A CAVALHADA DE RIO ESPERA[1]
Jacyntho
Lins Brandão Universidade Federal de Minas Gerais “todo mundo tem sua cachaça e precisa ter senão a gente não vive”[2] RESUMO: Neste artigo, publico um manuscrito inédito da cavalhada de Rio Espera (Minas Gerais, Brasil), procedendo à colação com outros documentos, com o objetivo de reconstituir parcialmente o arquétipo em versos. PALAVRAS-CHAVE: CAVALHADA, LUTAS DE CRISTÃOS E MOUROS, FOLCLORE BRASILEIRO, TEATRO POPULAR, RIO ESPERA Meu objetivo é publicar um manuscrito inédito relativo à cavalhada de Rio Espera, cidade localizada na Zona da Mata, em Minas Gerais. Como se sabe, as cavalhadas constituem uma das formas mais difundidas de “teatro folclórico”[3] no Brasil, havendo registros de sua realização desde o século XVI, em praticamente todos os pontos do país[4]. As notícias vão de meras referências em alguns cronistas e descrições em obras literárias[5], até estudos circunstanciados, como os de Niomar Pereira, sobre a cavalhada de Pirenópolis (Goiás)[6], e de Théo Brandão, sobre as de Alagoas[7]. Câmara Cascudo distingue entre o que seria propriamente a cavalhada, “desfile a cavalo, corrida de cavaleiros, jogo de canas, jogo de argolinhas ou de manilha”, cujas origens busca na tradição romana e portuguesa, e o que considera “auto de cristãos e mouros”, para o qual o desfile da cavalhada converge[8]. Este auto é definido pelo mesmo autor como “luta simulada entre Cristãos e Mouros, representada por ocasião de festas religiosas ou acontecimentos sociais de relevo”, podendo realizar-se tanto com os atores a cavalo, quanto a pé[9]. Assim, seria necessário distinguir duas modalidades básicas de cavalhada, entre as quais inúmeras variações seriam admitidas: de um lado, o desfile de cavaleiros, geralmente incluindo exibição de perícia, jogos e disputas, o que Théo Brandão chama de “cavalhadas esportivas”[10]; no outro extremo, a representação das lutas entre cristãos e mouros, que configura autêntico espetáculo teatral, chamadas, por Mário de Andrade, de “cavalhadas dramáticas”[11]. Os diferentes autores têm debatido a relação entre essas duas manifestações que, ademais, aparecem distribuídas geográfica e temporalmente: as cavalhadas esportivas são registradas desde o século XVI, sendo a forma mais própria do norte do país (especialmente de Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte etc.)[12]; as cavalhadas dramáticas seriam mais características dos estados do sul, tendo sido descritas, pela primeira vez, apenas no século XVIII. O primeiro registro citado por Niomar Pereira é da segunda metade do século XVIII, no Rio de Janeiro: neste espetáculo, há falas tanto da parte dos cristãos quanto dos mouros[13]. Ainda do início do século XIX é a informação, transmitida por Vieira Fazenda, sobre a realização de cavalhadas em São Gonçalo (próximo de Niterói), incluindo falas dramáticas. Spix e Martius assistiram a lutas de cristãos e mouros em Ilhéus e no arraial do Tejuco, em 1818 e 1819, embora não se possa depreender da descrição a existência ou não de textos[14]. Já em 1820, entretanto, Johann Emanuel Pohl descrevia uma cavalhada de mouros e cristãos no arraial de Santa Cruz, em Goiás, nestes termos: “... começou o jogo propriamente dito, que representava um combate entre mouros e portugueses (...) O espetáculo foi aberto por uma embaixada que oferecia paz aos mouros. (...) A oferta foi recusada e começou o combate”[15]. A existência de embaixadas não deixa dúvidas de que, além dos aspectos propriamente esportivos, a representação incluía também falas dramáticas[16]. Outro problema é decidir qual das duas formas seria a mais antiga: a cavalhada esportiva ou a dramática. A mais razoável parece ser a opinião de Câmara Cascudo: a cavalhada esportiva teria raízes em tradições portuguesas que remontam à Idade Média, constituindo a modalidade dramática uma inovação, registrada no Brasil não anteriormente ao século XVIII[17]. Esta seria um resultado da convergência da cavalhada esportiva com as mouriscas, na forma de “auto popular”[18]. 1. A cavalhada de
Rio Espera Conforme
informação do Sr. Juca Pereira, a cavalhada foi trazida, do Espírito Santo para
Rio Espera, por seu avô.[19]
Ele próprio possui uma bela coleção dos apetrechos usados no espetáculo e
algumas fotografias. A razão por que se corria é definida por ele como “gosto”:
“tudo vai de gosto”, “todo mundo tem sua cachaça.”[20]
O motivo que levou ao fim da cavalhada de Rio Espera seria o desinteresse (isto
é, a falta de gosto) das novas gerações, que não se dispõem mais a “cuidar dos
cavalos na cocheira”: “tem gente que acha ruim, mas eu falo assim mesmo: esses
moços não querem saber de ter trabalho não. É só entrar no carro e sair.”[21]
O
número ideal de cavaleiros era de dezoito ou dezesseis. Os cristãos vestiam-se
de preto, os mouros de vermelho.[22]
A indumentária consistia em calças brancas; uma jaqueta (uma espécie de fraque)
muito decorada, tendo ombreiras com franjas, botões dourados e galões; e um
quepe. Nos quepes mais antigos havia
uma pluma vermelha; nos mais novos, penas também vermelhas. Os
cavaleiros levavam ainda espadas (a mais antigas ornadas com o escudo do
império e as iniciais PII) e lanças de madeira, com ponta de metal prateado, em
que se amarravam fitas coloridas, estampadas. Também nos braços dos cavaleiros
se punham fitas. Os
cavalos tinham um manto sobre as ancas, vermelho e bordado com flores; também
outro manto cobria-lhes o pescoço, vermelho e enfeitado com galões, dispondo de
orifícios para as orelhas; finalmente, fitas largas enfeitavam-lhes a cauda. O
cavaleiro ia sobre a sela, à qual ornava ainda a bolsa para a
"garrucha", também coberta por um pano especial e decorado. Com
os cavaleiros, participavam das representações os dois reis (o rei cristão e o
"rei de Castela"[23]),
a princesa e o palhaço (este último morria no final da representação). O rei
cristão, em vez de chapéu, usava coroa na forma de um cone, armado por quatro
arames cobertos com bolas douradas, tendo uma cruz no alto. Trazia ainda, no
peito, um distintivo triangular (na forma de coração). O rei mouro usava uma
adaga pequena, de cerca de 30 centímetros. Os reis não são cavaleiros, pois
permanecem no palanque. Além
da parte dramática, a cavalhada de Rio Espera comportava ainda o “floreado”,
que o informante identifica especificamente com o momento de se “atirar nos
balaios”, mas que, seguramente, deveria incluir toda a exibição de destreza de
animais e cavaleiros ¾ uma parte importante do
espetáculo, embora o Sr. Juca Pereira, aristotelicamente, considere que não a
mais importante: “tinha gente que ia só ver os cavalos, mas aquilo tinha um
significado”. A
cavalhada de Rio Espera foi descrita, na primeira metade dos anos cinqüenta,
por Eugênio Silva, em artigo publicado na revista O Cruzeiro, que, infelizmente, não consegui localizar. A
bibliografia especializada não faz referências à existência de cavalhadas em
Rio Espera, embora haja ainda, na cidade, um rico acervo material e documental,
além de muitos informantes que permitiriam um estudo detalhado. O
texto que publico abaixo, como se verá, traz variantes ainda não elencadas
pelos estudiosos do folclore, pelo menos até onde conheço a bibliografia
existente. Ainda que se encontre fragmentado, trata-se de texto evidentemente
longo, o que demonstra que a cavalhada de Rio Espera era dramática, não mero
desfile ou exibição esportiva. 2. O
manuscrito O
manuscrito pertence a D. Inês Miranda Pereira, moradora de Rio Espera, sendo
constituído por seis folhas de caderno comum, de vinte e três linhas, presas
com dois grampos. A quinta folha encontra-se rasgada, conservando apenas as
nove primeiras linhas. Há
dois tipos de letra: até a folha 3 verso, o texto foi escrito com caneta
tinteiro, com tinta azul; a escrita das demais folhas, também em tinta azul,
apresenta traços mais grossos, parecendo ter sido feita com pena e não com
caneta. A letra das três primeiras folhas é arredondada (talvez feminina), de
tipo mais recente; nas demais, encontra-se uma letra de feitio mais antigo, com
hastes alongadas. Em geral, o copista das três primeiras folhas comete menos
erros ortográficos ou gramaticais; o das outras folhas, ao contrário, vacila
muito com relação à ortografia e escreve algumas palavras sem separação (ex.: herampresizo). Por
todo o manuscrito, há correções e acréscimos nas entrelinhas, a lápis, devidos
a uma terceira mão, que apresenta uma letra mal formada e bastantes problemas
de ortografia. 3. O texto No
anexo 1, encontra-se a edição diplomática do manuscrito. Apresento a seguir
edição crítica e comentada. Mantive
as formas próprias do texto, separando as falas das personagens e as indicações
cênicas, regularizando a ortografia, a concordância e, raramente, a sintaxe.
