature]: livature. Outro exemplo: como eu poderia encontrar melhor tradução de “negros de ideias avançadas” – a truculenta descrição que o agente secreto da polícia portuguesa da era colonial em Lisboa deu aos jovens estudantes Agostinho Neto, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos e outros já afiados em sua resistência ao racismo colonial e exploratório? 19 “Uppity negroes” foi como os policiais brancos no Sul dos Estados Unidos descreveram mulheres e homens negros protestando contra o “Jim Crow”... e então, “uppity negroes” se tornou minha tradução de “negros de ideias avançadas”. Porque isto é uma categoria que muitos de nós entendemos!

Intérpretes acidentais e “Língua in actu” 

A primeira literatura que eu li em língua portuguesa foram os manuais de alfabetização do MPLA, no acampamento do movimento, na base de retaguarda em Dar es Salaam, seguidos pelos primeiros e poucos volumes de contos e poesias angolanas que a nova União de Escritores Angolanos tinha começado a publicar em meados dos anos 70.

Mas o salto qualitativo para mim foi Jorge Amado. Por meses, em casa de família em Luanda, eu li os três volumes de Os subterrâneos da liberdade, (Freedom’s Undergrounds), dicionário na mão, até meu terceiro filho nascer. 20 Imaginem o português que isso me ensinou, e as ideias sobre o Brasil que a trilogia propiciou a alguém que nunca tinha estado lá! Meu tempo de leitura silenciosa era alternado por frequentes visitas a alguns dos meus parentes angolanos por casamento, que viviam na famosa musseque de Sambizanga. Eu não sabia naquele tempo o que esses “remembered alleys” 21 me trariam de volta – a poeira vermelha liquefeita em lama durante a estação das chuvas, a pronta e sempre presente sociabilidade da comunidade, a partilha fácil da comida gostosa, de boa sorte ou tristezas, o nascimento da resistência à exploração – como um dos prismas da minha compreensão da favela sem nome de Evaristo em Becos da Memória. Não precisava ter nome para mim. A experiência de uma mulher afro-americana vivendo em Luanda fez deste vibrante espaço belo-feio 22 uma entidade ontológica, que eu pude ver, sentir, cheirar e traduzir nos olhos da minha alma. Deu-me aquele “sentido forte do terreno específico” ao qual Spivak se referiu.

Nas longas e difíceis décadas da guerra em Angola, dos anos 80 e 90, eu me tornei uma “intérprete acidental” do português para o inglês, quando as necessidades dessa habilidade eram críticas e múltiplas, e intérpretes bilíngues competentes nativos do inglês eram raros. Era, na feliz expressão de Homi Bhaba, tradução da “língua in acto”, em vez de “in situ”. Ao progredir da tradução de documentos à interpretação em reuniões de vários níveis e intensidades, mas sempre sobre coisas significativas, e finalmente, a interpretações simultâneas, eu entrei naquelas pequenas e fechadas bolhas chamadas “booths” 23 . Lá encontrei com frequência a surpresa e a confusa gratidão de oradores europeus que circulavam em torno da área dos intérpretes depois de reuniões internacionais em Luanda, Bruxelas, Lisboa ou na região da África Austral, para expressarem sua apreciação por um trabalho bem feito – quando deparavam com uma cara negra. 24 “Como você é capaz disso?”, um engenheiro da África do Sul, uma vez deixou escapar para mim numa reunião em Namíbia, logo depois da saída de Nelson Mandela da prisão. “Bem, eu escuto uma língua, ela passa pelo meu cérebro, e a outra sai da minha boca... exatamente como os outros intérpretes”, eu lhe disse.

Isso foi poucos anos antes de me encontrar em Pretória, entrevistando ex-oficiais da educação apartheid, quando um deles me disse com absoluta seriedade, ao falar abertamente da escassez dos negros sul-africanos em certos campos do estudo: “vocês negros nos Estados Unidos são diferentes dos nossos negros daqui. Eles não conseguem aprender inglês. Ou matemática.” Isso foi falado no país onde eu era e frequentemente surpreendida pela capacidade fácil das crianças de 7 anos de idade que já entendiam muitas línguas – a língua materna e paterna em casa, digamos por exemplo isiZulu e seTswana, a tsotsi-taal dos “malandros” da esquina, e quaisquer outras línguas dos atores das novelas nos canais da televisao sul-africana. O inglês ainda constitui uma barreira para muitas dessas crianças, na medida em que elas lutam para traduzir a riqueza linguistica das culturas locais no, às vezes seco, inglês dos livros de texto na escola, e alguns de seus professores lutam para superar sua própria formação sob a “educação bantu”, na era do apartheid, quando eles eram obrigados a estudar somente em africâner. 25

