A questão da legibilidade do mundo na “Obra das
Passagens” de Walter Benjamin
Georg Otte*
Para Gudrun und
Jan Skuin
RESUMO: Na Obra das Passagens, Walter Benjamin
retoma o tópos milenar do „Livro do Mundo“, postulando que ele
se aplique também ao mundo urbano. Ao lado da arquitetura, a moda é um dos
campos privilegiados dessa leitura, que divide com a leitura dos textos a
possibilidade da citação.
ABSTRACT:
In his Arcades
Project, Walter Benjamin resumes the millenary topos
of the „Book of the World“, postulating its use even for the world of the city.
Beside architecture, fashion is one of the privileged fields of this reading,
which shares with the reading of text the possibility of quotation.
„Para o filósofo, o interesse mais ardente na
moda reside nas suas antecipações extraordinárias.”1 É
com essa afirmação categórica que Benjamin inicia um dos fragmentos do capítulo
“Moda” da Obra das Passagens. O próprio caráter taxativo dessa afirmação gera
dúvidas, isto é, a dúvida de que os “filósofos” teriam algum interesse pela
moda. Tal interesse certamente não faz parte da filosofia tradicional e tudo
indica que Benjamin se deixou influenciar pelo título do ensaio “A filosofia da
moda”2 do seu contemporâneo Georg Simmel,
citado várias vezes no mesmo capítulo. Acontece que Simmel,
uma das figuras principais da chamada “Kulturphilosophie”
– Filosofia da Cultura – não pode ser considerado como “o filósofo” no sentido
tradicional da palavra. Além disso, Simmel não teve a
mínima preocupação, no ensaio citado, com o potencial antecipatório da moda,
tal como Benjamin o postula.
A provocação da frase inicial, no entanto,
não se limita ao suposto interesse filosófico na moda, mas é reforçado pelo
superlativo que, por uma questão de lógica, pressupõe a existência de um interesse
múltiplo, sendo que o “interesse mais ardente” estaria logo naquele da
“antecipação”, ou seja, na possibilidade de se prever determinadas coisas, ou,
como diz o final do fragmento, na possibilidade de saber “de antemão não apenas
das novas correntes da arte, mas também dos futuros códigos, guerras e
revoluções.” 3
Entre início e fim do mesmo fragmento
encontra-se uma espécie de excurso sobre a arte, que,
embora compartilhando com a moda seu caráter antecipatório, estaria inferior a
esta última, exatamente nesse ponto. Podemos ver uma outra provocação, pelo
menos para a época de então, no fato de Benjamin atribuir à moda o primeiro
lugar 4:
Pois sabemos que a arte, em seus quadros por
exemplo, antecipa, por muitos anos e de várias maneiras, as realidades
perceptíveis. Podíamos ver as ruas e os salões brilhando em fogos coloridos
muito antes de a técnica tê-los iluminado numa luz igual através de propagandas
luminosas e outros recursos. É certo que a sensibilidade do artista em relação
às coisas vindouras ultrapassa de longe a sensibilidade da grande dama. Mas,
mesmo assim, a moda se encontra em um contato muito mais preciso com as coisas
vindouras graças ao faro sem igual que o coletivo feminino possui por aquilo
que o futuro oferece. 5
Pelo visto, determinados
fenômenos culturais não se distinguem apenas pelo fato de estarem na frente de
sua época, mas também pela competição quanto ao seu potencial antecipatório.
Nessa rivalidade, o “faro” do “coletivo feminino” supera as forças visionárias
do artista; o faro da mulher em relação ao futuro, segundo Benjamin, é mais
confiável que o olho do pintor e, entre os cinco sentidos, parece estar
especialmente apto para antecipações.
Também na 14a tese em
“Sobre o conceito de história”, um texto que, de certa maneira, foi extraído da
Obra das Passagens – as “Teses” se encontram no final do primeiro volume da
edição brasileira –, Benjamin menciona o “faro” no contexto da moda. Desta vez,
não é a arte que serve como parâmetro para ilustrar o potencial transtemporal da moda, mas nada menos que a Revolução
Francesa que “cita” a antiga Roma:
A Revolução Francesa se concebia como o
retorno do Império Romano. Ela citava a antiga Roma exatamente como a moda cita
um traje antigo. A moda possui o faro pela atualidade sempre quando ela se move
no emaranhado do então. Ela é o salto de tigre para o passado. No entanto, esse
salto acontece numa arena que está sob o comando da classe dominante. O mesmo
salto sob o céu livre da história é o salto dialético que, para Marx,
representava a revolução. 6
O fenômeno mais ou
menos cotidiano da moda – Benjamin não apenas está pensando na moda da “grande
dama” – é mencionado lado a lado com aquele acontecimento que geralmente é
considerado geralmente como o divisor de águas da era moderna. Nas teses sobre
a história, no entanto, não se trata das forças antecipatórias, mas da sua
capacidade extraordinária de citar o passado. Seguindo a linha auto-imposta7 do
marxismo, o nosso autor abafa sua estima pela moda através da restrição de que
o “salto de tigre” estaria acontecendo “sob o comando da classe dominante”.
A introdução da moda
nas reflexões sobre a filosofia da história, entretanto, é mais que uma
provocação dos filósofos ou do establishment acadêmico,
que recusou ao nosso pensador a entrada na academia. Ela faz parte de uma
valorização generalizada, por parte de Benjamin, do cotidiano e do comumente
desprezado8 , que se reflete no uso pejorativo da moda na linguagem do
dia-a-dia e que faz com que determinadas inovações sejam desvalorizadas como
estando apenas “na moda”. Benjamin, portanto, abre um espaço para algo
cotidiano e secundário, mostrando que é em fenômenos muitas vezes considerados
insignificantes que reside a possibilidade de citar o
passado ou de antecipar o futuro.
