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UM OLHAR SOBRE
A POESIA MEXICANA CONTEMPORÂNEA
 
- ENTREVISTA COM ALBERTO RUY-SÁNCHEZ -
 

 

                                             Maria Esther Maciel


 
                      

  
 

     A poesia mexicana atual encontra-se sob o signo da diversidade. São muitas as vozes que compõem o seu cenário, muitas as inquietudes que a atravessam. Poetas do corpo, da memória, das raízes culturais, do agora político buscam na experiência da otredad os subsídios poéticos para a sua escrita. Muitos, ainda tentando elaborar, reinventar, negar e cultuar o legado poético e crítico deixado por Octavio Paz. Sobre  estas questões o romancista, poeta, ensaísta e editor mexicano Alberto Ruy-Sánchez nos oferece – na entrevista que se segue –  um lúcido e sensível depoimento. 
     Um dos nomes mais importantes da cultura mexicana atual, com 15 livros publicados (alguns traduzidos para o francês, o inglês, o alemão, o turco e o árabe) e vários prêmios nacionais e internacionais, Alberto Ruy-Sánchez dirige, desde 1988, a primorosa revista Artes de México, inteiramente dedicada ao universo artístico e cultural do México de todos os tempos e que envolve outros projetos editoriais no campo das artes, da cultura popular e da poesia. Tendo vivido na França durante muitos anos, onde realizou estudos de filosofia e cinema sob orientação de Gilles Deleuze, Jean Narboni e Roland Barthes, exerce também atividades como professor convidado em várias universidades norte-americanas. Nos campos da narrativa e da poesia, publicou Los nombres del aire (romance, 1987), La inaccesible (poemas, 1990), Cuentos de Mogador (1994) e En los labios del agua (romance, 1996), Los demonios de la lengua (romance, 1998), De agua y aire ( disco e livro, 1999), De como llegó a Mogador la melancolía (1999) e Los jardines secretos de Mogador. Voces de tierra (romance a sair em 2001). Sua obra ensaística inclui Una introducción a Octavio Paz (1990), De cuerpo entero (1992), Cuatro escritores rituales (1997), Aventura de la mirada (1999), dentre vários outros. 


Maria Ester Maciel: Hoje, com a ausência de movimentos e grupos literários, percebe-se que os poetas de várias nacionalidades não se interessam mais em criar pactos coletivos em torno de um projeto poético específico, mas se dão a liberdade de transitar em vários estilos e tendências, em busca de uma dicção própria. No caso do México, como se dá esse exercício de pluralidade? E quais seriam os traços mais evidentes da poesia mexicana contemporânea?

ALBERTO RUY-SÁNCHEZ: É difícil conhecer o panorama completo da poesia que está sendo escrita no México agora. Toda generalização hoje é mais relativa do que nunca, porque a poesia mexicana está formada por individualidades fortes. A diversidade e a quantidade de poetas e tendências são inegáveis. E a jovem poesia mexicana não olha somente para a poesia mexicana. O cenário é cosmopolita e os poetas no México sempre têm sido, dentre os diferentes artistas, os mais vinculados a outras culturas e outras línguas. Eu quase poderia dizer que uma parte importante do ritual de formação que cada poeta faz para encontrar sua própria voz consiste em se submergir em outras línguas e se deixar influenciar por outras culturas. China e Japão têm sido influências de eleição de vários poetas. É certo que a grande maioria busca seu poeta de eleição no inglês, o qual traduz, estuda, difunde, publica. Quase se poderia dizer  que muitos poetas conhecem melhor outras tradições que a da própria língua. A poesia da Espanha é, em muitas ocasiões, menos conhecida que a dos Estados Unidos. E as grandes figuras da poesia mexicana do século XX deram mostra de insaciável cosmopolitismo e de que é mais importante encontrar uma voz poética pessoal que pertencer a um movimento, a uma estética e mesmo a algum grupo.

ME: Tal cosmopolitismo  não seria um traço constitutivo da poesia latino-americana como um todo, desde o modernismo de Rubén Darío? Pode-se falar de uma vocação para a otredad, inerente à poesia de nosso continente? 

AR: Fazer uma generalização nacional para falar de poesia já é algo excessivo e, no entanto, nós a fazemos, sabendo que se trata de uma convenção, de uma facilidade descritiva. Fazer uma generalização continental, então, é algo ainda mais descomedido. Mas entremos nesse jogo descritivo, reconhecendo que aplicamos nossa margem erro, e digamos que a poesia latino-americana teve consciência de que ela mesma é otredad com relação a outras literaturas que durante muito tempo se consideraram "centrais", como a inglesa e a francesa. Com o tempo, ela criou seu próprio mundo de valores, afirmando sua existência nas margens como um possível novo centro simultâneo. Como na arte barroca, tratou de estabelecer a possibilidade de pensar uma cena cultural com vários centros.

