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Mayra Prates
 

 

Telatexto, leitura e educação: caminhos da subjetividade

Wilson F. Correia

Doutorando em Educação no PPGE/FAE/UNICAMP e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação PAIDÉIA, na área de História, Filosofia e Educação. Linha de Pesquisa em Ética, Política e Educação, onde desenvolve o projeto de pesquisa Ensino de filosofia: o problema do endereçamento curricular de ética nos PCN. É autor, dentre outros, do livro Saber ensinar (São Paulo: EPU, 2006) e do artigo "Docência: ensinar autonomia ou heteronomia?". wilfc2002@yahoo.com.br


Débora C. M. Barbosa

Mestre em Ciências Médicas (Sistemas de Informação em Saúde) pela FMRP/USP. Cursou especialização em Formação Pedagógica pela ENSP/FIOCRUZ/USP. Bacharel em Enfermagem pela EERP/USP. Coordenadora e professora do Curso de Enfermagem da FACICA. deboracmb@yahoo.com.br.


Resumo

O presente artigo tem como tema a formação da subjetividade pelos caminhos da leitura de telatextos. Evidencia a importância do oferecimento de possibilidades de interação entre estudantes e computador como caminho para a formação do cidadão planetário da era globalizada, sob o pressuposto de que é necessária a democratização do acesso à informática. O artigo desenvolve uma análise bibliográfica para buscar o objetivo proposto,concluindo que os benefícios de uma educação inovadora, que prevê a leitura de telatexto como estratégia de formação humana, são vários e superam as restrições a esse meio de formação da subjetividade.

Palavras-chave: telatexto, leitura, educação da subjetividade.


Introdução

Se eu fosse objeto, eu seria objetivo. Como sou
sujeito, sou subjetivo.
Baptista

Como a maioria das pessoas, fomos entrando no universo da leitura à medida que fuçávamos papeizinhos rua afora com escritos que enchiam nossos olhos e nos faziam seduzidos pelo que neles estava registrado. O contato com a folha escrita era mágico, provocava-nos a curiosidade e a vontade de decifrar as mensagens que portava, as histórias que contava, os poemas descrevendo sentimentos que povoariam nossa subjetividade. Aprendemos a ler assim: em qualquer lugar de nossas casas, no terreiro, nas bibliotecas escolares, nas vias e trilhas da vida. À medida que íamos aprendendo, seres diversos vinham povoar nossa mente, desvendávamos o mundo, a sociedade, a vida e dávamos contornos a pensamentos e emoções que nos fariam letrados. Naqueles começos de aprendizagem do ato de ler, experimentávamos a leitura como a saudável "forma de felicidade" de que fala Borges(1).

E hoje, como os leitores se posicionam diante do livro? Posicionam-se apenas perante o livro? Não, pois vivemos em uma sociedade letrada que faz das palavras e das imagens suas marcas fundamentais. Por todo lado que vamos, lá estão o texto e a ilustração, a mensagem e o discurso, sempre à espreita de nossos olhos. Roubam-nos a atenção. Pedem concentração. Esperam a entrega significante. Exigem que nos envolvamos para que possamos captar o que têm a dizer. E gostamos disso porque assim sentimo-nos integrados à sociedade tecno-simbólica de que fazemos parte. E aí entra o computador, com tela, imagens e textos, os quais demandam nossas capacidades cognitivas para realizarmos as tarefas mais triviais do dia-a-dia. O computador é outro locus de leitura para todos nós.

Como podemos notar, os suportes variam e agigantam-se os materiais a serem lidos, razões pelas quais entendemos que o tamanho da nossa leitura delimita o tamanho da nossa compreensão do mundo. Ademais, pensar a formação humana sem o componente da leitura parece-nos fora de lugar, pois desde que entramos na escola estamos buscando ferramentas úteis a nosso desenvolvimento global. E aí a leitura se torna indispensável à condução dos processos de sociabilidade nos quais nos mergulhamos. Como pensar o ser humano que não lê? A leitura não é fundamental à educação e à mediação da convivência entre os homens? Não é por meio da leitura que entramos em contato com uma parte significativa da cultura, de nosso jeito humano de ser/estar no mundo? Como imaginar o cidadão que não se informa sobre seu entorno? É possível imaginar alguém que não busque informações, conhecimentos e saberes por meio do ato de ler?

