A questão da legibilidade do mundo na “Obra das Passagens” de Walter Benjamin

Georg Otte*

Para Gudrun und Jan Skuin

RESUMO: Na Obra das Passagens, Walter Benjamin retoma o tópos milenar do „Livro do Mundo“, postulando que ele se aplique também ao mundo urbano. Ao lado da arquitetura, a moda é um dos campos privilegiados dessa leitura, que divide com a leitura dos textos a possibilidade da citação.

ABSTRACT: In his Arcades Project, Walter Benjamin resumes the millenary topos of the „Book of the World“, postulating its use even for the world of the city. Beside architecture, fashion is one of the privileged fields of this reading, which shares with the reading of text the possibility of quotation.

„Para o filósofo, o interesse mais ardente na moda reside nas suas antecipações extraordinárias.”1 É com essa afirmação categórica que Benjamin inicia um dos fragmentos do capítulo “Moda” da Obra das Passagens. O próprio caráter taxativo dessa afirmação gera dúvidas, isto é, a dúvida de que os “filósofos” teriam algum interesse pela moda. Tal interesse certamente não faz parte da filosofia tradicional e tudo indica que Benjamin se deixou influenciar pelo título do ensaio “A filosofia da moda”2 do seu contemporâneo Georg Simmel, citado várias vezes no mesmo capítulo. Acontece que Simmel, uma das figuras principais da chamada “Kulturphilosophie” – Filosofia da Cultura – não pode ser considerado como “o filósofo” no sentido tradicional da palavra. Além disso, Simmel não teve a mínima preocupação, no ensaio citado, com o potencial antecipatório da moda, tal como Benjamin o postula.

A provocação da frase inicial, no entanto, não se limita ao suposto interesse filosófico na moda, mas é reforçado pelo superlativo que, por uma questão de lógica, pressupõe a existência de um interesse múltiplo, sendo que o “interesse mais ardente” estaria logo naquele da “antecipação”, ou seja, na possibilidade de se prever determinadas coisas, ou, como diz o final do fragmento, na possibilidade de saber “de antemão não apenas das novas correntes da arte, mas também dos futuros códigos, guerras e revoluções.” 3

Entre início e fim do mesmo fragmento encontra-se uma espécie de excurso sobre a arte, que, embora compartilhando com a moda seu caráter antecipatório, estaria inferior a esta última, exatamente nesse ponto. Podemos ver uma outra provocação, pelo menos para a época de então, no fato de Benjamin atribuir à moda o primeiro lugar 4:

Pois sabemos que a arte, em seus quadros por exemplo, antecipa, por muitos anos e de várias maneiras, as realidades perceptíveis. Podíamos ver as ruas e os salões brilhando em fogos coloridos muito antes de a técnica tê-los iluminado numa luz igual através de propagandas luminosas e outros recursos. É certo que a sensibilidade do artista em relação às coisas vindouras ultrapassa de longe a sensibilidade da grande dama. Mas, mesmo assim, a moda se encontra em um contato muito mais preciso com as coisas vindouras graças ao faro sem igual que o coletivo feminino possui por aquilo que o futuro oferece. 5

Pelo visto, determinados fenômenos culturais não se distinguem apenas pelo fato de estarem na frente de sua época, mas também pela competição quanto ao seu potencial antecipatório. Nessa rivalidade, o “faro” do “coletivo feminino” supera as forças visionárias do artista; o faro da mulher em relação ao futuro, segundo Benjamin, é mais confiável que o olho do pintor e, entre os cinco sentidos, parece estar especialmente apto para antecipações.