Mas essa é outra história da língua, muito parecida com algumas das confusas explicações que tenho ouvido ultimamente sobre porque não há mais estudantes afro- brasileiros nos Estados Unidos gozando das oportunidades para os estudos da graduação. Ou a surpresa com que ainda se dirige ao falante afro-americano de múltiplas línguas, de New Orleans, Chicago ou Washington D. C. Parece que estamos fazendo algo que não se supõe possível, pelo menos nos Estados Unidos, África do Sul, ou Brasil. “A tradução não ocupa um lugar neutro nas Américas”, declarou um crítico estudioso dos estudos de tradução, e eu concordo. 26 Nosso pensamento sobre tradução, sejamos atores públicos ou estudiosos, não pode ignorar esta imbricação de raça, oportunidade e idiomas. Não deveríamos ignorar o impacto da escravidão colonial, do “Jim Crow” (leis segregacionistas do Sul dos Estados Unidos anteriores aos movimentos pelos direitos civis), apartheid, ou teorias científicas racistas de aprendizagem e conhecimento sobre a prática e o estudo da tradução, ou sobre o que é selecionado para tradução. Temos que dialogar sobre isso e transgredir aqueles limites artificiais, em publicação, nas salas de aula... e nas feiras internacionais de livros. 27 A língua não deve nos separar.

Imagens sonoras, carga linguística, oralidade-em-andamento Quero dizer mais, neste momento, sobre o papel da visualidade e oralidade na forma como eu estou tentando pensar da prática da tradução. Aqui referir-me-ei principalmente a algumas idéias pertinentes do grande romancista e crítico social afro- americano, John Edgar Wideman. Wideman chama a nossa atenção muito deliberadamente para algo que os estudiosos das humanidades muitas vezes parecem tomar como certo, se não ignorado completamente: a façanha tremenda e criativa que foi a aquisição de línguas impostas, e a criação de novas, a renomeação de um mundo e de seus atributos e características e a própria reinvenção da existência pelos cativos negros recém-desembarcados nas Américas. Estas primeiras expressões do novo foram orais e são um dos nossos legados para nós mesmos e para o mundo.

Wideman explora, em particular, as variedades dos discursos que têm emergido dos diferentes mundos dos negros e brancos nos Estados Unidos. Para atos de fala, Wideman argumenta, “a chave fornece o tom, forma ou espírito das palavras proferidas.” 28 Ela pode ser “séria ou zombeteira, meticulosa ou superficial”, dependendo dos sinais verbais e físicos, que também compõem o ato de fala. Esses sinais sutis, muitas vezes quase imperceptíveis (para o quem está de fora), permitem “densidade de significado” na elocução do discurso da comunidade ou grupo. Em trabalhos escritos, essas chaves permitem ao escritor tratar de vários e distintos públicos. Isso é conseguido, Wideman afirma, “apelando para campos de conhecimento que apenas uns segmentos de seus leitores compartilham com ele.” “Ao invés de ser um instrumento de poder nas mãos do inimigo”, diz Wideman do dialeto negro na ficção de alguns dos melhores dentre os primeiros escritores afro-americanos, “esse dialeto se volta contra o opressor” e permite que o “ponto de vista do escravo” possa ser compreendido. As histórias dos ex-escravos e os valores nelas incorporados, Wideman insiste, revelam o “sentido interior de propósito e valor, a integridade e resiliência” fundamentais que permitiram que as pessoas negras sobrevivessem à escravidão nos Estados Unidos. Acho que Evaristo nos transmite algo dessa mesma “integridade e resiliência” d@s favelad@s, que estão vivendo em uma senzala/favela, no final do século 20. 29

 

Wideman dá muita importância a elementos particulares da oratura afro-americana, como interação verbal, os harmônicos verbais, a espontaneidade da performance, o próprio público, o cenário, e os efeitos não-verbais. O público tem um papel fundamental na oratura afro-americana, principalmente quanto à participação criativa e à capacidade de resposta, incluindo o “eco e a concordância”, como Wideman coloca.

Wideman expõe o conceito de “imagem sonora”, ou “palavras que soam como a coisa que elas descrevem”. Essas frases onomatopaicas pode ser faladas ou executadas. Os objetos podem ser personificados nessas narrativas – eles fazem, falam, vêem, ouvem, mudam de posição. O narrador, em uma performance oral, pode ir e vir entre os efeitos sonoros e visuais. Gostaria de argumentar que, em Becos da Memória, muitas dessas noções estão vividamente presentes. A qualquer tentativa de traduzir o romance pode fazer bem ter em mente as imagens, sons e objetos que ganham vida nele. Basta pensar, por exemplo, naquele grande, devorador, orifício em expansão... o Buracão.