Mesmo se Benjamin, nas “Teses”, não tem a ousadia de dar à moda – como no caso
da arte – uma importância maior do que à Revolução Francesa, podemos partir do
pressuposto de que ele lhe concederia o primeiro lugar exatamente por causa do
seu caráter subliminar, uma vez que o “citar” de um traje antigo se adequa melhor ao encontro fugaz entre o presente e o
passado9 do que as referências retóricas de um Robespierre
à Roma antiga10. Pois a relação que pode ser
estabelecida entre o presente e as épocas anteriores ou posteriores não se
baseia tanto nos espectaculares “saltos de tigre”,
apresentados pelos grandes domadores da história do que num “índice
clandestino” que o passado, de acordo com a segunda tese, traz consigo e que
aponta para o “encontro marcado” com o presente:
Pois não somos tocados por um sopro do ar que
foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que
emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a
conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações
precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera.11
A “leitura” dos
códigos, das guerras e das revoluções futuros a partir da moda pode parecer uma
especulação um tanto exagerada, mesmo porque o conceito de leitura aqui
empregado lembra muito as práticas pouco confiáveis dos jogadores de búzios e
outros videntes. Mas, além de se interessar também pelo estudo dessas práticas,
Benjamin deixa claro, que, para ele, não se trata de ler na constelação dos
búzios ou na mão das pessoas12 , mas da leitura como um modo peculiar de
percepção e como parte de uma filosofia abrangente da história, que encontrou
nas “Teses” sua expressão final.
A seriedade da
análise, ou seja, da “leitura” da moda se evidencia na tentativa de Benjamin de
explicitar a diferença de classe que existiria entre o proletariado e a
burguesia através dos respectivos critérios da continuidade e da
descontinuidade: assim, a “classe burguesa”, conforme sua maior familiaridade
com a moda, estaria marcada por uma volubilidade maior, o que se evidenciaria
pelo fato de que as idéias geradas por essa classe estariam mais volúveis do
que o fundamento ideológico supostamente mais sólido dos oprimidos. Cabe
esclarecer que “volubilidade” é a tradução do alemão Sprunghaftigkeit,
derivado de springen, “saltar” ou “pular”, ou seja, a
burguesia, em sua instabilidade ideológica, estaria ‘saltando’ e uma posição à
outra.
Ora, para se chegar a
uma compreensão adequada da burguesia, a descontinuidade passa a ser a “idéia
condutora” do “pensador materialista”, ou seja, o objeto “volúvel” exige um
método “volúvel”:
Nesse empreendimento [de compreender a
burguesia] temos que proceder de maneira excêntrica e volúvel [sprunghaft]. É o procedimento da moda no sentido pleno da
palavra. “Salvar” as grandes figuras da burguesia significa, em boa parte,
compreendê-las na parte mais decadente da sua atuação e significa arrancar,
citar dessa atuação aquilo que ficou enterrado e invisível debaixo delas por não
ter servido aos poderosos. [...] 13
Ao conhecedor das „Teses” não escapa a ambivalência
desse fragmento: por um lado, Benjamin parece reforçar a conotação da moda
enquanto expressão de uma mera mania de inovação, inserindo-a no esquema
marxista da luta de classes, quando, ainda no mesmo fragmento, se deixa levar à
formula patética de que as “ondas da moda [burguesa] se rompem na massa
compacta dos oprimidos”, por outro lado sabemos como ele, principalmente nas
“Teses”, valoriza o “choque”, o salto – inclusive o salto de tigre – e a quebra
do “continuum”, para chegar a um novo conceito de história.
Outra ambivalência, característica para o procedimento benjaminiano
em geral, consiste na diluição da fronteira entre a realidade e a consciência
da realidade, entre o plano ontológico e o epistemológico, sendo que, a rigor,
são três planos que se delineiam neste último fragmento e que dificultam uma
leitura analítica: primeiro, a burguesia é “volúvel”, segundo, ela tem uma
consciência “volúvel” e, em terceiro lugar, ela só pode ser compreendida pelo
historiador através de um método correspondente, que, segundo Benjamin, deve
acompanhar, metodologicamente, essa “volubilidade”.
Entretanto, esse método, de maneira alguma, consiste em uma adaptação ad hoc do método a um objeto
particular e nem mesmo a uma inovação que tivesse surgido na fase tardia do
nosso pensador, pois, já no “Prefácio epistemológico”14 do livro Origem do
drama barroco alemão – os paralelos entre este último e a Obra das Passagens são destacados
várias vezes pelo próprio Benjamin – encontram-se reflexões em torno do “salto”
e da “volubilidade”. Além de afirmar, categoricamente, que “método é desvio”15
, ele desenvolve sua própria etimologia do termo Ursprung
(origem), que, numa tradução literal, significaria algo como salto original:
“Na origem [Ursprung] não se trata do devir de algo
que nasceu [Entsprungenes], mas antes de algo que
nasce e escapa do devir e do passar [Entspringendes].”16 A “volubilidade” e a
excentricidade, portanto, não são apenas uma característica da burguesia
parisiense do século XIX, mas representam, para Benjamin, um paradigma
epistemológico que também é objeto do referido “Prefácio” quando diz que as
idéias se relacionam com as coisas “como as constelações com as estrelas” 17:
As idéias são eternas constelações, e, quando
se concebe os elementos como pontos nessas constelações, os fenômenos passam a
ser divididos e salvos ao mesmo tempo. E é nos extremos que esses elementos,
cuja extração dos fenômenos é tarefa do conceito, aparecem da maneira mais
nítida. A idéia pode ser circunscrita como uma formação que relaciona o
singular-extremo aos seus similares. 18
A constelação como tal
– Sternbild, literalmente, significa “imagem de
estrelas” – é ex?cêntrica, ou então descentrada. A
rigor, seu centro é vazio, pois ela é constituída pelos seus extremos, a saber,
as estrelas. Também na 17a tese das suas reflexões sobre a história, Benjamin
recorre à constelação no sentido concreto enquanto resultado da exigência de
uma paralisação da história, quando diz que somente o procedimento de arrancar
uma época “do processo homogêneo da história” possibilitaria sua percepção
enquanto história excêntrica e constelar. A descontinuidade que, no fragmento
citado da Obra das Passagens não determina apenas o ser e a consciência da
burguesia, mas também o processo de conhecimento do historiador, é elevado a um
postulado epistemológico generalizado.