Conservei, todavia, as formas de tratamento como aparecem, alternando entre a
segunda pessoa do singular e do plural. As
notas fornecem paralelos com outros textos, os quais são identificados com as
seguintes siglas: P – Cavalhada de Pirenópolis (Goiás), que apresenta notáveis
coincidências com a Cavalhada de Rio Espera, embora, ao que parece, a seqüência
da ação seja diferente[24]. F – Cavalhada de Franca (São Paulo), conforme manuscrito de propriedade
do mantena cristão, Dirceu Jacintho[25]. C – Cavalhadas do Rio Grande do Sul, especialmente as de Vacaria, São
Francisco de Paula, Santo Antônio da Patrulha e Caçapava, estudadas por Paixão
Cortes[26]. B – Cavalhada de Brejo do Amparo (Minas Gerais), registrada por Joaquim
Ribeiro, em 1970[27].
O manuscrito de Rio Espera, nas notas e nos comentários, será identificado pela letra R. Os parágrafos do mesmo, na edição abaixo, encontram-se numerados, a fim de facilitar a remissão, nos comentários. Primeiro dia
de corrida[28] Embaixada[29] Embaixador
mouro (?): (1) ...espadas ¾ e para cujo fim te digo que forme o maior esquadrão e te fortifique de armas, que eu já te falarei. Rei
Cristão: (2) Isso que não demore. (O embaixador vai ao castelo
do Rei Mouro e diz:) Embaixador
Mouro: (3) Senhor, os nossos soldados estão convosco. Sofreremos convosco todas as privações e fadigas do momento da batalha e não sossegaremos enquanto não colocarmos nossas bandeiras nos territórios mais altos dos nossos agressores. E vamos, senhor, vamos dar batalha ao Rei Católico, que estes soldados estão junto de vós e ao vosso lado. Rei Mouro: (4) Recolha-te a teu lugar, nobre embaixador, que brevemente serás vingado das fúrias daquele Rei Católico.[30](Depois de correr o desafio o rei mouro diz:)
Rei Mouro: (5) Príncipe, amado filho. Segundo diviso, aquele Rei Católico alguma embaixada nos manda. Aprontai para o que suceder possa. Rei Cristão: (6) Embaixador, à frente![31] Ide àquela praça e dizei ao sultão que resolva a se batizar, e se quer viver na lei de Jesus Cristo, que só esta é a verdadeira.[32] Embaixada de trégua[33] . Rei Cristão (?) (ao Príncipe que se aproxima): (7) Olá, olá, Deus vos guarde. Deus vos dê a bem a sua graça. O Príncipe Mouro: (8) Bem vedes, senhor, que os astros do Oriente já vão nos faltando com as suas luzes. A noite vai-se aproximando, e por esta razão não temos tempo, hoje, para dar fim à nossa batalha. Assim vos peço tréguas para o dia de amanhã. Rei Cristão: (9) Concedo-vos o que pedes com a condição que vosso pai me entregue a bandeira que me usurpou ao meu templo na noite passada. E tu comigo correrás as três lanças. Príncipe Mouro: (10) Tem resposta. (Vai ao rei
mouro e diz:) Príncipe Mouro: (11) Pedi tréguas àquele rei católico e me foram concedidas, com a condição da entrega da bandeira e de eu com ele correr as três lanças, para o que estou pronto. Rei Mouro: (12) A bandeira, príncipe, a bandeira é minha. Com trabalho a ganhei e só a força de armas a entregarei. Príncipe Mouro: (13) Entrega, real senhor, esta bandeira que, amanhã, por estas horas, há de ser restituída a este castelo. Rei Mouro: (14) Amado filho, eu te entrego a bandeira, mas amanhã, pelas mesmas horas, pretendo vê-la outra vez hasteada neste castelo. E tu com ele correrás as três lanças.(Aí o príncipe vai ao encontro do Rei Cristão e entrega a bandeira.)
Segundo dia de corrida Embaixada dos mouros Rei Mouro: (15) Príncipe, amado filho. Mandai àquele Rei Católico a embaixada que vos tenho determinada. Os deuses já não se nos mostram favoráveis. Príncipe Mouro: (16) Obedeço, senhor, e brevemente serão cumpridas vossas reais ordens. (Ao embaixador:) Embaixador, à frente![34] Embaixador Mouro: (17) À frente estou, senhor, pronto para seguir os vossos mandados.[35] Príncipe Mouro: (18) Embaixador, vai àquela praça onde está aquele Rei Católico abarracado, e dize-lhe que se retire das minhas trincheiras e que, de outra forma, venha falar comigo no meio desta praça. Dize-lhe ainda que sou príncipe de Assis, Rei de Nazário, senhor de meio sol e meia lua, Governador até o Mar Vermelho, aquele que foi em Roma e destruiu todos os Apóstolos da Cristandade. E no meio desta praça eu o espero, aonde ele há de ser reduzido a pó, a cinzas e a nada. Vai embaixador e nada temas![36] Embaixador Mouro: (19) Obedeço, senhor, e as vossas ordens serão fielmente executadas.[37] (O embaixador
mouro encontra o embaixador cristão.) Embaixador Cristão: (20) O que buscas dentro das moradas de meu rei todo carregado de armas?[38] Embaixador mouro: (21) Eu sou embaixador mouro que trago embaixada para o teu rei e quero entrada já e já.[39] Embaixador Cristão: (22) Retém-te, embaixador atrevido[40], não te movas um só passo enquanto do meu rei não vier a resposta. (Vai ao rei e
lhe diz:) Embaixador Cristão: (23) Senhor, dentro da vossa morada, um famoso cavaleiro mouro diz que traz embaixada para vós e quer entrada já e já.[41] Rei Cristão: (24) Dá entrada a esse embaixador, na fronteira dos nossos esquadrões.[42] Embaixador Mouro: (25) Monarca esclarecido e poderoso Cristão, qual raio ou qual trovão que no mundo o fez temível, o meu rei te comete um partido, que deixes a lei de Cristo, e, se fizeres isso, terás paz e liberdade sobre quanto é visto.[43] Rei Cristão: (26) Ousadamente deste a tua embaixada, embaixador atrevido! E se não fossem as leis estabelecidas entre os monarcas, a resposta seria a espada que a cabeça te cortaria.[44] Mas volta e diz a teu rei que a sua embaixada não tem resposta, é mais louca do que entendida.[45] Embaixador Mouro: ( 27) Ó rei de Deus, a outro no[v]o [ac]or[do]
tornas, abraça a lei de Ma[f]oma e n[ão] sejas temerário, que se [f]a[z]es [o
contr]ari[o], todo o país se d[e]st[er]ra, [e]u se[re]i [?]m...[46]
Animação dos companheiros cristãos[47] Rei Cristão (?): (28) Amigos e soldados meus, é tempo de declarar as causas que nos conduzem a esta campanha. Zelina[48], filha daquele bárbaro Rei, que dele vai herdar a sua ferocidade, antes tocada pela divina graça, a nossa lei quer abraçar, como vereis por esta carta e outras mais que tenho recebido. (Lê a carta da
princesa:) A carta da princesa (29) Fidelíssimo rei Católico, Atributo, Majestade, amparai esta desvalida, muito principalmente em matéria da religião católica. Eu nasci na lei de Mafoma, a qual considero ser falsa, principalmente hoje, que meu pai vos espera em campo[49], e não terá maior sentido em mim. Assim estarei pronta a descer deste castelo, e vós me conduzireis debaixo de vossas bandeiras, o que espero em Deus, e sou de vossa alteza serva e criada, Zelina. Rei Cristão: (30) Vamos amigos, vamos salvar aquela princesa, filha daquele bárbaro rei, que as nossas leis quer abraçar ¾ que não só é justo salvar, como também arriscar as nossas vidas para o aumento da nossa fé católica. Vamos amigos, vamos sem perda de tempo! Assim vos peço que me acompanheis.[50] Palavras finais[51] Rei Cristão (ou príncipe ou outro cavaleiro?) (31) Excelentíssimo Senhor, e meus Senhores, é sobremodo acanhado que vou dizer algumas palavras de contentamento, com que se embeleza a minha alma. Eu sendo um dos cavaleiros cristãos, tenho a mesma obrigação de desenvolver o mando e a ordem que estão escritos, o poder da religião Católica e Apostólica Romana, como visto. Excelentíssimas Senhoras, o número de nossos adversários era maior do que o nosso, porém, por quererem afrontar a religião, foram punidos, fazendo-nos vencedores. Mas assim mesmo era preciso, para fazer com que os Mouros recebessem o santo Batismo. É só isto que nos enche de grande júbilo, juntamente cumprir os nossos deveres de Cristãos e patriotas, e não deixar as nações estranhas dominar as terras dignas, e reinar o Catolicismo. E depois de renhida luta, depois de assombrosa guerra, onde só se viam os estampidos dos tiros, e o relampejar das espadas, e as manobras das lanças, eis que se nos entregam hoje cheios de comoção e pedem o batismo. E convido (?) as nobilíssimas Senhoras... 4. A estrutura
formular Da comparação de R com P e F, constata-se a ocorrência de alguns lugares comuns aos três textos, sem dúvida devidos à existência de um esquema comum à cavalhada dramática em geral. Todavia, além desse nível genérico, há algumas coincidências de enunciados entre R e P que merecem ser examinadas com cuidado. Assim, por exemplo, em R 4 lê-se: “Recolhe-te a teu lugar, nobre embaixador, que brevemente serás vingado...”; em P: “Recolhe-te, embaixador amado, que muito breve serás vingado”. As duas variantes evidentemente se afastam, ambas, de F, que registra: “Cumpriste com muita coragem a tua missão. Encastela-te, embaixador.” Não seria despropositado admitir que, com relação a esta passagem, as versões de R e P provenham de uma fonte comum. A expressão de R 22, “Retém-te, embaixador atrevido”, de leitura difícil, de que, em P, encontramos uma possível variante (“Detém-te, ó rei cristão”), parece constituir fórmula, cujo uso se registra em cenas de embaixada também de outros gêneros. Além de outras semelhanças com textos das cavalhadas, para as quais chamei a atenção nas notas a R, no congo recolhido por Mário de Andrade em Natal, o príncipe assim se dirige ao embaixador da rainha Ginga: “Atende-me, Imbaxadô atrivido! A meu pai vinde dá a imbaxada e eu quero apanhá a vingança”[52]. Compare-se também com a fala do Reis (o rei) ao mesmo embaixador: “Lèvanta, Imabaxadô atrivido! Dizeis que ti tráiz pur aqui!”