Essas perguntas evidenciam que, se considerarmos a educação como a via pela qual o homem e a mulher se fazem humanos, e se entendermos que a leitura é uma atividade elementar nesse percurso, por conseguinte temos que admitir que a tela e o texto podem ganhar relevância isonômica em comparação com o livro e outros materiais escritos nos meios educacionais. O computador, a tela e o texto são recursos de que não podemos abrir mão na alfabetização, no letramento e em outros níveis da educação formal. Não utilizá-los pode representar exclusão de um contingente significativo de indivíduos da formação formal e informal.

Considerando o exposto, neste artigo vamos tratar da questão da subjetividade, lembrando que educação, tela e texto são caminhos profícuos para sua formação. Empregamos aqui a metodologia da análise de conteúdos bibliográficos, visando ao debate e à reflexão sobre a temática adotada. Ao final, após uma breve nota conclusiva, dispomos a lista das obras consultadas e referenciadas na realização do presente artigo. Nosso intuito é o de que este estudo contribua para o debate sobre a temática proposta.


Que é isto, a subjetividade?

Segundo o dicionário Priberam, a subjetividade envolve o que é subjetivo, originado do latim subjectivu e se refere ao que é "relativo ao sujeito", ao "que é existente nele"; ao "que se passa na consciência", ao "que é próprio de um ou de vários sujeitos" e "pode não ser válido para todos" por "ser subjetivo". Subjetividade implica a idéia de sujeito pensante e consciente, contrapondo-se a objeto e a objetivo. Referir-se à subjetividade é, ainda, aludir ao sujeito em sua existencialidade no mundo entre os humanos.

No entanto, verificada a história, notamos que durante a Idade Média o homem e a mulher não foram compreendidos em sua condição ontológica holística e integral. À época, ressaltava-se que o humano era matéria e espírito, como uma derivação do dualismo presente na filosofia grega antiga, que representava o homem e a mulher como realidades bipartidas em corpo e alma, tal qual água e óleo. A alma e o espírito estão no corpo, mas não são admitidas como expressão de um único e mesmo ser, pluricaracterizado e complexo (PLATÃO, 1980). Não sabiam eles que, como disse Adélia Prado, "sem corpo a alma não goza" (2).


Mas Platão valorizou a alma, ao passo que os medievais destacavam a importância do espírito no ser humano. Chegada a Modernidade, Descartes atribuiu centralidade à razão, à racionalidade, à consciência raciocinada de si, operação conceitual que reedita aquela dualidade antiga e medieval em outras bases. Em Descartes, esse dualismo é patente.


Para Descartes, o ser humano é plenamente soberano de sua atividade racional. Assim estabelecido e autoidentificado, o sujeito cartesiano tem em sua interioridade o núcleo que constitui sua subjetividade. Ela parece ser a-social e a-histórica porque seu detentor é o sujeito plenipotente graças à racionalidade(3).


Essa a-historicidade da consciência, que não contempla homens e mulheres concretos corporalmente, redunda em uma posição que ficou conhecida no campo da filosofia como dualismo psicofísico, o qual situa em lugares ontológicos diferentes o corpo e a alma, a matéria e o espírito, a razão e a emoção, o corpo e a mente, como fez Descartes ao produzir filosofia. E como se deu isso à cartesiana?


Descartes inicia seu trabalho duvidando de tudo, submetendo seres e coisas ao tribunal da dúvida racional. Por esse caminho, almejou chegar a uma verdade tão fortemente marcada por certeza, clareza e evidência racionais, que não pudesse ser colocada em dúvida. Nesse processo, ele transforma sua dúvida em método. Duvida então do senso comum, dos argumentos de autoridade, dos sentidos, da consciência, do raciocínio, da existência de Deus, de si mesmo, de seu próprio corpo e do mundo. Ao duvidar de tudo, René Descartes descobre a si mesmo como ser que duvida e que, para duvidar, pensa:

Se duvido, penso; se penso, logo existo. pensei que era necessário (...) rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito que fosse inteiramente indubitável. (...) Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava(4).