A idéia da
excentricidade da moda, portanto, não corresponde apenas ao senso comum, mas a
moda se transforma numa ícone da filosofia da história de Benjamin exatamente
pelo fato de sua Sprunghaftigkeit, sua volubilidade,
transformá-la num fenômeno descentrado, fora do eixo “homogêneo da história”. A
extra?vagância, o desvio da moda dos caminhos
trilhados pelas modas passadas facilita, por assim dizer, o trabalho do
historiador, uma vez que este é dispensado da operação difícil de “arrancar” os
elementos dos seus contextos imediatos e de “fazer explodir o continuum da
história” (16a tese), pois, devido à própria descontinuidade da moda, ele é
poupado de tais esforços, podendo passar diretamente à sua “leitura”.19
Essa descontinuidade faz com que um “singular-extremo” de uma determinada época
se cristalize, contribuindo, assim, à sua caracterização, a saber, à
caracterização da moda e, por extensão, à caracterização da época. A
descontinuidade, porém, significa também que a moda, depois de ter permanecido
por um tempo à altura de sua época, caia logo nas profundezas da memória
coletiva, para eventualmente ser “citada” um dia. Mas, mesmo se esse
“singular-extremo” continue apenas como “ruína” – o que importa é que continue
existindo, podendo ser recolhido e “lido” por uma geração do futuro. Tudo leva
a crer que, por trás do “historiador materialista” de cunho marxista, se
esconde um materialismo especificamente benjaminiano20 ,
que supera o primeiro em radicalidade na medida em
que atribui uma importância maior à materialidade do objeto e à percepção
sensorial correspondente.
Mesmo assim, Benjamin insiste em considerar apenas o “materialismo histórico”
como capaz de reanimar a matéria morta. Mais uma vez, é um “interesse ardente”
– parece que Benjamin sempre atribui os próprios interesses a outros pensadores
– que toma conta do historiador:
O interesse do historiador materialista no
passado é, em parte, um interesse ardente no fato de ele ter acabado e no seu
estar-morto profundo. Ter certeza disso no geral e no todo é uma condição
indispensável para a citação (reanimação) de partes desse fenômeno. [...] 21
Enquanto o
proletariado revolucionário, paradoxalmente, convive numa certa tranqüilidade
com seu passado – “Os exemplos dos seus combatentes, a sabedoria dos seus
líderes não envelhecem.” 22–, caracterizando-se assim por uma atitude um tanto
estática, as ruínas que sobram do dinamismo “volúvel” da burguesia, devido à
sua afinidade com a moda, têm que ser resgatadas como se fossem objetos
arqueológicos; elas têm que ser reanimadas, para se tornarem, assim,
“citáveis”. Esse paradoxo poderia ser interpretado no sentido que o
proletariado extrai do passado dos seus líderes o ímpeto para transformar o
presente, enquanto a burguesia, por meio da moda, altera o presente apenas na
aparência para mascarar um passado marcado pela opressão e para transformar
assim o presente em um status quo permanente.
Ora, uma tal diferenciação entre um dinamismo revolucionário e uma dinamismo
“da moda”, com conotações negativas, que serviria para sufocar os impulsos
revolucionários, não é compatível com a importância que Benjamin atribui à moda
em particular e ao mundo perceptível de um modo geral. Mesmo se ele, em alguns
momentos, deixa entrever o dualismo entre ser e aparência, entre Sein e Schein, entre verdade
latente e a ilusão manifesta, normalmente com base em pressupostos marxistas, e
mesmo se ele, nessas ocasiões, se deixa levar pela postura platônica cristã
cartesiana e também marxista, ou seja, ocidental, de considerar os cinco
sentidos como algo suspeito, não há dúvida que, nos fragmentos aqui citados,
esses sentidos não são apenas órgãos físicos, mas que eles estão no centro,
como ele diz em outro lugar, de uma “concreção superior” .23
Aparentemente, essa „concreção superior” também se
enquadra nas hierarquias tradicionais, segundo as quais a realidade estaria
dividida em uma esfera superior e outra inferior, sendo que, esta última, seria
representada pelo mundo físico. Em Benjamin, no entanto, a “concreção superior”
não faz parte de uma camada superior dentro de uma geologia de valores, mas
resulta de um processo espacial-temporal, descrito como “condensação”. À
maneira dos restos carregados por um rio após uma enchente, que se acumulam num
determinado obstáculo, qualquer presente pode opor obstáculos ao fluxo do tempo
para assim acumular as “ruínas” do passado. Nesse processo, o material
carregado pelas águas se condensa, ou seja, os restos dispersos, as ruínas se
transformam numa imagem “densa” no espaço, que é “superior” à sua dispersão no
tempo. 24
Os esforços terminológicos de Benjamin, conforme os quais o passado é denominado
o “acontecido”, o presente o “atual” ou o “tempo de agora” e o futuro o
“vindouro”, parecem ser outro indício de que sua dialética não é aquela entre