Também na 14a tese em “Sobre o conceito de história”, um texto que, de certa maneira, foi extraído da Obra das Passagens – as “Teses” se encontram no final do primeiro volume da edição brasileira –, Benjamin menciona o “faro” no contexto da moda. Desta vez, não é a arte que serve como parâmetro para ilustrar o potencial transtemporal da moda, mas nada menos que a Revolução Francesa que “cita” a antiga Roma:

A Revolução Francesa se concebia como o retorno do Império Romano. Ela citava a antiga Roma exatamente como a moda cita um traje antigo. A moda possui o faro pela atualidade sempre quando ela se move no emaranhado do então. Ela é o salto de tigre para o passado. No entanto, esse salto acontece numa arena que está sob o comando da classe dominante. O mesmo salto sob o céu livre da história é o salto dialético que, para Marx, representava a revolução. 6

O fenômeno mais ou menos cotidiano da moda – Benjamin não apenas está pensando na moda da “grande dama” – é mencionado lado a lado com aquele acontecimento que geralmente é considerado geralmente como o divisor de águas da era moderna. Nas teses sobre a história, no entanto, não se trata das forças antecipatórias, mas da sua capacidade extraordinária de citar o passado. Seguindo a linha auto-imposta7 do marxismo, o nosso autor abafa sua estima pela moda através da restrição de que o “salto de tigre” estaria acontecendo “sob o comando da classe dominante”.

A introdução da moda nas reflexões sobre a filosofia da história, entretanto, é mais que uma provocação dos filósofos ou do establishment acadêmico, que recusou ao nosso pensador a entrada na academia. Ela faz parte de uma valorização generalizada, por parte de Benjamin, do cotidiano e do comumente desprezado8 , que se reflete no uso pejorativo da moda na linguagem do dia-a-dia e que faz com que determinadas inovações sejam desvalorizadas como estando apenas “na moda”. Benjamin, portanto, abre um espaço para algo cotidiano e secundário, mostrando que é em fenômenos muitas vezes considerados insignificantes que reside a possibilidade de citar o passado ou de antecipar o futuro.


Mesmo se Benjamin, nas “Teses”, não tem a ousadia de dar à moda – como no caso da arte – uma importância maior do que à Revolução Francesa, podemos partir do pressuposto de que ele lhe concederia o primeiro lugar exatamente por causa do seu caráter subliminar, uma vez que o “citar” de um traje antigo se adequa melhor ao encontro fugaz entre o presente e o passado9 do que as referências retóricas de um Robespierre à Roma antiga10. Pois a relação que pode ser estabelecida entre o presente e as épocas anteriores ou posteriores não se baseia tanto nos espectaculares “saltos de tigre”, apresentados pelos grandes domadores da história do que num “índice clandestino” que o passado, de acordo com a segunda tese, traz consigo e que aponta para o “encontro marcado” com o presente:

Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera.11

A “leitura” dos códigos, das guerras e das revoluções futuros a partir da moda pode parecer uma especulação um tanto exagerada, mesmo porque o conceito de leitura aqui empregado lembra muito as práticas pouco confiáveis dos jogadores de búzios e outros videntes. Mas, além de se interessar também pelo estudo dessas práticas, Benjamin deixa claro, que, para ele, não se trata de ler na constelação dos búzios ou na mão das pessoas12 , mas da leitura como um modo peculiar de percepção e como parte de uma filosofia abrangente da história, que encontrou nas “Teses” sua expressão final.

A seriedade da análise, ou seja, da “leitura” da moda se evidencia na tentativa de Benjamin de explicitar a diferença de classe que existiria entre o proletariado e a burguesia através dos respectivos critérios da continuidade e da descontinuidade: assim, a “classe burguesa”, conforme sua maior familiaridade com a moda, estaria marcada por uma volubilidade maior, o que se evidenciaria pelo fato de que as idéias geradas por essa classe estariam mais volúveis do que o fundamento ideológico supostamente mais sólido dos oprimidos. Cabe esclarecer que “volubilidade” é a tradução do alemão Sprunghaftigkeit, derivado de springen, “saltar” ou “pular”, ou seja, a burguesia, em sua instabilidade ideológica, estaria ‘saltando’ e uma posição à outra.