Desse modo, Descartes chega ao fundamento filosófico que o guia em toda a sua produção filosófica, o qual se resume na certeza absoluta sobre a existência do ser pensante que era ele próprio. Faz-se a si mesmo um eu que se identifica ontologicamente com o pensamento, torna-se o ser pensante. O corpo fica em segundo plano, só vindo a ser admitido como existente em um segundo momento. Aliás, de maneira semelhante à dualidade antiga e medieval, em que alma e espírito estão descolados do corpo e do mundo, também em Descartes o raciocínio, o pensamento e a mente são apenas faces de um ser pensante que não se insere na concretude da existência nem participa das vicissitudes da vida concreta dos homens e mulheres reais. Terminado o percurso, a mente estava de um lado; o corpo, de outro. Eis então o sujeito cindido em seu próprio ser, dicotomizado, novamente dualizado e divorciado de si mesmo, como o fizeram os gregos e os medievais.


Entretanto, se por um lado a subjetividade diz respeito àquilo que o sujeito é de maneira autônoma em seu universo interior, com sua capacidade de tomar consciência, de elaborar juízos de realidade e de valor, de tomar decisões e de agir como um ser-no-mundo, ela também tem a ver com a dimensão exterior desse sujeito, referindo-se às facetas sociais e culturais da vida humana. Assim, a subjetividade se estende ao que diz respeito ao relacionamento do homem com a natureza, a sociedade, a cultura, a economia, a política, enfim, estende-se ao mundo, numa interação que é sempre mediada por crenças, valores e princípios sem os quais não poderíamos falar sobre os modos de percepção individual e compartilhada daquilo que consideramos realidade.

Assim entendida a subjetividade, soa-nos enfraquecida a posição que a aparta e a toma como composta por dimensões estanques, situando-a de um lado como expressão da interioridade, referida ao interno, espiritual, individual, sentimental e emocional, e uma outra que se daria por meio da compreensão de que ela tem a ver com o que é externo à consciência humana, a qual implicaria a perspectiva objetiva circunscrita ao lado de fora, material, coletivo e prático do humano. Reconhecer, pois, que há uma dialética entre essas duas esferas parece-nos crucial ao entendimento daquilo que podemos compreender por "subjetividade". Ora, essa dialética não se realiza unicamente na dimensão interior da pessoa, fora dos processos de sociabilidade, os quais têm na educação um de seus eixos centrais de concretização. Segundo Brandão,


a subjetividade engloba todas as peculiaridades imanentes à condição de ser sujeito, envolvendo as capacidades sensoriais, afetivas, imaginativas e racionais de uma determinada pessoa. Toda pessoa é uma complexa unidade natural e cultural. Mais que um corpo com funções biológicas e psicológicas com capacidades de transformar o seu meio pelo trabalho e pela linguagem, o ser humano é uma unidade de necessidades, desejos, sentimentos, angústias, temores, imaginários, racionalidades e paixões. Da mesma forma como não podemos considerar o homem apenas como um animal racional, também não podemos reduzir a subjetividade a uma dimensão meramente cognitiva, a uma consciência, desconsiderando todas as demais facetas da complexa interioridade de cada um (5).


Nesse sentido, subjetividade é algo imanentemente relacionado ao sujeito, constituído de um ser complexo que, se tiver apenas uma de suas dimensões consideradas, pode fugir de nosso entendimento e de nossa compreensão. Se assim fizermos, corremos o risco de não compreendê-lo em sua complexidade, nem de encaminharmo-nos rumo à aproximação daquilo que o constitui, replicando na atualidade algo semelhante ao reducionismo verificado na Antigüidade, na Idade Média e na Modernidade. O ser humano e sua existência são de tamanho emaranhado de limites e possibilidades que qualquer circunscrição deles nas fronteiras estreitas dos atalhos antropológicos só produz encurtamento, apequenamento e distorção daquilo que eles são: serem íntegros em sua constituição multifacetada, sempre imatura, incompleta e projetada ao infinito.


Dessa maneira, nosso desafio é o de investigarmos o humano inserido no mundo como ser bio-psíquico-mental-social, com um endereço em uma sociedade e com uma dimensão espiritual que de algum modo compartilha a cultura do povo ao qual pertence, sofrendo sua história nas inevitáveis perspectivas econômicas, sociais, culturais e ideológicas. Destaca-se nessas características o pressuposto de que é por meio da sociabilidade e da educação que o homem e a mulher formam sua subjetividade, tornam-se humanos distintos dos demais existentes, porém, em contínua interação com tudo o que os cerca. Desconsiderar que o homem e a mulher são, mundana e socialmente, contextualizados parece-nos temerário pelo fato de, assim procedendo, não darmos conta de suas especificidades complexas.