uma infra-estrutura inferior e uma superestrutura superior25, mas uma dialética
da interpenetração e condensação de épocas diferentes. Talvez não seja por
acaso que Benjamin, no fragmento , não fale do “conceito de história” – de
acordo com o título das Teses –, mas de uma nova visão da história, pois não se
trata de apresentar um conceito abstrato da história, mas uma visualização que
corresponda à mencionada “concreção superior”. Certamente não é por acaso que
ele, mais uma vez, recorre à moda, para tornar essa visão mais nítida. Segunda
esta visão,
deveria se falar de uma maior condensação
(integração) da realidade, na qual tudo que provém do passado pode obter, na
hora propícia, uma grau superior de atualidade do que no momento de sua
existência. É na imagem como a qual e na qual o passado é compreendido que essa
atualidade ganha contornos. E é essa penetração e presentificação
de fatos do passado que é a prova da veracidade das ações do presente. É ela
que leva a pólvora que está embutido no acontecido a explodir (sendo o
verdadeiro emblema do acontecido a moda). [Adotar] esta abordagem do
acontecido, isto é, não a histórica usual, mas a política [significa] agir
dentro de categorias políticas. # moda # 26
Já na citação inicial,
onde se trata da rivalidade da moda e da arte, a “antecipação” não diz respeito
a uma realidade qualquer, mas à “realidade perceptível”, e quando Benjamin
fala, ainda na mesma citação, duas vezes das “coisas vindouras” e outra vez do
“vindouro”, com o qual a moda estaria “num contato muito mais constante, muito
mais preciso”, a escolha das palavras serve mais uma vez para reforçar a idéia
de que o presente e o futuro não se encontram numa relação de causa e efeito,
mas que o futuro já está presente no presente, do mesmo modo que o passado
ainda está presente no presente27. A “antecipação”, portanto, não envolve
contatos secretos com um mundo sobrenatural, mas com o mundo natural e
material, ou seja, trata-se da constatação de que o passado, o presente e o
futuro são do mesmo mundo e que a diferenciação de níveis temporais sucessivos
perde o sentido diante da real justaposição das coisas no espaço, mesmo que
seja na forma de “ruínas”.
Mesmo se a questão do futuro e, conseqüentemente, da antecipação é rara na obra
de Benjamin e mesmo se ele, no anexo B das Teses, a rejeita dentro de uma
crítica geral à ideologia do progresso, as passagens citadas deixam claro que,
no fundo, não importa se é o passado ou o futuro que está em contato com o
presente. Nesse ponto, até o vidente ganha do historiador positivista, que
exige dos seus correligionários que “tire da cabeça tudo que sabe da história
posterior” (7a tese), para deixar valer apenas o acontecimento ‘positivo’:
Certamente, o tempo não foi experimentado
como homogêneo nem vazio pelos videntes que escrutinavam suas profundezes. Quem tiver consciência disso talvez chegue a
uma noção da maneira como o tempo passado era experimentado na rememoração: a
saber, exatamente assim. 28
Cabe
lembrar que o conceito da „rememoração“ ocupa um lugar central na obra de
Benjamin, pois o Eingedenken, cujo Ein- sinaliza unidade ou união, se caracteriza justamente
pela possibilidade de se unir o presente e o passado, entrando assim em
oposição direta ao ideal positivista – e também cartesiano – de se isolar cada
fato, ou então, cada acontecimento do passado como pretenso pressuposto de uma
análise objetiva. No entanto, cabe lembrar, também, que não se trata de
tentativas saudosistas de retornar ao passado, mas de „citações“ inesperadas
através das quais, como no caso da moda, o passado surpreende o presente,
evidenciando sua atualidade.
Se a moda possui “o faro pela atualidade, sempre quando ela se move no
“emaranhado do então”, a relação entre o presente e o passado não é apenas
marcada pela proximidade, e o “salto de tigre” não é tanto associado à
superação de uma grande distância, como no caso da Revolução Francesa e da Roma
antiga, do que à espreita e à capturação súbita do
atual que, aqui também não é apenas um sinônimo do presente dentro de um tempo
“vazio e homogêneo”, mas que representa o passado condensado e transformado em
presente.
A arena também, onde
acontece o salto do tigre domesticado da sociedade de classes urbana, é um
espaço-tempo no qual a história se passa e no qual a questão da posterioridade
ou da anterioridade é secundária. Para Benjamin, não existem palcos diferentes
da história que, de acordo com o ideal positivista de objetividade, teriam que
ser isolados, mas a história como um todo é, à maneira da arena, um único palco
grande no qual os acontecimentos de épocas diversas podem se relacionar na
forma de diversas “constelações”. Por mais que Benjamin se posicione a favor do
Materialismo histórico, a 14a deixa bem claro que o
“emaranhado”, a arena e o “céu livre” são metáforas para uma
espacialização do tempo que dificilmente poderá ser encontrado em Marx.