Ora, para se chegar a uma compreensão adequada da burguesia, a descontinuidade passa a ser a “idéia condutora” do “pensador materialista”, ou seja, o objeto “volúvel” exige um método “volúvel”:

Nesse empreendimento [de compreender a burguesia] temos que proceder de maneira excêntrica e volúvel [sprunghaft]. É o procedimento da moda no sentido pleno da palavra. “Salvar” as grandes figuras da burguesia significa, em boa parte, compreendê-las na parte mais decadente da sua atuação e significa arrancar, citar dessa atuação aquilo que ficou enterrado e invisível debaixo delas por não ter servido aos poderosos. [...] 13


Ao conhecedor das „Teses” não escapa a ambivalência desse fragmento: por um lado, Benjamin parece reforçar a conotação da moda enquanto expressão de uma mera mania de inovação, inserindo-a no esquema marxista da luta de classes, quando, ainda no mesmo fragmento, se deixa levar à formula patética de que as “ondas da moda [burguesa] se rompem na massa compacta dos oprimidos”, por outro lado sabemos como ele, principalmente nas “Teses”, valoriza o “choque”, o salto – inclusive o salto de tigre – e a quebra do “continuum”, para chegar a um novo conceito de história.


Outra ambivalência, característica para o procedimento benjaminiano em geral, consiste na diluição da fronteira entre a realidade e a consciência da realidade, entre o plano ontológico e o epistemológico, sendo que, a rigor, são três planos que se delineiam neste último fragmento e que dificultam uma leitura analítica: primeiro, a burguesia é “volúvel”, segundo, ela tem uma consciência “volúvel” e, em terceiro lugar, ela só pode ser compreendida pelo historiador através de um método correspondente, que, segundo Benjamin, deve acompanhar, metodologicamente, essa “volubilidade”.
Entretanto, esse método, de maneira alguma, consiste em uma adaptação ad hoc do método a um objeto particular e nem mesmo a uma inovação que tivesse surgido na fase tardia do nosso pensador, pois, já no “Prefácio epistemológico”14 do livro Origem do drama barroco alemão – os paralelos entre este último e a Obra das Passagens são destacados várias vezes pelo próprio Benjamin – encontram-se reflexões em torno do “salto” e da “volubilidade”. Além de afirmar, categoricamente, que “método é desvio”15 , ele desenvolve sua própria etimologia do termo Ursprung (origem), que, numa tradução literal, significaria algo como salto original: “Na origem [Ursprung] não se trata do devir de algo que nasceu [Entsprungenes], mas antes de algo que nasce e escapa do devir e do passar [Entspringendes].”16 A “volubilidade” e a excentricidade, portanto, não são apenas uma característica da burguesia parisiense do século XIX, mas representam, para Benjamin, um paradigma epistemológico que também é objeto do referido “Prefácio” quando diz que as idéias se relacionam com as coisas “como as constelações com as estrelas” 17:

As idéias são eternas constelações, e, quando se concebe os elementos como pontos nessas constelações, os fenômenos passam a ser divididos e salvos ao mesmo tempo. E é nos extremos que esses elementos, cuja extração dos fenômenos é tarefa do conceito, aparecem da maneira mais nítida. A idéia pode ser circunscrita como uma formação que relaciona o singular-extremo aos seus similares. 18

A constelação como tal – Sternbild, literalmente, significa “imagem de estrelas” – é ex?cêntrica, ou então descentrada. A rigor, seu centro é vazio, pois ela é constituída pelos seus extremos, a saber, as estrelas. Também na 17a tese das suas reflexões sobre a história, Benjamin recorre à constelação no sentido concreto enquanto resultado da exigência de uma paralisação da história, quando diz que somente o procedimento de arrancar uma época “do processo homogêneo da história” possibilitaria sua percepção enquanto história excêntrica e constelar. A descontinuidade que, no fragmento citado da Obra das Passagens não determina apenas o ser e a consciência da burguesia, mas também o processo de conhecimento do historiador, é elevado a um postulado epistemológico generalizado.

A idéia da excentricidade da moda, portanto, não corresponde apenas ao senso comum, mas a moda se transforma numa ícone da filosofia da história de Benjamin exatamente pelo fato de sua Sprunghaftigkeit, sua volubilidade, transformá-la num fenômeno descentrado, fora do eixo “homogêneo da história”. A extra?vagância, o desvio da moda dos caminhos trilhados pelas modas passadas facilita, por assim dizer, o trabalho do historiador, uma vez que este é dispensado da operação difícil de “arrancar” os elementos dos seus contextos imediatos e de “fazer explodir o continuum da história” (16a tese), pois, devido à própria descontinuidade da moda, ele é poupado de tais esforços, podendo passar diretamente à sua “leitura”.19