A tradutora de literatura clássica francesa, Edith Grossman, oferece outra perspectiva útil sobre a oralidade, ao escrever sobre da “luta para descobrir a carga linguística, os ritmos estruturais, as implicações sutis, as complexidades de significado e sugestão de vocabulário e frases, as inferências ambientais e culturais, e conclusões que essas tonalidades nos permitem extrapolar ... “ 30 Essa carga linguística, por vezes, tem que ter um andar, um estilo, um jeito de aparecer e estar no espaço. Como fazer isso pelas culturas diaspóricas africanas, quando se está distante delas? Uma tradutora de filme europeia forneceu uma imagem vívida desse dilema. Partindo pela sua própria experiência em traduzir o inglês afro-americano para o alemão, Robin Queen argumenta que a transferibilidade da variação sociolinguística é importante para assuntos relacionados à comunicação no cruzamento de culturas, assim como para a criatividade linguística. Ela observou, quando traduzindo filmes, que “se o personagem titular for jovem, homem e vinculado às culturas de rua de uma cidade urbana do interior, então o trabalho será dublado usando a forma do alemão que tem elos com culturas jovens urbanas do norte central da Alemanha” 31 . Eu achei fascinante e instigante essa luta-livre com locação social e de classe, mas desviando em torno da raça, especialmente desde que as principais cidades alemãs têm tido por algum tempo sua própria população de africanos (e turcos) imigrantes. Isso me levou a pensar mais cuidadosamente sobre algumas das minhas experiências passadas de interpretação, uma das quais eu gostaria de compartilhar aqui.

Lembro-me particularmente de estar no “booth,” em Luanda, em algum momento no início dos anos 80, trabalhando em conjunto com um jovem colega português, membro do Partido Comunista Português e um intérprete brilhantemente capaz de traduzir do português para inglês. (Ele me disse que tanto ele quanto seu irmão gêmeo eram intérpretes). Nossa tarefa era de tradutores-intérpretes em um Congresso da Juventude do MPLA para os delegados estrangeiros, muitos dos quais vindos dos então chamados “países socialistas”. O inglês era a língua franca para todos. No meio do caminho, no turno do meu colega, ele desligou o microfone e disse: “Camarada Geri, você tem que fazer isso. Eu não consigo entender o que alguns dos delegados provinciais estão dizendo.” Eu liguei o meu próprio microfone rapidamente, e olhei para a plateia enquanto o próximo orador, um jovem angolano, posicionava-se no corredor do auditório, em uma posição característica, para discorrer sobre os problemas que sua província estava enfrentando. Saber o português de Coimbra e o inglês de Londres, ou ainda o vocabulário do Marxismo-Leninismo, não foi suficiente para interpretar esse orador Angolano. Sua intervenção era cheia de gestos, cadências e palavras que eu tinha aprendido nas ruas e ocasiões sociais de Luanda, mas também reconhecidas de outras partes da África e da diáspora, embora não necessariamente nos mesmos termos: candongueira, maka, milongo, o esquemático, e, é claro, “aí, cooperante”. 32 Tenho recentemente começado a procurar como os estudiosos brasileiros da tradução vêm pensando sobre questões de oralidade e visualidade. Uma destas teóricas da tradução, Else Ribeiro Pires Vieira, revisita as ideias de Haroldo de Campos e outros pensadores brasileiros (notadamente Oswald de Andrade, no seu influente Manifesto Antropófago, de 1928), em torno da metáfora de antropofagia. A seu ver, é “um sinal de identidade polifônica do Brasil... uma maneira de conceber a força espiritual como inseparável da matéria,” de combinar a força reconhecida e apreciada do outro com a do mesmo. 33 É intrigante como essa noção parece ter deixado fora a maior parte do Brasil, contemplando somente português e tupi (este último em termos nos quais não estou certa se os pensadores das comunidades indígenas contemporâneas no país concordariam). O foco antropofágico é muito mais em tradução dos textos europeus e em um elo Brasil-Europa, a despeito da premissa da contestação do eurocentrismo.

Mesmo assim, penso que podemos achar produtivos seus argumentos de que a tradução de textos criativos é “uma operação na qual não só o significado é traduzido, mas o próprio sinal em toda sua corporalidade – propriedades de som, imagéticas visuais, tudo o que compõe a iconicidade do signo estético.” 34 Talvez a procura por caminhos para teorizar a tradução no Brasil possa ser produtivamente expandida para abranger o vasto e vivo legado criativo da oralidade nas religiões, música e todo andar, falar e viver das comunidades Afro-brasileiras – aquelas expressões, como colocou Cuti, capazes de “traduzir determinados sentimentos, determinadas atitudes nossas perante a vida, que a língua portuguesa não tem”. 35 Mas isto não cabe a mim dizer, numa fase em que eu ainda estou aprendendo.