Assim, Benjamin fica
devendo uma explicação da citação enquanto idéia supostamente marxista, mesmo
porque Marx desprezava a citação na história como “farsa”, considerando o
recurso ao passado antes como obstáculo dentro de um desenvolvimento
revolucionário do que como um possível ganho para a compreensão da história:
E quando parecem estar ocupados em
revolucionar as coisas e a si mesmos, em criar uma situação inédita, justamente
nessas épocas de uma crise revolucionária eles imploram ansiosamente os
espíritos do passado para servi-los, emprestam-lhes os nomes, os motes de
guerra, as vestimentas para apresentar, com esse disfarce honroso e com essa
linguagem emprestada, o novo ato da história mundial. É assim que Lutero se
vestia de apóstolo Paulo e a Revolução Francesa de 1789 a 1814, respectivamente,
de República e de Império Romanos [...] 29
Se Marx, portanto,
lança mão das imagens da vestimenta e do têxtil, é com a intenção clara de
criticar o recurso ao passado não como uma citação que pudesse conferir um peso
maior às ações do presente, mas como mascarada que deturpa as metas do
presente. Marx associa as “vestimentas” e o “disfarce” ao mundo do teatro
exatamente para desmascarar o recurso ao passado. Ele está longe de imaginar
uma relação dialética com o passado, pois, de acordo com a frase anterior ao
fragmento citado, a “tradição de todas as gerações mortas pesa como um pesadelo
nos cérebros dos vivos.” Se o “estar-morto profundo” (cf. acima) do passado em
Benjamin é apenas um pressuposto para que ele possa ser citado e reanimado, o passado
para Marx é uma entrave que o presente deve evitar.
Mais decisivo, porém, que as divergências em relação ao conceito marxista de
história, que se tornam evidentes na Obras das Passagens, mas tiveram que ceder
espaço às confissões enfáticas a favor do Materialismo histórico, é o desprezo
de Marx em relação aos empréstimos que o presente retira do passado. A
insegurança das pessoas diante de um momento de crise as levaria ao “disfarce”
do presente com retalhos do passado e assim a uma deturpação da situação
considerada real. Em Marx, o emprestar, mascarar e disfarçar servem para
mostrar como as aparências do passado escondem as verdades do presente, que
assim é privado do seu potencial revolucionário. A adoção de símbolos
fisicamente perceptíveis do passado serve apenas para apresentar um “novo ato
da história mundial”, que deixa de ser “novo” devido ao disfarce com a roupagem
velha; o próprio Marx lembra que a “farsa” tem sua origem no teatro.
Evidentemente, seria
equivocado deduzir da passagem citada, onde o mundo do teatro apenas serve como
metáfora, uma posição marxiana em relação ao mundo
sensível. Criticar algo como “teatro” não significa desprezo pelo teatro, da
mesma maneira que criticar algo como “moda” não significa desrespeitá-la. Tudo
indica, no entanto, que o mundo sensível, mesmo na obra restante de Marx, não
passa de uma determinante abstrata dentro da lógica materialista, sem que sua
percepção seja valorizado como um meio de compreensão da realidade. A passagem
citada demonstra uma desconfiança em relação ao mundo sensível que não é muito
distante da dúvida epistemológica que Descartes desenvolve gradativamente nas
suas Meditações e que começa pela desconfiança em relação aos próprios
sentidos.
O palco da história de Marx, portanto, está muito distante da arena de
Benjamin. O passado e o presente não se penetram em Marx para serem reunidos
num único espaço, mas entram numa relação de conflito. Assim, não é de se
admirar que Benjamin, com seu postulado de um “núcleo temporal” (Zeitkern), que liga e condensa épocas diversas, se
distancia explicitamente do marxismo:
Cabe recusar, com ênfase, o conceito da
“verdade atemporal”. Mas a verdade não é – como o marxismo afirma – apenas uma
função temporal do conhecimento, mas é vinculado a um núcleo temporal que se
encontra tanto no objeto quanto no sujeito do conhecimento. Isso é tão
verdadeiro, de modo que o eterno é antes o rufo de um vestido do que uma idéia.
30
Benjamin rejeita um
progresso do conhecimento, no qual o presente do sujeito ‘progride’ cada vez
mais em relação ao objeto do passado, para assim alcançar a distância adequada.
Por mais que seja difícil imaginar o “núcleo temporal” – há certas analogias
com o núcleo magnético do ímã com seus pólos e campos de força –, o que importa
é que, nesse último fragmento, trata-se, mais uma vez, de uma condensação no
espaço-tempo e que o sujeito do presente e o objeto do passado são partes
constitutivas do mesmo núcleo, talvez seus dois pólos, entre os quais são
gerados campos de força e tensões31. Para Benjamin, a relação entre presente e
passado é “tensa” e quando, na 5a tese, fala da imagem do passado que apenas
“relampeja”, fica claro que essa relação não é nostálgica ou saudosista, mas
marcada por ‘descargas’ inquietantes, para manter a metáfora
do âmbito eletro-magnético.
Tudo indica que o
próprio rufo no vestido possui características do “núcleo temporal”. Ele não
apenas faz parte, enquanto algo eterno, de um determinado contexto histórico,
mas também da “memória involuntária” dos atores da história. O rufo é o núcleo
que tanto polariza quanto aglutina, sendo assim responsável pela tensão
dialética entre a identidade do núcleo eterno e a diferença das
particularidades das diversas épocas. A moda enquanto tal pode ser “volúvel” e
servir, por isso, como metáfora da diferença, mas seus acessórios “singulares-extremos”, como o rufo,
provocam ao mesmo tempo a memória de épocas do passado, representando, com base
na sua identidade “eterna”, porém marginal, um elo subliminar entre elas.
O rufo cita o passado,
sendo que ele divide com a citação verbal de um texto a ambivalência própria ao
caráter metonímico da citação: da mesma maneira que a citação, por um lado, é a
repetição idêntica de um fragmento de texto, mas, por outro lado, a evocação de
um texto inteiro – cita-se um texto (inteiro) repetindo uma parte dele –, o
rufo também, graças à sua emergência numa outra época, produz uma ligação entre
dois contextos distantes. E da mesma maneira que o fragmento textual
literalmente citado causa, no momento da citação, tanto uma ruptura no texto no
qual é inserido quanto uma aproximação entre o texto de origem e o texto que
estou chamando aqui de “texto-alvo”, o rufo também provoca uma “explosão” tanto
na continuidade de uma determinada moda quanto uma aproximação de duas épocas
distantes. A destruição passa a ser a condição para a construção.
