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APRESENTAÇÃO DO LIVRO (orelha) A UM PASSO, DE ELVIRA VIGNA
(Rio de Janeiro:
Lamparina, 2004)
Maria Esther Maciel
Uma
obra pode ser medida, como já mostrou Paul Valéry, pela soma ou pelo rigor de
suas recusas. E a palavra “recusa”, aqui, não designa apenas o ato de “não
aceitar” ou “rejeitar” alguma coisa, mas também o de “não se subjugar”, de
“não fazer concessões”. Em
um tempo em que o exercício do óbvio, a repetição de fórmulas e a sujeição às
conveniências do mercado tornaram-se os dispositivos por excelência de boa
parte da narrativa contemporânea, A um passo, de Elvira Vigna,
destaca-se como um dos raros livros de hoje a fazer da recusa – nos vários
sentidos e rigores da palavra – uma de suas linhas de força. Mesmo ao
privilegiar como matéria-prima o prosaico e o banal, enfocando o aqui-agora
do mundo e da realidade brasileira, a violência do cotidiano e a hipocrisia
das relações sociais, o romance mina (recusa), através dos “ácidos, gumes e
ângulos agudos” da linguagem, toda a previsibilidade que subjaz a essa mesma
matéria. Sem deixar de contar uma história (no caso, uma história de
vingança), recusa-se às facilidades da lógica linear e da referencialidade,
optando por um enfoque elíptico e fragmentário das coisas; e sem se furtar ao
coloquialismo, não se presta à mera reprodução espontânea do falar diário,
mas deste ousa extrair, pelo trabalho da escrita, uma sintaxe inusitada, uma
dicção babélica, uma articulação de viés experimental. A um passo recusa-se,
ainda, ao que comumente se espera de um romance: ele pode ser lido tanto como
uma narrativa seqüencial, composta de capítulos curtos e concentrados, quanto
como um conjunto de contos avulsos que se articulam num jogo entre o
sucessivo e o simultâneo, onde cada peça se basta e se encadeia às demais,
abrindo várias entradas e saídas no texto. Para não mencionar o poema do
final, que, a título de posfácio, faz uma espécie de “desleitura” do próprio
livro. Tendo já publicado vários outros romances, todos marcados por um
estilo peculiar (a autora é uma dentre os poucos que conseguem criar uma
linguagem própria, inconfundível, dentro da literatura contemporânea), Elvira
Vigna radicaliza, em A um passo, a sua leitura corrosiva da vida
urbana brasileira dos dias de hoje, vida tempestuosa onde quase todos são
exilados, estrangeiros dentro de seu próprio território. Não por acaso, um
dos personagens do livro se chama Próspero, numa oblíqua (e irônica) alusão
ao protagonista de A Tempestade, de Shakespeare, só que agora visto
como uma espécie de “náufrago urbano”, que vive seu drama ao mesmo tempo em
que o transforma em uma ficção que, por sua vez, se nega enquanto tal. Assim, na soma e no rigor de suas recusas, o livro de Vigna pode ser
considerado um salto, um ir mais longe da escrita, que também desafia o
leitor a dar o seu próprio passo, ou salto, para o século XXI.
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