[53]. Os epítetos que se aplicam ao rei mouro só confirmam a existência de fórmulas de amplo uso: em R 18, como vimos, ele se declara “príncipe de Assis, Rei de Nazário, senhor de meio sol e meia lua, Governador até o Mar Vermelho, aquele que foi em Roma e destruiu todos os Apóstolos da Cristandade”; em F, chama-se de “grande e poderoso monarca, Sultão de Constantinopla, Senhor de Meio Sol e Meia Lua, rei de Alexandria e dono de toda Turquia”; em P, “o grande Sultão, senhor da Mauritânia, senhor de meio sol e de meia lua e de todo o Mar Vermelho”; no registro fornecido por Érico Veríssimo, ele é “o mui alto e poderoso rei da Mauritânia/ O senhor do meio sol e da meia lua”[54]; em cavalhada da cidade de Goiás, é o “rei turco, filho do Grão-Sultão do Egito e Senhor da terra dos mouros”[55]; no romance de Ana Curado, cujo entrecho remete para cavalhada em Corumbá, de 1935, o rei mouro tem nome próprio, além dos qualificativos: “Segardo, Rei de Apolim, Senhor do Meio Sol, da Meia Lua e de todo o Mar Vermelho”[56]. A estrutura formular é bem visível, embora ocorra em combinações diversas. Destacam-se as expressões “Senhor de Meio Sol e Meia Lua”, que remete para símbolos do Islã; e “Governador/Senhor até/do Mar Vermelho”, de sabor exótico e orientalizante (ambas ocorrem conjugadas em R, P e no romance de Ana Curado). Mário de Andrade registra estrofe pertencente a Chegança de Mouros, por ele recolhida em Natal, em 1928, em que, por ocasião da embaixada, as seguintes palavras são aplicadas ao rei mouro: “U subèrano/ Da Turquia sua,/ Sinhô du Só,/ Da Meia-Lua[57]. A propósito, observa ainda: “em Portugal (...) corre a frase-feita que ‘a Turquia é senhora de meio Sol e meia Lua’ (...). No Auto dos Fandangos estas mesmas idéias se repetem na embaixada que o Embaixador recita, em vez de cantar: – ‘É o sultão da Mauritânia, rei senhor de meio mundo, de meio Sol e meia Lua, que só por mim manda embaixada!”[58] A cavalhada de Santa Cruz (Goiás) fornece mais um exemplo do uso dessas fórmulas, demonstrando ainda como a tradição, ao mesmo tempo em que se transmite, também se move. Na descrição do espetáculo feita por Mara Públio de Souza Veiga Jardim, em 1980, o rei cristão é Carlos Magno, qualificado de “Rei do Ocidente, Senhor de Meio-Sol e Meia-Lua, do Mar Vermelho até Jerusalém”. Como se vê, o cristão usurpou os epítetos que originalmente seriam de seu adversário, justamente os atributos mais característicos dele e mais apropriados. Não tem sentido, histórica e culturalmente, aplicá-los a Carlos Magno, a não ser pela perda de seus significados originais (a meia lua como símbolo religioso e o Mar Vermelho como símbolo geográfico) e atribuição de novo sentido: mera expressão da extensão do poderio do rei, que aliás também é evidente nos versos do Auto dos Fandangos citados acima, em que se associa o ser senhor de meio Sol e meia Lua a ser “senhor de meio mundo”. Não deixa de ser relevante notar que, na mesma cavalhada, a princesa não é filha do rei mouro, mas cristã, chamando-se Angélica[59]. Mais outra coisa, portanto, que o mouro perdeu para o inimigo. Além de fórmulas cuja recorrência poderia dever-se a tradição mais ou menos difusa, há todavia outras convergências de palavras, expressões e frases que se explicariam melhor supondo-se que a fonte comum fosse um texto, eventualmente mesmo um texto escrito. O exemplo mais destacado encontra-se em R 25, em que se lê: Monarca
esclarecido e poderoso cristão, qual raio ou qual trovão que no mundo o fez
temível, o meu rei te comete um partido, que deixes a lei de Cristo, e, se
fizeres isso, terás paz e liberdade sobre quanto é visto. Essa versão aproxima-se muito de P, podendo mesmo considerar-se que se trata do mesmo texto, submetido a pequenas adaptações: “O
monarca esclarecido, o poderoso Sultão que, qual raio e qual trovão, neste
mundo é tão temido, te comete por partido, que deixes a lei de Cristo e abraces
a de Mafoma; que se fizerdes isto terás paz, honras e, sobretudo, a sua amizade
em tudo o que tens visto...” Ora, o que garante a proximidade dos dois textos, como se vê, é a existência de fórmulas que se repetem idênticas ou com níveis diferentes de variação, a saber: 1. idênticas: qual raio ou qual trovão; que deixes a lei de Cristo; 2. variação constituída pela presença ou ausência de um ou mais termos: monarca esclarecido (R)/o monarca esclarecido (P); terás paz e liberdade (R)/terás paz, honras e, sobretudo sua amizade (P); 3. variação de termos: e poderoso cristão (R)/o poderoso Sultão (P); te comete um partido (R)/te comete por partido (P). 4. variação gramatical: e se fizeres isso (R)/que se fizerdes isto (P). 5. variação textual: que no mundo o fez temível (R)/(que) neste mundo é tão temido (P); sobre quanto é visto (R)/em tudo o que tens visto (P). Assim isolados e aproximados, os trechos definidos como formulares revelam um aspecto ainda mais surpreendente: não é difícil perceber que se trata de seqüências ritmadas, as quais talvez por isso mesmo se fossilizaram. É na qualidade de fósseis que passo a tratá-las, na tentativa de perceber se permitem inferir estágios anteriores do texto. 5. Da prosa aos
versos As duas fórmulas idênticas ¾ qual raio e qual trovão / que deixes a lei de Cristo ¾ são versos perfeitos de sete sílabas, ou seja, redondilhas maiores que, como se sabe, têm uso extenso no cancioneiro popular hispânico desde a Idade Média. São ainda redondilhas maiores grande parte das outras fórmulas (no total, incluindo as duas já citadas, doze de dezenove). Desse modo, passo a trabalhar com a hipótese que o arquétipo de R e P, com relação a este trecho, fosse um texto metrificado, em redondilhas maiores. Não é difícil exumar os versos que se escondem sob a prosa, cobertos, na verdade, de uma camada fina. Como primeiro passo, sob a orientação das fórmulas metrificadas, podemos reescrever os dois textos assim:
A partir de agora, acredito que se torna possível reconstituir o arquétipo verso a verso: 1. Em R, houve uma confusão inicial com relação a quem se referiam os dois primeiros versos, a partir, provavelmente, da perda do artigo inicial, o que poderia ter-se processado em virtude de confusão entre este e a interjeição ó: ó monarca esclarecido... Assim, de terceira pessoa (referente ao rei mouro de quem o embaixador transmitia a mensagem), o verso passou a ter o sentido de segunda pessoa (o rei cristão a que a mensagem se dirigia). Isso teria motivado, ainda, a mudança do segundo verso, com a troca de sultão para cristão. Assim, parece razoável admitir que os dois primeiros versos deveriam ter a seguinte forma: O
monarca esclarecido, O
poderoso sultão... 2. O terceiro verso em P é perturbado pela introdução do pronome relativo que, entretanto dispensável caso se opte-se pela lição de R neste verso e no seguinte. Todavia, parece que a última palavra do verso 4 deve ser corrigida, de acordo com P, tendo em vista a rima com esclarecido. Os dois outros versos do arquétipo, portanto, seriam reconstituídos assim: Qual
raio e qual trovão Que
no mundo o fez temido... 3. Na seqüência que se delineia, o sintagma o meu rei, que se registra em R, passa a ser dispensável, podendo os dois versos seguintes serem reconstituídos sem grande problema: Te
comete um partido[60] Que
deixes a lei de Cristo... 4. P registra um verso que não se encontra em R, mas que não apresenta problemas do ponto de vista métrico. Decidir se é ou não uma interpolação é difícil. Ele poderia, em princípio, ser mantido: E
abraces a de Mafoma... 5. No verso seguinte, tanto a lição de R, quanto a de P apresentam um problema métrico (falta-lhes uma sílaba). Eu reconstituiria o verso considerando o uso da segunda pessoa do singular, como em P (e não do plural, como em R), acrescentando-lhe o pronome; quanto ao anafórico, isto, como em P, é preferível, em vista da rima com Cristo: E
se tu fizeres isto... 6. O penúltimo verso de R não apresenta problemas métricos. Entretanto, a ele correspondem dois versos de P, de que o primeiro se encontra truncado, sendo necessário eliminar, nele, o termo honras. Assim, há duas leituras possíveis para este trecho: a)
Terás paz e liberdade... b)
Terás paz e, sobretudo, A
sua amizade em tudo... 7. Finalmente, o último verso apresenta problemas métricos nas duas variantes, que não podem ser resolvidos a partir da mera comparação. É preciso reconstituí-los, acrescentando termos aos mesmos, o que dependerá da escolha que se fizer relativa aos versos anteriores. Seja como for, a última palavra deve ser visto, que rima com isto. Assim, sugiro, para cada uma das hipóteses: a)
Sobre tudo quanto é
visto.[61] b)
O que tu tiveres visto. É justamente o esquema rímico que creio permitir que se tomem as últimas decisões concernentes à possibilidade de interpolação apontada no item 4, bem como no que respeita às possibilidades elencadas nos itens 6 e 7. Admitindo-se um esquema rímico regular, segundo o qual os cinco primeiros versos se organizariam num esquema a/b/b/a/a, e os cinco últimos como c/c/d/d/c, teríamos o seguinte arquétipo: O monarca esclarecido E poderoso sultão, Qual raio e qual trovão Que no mundo o fez temido, Te comete por partido Que deixes a lei de Cristo. E se tu fizeres isto Terás paz e sobretudo A sua amizade em tudo O que tu tiveres visto. Aplicando-se idêntico raciocínio, é possível reconstituir também a estrofe que estaria na origem da fala seguinte do embaixador, em R 27, um trecho bastante mutilado, que todavia pôde ser reconstituído, em parte, pela colação com P:
Ó rei de juízo vário[62], Outro novo acordo toma[63], Abraça a lei de Mafoma E não sejas temerário! Que, se fazes[64]
o contrário, Já toda a paz[65]
se desterra E eu serei, na mesma guerra, Qual um[66]
raio fulminante: Te reduzirei[67]
num instante A cinza, a pó[68],
a terra. Note-se como identifica-se, agora, a procedência do verso que P interpolou na estrofe anterior (“E abraces a de Mafoma”, referindo-se a lei), uma variante do terceiro verso desta segunda estrofe: “Abraça a lei de Mafoma”. 6.
