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TÍTULO: LEITURA(S) PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE E/LE COORDENADOR
DO PROJETO: Elzimar Goettenauer de
Marins Costa O ato de
ler implica sempre percepção crítica, interpretação e ‘re-escrita’ do lido. Paulo Freire JUSTIFICATIVA:
O documento Orientações Curriculares para o Ensino Médio (Ministério da Educação, 2006), recentemente publicado, destaca o objetivo de preparar o jovem para a sociedade complexa em que vivemos, atendendo ao artigo 35 da LDB/96 que atribui as seguintes finalidades ao ensino médio: “o aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado”. Em relação às línguas estrangeiras (LE), o documento salienta seu papel educativo, reafirmando a importância de desenvolver o senso de cidadania, e ressalta as teorias de letramento e multiletramento bem como as noções de heterogeneidade da linguagem e da cultura. Pode-se dizer que o documento, em linhas gerais, não apresenta muitas novidades, já que retoma os ideais expostos nos PCNEM, que, por sua vez, recuperaram os princípios de educação libertadora de Paulo Freire. Infelizmente, porém, pesquisas e estudos demonstram que o ensino no Brasil está ainda muito distante de atingir esses ideais. Tendo em vista, por um lado, a distância entre as propostas educacionais formuladas nos documentos oficiais e a realidade e, por outro lado, a responsabilidade que têm os professores na execução dessas propostas, cabe perguntar: ao terminar a licenciatura, os profissionais recém formados estão preparados para enfrentar tal responsabilidade? Temos observado que grande parte dos alunos recém-chegados ao curso de Letras da UFMG, especificamente os matriculados em Espanhol, relata que sua principal expectativa em relação ao curso é aprender a língua (falar, ouvir, ler e escrever), mas apenas a minoria manifesta a expectativa de tornar-se um bom profissional. Podemos supor que o aluno considera a fluência um fator preponderante na formação e que talvez conceba o bom desempenho profissional como decorrência natural do domínio lingüístico. De fato, costuma-se adotar como parâmetro para determinar se o professor está preparado para lecionar o domínio dos conteúdos relativos a sua disciplina e conhecimentos suficientes de didática e metodologia de ensino, ou seja, saber o que e como ensinar; além disso, admite-se que é através da prática que os conhecimentos se solidificam e espera-se que a atuação profissional vá tornando o professor cada vez mais competente na sua matéria. Estamos falando, neste caso, de um tipo de competência que pode ser desenvolvida e avaliada objetivamente, pois, grosso modo, trata-se de saber ou não conteúdos específicos e de saber ou não ensiná-los. Contudo, a experiência nos tem mostrado que a formação de um professor de LE demanda muito mais do que o domínio de conhecimentos específicos – fonético-fonológicos, morfossintáticos, léxico-semânticos, sócio-culturais – relativos à disciplina que está aprendendo para futuramente ensinar. Lembrando aqui as palavras de Paulo Freire (1996: p. 14): “Formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” (grifos do autor), constatamos que a acepção mais ampla e integradora de formar é ainda mais pertinente quando o educando é um futuro professor. Ao enfatizar o papel educativo da LE na escola regular – a saber, “contribuir para a construção coletiva do conhecimento e para a formação do cidadão” (OCEM, p. 131) – as Orientações Curriculares chamam a atenção para o fato de que um ensino “apenas lingüístico ou instrumental da Língua Estrangeira” não cumpre tal papel já que “concentra mais esforços na disciplina/conteúdo”, ignorando os “valores sociais, culturais, políticos e ideológicos” do idioma (OCEM, p. 90). Sendo assim, como desenvolver o senso de cidadania, a capacidade reflexiva e a autonomia intelectual de um futuro professor de LE para que ao final da licenciatura ele esteja habilitado para educar outros indivíduos? A indagação anterior deve levar-nos a estabelecer propostas de ação que contribuam para a formação do professor, de acordo com a filosofia que embasa as Orientações Curriculares, ou seja, habilitando-o a usar e ensinar um idioma, mas proporcionando-lhe também condições de vivenciar projetos de letramento, inclusão e interdisciplinaridade, de posicionar-se criticamente frente à sociedade globalizada e aos avanços tecnológicos, de efetivamente construir sentidos com as palavras, enfim, de identificar seu lugar na sociedade, assumindo a continuidade de seu aprendizado, e assim poder contribuir na preparação de outros sujeitos igualmente críticos e responsáveis. Já pusemos em prática algumas iniciativas no sentido de contribuir
para a formação de um professor mais reflexivo e mais comprometido com a
prática docente: o Projeto de Pesquisa “FormAÇÃO de professores: os
(des)caminhos entre a teoria, a reflexão e a prática”, desenvolvido junto aos
alunos que estão prestes a se formar e atuam ou como professores de espanhol
do CENEX/FALE ou como monitores do Projeto de Extensão “EDUCONLE” (Educação
Continuada de Professores de Línguas Estrangeiras), e o Projeto de Iniciação