Para enfrentar o problema da complexidade e da fragmentação da subjetividade, citamos Morin. Ao propor sete saberes necessários à educação do futuro, Edgar Morin entende que a educação deve enfrentar sete "buracos negros" que lhe são próprios: 1. o fato de não ensinarmos "o que é o conhecimento", de modo a combater o erro e a ilusão; 2. a verdade de que não ensinamos um conhecimento pertinente, pois mutilamos disciplinarmente os objetos de estudo; 3. o buraco referente à identidade humana, permanentemente "ignorada pelos nossos programas de instrução"; 4. a constatação de que nunca ensinamos como compreender uns aos outros; 5. a certeza da incerteza, nem sempre honestamente admitida porque ensinamos apenas as "certezas"; 6. a realidade de nossa condição planetária da era da globalização; 7. o problema antropo-ético, sobretudo "porque os problemas da moral e da ética diferem entre culturas e na natureza humana"(6).


Ora, que sujeito e que subjetividade Morin pressupõe, ao propor uma educação assim tão preocupada em articular local e global, singular e plural, especificidades e diferenças, verdades e ilusões, conhecimento aberto e disciplinar, a identidade humana ignorada e a ser construída, autocompreensão e entendimento do outro, certeza e incerteza, ética e antropologia? Será esse o homem dualizado da tradição sábia do Ocidente? Aquele a que nos referimos momentos antes, ora compreendido mais como alma do que corpo, mais como espírito do que materialidade, ora, ainda, delimitado à realidade mental, a uma consciência, em detrimento de sua dimensão biológica, dos sentimentos, da intuição e da emoção? Ao que nos parece, não é esse o sujeito da educação preconizado por Morin, haja vista que a pessoa humana que habita a diversidade do mundo, que vive a complexidade histórica e necessita de informações, conhecimentos e saberes complexos é, ela própria, um feixe de complexidades.


Recusando explicitamente o cariz metafísico e antropocêntrico da noção de sujeito, Morin descortina, na esfera do pensamento consciente do homem, a revelação daquilo que constitui a natureza de todo sujeito: a auto-referência, o egocentrismo e a auto-trans-cendência. Enquanto conceito multidimensional, o sujeito tem de ser apreendido, simultânea e inextricavelmente, nos planos lógico-organizacionais (pelo seu caráter auto-reirente e pela sua inerência ao processo de auto-(geno-feno-ego)-organização) e ontológico-existencial (por, através da dimensão egocêntrica, ser essencial à definição do ser vivo, ao mesmo tempo que a sua práxis o mergulha na precariedade e nas contingências da existência)(7).


Admitida a complexidade ôntica do humano, uma educação que atenda a suas demandas, suas necessidades e seus desejos deve pautar-se por uma concepção teórico-metodológica pluri-epistêmica, multidisciplinar, transcurricular, póli-recurcional e interinstrumental. Deve dirigir-se a um homem e a uma mulher não mais encarcerados em si mesmos, em sua alma, seu espírito ou sua racionalidade mas, na era da globalização e mundialização de processos e relações, em que tudo parece ter a ver com tudo e todos se relacionam com todos, essa educação deve visar ao sujeito compreendido como cidadão do mundo, terráqueo planetário, portador de possibilidades de experiências não apenas territorializadas em seu local de nascimento. O humano complexo da atualidade pode conjugar a experiência do aqui e as variadas possibilidades de vivenciar processos de natureza global.


Então podemos pensar o computador, sua tela e seu texto como meios para a educação e como caminhos para a formação da subjetividade nos dias atuais, uma vez que ele é o elo entre o ser humano e as mais variadas formas de experiências culturais ao redor do planeta Terra, povoado de informações graças ao computador.


E isto é realidade, nos mais diversos campos do conhecimento humano, tornando-se lugar comum dizer que vivemos na "era da informação". (...) Sem nenhuma dificuldade, identifica-se uma infinidade de situações cotidianas em que as informações são utilizadas para orientar a tomada de decisão. Assim, elas estão sempre presentes em nossas vidas e participam de diversas decisões do cotidiano(8).