A inquietante traduzibilidade de gênero e raça

Eu não quero sugerir, devo salientar, que há algo essencial para tradutores negros que lhes caiba automaticamente para traduzir literaturas negras, ou às mulheres para a tradução da produção feminina. Achei instrutivo e instigante a recente discussão sobre os processos e resultados de tradução de Alexandra Perisic, sobretudo a noção de uma “política da transfiguração”, presente na antologia bilíngue dos escritos de mulheres afro-brasileiras, Finalmente nós, co-organizada pela poeta, crítica literária afro-brasileira, e colega de Conceição Evaristo no Quilombohoje, Miriam Alves. 36 Notando que Finalmente nós “repensa o gênero não como um subconjunto da raça e da história colonial, mas como um local a partir do qual a relação entre o nacional e o transnacional é imaginada,” Perisic reconta que o livro também colocou “em jogo a questão da tradução e da traduzibilidade.” Alves, declarou não estar exatamente satisfeita com o resultado, pois aquele axé que a poeta comunicou através de seu trabalho, simplesmente se perdeu na tradução. Palavras altamente nuançadas polivalentes como resgate, cigana e até negra tornaram-se ladeiras escorregadias, ao que parece, para a tradutora de Finalmente nós. 37 Eu posso demonstrar simpatia aqui por ambas: a escritora frustrada e a tradutora cuja incumbência de traduzir raça gendrada e gênero racializado, como se diz na Jamaica, nuh’easy. Mas também concordaria com o argumento de Perisic de que “o único caminho para pensar raça e gênero num contexto transnacional é precisamente experimentar escrever o intraduzível na tradução”. 38

Ancestrais e o Transe

Há outro aspecto da prática de interpretação, como eu a tenho vivenciado e que não sei ainda como expressar adequadamente. É simplesmente isso: quando a comunicação é uma questão de vida ou morte, ou de abrir caminhos onde eles são realmente necessários entre nós seres humanos, de mover conceitos de um lado para o outro, e para trás, com extremo cuidado (inclinando mais para o outro significado latino de trans- ladar), esta intérprete, literalmente, entra em transe. Essa é a única palavra que posso encontrar para descrevê-lo. Despojada do meu eu individual, insensível a qualquer outra coisa no ambiente físico, fora dos dois lados que precisam entender um ao outro, num ritmo de quase instantâneo de pensar, simultaneamente com os falantes, tornando-me a voz que eles têm em comum, um meio humano de comunicação. Penso que essa dimensão da prática vem de uma lógica que alguns de nós ainda têm de compreender, e outros, que trabalham em um plano diferente, e com um tipo diferente de conhecimento revelador – podem entender muito bem. Basta dizer que, antes e depois deste trabalho, agradeço aos Ancestrais. Talvez se eu fosse brasileira, eu invocaria um orixá.

Vou usar o resto deste trabalho para demonstrar como eu abordaria a tradução de Becos da memória. Não, não é uma tradução, mas sim, pensar com essa tradução. Vou usar algumas imagens audiovisuais e citações do livro, traduzindo-as em inglês, para melhor materializar alguns dos argumentos que tenho elaborado, em seis “momentos” ou exemplos. Sinto-me reconfortada nesta abordagem, já que Evaristo nos disse que devemos começar a utilizar “os nossos próprios produtos culturais para teorizar”.

Depois eu vou terminar com uma proposta modesta, mas que talvez nem inédita seja.

Becos da memória – Algumas imagens e sons evocados para a pretensa tradutora

 

Primeiro momento – Maria-Nova, a inesquecível moça-criança: “She liked to learn, but not to go to school. She was afraid and ashamed of everything, of her colleagues, of the teachers. So, sidetracking, she turned fear and shame into courage. She had one advantage over her colleagues: she read a lot. She read and compared things. She compared everything, and always came to some point.” 39 Nos olhos da minha alma eu vejo gerações de mulheres e meninas lutando para aprender, mesmo quando as escolas são pouco amáveis, hostis ou deficientes.

E imagino Maria-Nova, narrando o seu próprio futuro, como a menininha ainda não nascida que narra o filme lírico da inovadora cineasta Julie Dash, “Daughters of the Dust” (“As Filhas da Poeira”, cujo trailer está disponível em http://m.youtube.com/watch?v=c4PEcVK6gbM&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3Dc4PE cVK6gbM).