Essa descontinuidade faz com que um “singular-extremo” de uma determinada época se cristalize, contribuindo, assim, à sua caracterização, a saber, à caracterização da moda e, por extensão, à caracterização da época. A descontinuidade, porém, significa também que a moda, depois de ter permanecido por um tempo à altura de sua época, caia logo nas profundezas da memória coletiva, para eventualmente ser “citada” um dia. Mas, mesmo se esse “singular-extremo” continue apenas como “ruína” – o que importa é que continue existindo, podendo ser recolhido e “lido” por uma geração do futuro. Tudo leva a crer que, por trás do “historiador materialista” de cunho marxista, se esconde um materialismo especificamente benjaminiano20 , que supera o primeiro em radicalidade na medida em que atribui uma importância maior à materialidade do objeto e à percepção sensorial correspondente.


Mesmo assim, Benjamin insiste em considerar apenas o “materialismo histórico” como capaz de reanimar a matéria morta. Mais uma vez, é um “interesse ardente” – parece que Benjamin sempre atribui os próprios interesses a outros pensadores – que toma conta do historiador:

O interesse do historiador materialista no passado é, em parte, um interesse ardente no fato de ele ter acabado e no seu estar-morto profundo. Ter certeza disso no geral e no todo é uma condição indispensável para a citação (reanimação) de partes desse fenômeno. [...] 21

Enquanto o proletariado revolucionário, paradoxalmente, convive numa certa tranqüilidade com seu passado – “Os exemplos dos seus combatentes, a sabedoria dos seus líderes não envelhecem.” 22–, caracterizando-se assim por uma atitude um tanto estática, as ruínas que sobram do dinamismo “volúvel” da burguesia, devido à sua afinidade com a moda, têm que ser resgatadas como se fossem objetos arqueológicos; elas têm que ser reanimadas, para se tornarem, assim, “citáveis”. Esse paradoxo poderia ser interpretado no sentido que o proletariado extrai do passado dos seus líderes o ímpeto para transformar o presente, enquanto a burguesia, por meio da moda, altera o presente apenas na aparência para mascarar um passado marcado pela opressão e para transformar assim o presente em um status quo permanente.

Ora, uma tal diferenciação entre um dinamismo revolucionário e uma dinamismo “da moda”, com conotações negativas, que serviria para sufocar os impulsos revolucionários, não é compatível com a importância que Benjamin atribui à moda em particular e ao mundo perceptível de um modo geral. Mesmo se ele, em alguns momentos, deixa entrever o dualismo entre ser e aparência, entre Sein e Schein, entre verdade latente e a ilusão manifesta, normalmente com base em pressupostos marxistas, e mesmo se ele, nessas ocasiões, se deixa levar pela postura platônica cristã cartesiana e também marxista, ou seja, ocidental, de considerar os cinco sentidos como algo suspeito, não há dúvida que, nos fragmentos aqui citados, esses sentidos não são apenas órgãos físicos, mas que eles estão no centro, como ele diz em outro lugar, de uma “concreção superior” .23


Aparentemente, essa „concreção superior” também se enquadra nas hierarquias tradicionais, segundo as quais a realidade estaria dividida em uma esfera superior e outra inferior, sendo que, esta última, seria representada pelo mundo físico. Em Benjamin, no entanto, a “concreção superior” não faz parte de uma camada superior dentro de uma geologia de valores, mas resulta de um processo espacial-temporal, descrito como “condensação”. À maneira dos restos carregados por um rio após uma enchente, que se acumulam num determinado obstáculo, qualquer presente pode opor obstáculos ao fluxo do tempo para assim acumular as “ruínas” do passado. Nesse processo, o material carregado pelas águas se condensa, ou seja, os restos dispersos, as ruínas se transformam numa imagem “densa” no espaço, que é “superior” à sua dispersão no tempo. 24