A citação, portanto,
surte um efeito semelhante ao objetivo almejado pelo materialista histórico:
Ele a aproveita [a oportunidade] para fazer
explodir uma determinada época do processo continuo da história: assim, ele
arranca uma determinada vida da época, uma determinada obra da obra inteira. O
fruto desse procedimento consiste no fato de na obra particular ser preservada
a obra de uma vida, na obra de uma vida a época e na época o processo de toda a
história. 32
Qualquer citação é o
“arrancar” de um fragmento do seu texto, ou então, do seu contexto histórico,
sendo que ela representa esse texto ou contexto tanto no sentido de uma
substituição quanto no sentido temporal, isto é, tornando-o “re?presente”. A esse arrancar do fragmento citado do
contexto do passado corresponde sua ‘invasão’ no contexto do presente. O
caráter súbito desse processo produz uma ruptura da linearidade, sendo que o
seu aspecto destrutivo é compensado pela geração de constelações complexas na
forma de “imagens históricas” ou “dialéticas”:
Imagem é onde o acontecido se encontra
subitamente com o agora. Em outras palavras: imagem é dialética suspensa. Pois,
enquanto a relação entre o presente e o passado é puramente temporal e
contínua, a relação entre o acontecido e o agora é dialética: ela não é
processo, porém imagem, “volúvel”. 33
Assim, não é de se
admirar que a passagem do rufo, já muito citada pelos comentadores benjaminianos, não aparece apenas no capítulo N, dedicado
às questões da teoria do conhecimento, mas também, enquanto fragmento autônomo,
no capítulo B, dedicado à moda.34 “A moda é constituída de nada mais que
extremos.”35 , diz Benjamin no mesmo capítulo, pois são os extremos como o rufo
que tanto conferem identidade a uma determinada moda quanto possibilitam o déjà-vu “relampejante” da imagem dialética.
Hoje em dia, o uso do conceito benjamiano de citação
é amplamente difundido, como na arquitetura, por exemplo, e se o nosso autor
não apenas ressalta as relações da moda com o passado, mas também da
arquitetura, nada impede de reclamá-lo como precursor, ou então, como ‘antecipador’ também do pós-modernismo. É de se perguntar
até que ponto isso vale também para o conceito da leitura que passou a ser
usado, com uma certa freqüência, no âmbito dos estudos culturais36. No caso dos
Cultural Studies de origem anglo-saxônica, ele
poderia ser adotado no contexto da emancipação das culturas ditas
“periféricas”, no sentido de se questionar a hegemonia das culturas logocêntricas, isto é, centradas na escrita,
justapondo-lhes culturas baseadas em outras formas simbólicas. A escrita
passaria a ser uma forma simbólica entre outras e a leitura a ser uma técnica
que abrange todas as formas simbólicas.
Mais uma vez, Benjamin poderia desempenhar o papel de precursor,
ressaltando-se, ao mesmo tempo, que ele, apesar de ser referência constante de
autores como Homi Bhabha37, em momento algum discutiu
a questão do colonialismo.
No entanto, consideramos essas referências – ou seja, essas citações – como
adequadas e legítimas, uma vez que Benjamin promove a emancipação do objeto em
relação à palavra, rejeitando a dominação desta sobre aquele e procurando a
dissolver, de um modo geral, o dualismo e a hierarquia entre significante e
significado. Quando Benjamin diz, em um dos fragmentos, a Obra das Passagens
como um todo: “Não tenho nada a dizer, apenas a mostrar.”38 , fica evidente,
mais uma vez, que não se trata, nesse empreendimento, de um texto sobre uma
determinada realidade, mas que os textos citados, como, por exemplo, a
propaganda de um perfume, são parte dessa realidade, assim como o perfume
oferecido “diz” alguma coisa dessa realidade. A linguagem é ‘coisificada’ e as coisas passam a ter sua linguagem.
Palavras e coisas são parte de uma realidade maior que
inclui tanto o mundo das coisas materiais quanto o dos textos verbais.
Qualquer leitura é acompanhada por citações, ou seja, o leitor sempre vai além
do texto ou contexto propriamente dito, lê outras palavras e outras coisas39 . A questão decisiva para o conceito específico de
leitura em Benjamin é a questão se o portador do significado, o signo, é
constitutivo para a realização dessa leitura ou se, no sentido da
arbitrariedade de Saussure, o signo é reduzido a uma mera função
intermediadora40 . Pois é esse signo constitutivo que evoca, através do seu
uso, o seu con?texto, assim como o rufo evoca uma
determinada moda do passado, citando-a e trazendo-a para o presente. Enquanto
as linguagens artificiais racionais da matemática e da lógica são mantidas
‘limpas’ de qualquer peso particular, isto é, histórico, o esforço de Benjamin
vai no sentido contrário, no sentido de resgatar o caráter histórico da
linguagem, a das palavras e das coisas. Como no caso do rufo, palavras e coisas
possuem, graças ao seu caráter material, uma “eternidade” que não perdem mesmo
fora do seu contexto original. Muito pelo contrário: enquanto “singulares-extremos”, essas “ruínas” têm que ser estar fora
do seu texto ou contexto, para poder assumir o papel de intermediário.