Poética
arqueológica Inúmeros outros restos de fórmulas versificadas podem ser exumados de todo texto transmitido por R, embora não seja possível reconstituir os entrechos completos. Apresento um levantamento de todas as possibilidades, comparadas, quando é o caso, com passagens correspondentes em P e, mais raramente, em F[69]:
Ainda que possa haver algum grau de arbitrariedade na identificação dos restos de redondilhas existentes dos textos, processo em que a técnica constitui valioso auxílio, mas que depende sobretudo do ouvido, acredito que fica bem demonstrada a origem poética do arquétipo de que derivam principalmente R e P, em vista da abundância do material apresentado[111]. Não descuro o fato de que a prosa, qualquer que seja, comporta unidades métricas que podem ser identificadas com versos. Sobre o assunto, pode-se ter como referência o interessante exercício de António Feliciano de Castilho que, tomando textos originalmente em prosa (da autoria do Padre António Vieira, Fernão Mendes Pinto, Jacinto Freire de Andrade, Sá de Miranda, Padre Manuel Bernardes, Garcia de Rezende, Rodrigues Lobo e Frei Luiz de Souza), identifica neles a ocorrência de versos variados, desde os de doze sílabas, até os de duas[112]. O que se nota, entretanto, é a inexistência, em qualquer dos textos, de ocorrência tão marcantemente preferencial de determinado metro, como se vê em R e P, embora Castilho conclua que “cada autor tem, sem se sentir, maior queda para certos metros”[113]. Em geral, continua ele, “o metro mais natural em língua portuguesa é o de oito sílabas; depois o de seis; depois o de cinco; depois o de sete”; etc.; e “os versos mais fáceis de fazer em português deverão ser os de oito sílabas; depois os de seis; depois os de sete; depois os de dez; depois os de onze; depois os de doze; depois os de nove”[114]. Ao mesmo tempo, no que concerne a F, a passagem para a prosa deixou poucos indícios, quase inexpressivos, do eventual arquétipo em versos, o mesmo acontecendo com B (embora, neste caso, o trecho seja muito reduzido). Já as palavras finais que se lêem em R 31, parecem constituir texto originalmente em prosa, muito diverso do restante tanto pelo tom, quanto pelo vocabulário, sintaxe e ritmo. Provavelmente tratar-se-ia de um acréscimo anexado a um material mais antigo. Finalmente, acrescente-se que existem registros de
outros textos versificados, dos quais apresento alguns exemplos, no anexo 2,
colhidos no livro de Niomar Pereira. Pode-se constatar como, em quase todos os
casos, as formas metrificadas estão em curso de deterioração, havendo também
exemplos de reescritura – enfim, bons testemunhos de como, numa tradição de tão
remotas origens e de tão extensa difusão, agem as forças antagônicas da mudança
e da conservação. ANEXO 1
Edição
diplomática do manuscrito de Rio Espera[115]: folha 1 espadas e para cujo fim te digo que forme o maior esquadrão e te fortifique de armas que eu já te falarei. Rei Christão Isso que não demore. O embaixador vae ao castelo do rei mouro e diz. Embaixador mouro. Senhor os nossos soldados estão connosco[116]. Sofreremos convosco[117] todas[118] as privações e fadigas do momento da batalha[119] e não socegaremos em quanto não colocarmos[120] nossas bandeiras nos territorios mais altos dos nossos agressores. E vamos senhor, vamos dar batalha ao rei Catholico, que estes soldados estão junto de vóz e ao vosso lado. Rei Mouro Recolha-te a teu logar, nobre embaixador que brevemente serás vingado das furias daquele rei catolico. Depois de correr o desafio o rei mouro diz. Rei Mouro. Principe amado filho. Segundo disse[121], aquele rei catolico alguma ______________________________________________________________________ folha 1 verso embaixada nos manda. Aprontae para o que suceder posse[122]. Rei Christão) embaixador a frente. Ides aquela praça e dizei ao sultão que resolva a se batizar e se quer viver na lei de Jesus Christo que só esta é a verdadeira. (uma linha em branco) Olá, Olá, Deus os guardos. Deus vos dê a Bem) vossa graça. O príncipe. Bem vedes, senhor, que os astros do Oriente já vae nos faltan- do com as suas luzes. A noite se aproximando, e por cuja razão não temos tempo hoje para dar fim à nossa batalha. Assim vos pesso treguas para o dia d’amanhã. Rei Christão ¾ Concedo-vos o que pedia com a condição que vosso pae me entregue a bandeira que me usurpou ao meu templo á noite passada e tu comigo correrás as treis[123] lanças. Principe ¾ Tem resposta. Vae ao rei mouro e diz. Pedi treguas aquele rei Catolico[124] e me foram concedidas com a condição[125] da entrega da[126] bandeira e eu com ele correr as treis lanças e para cujo fim[127] estou pronto. ______________________________________________________________________ folha 2 Rei Mouro A bandeira, principe, a bandeira é minha. Com trabalho a ganhei e, só a farças de armas a entregarei. Principe. Entrega, re[a]l senhor, esta bandeira que amanhã por estas horas[128] ha de ser restituida a[129] este castelo. Rei Mouro. Amado filho, e[u] te entrego a bandeira mas amanhã pelas mesmas horas pretendo vel-a outra vez hasteada nes- te castelo. E tu com ele correrás as treis lanças. Ahi o principe vae ao encontro do Rei Christão e entrega a bandeira. (sete linhas em branco) _____________________________________________________________________ folha 2 verso 2º dia de corrida. Rei Mou[r]o Principe, amado filho. Mandai aquele Rei Catolico a embaixada que vos tenho determinado[130]. Os deuses já não se nos mostram[131] favorave[is]. Principe. Obedeço, senhor, e brevemente seram[132] cumpridas vossas reais ordens. Ao embai[x]ado[r] Embaixador á frente. Embaixador: A frente estou, senhor, pronto para seguir os vossos mandados. Principe Embaixador vae aquela praça onde está aquele Rei Catolico abarracado, e dize-lhe que se retire das minhas trincheiras e que de outra forma, venha falar comigo no meio desta praça, dize-lhe ainda que sou principe de Assis, Rei de Nazario, senhor de mei[o] sol e meia lua, Governador até o Mar Vermelho, aquele que foi em Roma e destrio[133] todos os Apostolos da Christandade, e no meio desta praça eu o espero a onde ele á de ser reduzido _______________________________________________________________ folha 3 a pó, a cinzas e a nada. Vae embaixador e nada tremas. Embaixador Obedeço, senhor, e as vossas ordens serão fielmente executadas. O embaixador mouro encontra o embaixador christão[134]. Embaixador Christão. O que buscas dentro das moradas de meu rei todo caregado de armas? Embaixador mouro[135]. Eu sou embaixador mouro que trago embaixada para o teu rei e quero entrada ja e ja[136]. Embaixador Christão Retente, embaixador atrevido, não te movas[137] de um só passo emquanto do meu rei não vier a respesta. Vae ao rei e lhe diz Senhor, dentro das vossas morada um famoso cavaleiro mouro diz que traz embaixada para vós e quer entrada já e já. _____________________________________________________________________ folha 3 verso Rei Christão. Dá entrada a esse embaixador na fronteira dos nosso esquadrões. Embaixador Mouro. Monarca esclarecido e poderoso Christão, qual raio ou qual trovão que no mundo[138] me fez temivel. O meu rei te comete um partido que deixes a lei de Christo e se fizeres isso, terás paz e liberdade sobre[139] quanto [e] visto. Rei Christão. Ousadamente deste a tua embaixada, embai- xador atrevido e se não fossem as leis estabelecidas entre os monarcas, [a] resposta seria a espada que a cabeça te cortaria. Mas volta e diz a teu rei que a sua embai- xada não tem resposta, e mais louca do que entendida. Embaixador Mouro. Oh rei de[140] [Deus(?)], a outro no[v]o [...]or tornas, abraça a lei de Ma[fo]ma e n[ão] sejas temerário, que se [f?]o[...]es[...]ari todo o