ME: Até que ponto a chamada globalização molda um novo tipo de cosmopolitismo para os poetas latino-americanos do presente?

AR: O cosmopolitismo é distinto em cada época. É fácil pensar que o acesso a uma maior informação sobre a poesia internacional nos faz talvez menos marginais que em outros tempos. Não é um fenômeno novo: já muito antes da existência da Internet, Mac Luhan falava de "aldeia global". E o acesso à informação tem se multiplicado nos últimos anos. Deixará então de ter sentido a própria palavra "cosmopolitismo"?  Não creio que a busca da diferença, da otredad, possa desaparecer. Porém, toma sempre distintas formas.
     Por outro lado, diferentes grupos sociais vivem diferentes globalizações. Nem sequer no mundo globalizado que os mais pessimistas imaginam é possível pensar no desaparecimento da otredad cultural.

ME: Octavio Paz deixou, inegavelmente, um legado poderoso para as novas gerações de poetas mexicanos, sendo seu influxo na poesia contemporânea um dado irrefutável. Como, na sua opinião, os poetas de hoje têm aproveitado a herança paziana? 

AR: Octavio Paz é uma influência determinante para os poetas mexicanos e não apenas através de sua obra poética. Sua obra ensaística tem a poesia como um de seus eixos de compreensão do mundo. A dignidade da poesia é chave de sua obra. Foi o primeiro a fazer uma leitura contemporânea da tradição mexicana. E os caminhos de busca cultural que abriu são muitíssimos. Defendeu a tradução como uma atividade paralela à própria criação poética e muitos jovens assim o têm seguido, criando e praticando. Ele demonstrou que todos os tempos da poesia de todos os lugares podem estar vivos aqui e agora, se um poeta os faz seus. 
     Por outro lado, é certo que sua obra poética tem tido epígonos. Há aqueles que têm confundido o universo da poesia de Paz com o ar que naturalmente se respira. Isso acontece sempre com os grandes artistas. O mesmo sucedeu ao pintor Rufino Tamayo e agora a Francisco Toledo. São imitados sem cessar por uma parte de artistas jovens com mais inocência que criatividade. Aqueles que se deixam influenciar mais profundamente pela obra poética de Paz têm que percorrer muitos caminhos, usar ferramentas muito diversas. O que muitas vezes os conduz ao encontro de sua própria voz.

ME: Paz, certa vez, afirmou que "una tradición que se petrifica sólo prolonga la muerte". Nesse sentido, a reverência epigonal só pode levar à imobilidade do legado paziano, não é mesmo? Você acha que cabe aos herdeiros de Paz também a tarefa de "traí-lo", de negá-lo, como forma de assegurar sua vitalidade e mobilidade para as futuras gerações? 

AR: Na mesma lógica paziana está a idéia de uma relação paradoxal com as tradições. Distanciar-se de Paz é uma idéia paziana. Por isso, entre muitas outras razões, é tão difícil para as novas gerações pensar, escrever fora de seu âmbito. Mas isso é ser fiel ao seu espírito. Os epígonos são fiéis apenas à letra e tal imobilidade deve ser rechaçada.

ME: Considerando o movimento da poesia mexicana que se inicia com o grupo Contemporáneos e que encontra seu momento de fulgor na vasta obra de Paz, qual seria a contribuição poética mais relevante das novas gerações para a cultura mexicana deste novo século?

AR: Creio que isso ainda está para ser visto. É provável que regressem certas tendências relegadas pelas vanguardas, como uma poesia narrativa ao estilo do colombiano/mexicano Álvaro Mutis. Mas não se pode dizer que isso já se manifeste com nitidez.

ME: Em que medida os poetas atuais têm lidado com as questões do desejo, do corpo e da memória?

AR: Profundamente. O desejo e o corpo estão muito presentes. E aparece de uma maneira mais sutil na obra de poetas mulheres. Coral Bracho, Myriam Moscona, Tedi López Mills, María Baranda, dentre outras, e cada uma de maneira muito distinta, têm nos dado poemas notáveis sobre esses temas. E no livro Alejándose Avanza, de Ana Belén López, está um dos poemas extensos mais interessantes e intensos sobre o desejo que já se escreveram recentemente no México.
Em uma outra vertente da poesia mexicana, o amor apaixonado, expresso de maneira muito terrena e direta, é um tema predominante na obra de outro poeta que está entre os que mais influência exercem sobre as novas gerações: Jaime Sabines.

ME: Você poderia falar um pouco mais sobre a contribuição da poesia feita por mulheres para o redimensionamento do cenário poético mexicano do presente? 