Científica “Como formar hoje o professor-leitor-cidadão de amanhã?”, visando
à formação de grupos de estudos (leitura crítica e discussão de textos sobre
autonomia de aprendizagem, educação, ensino-aprendizagem de LE) com alunos
que se matriculam na disciplina Espanhol I. O presente projeto busca somar-se a essas iniciativas e tem como principal fundamento a concepção de que a leitura é um instrumento fundamental para a formação do indivíduo além de ser uma ferramenta básica para o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Tomando como princípio as palavras de Paulo Freire (1988: p. 11-12; 20): A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do
texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das
relações entre o texto e o contexto. ...................... [...] a leitura da palavra não é apenas precedida pela
leitura do mundo mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de
‘reescrevê-lo’, quer dizer de transformá-lo através de nossa prática
consciente. parece oportuno investir
num trabalho específico e sistemático de leitura em língua estrangeira na
graduação visando a: ampliar a leitura de mundo do aluno, através do contato
com outras realidades e do conhecimento de outras culturas a partir de uma
perspectiva crítica; ensejar a reflexão sobre o papel educativo da LE e
conseqüentemente do papel de educador do professor; suscitar a discussão
sobre práticas pedagógicas comprometidas com a construção do conhecimento e
da cidadania; propiciar a apreensão do significado social da linguagem e a
compreensão leitora em LE como processo ativo e criador; oferecer
oportunidade de leitura, reconhecimento e discussão de diversos gêneros
textuais. Dessa maneira, espera-se estimular o pensamento crítico do futuro
professor e contribuir para o desenvolvimento de seu senso de cidadania e de
sua autonomia intelectual. Tendo em vista que para a realização de um trabalho
com tais propósitos são necessários textos apropriados e atividades que
atendam os fins pretendidos, isto é, um material que motive a reflexão
crítica sobre ser professor e, ao mesmo tempo, privilegie o ato da
leitura em língua estrangeira como processo de construção de sentidos; e que
não temos conhecimento de um material com essas características disponível no
mercado, o presente projeto destina-se à elaboração e aplicação de unidades
didáticas cujo eixo serão modelos interativos de leitura para a formação do
professor de espanhol como língua estrangeira (E/LE) e, posteriormente, a
organização de um manual didático com essas unidades que possa ser usado em
disciplinas de Tópicos Especiais em Espanhol, a ser publicado como volume dos
Cadernos Viva Voz (FALE) ou como livro. DURAÇÃO DO PROJETO: 21 meses
(de abril de 2007 a dezembro de 2008) OBJETIVOS Gerais: - Elaborar e aplicar material didático de leitura para
a formação do professor de E/LE. - Promover práticas de leitura e estimular o pensamento
crítico. Específicos: - Relacionar teorias sobre texto e leitura a temas de
interesse pedagógico. - Preparar atividades de leitura com foco na interação
autor-texto-leitor. - Discutir conceitos de educação, ensino-aprendizagem,
cidadania, letramento, ética, etc. - Suscitar a reflexão crítica acerca do papel educativo
da LE e do professor como educador no ensino regular. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
(alguns pressupostos pertinentes e bibliografia) LINGUAGEM A linguagem está
presente em todas as situações do cotidiano, ela permeia as relações dos
indivíduos entre si e destes com o mundo. A própria palavra mundo sugere, na
realidade atual, além de um conjunto de objetos, seres e experiências
humanas, um universo de conhecimentos, informações e recursos tecnológicos
que potencializam a linguagem, aumentando seu impacto sobre a existência
humana. Por isso, torna-se cada vez mais importante desenvolver habilidades
que promovam a inserção e a participação ativa e crítica na sociedade: a
leitura é uma dessas habilidades. CRITÉRIOS BÁSICOS PRA O
RECONHECIMENTO DA LINGUAGEM ENQUANTO TEXTO: DELIMITAÇÃO E UNIDADE (BAKHTIN,
1992; MOTTA-ROTH, 1998) A delimitação se
relaciona com o reconhecimento de que todo texto traz a possibilidade de
causar uma reação no leitor. A unidade se relaciona com a totalidade do
enunciado. A totalidade não está totalmente explícita, cabe ao leitor
apreendê-la através da identificação do argumento central do texto e de suas
formas típicas de estruturação (a linguagem tende a se organizar em formas
textuais típicas a certas situações), e do reconhecimento do intuito, do
querer dizer do autor. GÊNEROS
TEXTUAIS
Ao materializar-se textualmente em uma
determinada circunstância de comunicação, a linguagem se constitui como
gênero. Através dos gêneros textuais construímos representações que criam,
reproduzem ou desafiam conhecimentos e crenças, cooperam para o
estabelecimento de relações sociais e confrontam, reforçam ou reconstituem
identidades. Sendo assim, os gêneros textuais são fenômenos históricos,