 

Segundo momento – Negro Alírio, determinado, indomável, um líder com coração suave, mas cabeça determinada. “For him, reading stood for understanding the world.

He believed that, once a person knew how to read what was written and what wasn’t, he was taking a very important step for his liberation. Yes, life was demanding! You needed to set off on a path, you needed to get going – that was what he always repeated. And he was right there, along with all the others. Always alert. There was room inside him for everything. The strength to think, to create, to change, to struggle, to build...” 40 Na minha mente eu fotografo Negro Alírio como o melhor dos líderes dos movimentos de libertação na África, e o trabalho feito para criar, naquela época e contra todas as probabilidades, escolas nas zonas libertadas de Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.

 

E pensando como transmitir a visão de criação do Negro Alírio sob as condições mais árduas, subitamente recordo o poema de Agostinho Neto: 41 Criar criar

criar no pensamento criar no músculo criar no nervo criar no homem criar nas massas

criar
 
criar com olhos secos
...
criar criar
gargalhadas sobre o escárnio da palmatória
coragem nas pontas dos plantadores de botas
força no desmoronamento das portas agredidas
firmeza no sangue vermelho da insegurança
criar
criar com olhos secos
criar criar
...
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor
sobre as lágrimas de contrato de trabalho
criar criar
criar liberdade nas estrelas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados de amor sons festivos sobre os corpos balançando na forca simulada criar
criar amor com olhos secos.

Terceiro momento – Tio Totó e sua preciosa regalia Congada, indispensável para seu outro eu como “chefe do Congo”: “Tio Totó’s Congado box hanging from a hook in the ceiling gave the impression of sound. The box should have been given back to the Chief of the Congo. But he had passed away a few months ago. Tio Totó, who would have become the new chief, was also saying farewell to everyone, and to life... The ‘King’s Crown’ that he used in the Congado festival sat shining with Kaol polish on the wooden dresser. It was nice to play the king. He wore showy, beautiful regalia. All the festivals always ended up in the small chapel that the participants from Congo had built in honor of Our Lady of the Rosary...” 42 Aqui vejo e ouço ao mesmo tempo uma avalanche de imagens visuais e auditivas de outro ritual de dança com os reis e rainhas Africanos e “caboclos” de um certo tipo, lindamente dançado por descendentes de escravos ... em New Orleans, a cidade construída sobre seu trabalho manual e criativo, e onde o desastre flexionado com o racismo tornou a tradição do Carnaval / Mardi Gras difícil para os verdadeiros progenitores, grande parte deles da classe trabalhadora, voltarem a continuar essa tradição... mas eles fazem. A série televisiva Tremé, da HBO, personifica tudo isso em um dança incrível performatizada pelo personagem Big Chief Lambreaux. (disponível em http://youtu.be/eu4gZs9C1i0).

 

Quarto momento: De volta a Maria-Nova... “One day, Maria-Nova would write the speech of her people.” 43 A expressão polivalente “fala”, muito típica do português- brasileiro, presta-se a muitos entendimentos de “palaver” no sentido africano. E, portanto, eu hesito entre speech e words como tradução certa. Mas, então, lembro-me de um dos meus filmes favoritos da cineasta de Guiné-Bissau, Flora Gomes, e do seu significado na língua crioula daquele país: voz... “Nha fala” é “minha voz” e é a isso que Flora, rindo, me remete quando eu interpreto por ela. Já para a favela de Evaristo, Maria-Nova – ou seria a própria autora? – tornar-se-á Nha Fala.

Disponível em: http://m.youtube.com/watch?v=ZTvM9s7rbSM&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3DZTvM 9s7rbSM

 

Quinto momento: as muitas passagens em Becos da memória onde são proferidas expressões para uma caminhada determinada e decisiva, para o movimento corajoso que “toca para a frente,” ou onde são apenas fortemente pensadas, por um ou outro morador da favela. “Life seemed to be a joke in poor taste. A game of hide-and-seek with some invisible treasure, but it was necessary to keep on moving ahead...” 44 E este caminho imaginado é muitas vezes pavimentado com som: “Granny Rita’s booming voice traced the path, and caressed us as we walked.” 45 Não tinha dúvidas: a melhor expressão em inglês para esta noção de andamento pelo caminho arduamente percorrido pelo negro era, na canção, as canções das lutas pela liberdade no sul dos Estados Unidos – também chamadas de movimento dos direitos civis –, e uma de suas melhores intérpretes é minha irmã do Comitê Coordenador Estudantil Não-Violento (Student Non-Violent Coordinating Committee – SNCC), Bernice Reagon, musicologista, museologista, e cantora da liberdade, que nos diz que os manifestantes do movimento “cantaram para anunciar sua presença,” enquanto andavam na mira da violência racista. Uma dessas canções, interpretadas até hoje pelo grupo Sweet Honey in the Rock, descendente dos Freedom Singers, é esta: Não deixarei ninguém me desviar