paiz se de[...]st[...]ra e[...]u se[...]i[...]m. _____________________________________________________________________ folha 4 em branco _____________________________________________________________________ folha 4 verso Animações dos Canpanheiros cristão[141] Amigos i Soldados meus e tempos[142] de declarar as caussas que nos condu- zen a esta Canpanha.[143] Zelina, filha daquele barbaro Rei, que ella delle vai herdar as suas feraçidade, antes tocada pela devina graça, anossaleiquer abrassar, como vereis esta carta e outras mais que tenho arece- bido[144], Acarta dapreincesa[145]. Fidelisimo rei Catollico Atributo[146] Magestade, amparai esta desvalida, mouito. prispalmente, em materia da religião. catolica[147] Eu naçi na lei demafoma, a qual considero ser falsa, prinspalmen- te hoje que meu pai vos espera em cam- pos, e não terá maior sentido en mem, Assim estarei pronta a desser deste castelo, e vos me conduziras debaixo de vossas bandeiras, do que espero em Deus _________________________________________________________________ folha 5 e sou de vossa alteza servo e criada Zelina, Vamos amigos, vamos salvar aquela princeza filha daquelle bar[b]aro rei[148] que a nossas leis quer abrassar, que não só e justo salvar, como tambem arriscar a nossas vida, para o aumen- to da nossa fé catolica, vamos Amigos vamos sem perca de tempos. Assim vos pesso que me aconpannheis. ____________________________________________________________________ folha 5 verso totalmente em branco _____________________________________________________________________ folha 6 totalmente em branco _____________________________________________________________________ folha 6 verso Exmº Senr [149], e meus[150] Senhores, é sobre o modo acanhado, que vou dizer algumas Palavras de Contentamento que se enbeleza a minha alma,[151] eu sen[d]o um dos Ca- valeiros Cristão, tenho a mesma obrigação de Dezenvolver o manto e a ordem[152] que esta escrito O poder da Religião Catolica e a Postolica Roman- na, Como visto. Exmª Semas. o Numeros de nossos adevercarios herão maioris do que os Nossos, porem porqueren afrontar[153] a religião Foram ponidos, fazendo-nos de vensedores. Mas assim mesmo herampresizo para fa- zer com que os Mouros resebecem[154] o santo Batismo[155], é só isto que nos enche de grande jubilo, e juntamente conprir o nossos de- veres de Cris[tt]ãos e patriotas, e não deixar as Nasoes estranhas Dominar as terras deg[ui]nos, e de reinar o Catolisismo, e Depois de rendida[156] Luta, depois de asonb[r]oza guerra, aonde só se via os estanpidos dos tiros, e os Relanpe- jar das espadas, e a[s]man[n]obras[157] das lansas, Eis que nos entregãm hoje xeio[158] de Conmosoes[159] e pedem o batismo, e Con vidas as nomabilisi- mas Senhoras ANEXO 2 REGISTROS DE
TEXTOS DE CAVALHADAS EM VERSO Conhecem-se registros de textos versificados de cavalhadas, o que
poderia reforçar a hipótese de que R e P procedem de um arquétipo em versos.
Cito os exemplos referidos por PEREIRA, 1984: 1.
Cavalhada de Posse
(Goiás), registrada por Emílio Vieira, em publicação com data de 1971, em que
se encontra embaixada “em versos camonianos” (PEREIRA, 1984, p. 64): Eu já vou, do meu rei, turco arrogante, Publicar, sem demora, os teus intentos. Tu verás, abatidos, nesta hora Estes teus elevados pensamentos. Tu verás teu poder hoje abatido, Infeliz, derrotado e já vencido. 2.
Versos de cavalhada
reproduzidos (recriados?) por Érico Veríssimo em O tempo e o vento (a cena remete para espetáculo no Rio Grande do
Sul, em 1884; PEREIRA, 1984, p. 32): O mui alto e poderoso rei da Mauritânia O senhor do meio sol e da meia lua Mandou-me cá à presença tua Impor-te com maior severidade Qual é e qual deve ser sua vontade. 3.
Cavalhadas do Rio Grande
do Sul, já acima colacionadas sob a letra C (resposta do rei mouro à
embaixada): Voltes a tua corte E diz ao teu soberano Que com o meu forte peito A partir-se, não se rende Que se assim glórias pretende Não assino nesse pleito Pronto estou para o efeito De seu valor conhecer Que brevemente há de ver O clarim romper os ares Seu sangue regar a terra Na mais crente guerra A meus pés se há de render! 4.
Idem, resposta do rei
cristão: Volta à tua corte E diz ao teu soberano Que este exército que aqui vedes Com a bandeira na mão E o extermínio na outra Onde diz liberdade ou morrer Que brevemente há de ver Os clarins romper os ares Seu sangue correr em mares A meus pés hão de se render! 5.
Cavalhada de Franca
(colacionada como F), fala do rei mouro, após o rapto de sua filha (PEREIRA,
1984, p. 105): Mafoma, onde está a tua força? Onde está o teu poder? A filha que eu mais amava Dos meus braços fugiu; Apagou-se do céu a loira estrela Que na vida os passos me guiava; Arriou de minhas torres a bandeira Que no fragor da batalha me animava; Desertos estão meus campos, e o castelo Sem flores para enfeitar os seus umbrais; Meus soldados já se sentem sem coragem E a moral vão perdendo os generais. Mafoma, ó deus poderoso! Onde está a minha filha tão querida? Onde está aquele amor tão inocente? Por ti, Mafoma, pelo deus da guerra, Juro vingança a quem ma roubou. Juro buscá-la nos confins da terra! 6.
Idem, fala da princesa
moura dirigida a seu pai (PEREIRA, 1984, p. 109): Deixai dos mouros a crença, Procurai o caminho da fé. Não pode haver recompensa Para quem adora Maomé. E abraçai a lei dos cristãos! Existe um Deus verdadeiro, Deus do céu e da terra. Esse Deus quer a paz, Não quer a guerra, E de joelhos vos peço Aceitai o santo batismo Porque já sou batizada! Note-se como, com a exceção do primeiro exemplo, em todos os outros a
forma versificada está em vias de dissolver-se, seja em virtude de
interpolações, seja pela mistura de metros. Os “versos camonianos” de Posse
fogem, evidentemente, do padrão, revelando uma intervenção exógena no material
tradicional, em que, inclusive, as fórmulas arcaicas características dos demais
se perderam. Pelo menos na estrofe citada, trata-se de reescritura do entrecho,
com abandono da dicção tradicional. Outros exemplos ainda, transmitidos sob
forma prosaica, podem facilmente ser expressos em versos (na verdade, trata-se,
nos dois casos abaixo, de mera opção gráfica, pois nada se tem de acrescentar
ou tirar dos textos): 7.
Cavalhada da cidade de
Goiás, descrita por Regina Lacerda (PEREIRA, 1984, p. 34, acredita que a
descrição remeta para fins do século passado ou inícios do presente; trata-se
da fala final do rei cristão): Mafoma, quebrei-te o encanto, A fama seja notória. Viva o filho de Maria, Jesus Cristo, Rei da Glória! 8.
Cavalhada de Franca, em
1936, descrita por Sara Ramos (PEREIRA, 1984, p. 46-48; trata-se de resposta do
rei mouro a Carlos Magno): Não quero ouvir tuas honras, Nem nelas ouvir falar. Não pretendo um só momento Da minha lei discrepar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil. São Paulo: Martins, 1959. ANDRADE, Mário de. Cavalhadas dramáticas. Música do Brasil. Curitiba: Guaíra,
1941. P. 56-61. BRANDÃO, Théo. Cavalhadas
de Alagoas. Cadernos de Folclore, n. 24. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa
do Folclore Brasileiro, 1978. CASCUDO, Luís da Câmara. Antologia do folclore brasileiro. São Paulo: Martins, 1944. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. CASTILHO, António Feliciano de. Tratado de metrificação portugueza, para em pouco tempo e até sem
mestre se aprenderem a fazer versos de todas as medidas e composições, seguido
de considerações sobre a declamação e poética. Lisboa: Casa dos Editores,
1858. GOULART, José Alípio. O cavalo na formação do Brasil. Rio de Janeiro, Letras e Artes, 1964 O CANTAR DE ROLDÁN. Texto bilingüe gallego-francés.
Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1989. PEREIRA, Niomar de Souza. Cavalhadas no Brasil: de cortejo a cavalo a lutas de mouros e cristãos.
São Paulo: Escola de Folclore, 1983. RIBEIRO, Joaquim. Folclore de Januária. Rio: Campanha de Defesa do Folclore, 1970. |
________________________________________________________
[1] Artigo publicado em Manuscrítica: Revista de Crítica Genética, São Paulo: Annablume-Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário, n. 9, p. 209-255, 2001.
[2] Justificativa dada pelo Sr. Juca Pereira para o gosto com que, em sua época, se corriam cavalhadas em Rio Espera.
[3] A expressão é de PEREIRA, 1984, p. 199.
[4] Veja-se PEREIRA, 1984, sem dúvida o trabalho mais abrangente e mais bem documentado sobre as cavalhadas brasileiras.
[5] A mais conhecida dessas descrições encontra-se em O sertanejo de José de Alencar. Também Bernardo Guimarães dedica todo o segundo capítulo de O garimpeiro a uma cavalhada acontecida na vila de Patrocínio. Há outros exemplos.
[6] PEREIRA, 1984, p. 139-198.
[7] BRANDÃO, 1978.
[8] CASCUDO, 1984, p. 207-208.
[9] CASCUDO, 1984, p. 262.
[10] BRANDÃO, 1978, p. 3-13.
[11] ANDRADE, 1941 e 1959.