AR: A grande maioria das poetas mexicanas recusa a idéia de serem consideradas pelo seu gênero e reivindicam o direito de serem poetas sem classificações sociais. Poetas sem adjetivos. Mais que falar das mulheres poetas em geral, seria necessário assinalar a existência de um número considerável de individualidades poéticas. Obras feitas por mulheres que, no meu entender, têm, sim, um ponto de vista notavelmente mais sutil e sensorial, uma inteligência material distinta.

ME: Como se dá na poesia mexicana atual a relação entre história e memória, na abordagem de suas raízes e tradições?

AR: De novo, com uma grande diversidade de caminhos poéticos. Embora não seja um dos temas predominantes, está presente aqui e ali em várias obras. Os temas pré-hispânicos são freqüentes em muitos poetas. Como é agora o universo indígena, depois de Chiapas. Um presente com uma forte carga de passado. Nestes temas a queda na demagogia e nos estereótipos é fácil e freqüente. Os bons poetas tendem a evitá-los ou subordiná-los a uma dimensão poética pessoal, na tradição de Carlos Pellicer, de Rubén Bonifaz Nuño ou na de Octavio Paz, em "Piedra de Sol".

ME: Haveria algum poeta mexicano contemporâneo que tenha lidado com a questão de Chiapas de forma criativa?

AR: Sim, um poeta de Chiapas, Efraín Bartolomé, viveu todo o começo da rebelião forma intensa e dolorosa. Sua família, como muitas em Ocosingo, seu povoado, foi ameaçada de morte pelos guerrilheiros zapatistas que exigiam que se unissem a eles sob o risco de serem declarados "inimigos da Revolução". Foi testemunha de fuzilamentos arbitrários e seqüestros. Sua poesia adquiriu uma profunda dimensão histórica sem deixar de ser poesia. Na grande maioria de outros poetas que escrevem sobre o tema, abundam os estereótipos épicos à maneira stalinista, ou um populismo retórico bastante melodramático.

ME: Como os poetas mexicanos têm lidado com a proliferação crescente das  novas tecnologias? Estariam eles incorporando essas linguagens de forma eufórica ou tendo com elas uma relação crítica e criativa?

AR: Não sei. Não tenho visto na poesia mexicana atual nem incorporações eufóricas nem relações criativas com as novas tecnologias. O que percebo é que são novos meios para difundir a poesia para além dos livros e para difundir os livros. Mas não tenho notado a influência das novas tecnologias no conteúdo da poesia mexicana. Talvez mais para frente.

ME: Você, enquanto poeta, romancista e ensaísta, se filia a alguma linhagem literária específica? Em que medida a sua narrativa está atravessada pela experiência poética?

AR: Não creio  pertencer a nenhuma linhagem que não seja a do assombro e da reflexão poética. Meus livros são mesclas de gêneros: meus ensaios podem ser lidos como romances documentais; meus romances são poemas extensos em prosa que guardam sempre presente esta frase de Pasolini: "a prosa é a poesia que a poesia não é". Quer dizer, outra forma de poesia. E meus poemas são narrativas fragmentárias.

ME: E quais seriam as linhas de força de seu trabalho literário?

AR: Meus livros exploram o mundo enigmático do desejo. Tanto feminino quanto masculino. Tratam de construir uma literatura erótica que não descreva os corpos se amando, a partir de fora, como fazem os registros narrativos naturalistas, mas de dentro, como quem sai e entra de um sonho perturbador, belo e horrível. Por isso meus personagens são "sonâmbulos" do desejo.
     Uma boa parte de minhas narrativas se situa em uma cidade imaginária, Mogador. Inspirada livremente na cidade de Essaouira, sobre a costa atlântica de Marrocos. Elas tratam de reivindicar (talvez reinventar) a veia arábico-andaluza de nossa cultura. Uma veia "mudéjar", onde a sensualidade das formas é essencial.

ME: Você poderia falar um pouco sobre o seu  trabalho como editor da importante revista  Artes de México?

AR: Em Artes de México, realizamos uma exploração da cultura mexicana, interrogando-a a partir dos belos objetos que aqui foram produzidos. Exploramos com paixão "o mexicano" com um ponto de vista profundamente antinacionalista, mas muito mexicanófilo. A difícil fascinação reflexiva é nossa meta, e nosso método é o da "História das mentalidades". Fazemos "Estudos Culturais" em que a dimensão literária está sempre presente. Por outro lado, tratamos de que cada número de Artes de México seja em si mesmo um objeto artesanal único. 
 

(Texto publicado na Revista Poesia Sempre. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, n.15, nov/dez.2001/jan2002)
 
 

 

Maria Esther Maciel

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