Informações, decisões e cotidiano se articulam graças à tecnologia, e o computador é um elemento dela. Não compreender a importância dessa tecnologia é renegar um bem produzido pelo próprio homem, o qual pode ser potencializado por ele em multiusos a seu próprio favor, em prol de seu desenvolvimento humano, cultural, político, econômico, ecológico e profissional, dentre outros.


Telatexto e leitura: caminhos identitários da subjetividade

Talvez um referencial teórico que pode nos ajudar a entender a relação proposta no subtítulo acima seja a teoria educacional sócio-intereacionista de Lev Vygotsky, o qual insere a concepção dialética no processo educacional por entender o homem como ser social, locus de construção e exercício da subjetividade. Nesse sentido, a sociabilidade em meio à cultura e a vivência de circunstâncias propriamente humanas se tornam elementares para a formação de subjetividades individuais e sociais.


Não é sem motivo que Vygotsky (2002), ao considerar o processo de ensino e aprendizagem, enfatiza as relações humanas no âmbito educacional, no contexto das interações de homens e mulheres com o ambiente físico-sócio-cultural-político e ideológico, atribuindo importância ao uso de instrumentos no desenvolvimento da linguagem, com especial destaque para a ação produtiva no mundo do trabalho como forma capital de a pessoa interagir com a natureza visando a transformá-la, fazendo dessa relação o percurso da própria formação numa perspectiva subjetiva. Desse modo, não há um momento em que a dimensão biológica e cognitiva do indivíduo alcance maturidade para conhecer, pois a preparação para o aprendizado vai ocorrendo durante o processo de aprendizagem, envolvendo o intra e o interpsicológico, a relação educativa sem a qual não se pode falar em atenção, memória e formação de conceitos.


Em Vygotsky, o aprender inicia-se antes de entrarmos na escola, quando já estamos inseridos em dois níveis de desenvolvimento: o da Zona de Desenvolvimento Real, significando aquilo que possuímos em nós a título de saber consolidado e que fazemos sozinhos, e a Zona de Desenvolvimento Proximal, em que aparecem os conhecimentos que só serão realmente apreendidos quando recebermos pistas e dicas das pessoas a nosso redor. Desse modo, segundo Vygotsky, o concreto é um ponto de apoio para o aprendizado aperceptivo-conceitual, pressupondo que "o concreto passa (...) a ser visto somente como um ponto de apoio necessário e inevitável para o desenvolvimento do pensamento abstrato, como um meio, e não como um fim em si mesmo"(9). Notamos, assim, o quão importante é, para Vygotsky, a interação com os meios social e físico para que o aprender se faça com eficiência e eficácia, razão pela qual o computador pode ser concebido como um instrumento, dentre outros, de que os estudantes devem lançar mão para o exercício da aquisição e da consolidação do hábito da leitura.


Dessa maneira, o contato com a telatexto do computador pode mediar o aprendizado do estudante, talvez de maneira mais instigante que o tradicional livro-texto, haja vista que a informática oferece uma gama multiforme de conteúdos que podem ativar a cognição e as percepções visual, auditiva e emocional do aprendiz. Nesse sentido, a dinâmica e a eficácia dos produtos informáticos veiculados pelo computador são pontos fortes quando se trata do estudo nesse ambiente educativo.


Mesmo considerando suas especificidades, uma vez que a telatexto implica diferenças em relação à folha de papel, o computador se torna instrumento, assim como sua tela e seu texto, os quais podem ser imagética, gráfica ou pictoricamente concebidos e exibidos à curiosidade do aprendiz. Ler, dessa maneira, pode ser potencializado como aquilo que disse Borges, como "uma forma de felicidade". Por que não? O computador traz ou não traz conhecimentos e problemas estimulantes ao fortalecimento do desejo e da prática de ler? Daí, o modo como o texto é estruturado, formatado. A maneira como integramos teclado, mouse e movimentos de ir-e-vir, subir-descer não podem oportunizar ao estudante um desenvolvimento mais amplo que o da simples leitura e apreensão cognitiva? Talvez sim. E, para isso, não é necessariamente preciso que o livro seja colocado de lado, mas integrado e complementado pelo computador. Como diz Valente,