[12] O levantamento mais completo das referências encontra-se em PEREIRA, 1984. Os testemunhos mais antigos são: do Padre Fernão Cardim, em 1584, em Pernambuco (p. 17); remetendo para o ano de 1609, na Bahia, há uma descrição por José de Alencar, em As Minas de Prata ¾ uma referência secundária e romanceada, portanto, mas interessante (p. 17-18); Frei Manuel Calado, no Valeroso lucideno, descreve cavalhada organizada por Maurício de Nassau, em 1641 (p. 18-20); também há notícias de cavalhadas no Rio de Janeiro, no mesmo ano de 1641, realizadas por ordem do governador Salvador Benevides Corrêa de Sá (p. 20); Gregório de Matos refere-se a jogos de argolinha ou manilhas, ocorridos em 1685 (p. 20); Cláudio Manuel da Costa, nas Cartas chilenas, também descreve cavalhadas (p. 20-21); em 1745, houve cavalhada durante as festas de São Gonçalo Garcia, no Recife, descrita pelo Frei Manuel da Madre de Deus, em Súmula triunfal (p. 22).
[13] PEREIRA, 1984, p. 22-24. Pereira anota a existência de cavalhadas nas missões jesuíticas, nos séculos XVII e XVIII, quando se representavam lutas entre cristãos e mouros; mas não se pode depreender das referências se eram cavalhadas esportivas ou dramáticas.
[14] Cf. BRANDÃO, 1978, p. 6 (que remete para Cascudo, 1944, p. 83 e 86), os registros se devem a Martius, que assistiu a cavalhadas de cristãos e mouros em Ilhéus, na Bahia, e no arraial do Tejuco, em Minas Gerais.
[15] Apud BRANDÃO, 1978, p. 7.
[16] Tanto Pohl quanto Saint-Hilaire assistiram, em Goiás, representações da história de Carlos Magno e os doze pares de França (PEREIRA, 1984, p. 27-28).
[17] Cf. CASCUDO, 1984, p, 262.
[18] Ver CASCUDO, 1984, p. 262-263 e 506-507, em que se procede a detalhado discernimento das várias formas: dança, encenação de luta, “auto popular”. Sobre as mouricas, ver também ANDRADE, 1959, 1º tomo, p. 100-101.
[19] Há notícias de cavalhadas no Espírito Santo, no século passado: em 1872, em Conceição da Barra e em São Mateus; em 1875, em Barra do Itapemirim; em 1884, no Alegre, tendo corrido os cavaleiros procedentes de São José do Calçado. (Cf Goulart, 1964, apud PEREIRA, 1984, p. 31.)
[20] PEREIRA, 1984, p. 158, a propósito da cavalhada de Pirenópolis, define a motivação dos participantes como “amor”: “amor que lhe veio, por herança cultural, à festa do Divino; à cavalhada em si, como enredo e representação...” É o mesmo sentimento que o Sr. Juca Pereira, de Rio Espera, expressa de um modo bem mais direto e saboroso: o gosto, a cachaça.
[21] Observe-se o sentido deste “cuidar dos cavalos na cocheira”. Conforme CASCUDO, 1984, p. 208, segundo as Ordenações do Reino (livro V, título 138), recebem tratamento especial da justiça “as pessoas que provarem que costumam sempre ter cavalo de estada na sua estrebaria”. Continua Cascudo: “cavalo de estada é o que está na estrebaria, tratado em casa e não almargio, al margem, comendo solto a erva dos pastos e lezírias”. Citam-se outras referências que comprovam como “cuidar do cavalo na cocheira” era distintivo social tradicionalmente valorizado tanto em Portugal quanto no Brasil.
[22] Nas cavalhadas, em geral, o vermelho é a cor típica dos mouros; a dos cristãos costuma ser o azul (ver PEREIRA, 1984, e BRANDÃO, 1978).
[23] Assim o Sr. Juca Pereira refere-se ao rei mouro, o que remete à situação da reconquista da Península Ibérica pelos cristãos, mas sobretudo à história de Carlos Magno. De fato, na Chanson de Roland, os reinos da Espanha são árabes: Marsílio, o adversário de Carlos Magno, é rei de Saragoça. Na chegança de mouros recolhida por Mário de Andrade em Natal, o embaixador se apresenta dizendo: "Eu venho de Aragóis!" (Aragão?) (ANDRADE, 1959, 1º tomo, p. 151).
[24] PEREIRA, 1984, p. 180-186.
[25] PEREIRA, 1984, p. 99-111.
[26] PEREIRA, 1984, p. 39-41.
[27] RIBEIRO, 1970, p. 169-171.
[28] Como à frente faz-se referência ao “segundo dia de corrida”, é evidente que aqui se trata do texto relativo ao primeiro dia. O termo corrida é o usual para referir-se à cavalhada (cf. a expressão correr cavalhada).
[29] Como se vê pela seqüência, este entrecho constitui o fecho de embaixada enviada pelo rei mouro ao rei cristão.
[30] P: “Recolhe-te, embaixador amado, que muito breve serás vingado”. F: “Cumpriste com muita coragem a tua missão. Encastela-te, embaixador.” Compare-se ainda com a fala do rei cristão, dirigindo-se a seu embaixador, após a embaixada, em P: “Recolhe-te, meu fiel embaixador: a tua vingança a mim compete”; em F: “Sempre foste de minha confiança e mais uma vez provaste tua lealdade. Encastela-te embaixador”; em C: “Recolhe-te, meu embaixador, que em breve serás vingado!”
[31] Esta fórmula de convocação do embaixador registra-se em F: “Embaixador! Põe-te à frente!”
[32] P: “Vai àquele exército de mouros e dize ao rei que, por ti, saudá-lo mando e a dizer-lhe envio que deixe Mafoma, desta vil seita infame, e dos diabólicos ídolos, que tão firmemente idolatra; que se isto fizer, mediante as águas do batismo e pequeno tributo, ser-lhe-ei amigo. Vai e dize.” F: “Vá àquele castelo contrário e veja se lá estão o Sultão e seus soldados. Se lá estiverem, em meu nome diga-lhes que teu grande e poderoso monarca, Carlos Magno, cuja fama de suas valorosas armas enche o universo, levando o terror e a morte de um pólo ao outro, por ti manda dizer que abandonem a lei deste ídolo imaginário a que adoram e que dão o nome de Mafoma, que por tantas vezes os têm traído e abandonado, e abracem a lei de Cristo, nosso Deus e Deus de todo o universo.” Compare-se ainda com a fala do embaixador cristão, transmitindo a embaixada ao rei mouro em C: “O meu alto e mui poderoso rei cristão por mim envia dizer-vos que deixe dos seus falsos ídolos de má fama e creia nas leis de Jesus Cristo. Se assim o fizerdes, o tereis como amigo, aliás a ferro e fogo arrasará todo vosso estado de monarquia.” Também com a mesma embaixada em B: “Ó rei dos mouros, sou Oliveiros, par de França, vassalo do Imperador Carlos Magno. Vim em nome de meu rei exigir vossa submissão ao império e à fé cristã.”
[33] Este entrecho é registrado em P, com as seguintes divergências: a) não se faz referência ao roubo e à devolução da bandeira; b) não é o príncipe mouro que se encarrega de propor e negociar a trégua com o rei cristão. Em P, registra-se o seguinte: “O rei mouro chama seu embaixador e diz: Vai ao acampamento dos cristãos e diz ao rei que, por minha alta clemência, mando propor-lhe tréguas por vinte e quatro horas. No acampamento dos cristãos, diz o embaixador mouro: O meu soberano, por sua alta clemência manda... Interrompe-o o rei cristão: Basta! Já entendo. Volta e diz ao teu monarca que lhe concedo as tréguas que me propõe e que, amanhã, por estas horas, ele, tu e os teus, debaixo de minhas armas estarão mortos ou prisioneiros.” Assim termina o primeiro dia de espetáculo em P.
[34] A fórmula de convocação do embaixador registra-se em F: “Embaixador! Põe-te à frente”. Neste caso, entretanto, é o próprio rei mouro (chamado de sultão) que transmite a embaixada ao embaixador, não o príncipe como em R. Em P, a fórmula é: “Embaixador, à minha presença!”
[35] F: “Eis-me pronto para cumprir suas ordens.” P: “Poderoso Senhor, aqui estou!”
[36] Em P fala o rei mouro: “Vai às partes do poente, onde se encontra acampado o exército cristão e diz ao rei que deixe a lei de Cristo e abrace a de Mafoma; que se isto fizer terá paz, honras e, sobretudo, a minha amizade. Mas se esse partido não quiser abraçar, verá a terra tremer, os clarins romperem os ares, o bronze gemer, o sangue correr aos mares e o meu Mafoma vencer.” Em F, fala o sultão: “Vá àquele castelo contrário e veja se lá estão Carlos Magno e seus soldados. Se lá estiverem, em meu nome diga-lhes que teu grande e poderoso monarca, Sultão de Constantinopla, Senhor de Meio Sol e Meia Lua, rei de Alexandria e dono de toda Turquia, por ti manda dizer que abandonem a lei do deus imaginário que adoram e abracem a de nosso poderoso Mafoma. E, se a isto se negarem, brevemente serão nossos prisioneiros de guerra e terão suas cabeças cortadas e penduradas na mais alta torre de nosso castelo.”
[37] P: “Senhor! Enquanto em meu peito tiver alento hei-de, fiel, cumprir vosso régio intento.”
[38] Em F, falam dois cavaleiros: “Quem és tu? De onde vens? O que desejas nesta praça?”
[39] Em F: “De meu monarca sou mandado embaixador e desejo falar ao rei teu senhor.”