O topos da linguagem
das coisas, ou então, do mundo enquanto livro, remonta a uma tradição milenar,
cujos começos são anteriores à sua tematização por Sto. Agostinho e cujo ápice
mais recente é a leitura do código genético41 :
O discurso do livro da natureza aponta para o
fato de que a realidade pode ser lida como um texto. É isso que queremos fazer
aqui [na Obras das Passagens] com a realidade no século XIX. Abrimos o livro
dos acontecimentos.42
Um traço comum a todas
as variantes desse topos43 é que não se trata de um livro sobre a natureza,
porém da natureza enquanto livro. O “livro da natureza” é uma metáfora que se
baseia no fato de também a natureza não ser uma entidade que existe por si só,
mas que seus componentes são signos que apontam para algo além da sua mera
existência. Uma análise mais sucinta da história desse topos poderia apoiar-se
nas diferenças na referencialidade das coisas
enquanto signos: se, para Sto. Agostinho, que desconhece qualquer historicidade
do mundo, o “livro da natureza” aponta para seu criador, o “livro da cultura
(urbana)” de Benjamin é responsável pelo estabelecimento das relações intramundanas e intra-históricas. Transcendência e
imanência seriam os possíveis critérios de diferenciação, que distinguem
Benjamin também de outros autores, inclusive daqueles que, embora pensem em
categorias históricas, “lêem” os índices do presente a partir de um futuro
utópico, isto é, fora da topografia da história.
A idéia da história topográfica faz com que ela possa ser vista como um espaço,
dentro do qual cada objeto pode se relacionar com outros objetos, formando
assim novas constelações, normalmente designadas como “acontecimento”. Ao
conceito difundido da história enquanto seqüência de acontecimentos que se
revezam, ele Benjamin opõe formações espaciais, cujos componentes materiais,
embora ruínas, não se perdem nesse espaço, nem perdem em valor. Muito pelo
contrário: o “lixão” da história é um tesouro onde qualquer objeto pode se transformar
numa preciosidade a partir do momento em que evoca ou “cita” o passado,
desencadeando uma interpenetração, ou seja, uma “dialética” entre épocas tidas
como distantes. Por esse motivo, a imagem, enquanto formação bidimensional que
permite relações ‘ricas’ entre seus elementos, é uma representação mais
condizente com esse conceito de história do que o texto linear das “grandes
narrativas”, como diria Lyotard, cuja seqüência
unidimensional é responsável pela ‘pobreza’ das relações mútuas. Conseqüentemente,
Benjamin não entrega o conhecimento da história a uma lógica monocausal, que, por assim dizer, seria enfaticamente
linear, mas a uma leitura dialética de imagens, compostas por elementos do
passado e do presente. Assim, as relações entre duas épocas
não são de natureza temporal, mas imagética.
Somente as imagens dialéticas são verdadeiramente históricas, isto é, não
arcaicas. A imagem lida, a saber a imagem no agora da recognoscibilidade
carrega ao máximo a marca do momento crítico e perigoso que está na base de
qualquer leitura. [N 3,1] 44
Notas
*
Professor da Faculdade de Letras/UFMG. O presente texto é a tradução da
palestra apresentada no Seminário de Ciências Culturais da Universidade
Humboldt, de Berlim, como resultado de uma bolsa de pós-doutorado pela CAPES.
Agradeço à CAPES o apoio financeiro que me possibilitou a elaboração do
presente trabalho. Devo também meus agradecimentos ao Prof. Dr. Hartmut Böhme e aos participantes
do seu Kolloquium cujos comentários contribuiram para a confecção do presente texto.
1 Walter Benjamin, Das Passagen-Werk, Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1983, p. 112.
2 Georg Simmel. „Philosophie der Mode“, in: Gesamtausgabe. Hg. v. Otthein
Rammstedt. Frankfurt/M., 1995. S. 7-37.
3 Das Passagen-Werk,
p. 112.
4 A exposição "Giorgio Armani“ na Galeria
Nacional de Berlim na Primavera de 2003 pode servir como exemplo pela
emancipação institucional da moda em relação à arte. Gert
Mattenklott, em seu artigo „Erotismo têxtil. Cultura
nudista?“ na Süddeutsche Zeitung de
09/05/2003, dá uma demonstração de como filosofar sobre moda.
5 Walter Benjamin, Das Passagen-Werk. Frankfurt/M., Suhrkamp, 1983. GS V/1, p. 112.
6 GS I/2,
p. 701.
7 Aqui cabe lembrar principalmente a crítica de Adorno, em sua carta de
10/11/1938 (Walter Benjamin, Briefe, Frankfurt/M.,
1966, p. 782 s.) ao uso que Benjamin faz do marxismo, onde ele cobra a
„mediação“ necessária entre a base material e a superestrutura cultural. Por
mais que a crítica de Adorno a alguns „curtos-circuitos“ de Benjamin, que
lembram o marxismo vulgar, ela mostra ao mesmo tempo sua falta de compreensão
em relação à predileção benjaminiana pelo imediato,
isto é, a falta de mediação. Alguma incompatibilidades do marxismo benjaminiano ainda serão explicitadas no presente estudo.
8 Até Roland Barthes, em sua análise semiológica sobre a moda, vê o risco de se
expor ao ridículo quando ilustra questões da Filosofia da linguagem através da
moda, ou ainda através da linguagem de revistas de moda. Cf. Die Sprache der
Mode, Frankfurt/M., Suhrkamp, 1985, p. 22.
9 GS I/2, p. 695.
10
Estamos nos referindo à „orientação quase natural dos atores históricos da
época revolucionária pela República romana antiga – estilizada como modelo
normativo“. Cf. Hans Ulrich Gumbrecht,
As funções da retórica parlamentar na Revolução Francesa, Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2003. p. 36.
11 Walter Benjamin, Obras escolhidas.
Vol. I. Trad. Sérgio Paulo Rouanet.
São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 223.
