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APRESENTAÇÃO DO LIVRO (orelha) REFABULAR ESOPO, DE DONALDO SCHÜLER (Rio de Janeiro: Lamparina,
2004) Maria Esther Maciel Sabe-se
que a fábula tem a idade da fala. Surgida no Oriente, foi da Índia à China e
à Persia, chegando à Grécia, no sec. IV a.C., graças a Esopo, que reinventou
o gênero à luz do imaginário ocidental. Definida por La Fontaine como uma
“pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade”, e
dotada, segundo Fedro, da dupla finalidade de divertir e de aconselhar, ela
atravessou os séculos com suas estórias protagonizadas por animais e seu tom
sentencioso, tendendo ora ao proverbial, ora ao satírico. E por advir da
tradição oral, nunca deixou de conter traços de oralidade, de
confabulação. Uma nova concepção de fábula, que
mantém com os princípios fixados por Esopo um jogo criativo de afinidades e dissonâncias,
é o que nos traz Donaldo Schüler em seu Refabular Esopo – um divertido
fabulário (ou refabulário) composto de cem narrativas zoológicas, todas
marcadas pela concisão e pela ousadia da linguagem. Se,
por um lado, elas revitalizam o modelo grego a partir do uso estratégico de
uma certa dicção própria do gênero e da retomada de personagens recorrentes
em fábulas do passado, por outro elas dessacralizam a própria idéia de
verdade que sustenta o modelo clássico e carnavalizam – a partir do tom paródico
e malicioso – os princípios de
moralidade inerentes ao conto fabular convencional. Basta dizer que quem assume o papel de contador de
estórias é, como em Macunaíma, de Mário de Andrade, um papagaio
gaiato, de fala híbrida e desafinada, que desde o início deixa claro que seus
contos são recontos e futricas de moral duvidosa. “Moral aqui, imoral ali”,
diz ele no seu “lero-lero” picante, lúdico e, por vezes, lírico. Mas o que se
poderia esperar de um papagaio que leu, às escondidas, o Além do bem e do mal, de
Nietzsche? A
sabedoria que atravessa os contos/causos de Donaldo Schüler é sempre
inquietante e provocativa. Desestabiliza preceitos cristalizados, “buliversa”
a seriedade circunspecta dos moralistas com pitadas generosas de humor (nitidamente
macunaímico), de sátira política e de uma ironia transversa, quase sempre
travessa. Leões, leoas e leõezinhos, raposas rabudas e “rabundudas”,
cadelícias e cachorrões, corujas sabidas, sabiás, gambás, burros, urubus,
cabras, cobras, lobos e javalis são alguns dos personagens desse bestiário
heteróclito, em que se mesclam falares regionais do Brasil, coloquialismos
contemporâneos, trocadilhos joycianos, ditos populares, dizeres eruditos e
gagueiras de papagaio esópico dos trópicos. Ao que se somam ainda os geniais
desenhos de Elvira Vigna, que ilustram/suplementam – com sutileza lúdica e
maliciosa - cada uma das fábulas donaldianas. Tudo, um convite ao riso, ao
siso sem juízo. Uma lição (sem sentenças) de vida livre.
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