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Fronteira e território em Colônia Cecília e Cinema
Utoppia[1] Sara Rojo.
Comunicação oral no IVCongresso do Abrace Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)/ CNPq GT:
Territórios e fronteiras
Palavras chaves: Fronteiras, performance, teatro Em tempos de
“desterritorializações” podemos re-pensar, a partir de um novo foco, peças
como Colônia Cecília da brasileira Renata Pallottini e, assim,
analisar nela não só o fato histórico da presença dos emigrantes anarquistas
em Paraná, senão a fronteira permeável entre a história, a memória e a arte
presentes na obra. Por sua vez,
pode-se, em peças como Cinema Utoppia do chileno Ramón Griffero,
analisar o caráter pluri-lingüístico de um objeto de arte que se abre a
diversos códigos de maneira não hierárquica para falar, por exemplo, da perda
dos espaços comunitários dentro de um corpo social fragmentado até mesmo
territorialmente. Cabe
assinalar que neste estudo fazemos uma vinculação entre estas práticas e o
pensamento libertário ou anarquismo e que entendemos essa ideologia em seu
amplo espectro, mesmo porque “Era próprio dos anarquistas se referirem à
história do anarquismo como a do desenvolvimento do espírito antiautoritário
através da história da humanidade” (TOLEDO,
2004: 41). Por sua vez, que assumiremos a história no seu duplo
sentido: “conjunto de acontecimientos de la sociedad y conjunto de enfoques
sobre estos”. (RICCEUR, 2000:399) Raymond
Aron afirma que “no existe una realidad histórica, totalmente hecha antes de
la ciencia, que convenga reproducir simplemente con fidelidad. La realidad
histórica, porque es humana, es equívoca e inagotable.” (ARON, in
RICCEUR, 2000 : 435). Se aceitarmos
essa tese, a validez de nossa crítica em contraponto entre a representação
feita do anarquismo em Colônia Cecília com a história ainda é
maior. Dessa maneira, seguindo Aron,
podemos entender representação e, logicamente, peformance como categorias
epistemológicas. A obra Colônia Cecília de Pallottini (1984) permite opor as razões
dadas na peça sobre o fim da experiência anarquista de Colônia Cecília e as
que aparecem nos textos históricos.
Colônia Cecília foi uma comunidade anarquista entre os anos 1890 e
1894 no Paraná. O grupo estava
composto por italianos que embarcaram em 1890 no navio Città di Roma e que
foram coordenados nesta experiência por Giovanni Rossi que faz sua própria
representação discursiva no fim da mesma.
Rossi, quando escreve um balanço em Quaderni della liberta (1932)
com o significativo título “Uma experiência incompreendida”, questiona as críticas
que circulam sobre anarquismo e, logicamente, sobre Colônia Cecília: “Dizem
que em clima de anarquia ninguém gostaria de trabalhar. Ali um grupo de
camponeses desbravou e plantou três grandes faixas de terra, outros
construíram um forno...”(ROSSI in
PALLOTINI, 1987: 111) A modo de contraponto, citamos um artigo de Isabelle
Felice[2]
onde a autora, partindo de uma análise histórica de Colônia Cecília
fundamentado com dados e depoimentos, crítica a experiência e suas
interpretações artísticas; questiona por exemplo às colocações de Zélia
Gattai (1991) na obra Anarquistas, graças a Deus e o mundo apresentado
no texto dramático de Renata Pallottini por idealistas. Nossa leitura é
que a Arte, especialmente aquela que tem um caráter performático no senso de
resgate de um sentido perdido (Richard Schechner), constrói e é construída
pelos imaginários sociais e dessa maneira perfura as fronteiras entre a mesma
e o pensamento histórico. Portanto, acreditamos que Colônia Cecília
representa nostalgicamente uma experiência histórica, tanto porque na
dramaturgia está presente o sentimento de que essa experiência poderia ter
mudado a história do Brasil quanto porque
já está presente no imaginário popular essa possibilidade: Rossi (...)Aqui ficou
nossa ponte de vidro Aqui ficou nossa
fruta formada E a safra do
milho. E agora somos
nós Agora nossa voz Agora nossa
humílima partida. Se deus houver
adeus Se não houver um
deus Então tudo é
finito e infinito. Saibam que eu
sou minha medida Saibam que eu
dei minha vida Para quem vem no
novo dia. Para quem passa
a nova ponte Para quem busca
a nova fonte Da Utopia Da Anarquia...(
PALLOTTINI, 1987:77-78) As palavras de
um dos integrantes de Colônia Cecília, Gigi Damiani, na Itália antes de
morrer em 1953, favorecem a tese da presença do imaginário paralelo ao
histórico-oficial: “Mesmo mudando de idiomas falava-se a mesma linguagem,
cantavam-se as mesmas canções, erguiam-se as mesmas barricadas”. (DAMIANO in KUPPER, 1993: 7) Podemos dizer,
assim, que o imaginário social resultante da experiência vivida se constrói e
é construído tanto pelo fato quanto pela Arte. Esta descoberta permite debater as fronteiras nas
representações da história e da ficção sobre um fato histórico e o papel dos
intelectuais e artistas nos processos sociais, questão bastante relevante no
debate atual.[3] Por um outro lado, podemos observar que
a crise dos paradigmas socialistas, nas últimas décadas, gerou algumas
tendências no teatro de pesquisa latino-americano: a negação de toda utopia e uma procura por “ideologemas” que
rompessem tanto com o modelo de teatro burguês (representado geralmente pelo
realismo stanislavskiano) quanto com o teatro engajado das décadas de 60 e
70. Esta última tendência estimulou uma re-visita ao pensamento libertário ou
a práticas que poderiam ser vinculadas a ele. Por exemplo, o teatro
pós-moderno chileno no qual se insere o Ramón Griffero foi um teatro
resistente à ditadura de Pinochet.
