Ilustração Ednamar
 

 

Editorial


A literatura é realmente importante na formação de leitores?

Com essa pergunta, a revista txt 5 reabre um debate proposto por antigos pensadores, como Horácio, para quem a função da arte era "unir o útil ao agradável".

A partir da leitura dos textos desta revista, vocês poderão verificar a validade da afirmativa do velho mestre latino pois, de fato, se a formação de leitores estiver estreitamente ligada à recepção de textos literários, ela será muito mais agradável e eficiente.

Nos artigos que se seguem, vários cidadãos brasileiros preocupados com a educação do país discutem experiências concretas de ensino-aprendizagem ou de pesquisa acadêmica e jornalístico-literária em que a literatura é colocada como porta de entrada acolhedora e instigante para leitores iniciantes. Em muitos desses textos, observamos como a ficção é vista, explícita ou implicitamente, como um grande hipertexto, sempre renovável, metamórfico e heterogêneo. A multiplicidade desse tipo de texto, que vai provocando percepções cada vez mais refinadas e sinestésicas por parte do leitor, é capaz de construir interações complexas - cognitivas, afetivas e culturais - entre ele e o mundo lido/vivido. Portanto, na medida em que a literatura permite uma produção de sentido extremamente singular e privada ou uma leitura de mundo completamente individual, ela garante ao sujeito que lê a segurança de que interpreta a si mesmo e ao mundo, num processo de autoconstrução que, validando sua auto-imagem, interfere na composição de sua própria subjetividade.

É por isso que o texto literário nunca envelhece: porque sua estrutura aberta e polissêmica acolhe os hipertextos individuais de quantos leitores dele se aproximem e, nessa interação potencialmente infinita, vai articulando a vida à imaginação, o saber ao prazer, a estética à ética. Assim, o gosto da leitura se transforma numa reflexão crítica do leitor sobre ele mesmo e o mundo; o saber-ouvir / saber-ler desdobra-se num saber-falar e num saber-fazer que ultrapassam as páginas do texto e re-configuram a vida cotidiana; a presença de múltiplos sentidos textuais estimula o surgimento de variados tipos de raciocínio, além da valorização das interações entre os eus e os outros e o desejo de seguir compondo uma enciclopédia infinita de leituras.

Nessa perspectiva, a literatura é enfocada pelos articulistas da txt 5 como ferramenta indispensável à sala de aula e a quaisquer outros espaços de aprendizagem. Associada a outras artes e mídias (cinema, pintura, televisão, história em quadrinhos) ou a outros discursos (esoterismo, sociologia, política), os autores discutem como a ficção literária contribui para a formação de leitores sensíveis, críticos e "contemporâneos de seus contemporâneos", como diria o escritor Ricardo Piglia. A aquisição das habilidades de leitura, por meio de estratégias típicas do letramento, mostra que o con-texto, verbal ou não, é um nível de realidade literalmente inventado pela conjugação de esforços comuns de autor/texto/leitor. Rompendo com a dicotomia entre realidade e ficção, a maioria dos artigos aprovados para publicação nesta revista nasceu de pesquisas desenvolvidas por estudantes/educadores do Programa A tela o texto que têm trabalhado ativamente na construção de redes pedagógicas entre comunidade e universidade, letrados e iletrados, tradição cultural e tecnologias atualizadas da inteligência.

Nessa perspectiva, os textos ficcionais desta revista abordam, ora com humor, ora com sarcasmo, a vida cotidiana da cidade grande, com suas múltiplas ocorrências e descobertas: escritores profissionais ou emergentes contribuem para que todos nós continuemos unindo o extremamente agradável à reflexão sobre um mundo co-construído. Também a seção ImagENTA apresenta imagens e escritas de alto nível artístico e crítico, mostrando na prática que tanto telas quanto textos são inscrições passíveis de serem capturadas pelo olhar, processadas pelo entendimento e transformadas em pensamento crítico.

Nas entrevistas, os leitores da txt 5 encontrarão significativos relatos da invenção das malhas de significação e leitura internacionais, por meio do trabalho pioneiro de tradutores e escritores do Brasil e da Argentina.

E, finalmente, nas resenhas aqui divulgadas, exercita-se o papel do leitor contemporâneo diante de obras dos séculos XIX e XX: em A lanterna mágica, de Joaquim Manuel de Macedo, o dilema tragicômico do anti-herói mostra o conflito de grupos sociais em sua tentativa de leitura própria; em Bóris e Dóris, a frustração da expectativa do leitor é uma das muitas estratégias narrativas de Luiz Vilela para provocá-lo enquanto sujeito inteligente e crítico.

Acompanhando cada texto, as ilustrações desenvolvidas por artistas-pensadores da Escola de Belas Artes/UFMG também constituem ricas interpretações dos temas veiculados pela revista txt 5. Esse tipo de diálogo, oriundo de um saber-fazer comprometido com abordagens que mesclam arte, ciência e tecnologia, mostra a potência de atividades realizadas nas interfaces dos currículos e das disciplinas.

Desejamos a vocês, leitores, recriações de sentido úteis e agradáveis, a partir do que ora colocamos à sua disposição nesta revista.



Belo Horizonte, 15 de junho de 2007.
Maria Antonieta Pereira e Conceição Bicalho
Editoria da revista txt - leituras
transdisciplinares de telas e textos