[40] Em P, expressão semelhante, dirigida pelo rei mouro ao rei cristão: “Detém-te, ó rei cristão. Vou te cometer um partido”.
[41] Em F, falam dois cavaleiros: “Meu monarca, na fronteira de vossos domínios se encontra cavaleiro mouro que se diz embaixador e deseja falar-vos.”
[42] Em F, fala Carlos Magno: “Com toda honra e decência, conduza-o à minha presença.” Note-se que a referência à fronteira em R, em F encontra-se na fala anterior (ver nota acima).
[43] P: “O monarca esclarecido, o poderoso Sultão que, qual raio ou qual trovão, neste mundo é tão temido, te comete por partido que deixes a lei de Cristo e abrace a de Mafoma; que se fizerdes isto terás paz, honras e, sobretudo, a sua amizade em tudo o que tens visto, mas se esse partido não quiserdes abraçar, verás, ó rei atrevido, verás a terra tremer, os clarins romperem os ares, o bronze gemer, o sangue correr aos mares e o meu Mafoma vencer.” F: “Meu grande e poderoso monarca, Sultão de Constantinopla, Senhor de Meio Sol e Meia Lua, rei de Alexandria e dono de toda Turquia, por mim manda vos dizer: desprezai a lei do deus que adorais e abraçai a de nosso poderoso Mafoma. Se a isso vos negardes, brevemente sereis nossos prisioneiros de guerra e vossas cabeças serão cortadas e colocadas nas mais altas torres do meu castelo.” B, em embaixada diferente, na qual o rei mouro pede a devolução da princesa sua filha, Floripes: “Ó rei de França, Imperador Carlos Magno, manda-me o rei Ferrabrás exigir a entrega da princesa moura”.
[44] Compare-se com o congo de Natal citado por Mário de Andrade: “si num fosse rèspeitá/ A riá Magèstade,/ Rebentava-te a cabeça de pancada!” (ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 76).
[45] P: “Atrevidas e arrogantes foram as palavras que acabaste de pronunciar perante minha alta soberania e fidedignos vassalos de minha corte. Não fossem as leis do meu império, consagradas às três pessoas da Santíssima Trindade, aplicar-vos-ia o merecido castigo. Entretanto, voltai e dizei ao vosso rei que me não assustam inimigas tropas nem as terríveis ameaças com que pretende intimidar os fiéis e destemidos soldados dos meus esquadrões e que em campo estou e em campo espero”. F: “Fostes um audacioso e temerário no cumprimento de teu dever. Volta, embaixador, vai dizer ao teu Sultão que em campo estou e em campo espero, e lhe darei tão cruel batalha que nadaremos em rio de sangue. E tu, audacioso, se não tivesses o privilégio de embaixador, o que nós, pela lei de Cristo, religiosamente usamos respeitar, passar-te-ia pelas armas e ficaria, como lembrança e troféu de guerra, tua cabeça na mais alta torre do nosso castelo. Retira-te de minha presença.” C: “Volta à tua corte/ E diz ao teu soberano/ Que este exército que aqui vedes/ Com a bandeira na mão/ E o extermínio na outra/ Onde diz liberdade ou morrer/ Que brevemente há de ver/ Os clarins romper os ares/ Seu sangue correr em mares/ A meus pés hão de se render!”. Em B, a resposta de Carlos Magno à embaixada em que o rei mouro pedia a devolução da princesa Floripes: “Não a entregarei e diga a vosso rei que irei desbaratar a mouraria. E hei de trazê-la à fé de Cristo. Se não lhe castigo desde já é porque vindes como embaixador...”.
[46] P: “Ó rei de juízo vário, outro novo acordo toma, abraça a lei de Mafoma e não sejas temerário, pois se fizeres o contrário, já toda a paz se desterra e eu serei, na mesma guerra, qual raio fulminante que te reduzirá, num só instante, em cinza ou terra!” Note-se que em R o trecho é de difícil leitura, pela deterioração (o papel encontra-se gasto, manchado e com furos). As conjecturas que proponho derivam da colação com P. Confira-se a edição diplomática de R em anexo.
[47] Nada há de semelhante a esta fala em F e P, muito menos referência a carta da princesa moura.
[48] Não encontro nenhuma outra fonte em que o nome da princesa moura seja este, Zelina. Conforme CASCUDO, 1984, p. 262, “desde o século XV, com incontáveis variantes”, aparecem “as figuras de Carlos Magno, Oliveiros, Ferrabrás, o Almirante Balão, a princesa moura Floripes...” Com efeito, é como Floripes ou Floripa que a princesa é chamada em P e R, além de em todas as demais referências do livro de Niomar Pereira, com apenas duas exceções: a) na cavalhada descrita por Firmo Rodrigues, acontecida em Cuiabá, em 1769, a ação começa com ataque, incêndio do castelo e o rapto de Helena (seu rapto é que motiva toda a ação, sendo ela identificada, por PEREIRA, 1984, p. 25, como a "Helena de Tróia"); b) na cavalhada de Santa Cruz (Goiás), descrita por Mara Públio de Souza Veiga Jardim, em 1980, a princesa é cristã e se chama Angélica (PEREIRA, 1984, p. 76). Conforme Mário de ANDRADE, 1959, 1º tomo, p. 102-103, o nome da princesa, como dos demais participantes (especialmente, para o rei mouro, Ferrabrás), deve-se a influência, no teatro luso-brasileiro, do romance de Carlos Magno e os doze pares de França.
[49] Esperar em campo é fórmula (de sabor arcaico) que, noutros trechos, ocorre em P e F. Compare-se ainda com o congo de Natal: “Si vóis num mandare ritirá vossa tropa que la se acha im campo...”; também com outro congo, também recolhido por Mário de Andrade na Paraíba: “É mim dão Gracía Macúndi (...) que vêio pela defèza da mulata ràínha Zinga-Ambângi, imperàtriz que no campo ti’ spera cum seticentu mí sordado, genti cum’areia, genti cumo furmiga, gente cumo purcevejo na tua cama mais dela!” (ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 81 e 101, respectivamente).
[50] Há exemplos de concitação dos guerreiros mouros em cavalhadas do Rio de Janeiro e de São Gonçalo, nos séculos XVIII e XIX (ver PEREIRA, 1984, p. 23 e 27).
[51] Este discurso não consta de P ou F, nem de nenhuma das outras versões arroladas por PEREIRA, 1984.
[52] ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 84.
[53] ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 80. Sobre as
relações entre as embaixadas de diferentes tipos de “danças dramáticas”, anota
o mesmo autor: “A embaixada é comum a várias danças-dramáticas de fundo racial
ou assunto africano. Persiste em muitas versões da Cheganças dos Mouros. (...) Também nas cavalhadas a embaixada era
de praxe, e, segundo Melo Morais Filho, era comum como entrecho de Reisados, os
ranchos pastoris realizarem representações ‘comemorando as embaixadas dos reis
de Sabá, da Pérsia e da Babilônia a Belém’ ” (ANDRADE, 1959, 2º
tomo, p. 41). Seria importante investigar como entrechos e fórmulas migram de
uma embaixada a outra, como se mesclam e se engendram novas tradições. No mesmo
congo, o embaixador se identifica reiteradamente assim: “Ai, sô enlustre
cavalêro,/ Prisionêro Reis sultão!”, em que a referência a cavaleiro e a sultão são
indícios nada desprezíveis, embora se trate de embaixador “mandado da Rainha
Ginga” (ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 77; sobre a rainha Ginga, filha
do rei de Angola, que enviou embaixada ao governador português João Corrêia de
Sousa, em 1621, terminando por batizar-se, ver ANDRADE, 1959, 2º
tomo, p. 42-48). Não deixa de ser significativo que o embaixador e sua gente
sejam tratados como bárbaros (cf.
“Conhece-me, bárbaro!”, ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 83), uma fórmula
usualmente empregada, pelos cristãos, para designar os mouros (neste caso, bárbaro teria o sentido de pagão, idólatra); e que se fala também
de “peleja contra a Turquia” (ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 89).
[54] Ver anexo 2, abaixo.
[55] PEREIRA, 1984, p. 34. O registro foi feito por Regina Lacerda e o espetáculo deve ter acontecido em fins do século XIX ou inícios do XX.
[56] Ana Curado, Morena (apud PEREIRA, 1984, p. 45). A fórmula “Rei de Apolim” remete para tradições que remontam à Chanson de Roland, onde se afirma que os mouros são politeístas, sendo Apolim (Apolo) um de seus ídolos, ao lado de Mafoma (Maomé). Na abertura do poema medieval, o bardo informa que Carlos Magno já tinha conquistado a Espanha,
“Fors Sarraguce, ki est en une muntaigne.
Li reis Marsilie la tient, ki Deu nen aimet.
Mahumet sert e Apollin recleimet.”
(Menos Saragoça, que fica numa montanha./ O rei Marsílio a tem, o qual a Deus não ama./ A Maomé serve e a Apolim suplica. – Chanson de Roland, I, 6-8.)
[57] ANDRADE, 1959, 1º tomo, p. 151.
[58] ANDRADE, 1959, 1º tomo, p. 181, nota 30.
[59] Este nome para uma “virgem turca” é registrado por Mário de ANDRADE, 1959, 1º tomo, p. 104, em uma Congada de Lambari: “uma virgem turca, roubada ou coisa parecida, pelo capitão de França, chama-se no texto por um cômico bem popular, Angélica Galiana”. Anota ainda o mesmo autor, em nota a essa passagem, que “no ‘Orlando Furioso’, também inspirado nas lutas entre Cristãos e Mouros, a heroína de Ariosto se chama Angélica (...) Os textos em prosa das ‘embaixadas’ das nossas danças dramáticas denotam sempre a intervenção de pessoa semi-culta.”