Me desviar, me desviar

Não deixarei ninguém me desviar

Continuarei me mantendo andando... me mantendo andando Andando para a terra da liberdade…

http://m.youtube.com/watch?v=c5Z1trynEHs&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3Dc5Z1try nEHs

 

Sexto momento – A favela em si, uma entidade ontológica criada pela escravidão e exploração baseadas na raça, mas também recriada engenhosamente, todos os dias, por seus habitantes, na maioria negros. Há cenas demais em Becos da memória para traduzir aqui a esse respeito, portanto vou mostrar apenas algumas imagens das musseques de Luanda, que sempre me vêm à mente ao lado destas favelas que tem seu caráter vivido no livro. Na realidade, elas são para mim ao mesmo tempo imagem/som/sentimento, um ambiente construído muito distinto, um “terreno difícil” de prazer e sofrimento, solidariedade e violência, onde as pessoas são a única infraestrutura real, 46 e onde nascem e são nutridas velhas e novas lutas de oposição pela liberdade, contra todas as probabilidades.

 

O inesquecível filme da Sarah Maldoror, Sambizanga, baseado no romance do Luandino Vieira, A Verdadeira Vida do Domingos Xavier, diz muito sobre tudo isso.

http://m.youtube.com/watch?v=TVXWIBmjkSg&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3DTVXW IbmjkSg

Reflexões finais

Dos anos 1960 aos 1980, muitos de nós na África e na diáspora encontramos uma nova janela para obras que, de outra forma, nunca poderíamos ter encontrado: Heineman African Writers Series. O finado Chinua Achebe foi o pioneiro nestas longas décadas da série, com o romance Things Fall Apart 47 , apresentando para o resto do mundo – ou pelo menos para aqueles que leem inglês – escritas e culturas africanas, nos seus próprios termos. Em muitos casos, isto significou a tradução, ao longo do tempo, ou paulatinamente – como vocês dizem nessa adorável expressão portuguesa – de obras a partir de francês, português ou árabe.

Quero terminar esse artigo sugerindo, com toda a devida humildade, que pode ser hora de uma “Série dos Escritores Afro-Brasileiros” selecionando, traduzindo e publicando em um formato acessível o melhor do que a rica literatura afro-brasileira pode oferecer, e que o resto do mundo merece e precisa conhecer. 48 Melhor mesmo seria combinar com um programa em reverso: seleção sistemática, tradução em português e publicação dos melhores da literatura de África e da diáspora, escrita em inglês e francês.

Tendo percebido que um dos propósitos do portal literafro, apoiado pela UFMG é “superar o apagamento histórico da afrodescendência” na literatura brasileira, me pergunto se isso é algo que o coletivo já tem em mente. Se essa série está sendo planejada, eu gostaria de pensar que haveria um papel especialmente importante para as ideias particulares, práticas e perspectivas da tradução transnacional negra – não por ser negra, mas porque pode ser generativa, bonita e eficaz.

A língua não deve nos separar!

Salvador- Bahia, 09 de Outubro de 2013.

 

Referências

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1 Tradução de Maria Inez Moraes Marreco e Gustavo de Oliveira Bicalho. Professora do Departamento de Estudos da África e da Diáspora da Brown University. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

2 Do fragmento originalmente escrito por Benjamin para uma rádio francesa, em 1936. A versão usada para tradução foi publicada em inglês, sob o título de Translation – For and Against” (EILAND, JENNINGS, 2002).

3 Essa bela formulação foi feita por Brent Edwards, em The Practice of Diaspora (2003). Aqui, recebo ainda a influência da noção de diáspora conforme exposta por Robin Kelley e Tiffany Patterson (2007). Para eles, a diáspora é tanto um processo como uma condição, situando-se dentro de hierarquias globais de raça e gênero.