12 Benjamin até mesmo considerava essas práticas como etapas preliminares da
leitura de textos: „Esse tipo de leitura é o mais antigo: a leitura anterior a
qualquer linguagem, das vísceras, estrelas ou danças. Posteriormente passaram
para o uso de elos de mediação, tais como runas e
hieróglifos.“ GS II/1, p. 213, apud
Wolfgang Bock, Walter Benjamin – Die Rettung der Nacht.
Bielefeld, Aisthesis Verlag, 2000, p. 31.
13 Fragmento J 77,1, Passagen-Werk, p. 459-460; grifo meu.
14 „Erkenntniskritische Vorrede“,
GS I/1, p. 207-237.
15 GS I/1, p. 208.
16 GS I/1, p. 226.
17 GS
I/1, p. 214.
18 GS I/1, p. 215.
19 Segundo Willi Bolle, o
historiador se serve também do flâneur como medium para ler o „texto da cidade“. Cf. Fisiognomia da metrópole moderna. 2a ed. São Paulo:
Fapesp/Edusp, 2000. p. 78. Willi Bolle
também recorre ao termo da „leitura“ quando fala na „teoria baudelairiana
da modernité, que faz o diagnóstico da época a partir
da leitura de sua epiderme, a moda.“ (p. 85)
20 Cf. a minha publicação “Vestígios de um materialismo estético em Walter Benjamin”.
In: Mimesis e Expressão. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2001, p. 402-411.
21 Passagen-Werk,
Fragmento J 76a,4; p. 459.
22 Passagen-Werk,
p. 460.
23 Passagen-Werk,
Fragmento K 2,3, p. 495.
24 Márcio Seligmann-Silva associa a questão da
densidade e materialidade ao caráter imagético do conceito benjaminiano
de leitura; cf. Ler o livro do mundo. Walter Benjamin: Romantismo e crítica
literária. São Paulo: FAPESP/Iluminuras, 1999. p. 229-230.
25 Cf. Wolfgang Bock, op. cit.,
sobre o rompimento da „hierarquia entre idéias superiores e fenômenos
inferiores“. Uma crítica da dialética marxista entre a infra-estrutura e a
super-estrutura encontra-se tanto no Fragmento K 2,5, p. 495-6, quanto no
Fragmento N 1a,6, p. 573-4.
26 Passagen-Werk,
p. 495; Fragmento K 2,3; grifo de Benjamin.
27 Jeanne-Marie Gagnebin, em seu Prefácio (“Walter
Benjamin ou a história aberta”), fala da „presença do passado no presente”.
Walter Benjamin, Obras Escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política, Vol. I.
São Paulo, Editora Brasiliense, 1985. p. 15.
28 GS I/2, p. 704.
29 Karl Marx, „Der achtzehnte
Brumaire des Louis Bonaparte“ in: Karl Marx/Friedrich Engels
- Werke, Band 8, Dietz Verlag,
Berlin, 1972, Vorrede zur dritten Auflage, p. 115.
30 Passagen-Werk,
p. 578.
31 Cf. o Fragmento 7a,1, p. 587/8.
32 GS I/2, p. 703.
33 Passagen-Werk,
GS V/1, p. 576/7.
34 Passagen-Werk,
GS V/1, p. 118.
35 Passagen-Werk,
GS V/1, p. 119. Benjamin cita de uma publicação com o título „70 anos de moda
alemã“. Cabe esclarecer que a citação se refere à opinião de a moda mudar de um
extremo para o outro – e não aos acessórios „extremos“.
36 Cf., como exemplo em língua alemã, Gerhard Neumann, Sigrid
Weigel (Hg.), Die Lesbarkeit der Kultur. München,
2000. Nesse contexto cabe mencionar também o conceito da 'codificação’, que vai
além de uma textualização por escrito, exigindo uma leitura adequada, isto é,
uma 'decodificação’. Algo semelhante ocorre com o tópos
da 'cifra’ e sua respectiva 'decifração’. Observe-se, no entanto, que tanto a
decodificação quanto a decifração sugerem uma exatidão que dificilmente poderá
ser encontrada nos seus correspondentes positivos.
37 Cf. Homi K. Bhabha, O
local da cultura, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003, que recorre várias vezes
às teses „Sobre o coneito de história“ de Benjamin e,
principalmente, ao ensaio intitulado „ A tarefa do tradutor“ (cf. a tradução de
Susana Kampff Lages, in: Clássicos da Teoria da
Tradução, org. Werner Heidermann,
Florianópolis, UFSC, Núcleo de tradução, 2001. págs. 188-215.), para
desenvolver, a partir da teoria da tradução de Benjamin – e do pensamento de Derrida, um conceito de diferença cultural.
38 Passagen-Werk,
GS V/1, p. 574.
39 Blumenberg, Hans. Die Lesbarkeit
der Welt. Frankfurt/M., 1986. p. 342.
40 Cf. o texto muito esclarecedor de Aleida Assmann, „Die Sprache
der Dinge. Der lange Blick und die wilde Semiose.“, in: Gumbrecht, Hans
Ulrich (Hg.), Materialität der
Kommunikation, p. 237-251. Numa referência a
Carlo Ginzburg, a autora ressalta o aspecto
importante da leitura de vestígios, sem entrar, no entanto, na questão dos
deslocamentos temporais enquanto 'vestígios para o passado’, essenciais para
Benjamin. Qualquer citação poderia ser concebido como vestígio nesse sentido.
41 O livro de Blumenberg, op. cit.,
é fundamental para o conhecimento da história do tópos.
42 Passagen-Werk,
GS V/1, p. 580.
43 Adotamos o conceito do „tópos“ de Ernst Robert Curtius, Literatura
européia e Idade Méida latina, São Paulo, EDUSP,
1996. O próprio Curtius dedica um sub-capítulo ao tópos do „livro da natureza“.
44 Passagen-Werk,
GS V/1, p. 578.