Sabemos que na produção de um espetáculo intervém uma série de outros
textos, como por exemplo, as “partituras” criadas na montagem e, sabemos
também, que essas partituras se expressam nas relações que existem entre os
diversos enunciadores de um texto teatral. Por tanto, pode ser que a relação
com o anarquismo, enquanto ideologia ou estética, se estabeleça nesse patamar
e não no texto escrito. Por essa razão, no segundo texto que nos interessa
apresentar, Cinema Utoppia, enfatizamos a estética de construção do
texto (não-hierárquica) proposta por Griffero na década dos anos oitenta no
Chile. Griffero,
no seu Manifesto de 1985, Como
en los viejos tiempos, rompe, em primeiro lugar, com o teatro engajado
anterior citando a Vicente Huidobro: “Qué sacaron con escribir sobre obreros
y revoluciones si lo hacían con la
técnica del Realismo burgués “y si yo le canto al avión como Víctor Hugo,
seré viejo como él”. Vicente Huidobro”.
(www. griffero.cl 5 de outubro de
2005) e, em segundo lugar, postula suas próprias teses libertárias: Hay que cambiar los códigos y las imágenes de la
forma teatral para no hablar como
ellos hablan, para no ver como ellos ven, para no mostrar como ellos
muestran. Toda renovación del acto teatral conlleva una
renovación social y cultural. Si este logra hacer vislumbrar en el
espectador, lo que está en el límite de su pensamiento posible- impuesto...
con la acción teatral conquistará otro milímetro de lo imposible, quitándole
otro milímetro al poder.( (www.
griffero.cl 5 de outubro de 2005) Partindo do princípio de que cada sistema teórico
possui ideologias, imagens constituintes de uma visão cultural que orienta a
sua produção artística e leituras realizadas dentro desse sistema, a estética
de escrita e de palco de Cinema Utoppia,
possibilita realizar uma pesquisa sobre novas formas cênicas e criar uma
poética de construção de imagens de um texto, na qual todas as linguagens –
da iluminação, do som, da plástica dos corpos – constroem partituras, produto de uma reflexão-prática estética
conjunta. Essa poética entende que todas as linguagens, incluindo o espaço,
constroem o sentido da peça e por isso procura uma forma de trabalho que
elimine as fronteiras e hierarquias. Essa estrutura, segundo nossa
análise, se vincula com alguns
princípios levantados pelo anarquismo. Outro tópico que estas peças abrem, precisamente por seu caráter
performático de resgate, é a discussão sobre a memória traumática no
corpo. Sabemos que a questão da
memória tem sido fonte constante de debates culturais e políticos na América
Latina. Partindo dessa premissa, podemos dizer que Colônia Cecília e Cinema
Utoppia se constituem como formas de resistência contra as políticas de
esquecimento. Essas criações teatrais tomam como referente a ser apresentado
situações dramáticas que se opõem a práticas repressivas em termos
ideológicos, e capitalistas, ou neoliberais, em termos econômicos. Dessa
maneira, questionam a visão hegemônica que traz apenas uma leitura do
passado. As proposições da teatralidade de autores como os escolhidos
marcam uma diferença na medida em que através delas vemos que a performance,
no sentido de Schechner (resgate de um sentido perdido, presente em diversos
tipos de espetáculos), possibilita re-ver o papel da Arte na construção de
nossos imaginários sociais e históricos, as representações unilaterais do
passado e as linguagens e funções dentro de um espetáculo com fronteiras não
permeáveis. Bibliografia
ARNONI, Antonio. Libertários
no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CORRÊA, Mariza. Cadernos AEL.
Operários e anarquistas fazendo
teatro. Campinas: IFCH, 1992. GRIFFERO, Ramón.Home page. http:www.griffero.cl, 5 de outubro de 2005. KUPPER,
Agnaldo. Colônia
Cecília. São Paulo: FTD, 1993. PALLOTTINI, R. Colônia
Cecília, Porto Alegre: Tchê!,1987. ROSSI, Giordano.
Manifesto in Pallotini, Renata. Colônia Cecília, Porto Alegre:
Tchê!,1987. PAVIS, Patrice.
Una nozione piena d’avvenire: la sottopartitura. Drammaturgia dell'attore
in DE MARINIS, Marco. Colonia: I Quaderni del Batello
Ebbro, 1998. RICCEUR, Paul. La
memoria, la historia, el olvido. Buenos Aires. Fondo de Cultura Económica
de Argentina. 2000. SCHECHNER, R. Magnitudini
della performance. Roma:
Bulzoni, 1999. SANTIAGO, Silvano. O cosmopolitismo do pobre.
Belo Horizonte: UFMG, 2004. TOLEDO, Edilene. Anarquismo e
sindicalismo revolucionário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. |
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[1] Publicado nos anais do IV Congresso de
Abrace. Rio de Janeiro: UniRio, 2006.
[2] Conferir A verdadeira história de Colônia Cecília de Giovanni Rossi, Cadernos AEL. Anarquismo e anarquistas. 1998.
[3] Silvano Santiago aponta que “A política e a cultura rebelde de cada dia cujo perfume privado exala no espaço público. Ela não é mais manifestação coesa e coletiva de afronta ideológico partidária” SANTIAGO, 2004, p.138.