4 Walter Benjamin, “A tarefa do tradutor”, em Illuminations, 1966/2007.

5 A história verdadeira do engajamento por parte dos afrodescendentes na literatura e na tradução desmente, é claro, quaisquer noções ligadas a uma dificuldade inata aos negros no aprendizado de línguas estrangeiras. Para ficarmos apenas com exemplos do hemisfério norte, poderíamos pensar nas irmãs Nardal, intelectuais afro-martinicanas estudadas meticulosamente por Brent Edwards em Practicing Diaspora, pela contribuição que trouxeram à ideia de negritude. Ou, a inda, a importância da tradução de autores francófonos (Léon Damas, Jacques Romain) e espanhóis (Frederico Garcia Lorca) para a poesia e a consciência social de Langston Hughes, bem como o estabelecimento de “amizades de tradução” que marcaram fortemente a vida do grande poeta afro-americano. Para saber mais sobre a relação entre Hughes e a tradução, ver o artigo “Motivos of Translation: Nicolas Guillen and Langston Hughes”, de William Scott (2005).

6 A voz literária nas políticas dos negros brasileiros. 

7 O painel pode ser visto em vídeo em http://vimeo.com/54322727, acessado por meio do portal Literafro, em http://www.letras.ufmg.br/literafro/verAutor.asp?id=43 .

8 O choro de Winnie Mandela. As sete irmãs de New Orleans.

9 As sete irmãs de New Orleans.

10 Quatro mulheres. 

11 Cunhei este termo quando Conceição Evaristo visitou a Brown University em 2013; pelo que sei, ele não existia antes.

12 A política de tradução. 

13 Gayatri Spivak, reeditada em Lawrence Venuti (2012, p. 322).

14 No livro History of the voice (História da voz), de 1984, em que elabora mais profundamente esse conceito inovador, Brathwaite afirma: “Temos, também, a chamada nation language (linguagem-nação), que representa o inglês falado por pessoas que foram trazidas para o Caribe. Não se trata do inglês oficial, mas da linguagem usada pelos escravos e trabalhadores que foram trazidos para o país.” (BRATHWAITE, 1984, p. 5-6).

15 Esfera cultural do Novo Mundo. 

16 Andre Lefevere, em “Composing the Other” (1999).

17 Julio-Cesar Santoyo, em “Translation and Cultural Identity (in CALVO & GOMEZ, 2010).

18 O Online Urban Dictionary (Dicionário Urbano Online) – por que não? – define livity desta forma: “Da tradução do Rastafari/patois da expressão ‘vida e liberdade’. Um estilo ou modo de vida” (”from the Rastafari/ patois translation of Life & Freedom. A lifestyle, a way of living.”). Definições populares na Jamaica trazem o termo como a energia ou força da vida que flui através de todas as coisas (axé, poder-se-ia traduzir).

19 O termo é usado em um dos relatórios contidos em um arquivo dos documentos coloniais da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), publicados recentemente em Luanda pela Fundação Agostinho Neto. Para uma contextualização histórica consistente do conceito de “uppity negroes”, pode-se consultar o documento intitulado “Mississipi: Subversion of the Right to Vote” (Mississipi: subversão do direito ao voto), do início dos anos de 1960, arquivado na página eletrônica dos veteranos do movimento de direitos civis dos Estados Unidos, disponível em http://www.crmvet.org/docs/msrv64.pdf/. Curiosamente, o documento evoca o ano de 2013, com seus registros de ameaças à cidadania dos negros e o assassinato impune de homens negros desarmados.

20 Para uma discussão elucidativa dos livros Os ásperos tempos, Agonia da noite e A luz no túnel, de Jorge Amado, ver DUARTE, 1996.

21 Becos da memória.

22 A expressão foi tomada do título do livro de Sarah Nuttall.

23 Cabine indevassável.

 24 Meu principal trabalho em Angola, durante o dia, foi como economista e editora técnica da Unidade Técnica do Setor de Energia da Southern African Development Conference (SADC) em Luanda, mas, durante a noite, bem como em muitos dias atípicos e fins de semana, trabalhava como intérprete. Note-se a distinção feita entre tradução (de documentos escritos e textos) e interpretação (no momento da fala, tanto consecutiva como simultânea). Na maior parte das vezes, por mais de uma década, eu fazia interpretação.

25 Como é de conhecimento geral, um dos fatores que impulsionaram a rebelião em Soweto e em outros municípios periféricos negros nos anos de 1970 foi o conjunto de políticas educacionais encapsuladas no termo “educação bantu”, na qual as questões da linguagem e, por inferência, da tradução, desenvolviam papel chave. Vale lembrar que esses espaços eram oprimidos, privados, e segregados por lei sob apartheid, mas mesmo nessas péssimas condições, criaram culturas ricas e foram sempre berços de luta. A língua derivada do holandês da minoria branca no poder (mas também de milhões de sul-africanos pardos) foi imposta como língua de instrução para os negros da África do Sul. Nas escolas, as linguagens africanas trans-regionais foram “fossilizadas” com o intuito de atingir o objetivo de educar os negros para ocuparem permanentemente um lugar inferior na economia sul-africana. Hoje, o idioma africâner tem sido ressignificado, entre outros, por ativistas culturais e jovens negros de Western Cape.