[60] Cometer, no sentido de propor, é transitivo direto (cf. Camões, Lusíadas VIII, 59). Por isso adoto a lição de R.
[61] A terceira mão procedeu justamente a esta correção em R (ver edição diplomática no anexo 1, folha 3 verso).
[62]
Parece que R evitou a dificuldade desta leitura, criando entretanto uma
variante incongruente, já que não seria razoável que o embaixador mouro
afirmasse que o rei cristão é o rei de
Deus.
[63] A lição de
R também parece derivar de mau entendimento do verso, substituindo toma por tornas.
[64]
O testemunho de R permite que se faça esta correção em P, resolvendo-se o
problema métrico levantado por fizeres.
[65] A variante
de R parece derivar de má leitura de paz como
país.
[66] A introdução do artigo resolve o problema métrico.
[67] A eliminação do relativo e a mudança da pessoa do verbo resolvem o problema métrico (o acréscimo do relativo seria razoável na passagem da forma poética para a prosaica).
[68] O acréscimo de a pó, neste ponto, é sugerido pela fórmula que ocorre em R, 18: a pó, a cinzas, a nada (uma redondilha maior). Registre-se ainda a ocorrência de variante da mesma fórmula do congo de Natal: “virô-se im pó, im cinza, im terra” (ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 95).
[69] Na reconstituição, estarei admitindo a ocorrência de acidentes métricos, como hiatos, sinéreses e diéreses.
[70] Substituí de por a.
[71] Acrescentei a interjeição.
[72] Eliminei o advérbio.
[73] Eliminei a bem.
[74] Adaptei este verso.
[75] Eliminei o
possessivo..
[76] Acrescentei o pronome.
[77] Eliminei a conjunção.
[78] Alterei a ordem das palavras.
[79] Substituí mas por e.
[80] Substituí pelas por às.
[81] Acrescentei o conectivo.
[82] Eliminei o conectivo, a exemplo de como a fórmula se registra em Morena, de Ana Curado, citada acima (com referência à cavalhada de Corumbá).
[83] Acrescentei o conectivo.
[84] Eliminei honras e, a exemplo da ocorrência anterior destes mesmos dois versos, que reconstituo no seguinte.
[85] Acrescentei o pronome.
[86] Substituí o infinitivo flexionado pelo simples.
[87] C registra duas importantes variantes, em verso, deste trecho, a saber:
1. a resposta do rei mouro à embaixada do rei cristão, que assim termina:
Que brevemente há de ver
O clarim romper os ares
Seu sangue regar a terra
Na mais crente guerra
A meus pés se há de render!
2. a resposta do rei cristão à embaixada do rei mouro, que se fecha com os versos:
Que brevemente há de ver
Os clarins romper os ares
Seu sangue correr em mares
A meus pés hão de se render!
É evidente que o penúltimo verso de 1 (na mais crente guerra) foi interpolado, perturbando a métrica e a rima; e que o último verso de 2 teve o metro perturbado pela reordenação da forma primitiva (que era se há de render), bem como pela introdução inepta do plural hão, que deixa o enunciado sem sentido. No congo de Natal, o embaixador usa, duas vezes, a fórmula “e o sangue lavando a terra” (ANDRADE, 1959, 2º tomo, p. 94 e 97). Assim, pode-se perceber como se processa a transmissão e transformação dos textos.
[88] Acrescentei o pronome.
[89] Eliminei o conectivo.
[90] Substituí o que por que.
[91] Acrescentei o artigo.
[92] Alterei a ordem das palavras.
[93] Acrescentei o pronome.
[94] Acrescentei o conectivo.
[95] Repeti embaixador.
[96] Em P, como se vê, a fórmula do primeiro verso não é dirigida ao embaixador, mas ao rei cristão. Entretanto, julgo que se trata da mesma forma que em R inicia com Retém-te, uma leitura difícil, cuja dificuldade P poderia ter resolvido substituindo o verbo. O segundo verso, reconstituo-o com base na fórmula já antes exposta. É curioso que ela rimaria com o termo atrevido, que se regista em R.
[97] Substituí dentro da por na.
[98] Acrescentei o artigo.
[99] Eliminei do.
[100] Eliminei o possessivo.
[101] Nestes dois últimos versos, acrescentei o pronome de primeira pessoa.
[102] Acrescentei a interjeição.
[103] Eliminei o conectivo.
[104] Acrescentei a interjeição.
[105] Acrescentei o conectivo.
[106] Acrescentei o artigo.
[107] Acrescentei o pronome.
[108] Substituí debaixo de por por sob as.
[109] Eliminei o conectivo com que se abria o verso.
[110] Eliminei o possessivo.
[111] A pesquisa, com relação a P, pode ser ampliada, já que se tem uma quantidade maior de texto que em R. Todavia, no momento, tomo o primeiro apenas como ponto de comparação, que permite entender melhor a lição de R.
[112] Castilho, 1858, p. 47-58.
[113] Castilho, 1858, p. 53.
[114] Castilho, 1858, p. 57. Sobre o abandono dos metros até cinco sílabas, nesta última “conseqüência” que deduz de sua pesquisa, Castilho observa: “ainda que na prosa abundem tais composições, o versificador acha sempre no metro curto maior resistência para aí introduzir bom pensamento; dificuldade de si mui grande, e maior se se adverte em que: quanto mais pequeno é o verso, tanto mais parece necessitar de rima”.
[115] As três mãos que interferem no manuscrito serão assim identificadas: a) primeira mão, a que escreve da folha 1 à folha 3 verso, com caneta tinteiro, tinta azul; b) segunda mão, a que escreve as folhas 4 verso, 5 retro e 6 verso, com pena (?), em tinta azul; c) terceira mão, a que faz correções, por todo o manuscrito, a lápis.
[116] A palavra connosco foi pela terceira mão, a qual escreveu, acima da primeira palavra, jonte convos (junto convosco?).
[117] As duas últimas sílabas de convosco foram riscadas a lápis.
[118] Entre esta palavra e a seguinte, acima da linha, a terceira mão acrescentou ilodos. É difícil de interpretar. Talvez se trate de ídolos, o que faria com que o enunciado fosse assim transformado: 1) primeira leitura: sofreremos convosco todas as privações e fadigas do momento da batalha...; 2) leitura corrigida: sofreremos com todos ídolos (?) as privações e fadigas do momento da batalha...
[119] A terceira mão acrescentou entre estas duas palavras, acima da linha: sena (?).
[120] Corrigido pela primeira mão, a qual havia escrito primeiramente colorarmos (exemplo evidente de lapsus manus).
[121] Corrigido pela primeira mão: havia escrito antes divise.
[122] A primeira mão havia escrito originalmente possa; em seguida, corrigiu para posse.
[123] A primeira mão corrigiu de tres para treis.
[124] Entre esta palavra e as seguintes, sobre o aditivo, foi acrescentado pela terceira mão: u qaul (o qual).
[125] Entre esta palavra e a seguinte, acrescentou a terceira mão: q rialsa (que realça?).
[126] Acrescentado acima, pela terceira mão: aú (?).
[127] Entre as duas palavras foi acrescentado, pela terceira mão: s. (esse e ponto).
[128] A terceira mão acrescentou, acima da linha: m (eme).
[129] Idem: aos.
[130] Corrigiu a primeira mão de determinada para determinado.
[131] A primeira mão experimentou alguma dúvida antes de escrever a palavra seguinte. Resta na linha algo semelhante a um jota.
[132] A primeira mão corrigiu de serram para seram.
[133] A primeira mão corrigiu de destriu para destrio (isto é: destruiu).
[134] A primeira mão corrigiu de cristão para christão.
[135] A primeira mão corrigiu de morro para mouro.
[136] Observa-se que nem sempre a primeira mão põe os pingos nos jotas.
[137] A primeira mão corrigiu a forma do m inicial, que parece que começou a ser traçada como a de um v.
[138] A primeira mão escreveu e depois riscou a palavra um.
[139] A terceira mão acrescentou, acima da linha: tudo.
[140] Esta preposição foi escrita pela terceira mão.
[141] Este título encontra-se escrito no alto da folha, pela segunda mão, que transmite o restante do texto.
[142] A segunda mão corrigiu o t inicial (havia antes escrito algo como um p, sem separação com a palavra anterior).
[143] A segunda mão escreveu aqui Zelina, mas depois riscou.
[144] A segunda mão corrigiu de urecebido para arecebido.
[145] Nas duas linhas seguintes, a segunda mão começou a escrever o texto, que depois riscou, começando de novo. A primeira versão era assim:
Fidelissimo rei Catolico, Amparai esta
Atributo
[146] A segunda mão corrigiu de Atrivuto para Atributo.
[147] O termo catolica foi acrescentado acima da linha, pela mesma segunda mão.
[148] Estas quatro palavras foram acrescentadas na entrelinha, pela segunda mão..
[149] A segunda mão corrigiu de Ser para Senr.
[150] A segunda mão corrigiu de mens para meus.
[151] A segunda mão escreveu aqui Como, mas depois riscou.
[152] Foi acrescentada aqui, a lápis, uma vírgula.
[153] A segunda mão corrigiu de aprontar para afrontar.
[154] A segunda mão corrigiu de resebezen para resebecem.
[155] A terceira mão acrescentou, na entrelinha: i viver na lei de Jesus Cristo
[156] A terceira mão corrigiu: de rompida.
[157] Escreveu sem separação amannobras ou, talvez, asmanobras.
[158] Esta última palavra (xeio) foi acrescentada pela terceira mão, acima da linha, entre as outras duas palavras.
[159] Palavra rasurada.