estreitamente vinculados à vida cultural e social. Por serem “entidades sócio-discursivas” (MARCUSCHI: 2002, p. 19), os gêneros textuais não são definidos pelos aspectos formais, mas sim pelos aspectos sócio-comunicativos e funcionais. Contudo, em alguns casos as formas podem determinar o gênero; em outros, a situação ou o suporte (ambiente, meio de difusão) o determina. A caracterização do gênero textual pressupõe privilegiar os aspectos discursivos e interativos da língua, sua natureza funcional, e não seu aspecto estrutural. Marcuschi (2002: p. 23)
aponta alguns indicadores para a definição de gêneros textuais: são
realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades
sócio-comunicativas; constituem textos empiricamente realizados cumprindo
funções em situações comunicativas; sua nomeação abrange um conjunto aberto
de designações determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e
função. Alguns exemplos: telefonema, romance, bilhete, instruções de uso,
outdoor, carta eletrônica, artigo de opinião, ensaio, crônica, etc. MODELOS INTERATIVOS DE LEITURA Nos últimos anos têm sido difundidos modelos interativos do processo de leitura que partem de uma concepção de leitura como atividade vinculada à interdependência entre as várias ordens do saber do leitor (interlocutor) e do produtor da mensagem (escritor / locutor): visão de mundo, conhecimentos sintático, lexical, fonológico, textual, etc. O texto é visto como um elemento mediador da interação entre locutor / escritor e interlocutor / leitor para produzir significado(s) e a linguagem é tratada como um sistema de representação de sentidos e de construção de relações sociais entre participantes de um determinado contexto. Sob este enfoque, o leitor passa de sujeito passivo a participante ativo / crítico do processo de leitura porque constrói e reconstrói interpretações possíveis a partir das informações recebidas. O
leitor será cada vez mais crítico à medida que desenvolver as habilidades
necessárias para visualizar e apreender o texto como um todo. “Essas
habilidades combinam aptidões de ordem diversas (visual, lexical, gramatical,
semântica, discursiva, etc.)” e contribuem para uma postura não-ingênua
“frente ao poder persuasivo de qualquer texto e das visões de mundo inscritas
na leitura” (MOTTA-ROTH, 1998: p. 26). CARACTERÍSTICAS QUE PODEM SER EXPLORADAS NOS TEXTOS: Características
visuais: materialização gráfica (letras, figuras, diagramação, etc.) Características textuais: materialização lingüística
(estruturas morfossintáticas, léxico, coesão, coerência) Características discursivas: propriedades dialógicas do
texto, isto é, a capacidade de veicular idéias, opiniões, informações
permeadas por conhecimentos acumulados e visões de mundo. CRITICIDADE
(FREIRE, 1996) Segundo
Paulo Freire, ensinar exige criticidade. Na diferença e na “distância” entre
a ingenuidade e a criticidade não há ruptura, mas sim superação. A superação
se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade,
se criticiza. Ao criticizar-se se torna curiosidade epistemológica: A
curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de
algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como
sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital.
Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe
pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a
ele algo que fazemos. (1996: p. 32) BIBLIOGRAFIA BÁSICA: BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo,
Martins Fontes, 1992. DIAS, R. et al. Aprender
a aprender: metodologia para estudos autônomos. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2006. FREIRE, Paulo. A
importância do ato de ler. 22ed. São Paulo: Cortez, 1988. _______. Pedagogia da
autonomia. 34ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. Karwoski, Acir et al. (org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. União
da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. Cap. 1, p. 17-34. KOCH,
Ingedore V., ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006. KLEIMAN,
Ângela B., MATENCIO, Maria de Lourdes M. (Org.). Letramento e formação do
professor: Práticas discursivas, representações e construção do saber.
Campinas: Mercado de Letras, 2005. LEFA, Vilson. Produção
de materiais de ensino. EDUCAT. Lima, Regina Célia de C. P. (Org). Leitura: múltiplos olhares. São Paulo: mercado de Letras, 2005. MAGALHÃES, Maria
Cecília C. (Org.). A formação do professor como um profissional crítico. Campinas:
Mercado de Letras, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antonio. “Géneros
textuais: definição e funcionalidade”. In: DIONISIO, Angela Paiva et alii
(Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002,
pp. 19 a 36. MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C.
(Orgs.). Hipertexto e gêneros textuais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. MEURER, José Luiz,
MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs.). Géneros textuais. Bauru, SP: EDUSC, 2002. MEURER,
José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Desirée (orgs.). Gêneros: teorias,
métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005. MOTTA-ROTH, Désirée (Org.). Leitura em língua estrangeira na
escola: teoria e prática. Santa Maria: UFSC.
1998. SOARES,
Magda. Letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. |
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