26 Edwin Genzler, Translation and Identities in the Americas, 2008.

27 O artigo “140 tons de marrom e os ‘critérios técnicos’ da escolha de autores brasileiros, etc..”, postado por Rafaela Viper em 6 de outubro de 2013 e disponível em http://correionago.ning.com/profiles/blogs/140-tons-de-marrom-e-os-crit-rios-t-cnicos-da-escolha-de-autores, comenta a escassez de autores afro-brasileiros na Feira de Frankfurt deste ano, evento de importância global.

28 Refiro-me, nesta seção, a WIDEMAN, 1991, p. 66-69.

29 A mudança de sentido da palavra senzala ou sanzala de Angola (aldeia, em Kimbundu) no contexto escravocrata brasileiro representa uma história de transição e tradução que tem que ocultar todo um conjunto de encontros brutais e comunicação violenta. Quando e onde o termo foi adotado pela primeira vez pelos donos de escravos a partir de seus cativos? Na costa angolana ou no Brasil?

30 Extraído do livro Why Translation Matters (por que a tradução é importante?) de Edith Grossman, 2010.

31 QUEEN, 2004.

 32 Essa última expressão é o título de uma canção popular em Luanda, na época, que fazia uma crítica mordaz aos expatriados de muitos lugares que se empenhavam na busca por privilégios e pelo enriquecimento. Portanto, o uso da frase por conferencistas era, de fato, “linguisticamente carregado” e envolvido por “interação verbal”.

33 VIEIRA, 1999, p. 96.

34 CAMPOS, 1992, p.36, parafraseado em VIEIRA, 1999, p.104. Itálicos meus.

35 CUTI, 1995, em entrevista a Charles Rowell, em edição especial da revista Callaloo.

36 Miriam Alves e Carolyn Richardson Durham, 2005.

37 Eu e a estudiosa de Teoria da Literatura e filóloga R. A. Judy, da Universidade de Pittsburgh, mantivemos, por anos, um diálogo em torno dos paradoxos e utilidades dessa palavra, esse ser ontológico, o Negro. É uma discussão que demanda fortemente uma plataforma de tradução e de sentidos.

38 PERISIC, 2012, p. 282.

39 “Ela gostava de aprender, de ir à escola, não. Tinha medo e vergonha de tudo, dos colegas, dos professores. Despistava, transformava o medo e a vergonha em coragem. Tinha uma vantagem sobre os colegas: lia muito. Lia e comparava as coisas. Comparava tudo e sempre chegava a algum ponto” (p. 154-155).

40 “Para ele, a leitura havia concorrido para a compreensão do mundo. Ele acreditava que, quando um sujeito sabia ler o que estava escrito e o que não estava, dava um passo muito importante para sua libertação. A vida exigia sim! Era preciso caminhar, era preciso ir – era o que ele repetia sempre. E lá estava ele junto de todos. Sempre atento. Dentro dele cabia tudo. A força do pensar, do criar, do mudar, do lutar, do construir.” (p. 204-205).

41 Em Sagrada Esperanca, editado em inglês como Sacred Hope, 1974.

42 A caixa de Congada de Tio Totó pendurada no caibro do telhado dava a sensação de ruído. Ela deveria ser devolvida ao chefe do Congo. Ele, porém, morrera uns meses antes. Tio Totó, que seria então o novo chefe, estava também a despedir-se de todos e da vida. [...] A “Coroa de Rei” que ele usava nas festas de Congada brilhava pelo efeito do Kaol sobre a cômoda de madeira. Era bom brincar de rei. Ele vestia roupas vistosas, bonitas. Todas as festas acabavam sempre na capelinha que os participantes do Congo haviam construído em honra de Nossa Senhora do Rosário” (p. 243-244).

43 “Maria-Nova um dia escreveria a fala de seu povo” (p. 247).

44 A vida parecia uma brincadeira de mau gosto. Um esconde-esconde de um tesouro invisível, mas era preciso tocar para frente...” (p. 246).

45 “O vozeirão de Vó Rita marcava e embalava o nosso caminhar...” (p. 240).

46 Essa expressão é tomada de empréstimo de um artigo incisivo e provocador de Abdul Maliq Simone, de Joanesburgo.

47 O mundo se despedaça.

48 Um marco fundamental nessa direção foi a publicação, há mais de uma década, em 1995, da edição especial da revista estadunidense Callaloo, com o tema “Literatura Afro-Brasileira” (Afro-Brazilian literature), organizada por Durham, Martins, e Peres.

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