o computador pode provocar uma mudança de paradigma pedagógico. (...) existem diferentes maneiras de usar o computador na educação. Uma maneira é informatizando os métodos tradicionais de instrução. Do ponto de vista pedagógico, esse seria o paradigma instrucionista. No entanto, o computador pode enriquecer ambientes de aprendizagem onde o aluno, interagindo com os objetos desse ambiente, tem chance de construir o seu conhecimento. Nesse caso, o conhecimento não é passado para o aluno. O aluno não é mais instruído, ensinado, mas é o construtor do seu próprio conhecimento. Esse é o paradigma construcionista onde a ênfase está na aprendizagem ao invés de estar no ensino; na construção do conhecimento e não na instrução(10).


Nessa perspectiva interacionista e construcionista, e considerando o que Vygotsky preconiza como passagem associativa do concreto para o abstrato por meio da ida da Zona de Desenvolvimento Proximal para a Zona de Desenvolvimento Real, talvez os recursos da telatexto contribuam para a formação de leitores competentes e engajados em seu mundo, os quais fazem uso efetivo do que lêem na vivência do seu dia-a-dia de cidadãos globalizados. Para tanto, ressaltem-se aí as pistas e dicas que podem facilitar a superação da Zona Proximal por parte de crianças em situações de aprendizagens, dadas as inúmeras formas de instrução que o computador, a tela e o texto em ambientes informacionais e virtuais possibilitam.


Outro elemento favorável à leitura nesse ambiente é o estímulo à liberdade e à responsabilidade por parte do aprendiz, já que o professor ou tutor não o acompanha o tempo todo quando se vê diante de um computador, plugado na Internet. Além disso, a aprendizagem assim proposta pode ser um recurso ao fortalecimento de subjetividades não centradas em si mesmas, egoístas e homocêntricas, uma vez que o meio facilita a produção individual articulada e interdependente com outros seres humanos. O prejudicial é quando o virtual substitui o real, mas não é esse o caso a ser levado em conta quando o aprendizado pelo texto na tela acontece em ambiente escolar, sob a supervisão de pessoas preparadas para essa tarefa, o que fortalece a sócio-interação e a formação de conceitos pelo leitor, tal como Vygotsky preconizou.


Se encaminhados com a consciência profissional e o zelo ético que devem caracterizar o fazer docente em ambiente escolar, o uso da telatexto pode contribuir para a formação de sujeitos complexos mais conscientes, responsáveis e, sobretudo, livres.


Conclusão

Numa época globalizada que requer alfabetização, letramento e formação de sujeitos holisticamente considerados, compreendidos em seus matizes biológicos, psíquicos, racionais, sentimentais, emocionais e sociais, dentre outros, e que podem ser partícipes de um percurso de desenvolvimento formativo caracterizado de maneira multifacetada, esses humanos complexos e cidadãos planetários podem, sim, contar com o recurso da leitura em ambiente virtual em seu processo de desenvolvimento integral.


A lamentar em tudo isso é só mesmo o fato de vivermos em uma sociedade capitalista, centrada no lucro, na acumulação, na competitividade e no consumismo que excluem boa parte da sociedade dos processos de produção e apropriação de bens tecnológicos, materiais, sociais e culturais. Isso, contudo, não deve impedir-nos o reconhecimento dos benefícios que uma educação inovadora pode trazer, em termos de formação de subjetividades conscientes de si mesmas e com profundo senso de responsabilidade humana e social.


Resumen

Este artículo tiene como tema la formación de la subjetividad por los caminos de la lectura de telatextos. Muestra tanto la importancia de ofrecerse posibilidades de interacción entre los estudiantes y la computadora como de formar el ciudadano planetario de la edad globalizada, bajo el presupuesto de que la democratización del acceso a la informática es necesaria. Desarrolla un análisis bibliográfico para buscar el objetivo considerado y concluye que las ventajas de una educación innovadora, que mira la lectura del telatexto como estrategia de la formación humana, son varias y con las cualidades que pueden sobrepasar las restricciones posibles a esta forma de formación de la subjetividad.

Palabras-clave: telatexto, lectura, educación de la subjetividad