Hibridismo formal:
uma
questão gráfica ou conceitual?
Maurício
Silva Gino
O autor agradece aos componentes do Grupo de Estudos
de Metáforas e Analogias na Tecnologia,
na Educação e na Ciência – GEMATEC, do CEFET-MG,
e ao Núcleo de Fotografia da Escola de Design da UEMG.
Maurício Silva Gino é mestre em Tecnologia pelo
CEFET-MG e doutorando em Ciência Animal pela UFMG. É professor do
Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas
Artes da UFMG desde 2006.
Resumo
A
partir de uma breve conceituação do termo "imagem", este trabalho
busca apresentar uma discussão a respeito das possibilidades de
hibridismo formal em representações gráficas. Uma possível
conclusão a que se chega é que a constante transformação do
pensamento humano amplia infinitamente as possibilidades de
leitura e, conseqüentemente, de criação de novos
registros.
Palavras-chave: imagem, cognição, hibridismo
formal.
Eventualmente, autores de textos sobre imagens deparam-se
com uma questão fundamental: como separar grafismos do seu
sentido, uma vez que ambos podem ser designados pelo mesmo termo
imagem? Na verdade, tal discussão não é recente, tendo início na
primeira metade do século XX e contando com importantes
provocações de artistas como René Magritte e Marcel Duchamp, bem
como com as colaborações de autores ligados à fenomenologia, como
Jean-Paul Sartre. Para este último,
a
palavra imagem não poderia, pois, designar nada mais que a relação
da consciência ao objeto; dito de outra forma, é um certo modo que
o objeto tem de aparecer à consciência ou, se preferirmos, um
certo modo que a consciência tem de se dar um objeto.(1)
Para ele, o termo "imagem" deveria designar, simplesmente, um
tipo específico de consciência que se tem sobre determinado objeto
não sendo, portanto, o objeto em si ou as representações desse
objeto criadas pelo homem. Dessa forma, as imagens não poderiam
ter uma forma física, uma vez que estão restritas à imaterialidade
da consciência.
Assim, em decorrência dos vários significados para o termo
"imagem", e com o objetivo de permitir uma discussão sobre as
possibilidades de leitura a partir do hibridismo formal, optou-se
neste texto pelo emprego dos termos "registro gráfico" para
designar objetos produzidos pela expressão humana, e
"significado", para designar o sentido que esses registros são
capazes de provocar no leitor/espectador.
Nesse contexto, uma questão apresenta-se como grande tema a
ser discutido: quantos textos se consegue ler no hibridismo
formal?
Um
primeiro problema é a delimitação do que significa hibridismo
formal. Uma possível interpretação desse termo é a mescla de
diferentes formas de gráficos como, por exemplo, a representação
por meio do desenho ou da pintura em associação ao registro
gráfico das palavras pela escrita.
Nesse ponto, a obra de Magritte (Figura 1) é especialmente
emblemática, uma vez que a simples representação pictórica de um
cachimbo despertaria no observador um determinado significado, mas
quando associada a um texto adquire um outro sentido aparentemente
contraditório.
FIGURA 1: MAGRITTE, René. A traição das
imagens. 1928-9. Óleo sobre tela. 60 x 81 cm. Los Angeles County
Museum of Art, Los Angeles
Nessa obra, Magritte pinta realisticamente um cachimbo e em
seguida provoca seu observador ao afirmar, em outras palavras, que
não se trata de um cachimbo, mas de uma pintura. Esse significado
só pode ser alcançado pelo hibridismo gráfico presente na obra.
Outra possibilidade de leitura para essa questão é o
hibridismo no processo de produção do registro gráfico, o que traz
consigo um impacto na sua forma de apresentação. Nesse sentido,
uma obra que foi concebida originalmente como um registro
pictórico único, como o Magritte original a que se referiu acima,
pode em seguida ser reproduzida por meios fotoquímicos e
posteriormente digitalizada e disponibilizada em ambientes
virtuais e eletrônicos, como nesta versão.
Assim, o registro gráfico original de Magritte difere
muito de seu análogo híbrido e reprodutível que aqui, neste
contexto, assume outras possibilidades de leitura decorrentes
especialmente da ampliação do seu acesso.
No
entanto, uma interpretação que talvez seja ainda mais instigante
para a questão é o poder que os registros gráficos possuem de nos
remeter a outros registros, ampliando infinitamente as
possibilidades de leituras e de significados.
Assim, quando se depara com um registro como o da figura 2,
o espectador é convidado a retomar os significados apreendidos
diante da obra de Magritte, sem o que este registro perderia parte
do sentido buscado por seu desconhecido autor. Dessa forma, para
compreender o significado pretendido, é necessário que o
espectador tenha um mínimo de conhecimento sobre a obra de
Magritte, bem como o contexto em que ela se insere.
FIGURA 2: GINO, Maurício. Registro
fotográfico de grafismo em parede do antigo prédio da Escola de
Design da UEMG, com referência à obra A traição das imagens, de
René Magritte.
Talvez o surgimento do registro representado na figura 2
tenha sido fruto da transformação do pensamento humano. Como
conseqüência, tal transformação amplia constantemente as
possibilidades de leitura e permite a criação de novos registros
por diversos meios e em diferentes suportes.
Nesse ponto, contribuições de autores como Turner e Lakoff
são especialmente importantes. Para os autores da linha
cognitivista da lingüística, a leitura se dá por mapeamentos
conceituais, sendo que o processo de compreensão ocorre por meio
de mecanismos metafóricos baseados em conhecimentos prévios e
experiências corpóreas. Assim, realiza-se pelo leitor/observador
um verdadeiro hibridismo conceitual que possibilita novas leituras
a partir de cada registro gráfico que constantemente surge.
Retomando a questão inicialmente proposta, conclui-se que,
em quaisquer circunstâncias, a expressão do pensamento humano
parece demonstrar que as possibilidades de leitura a partir do
hibridismo formal aumentam infinitamente a partir de uma única
obra, podendo se refletir numa interminável rede de manifestações
e registros.
Abstract
From a short conceptualization of the term "image", this
work aims to demonstrate a discussion about the possibilities of
formal hybridism in graphic representations. A possible conclusion
we can get is that the constant transformation of the human
thought extends infinitely the possibilities of reading and,
consequently, the creation of new records.
Keywords: image, cognition, formal
hybridism.