Os esforços terminológicos de Benjamin, conforme os quais o passado é denominado o “acontecido”, o presente o “atual” ou o “tempo de agora” e o futuro o “vindouro”, parecem ser outro indício de que sua dialética não é aquela entre uma infra-estrutura inferior e uma superestrutura superior25, mas uma dialética da interpenetração e condensação de épocas diferentes. Talvez não seja por acaso que Benjamin, no fragmento , não fale do “conceito de história” – de acordo com o título das Teses –, mas de uma nova visão da história, pois não se trata de apresentar um conceito abstrato da história, mas uma visualização que corresponda à mencionada “concreção superior”. Certamente não é por acaso que ele, mais uma vez, recorre à moda, para tornar essa visão mais nítida. Segunda esta visão,

deveria se falar de uma maior condensação (integração) da realidade, na qual tudo que provém do passado pode obter, na hora propícia, uma grau superior de atualidade do que no momento de sua existência. É na imagem como a qual e na qual o passado é compreendido que essa atualidade ganha contornos. E é essa penetração e presentificação de fatos do passado que é a prova da veracidade das ações do presente. É ela que leva a pólvora que está embutido no acontecido a explodir (sendo o verdadeiro emblema do acontecido a moda). [Adotar] esta abordagem do acontecido, isto é, não a histórica usual, mas a política [significa] agir dentro de categorias políticas. # moda # 26

Já na citação inicial, onde se trata da rivalidade da moda e da arte, a “antecipação” não diz respeito a uma realidade qualquer, mas à “realidade perceptível”, e quando Benjamin fala, ainda na mesma citação, duas vezes das “coisas vindouras” e outra vez do “vindouro”, com o qual a moda estaria “num contato muito mais constante, muito mais preciso”, a escolha das palavras serve mais uma vez para reforçar a idéia de que o presente e o futuro não se encontram numa relação de causa e efeito, mas que o futuro já está presente no presente, do mesmo modo que o passado ainda está presente no presente27. A “antecipação”, portanto, não envolve contatos secretos com um mundo sobrenatural, mas com o mundo natural e material, ou seja, trata-se da constatação de que o passado, o presente e o futuro são do mesmo mundo e que a diferenciação de níveis temporais sucessivos perde o sentido diante da real justaposição das coisas no espaço, mesmo que seja na forma de “ruínas”.

Mesmo se a questão do futuro e, conseqüentemente, da antecipação é rara na obra de Benjamin e mesmo se ele, no anexo B das Teses, a rejeita dentro de uma crítica geral à ideologia do progresso, as passagens citadas deixam claro que, no fundo, não importa se é o passado ou o futuro que está em contato com o presente. Nesse ponto, até o vidente ganha do historiador positivista, que exige dos seus correligionários que “tire da cabeça tudo que sabe da história posterior” (7a tese), para deixar valer apenas o acontecimento ‘positivo’:

Certamente, o tempo não foi experimentado como homogêneo nem vazio pelos videntes que escrutinavam suas profundezes. Quem tiver consciência disso talvez chegue a uma noção da maneira como o tempo passado era experimentado na rememoração: a saber, exatamente assim. 28

Cabe lembrar que o conceito da „rememoração“ ocupa um lugar central na obra de Benjamin, pois o Eingedenken, cujo Ein- sinaliza unidade ou união, se caracteriza justamente pela possibilidade de se unir o presente e o passado, entrando assim em oposição direta ao ideal positivista – e também cartesiano – de se isolar cada fato, ou então, cada acontecimento do passado como pretenso pressuposto de uma análise objetiva. No entanto, cabe lembrar, também, que não se trata de tentativas saudosistas de retornar ao passado, mas de „citações“ inesperadas através das quais, como no caso da moda, o passado surpreende o presente, evidenciando sua atualidade.
Se a moda possui “o faro pela atualidade, sempre quando ela se move no “emaranhado do então”, a relação entre o presente e o passado não é apenas marcada pela proximidade, e o “salto de tigre” não é tanto associado à superação de uma grande distância, como no caso da Revolução Francesa e da Roma antiga, do que à espreita e à capturação súbita do atual que, aqui também não é apenas um sinônimo do presente dentro de um tempo “vazio e homogêneo”, mas que representa o passado condensado e transformado em presente.

 

A arena também, onde acontece o salto do tigre domesticado da sociedade de classes urbana, é um espaço-tempo no qual a história se passa e no qual a questão da posterioridade ou da anterioridade é secundária. Para Benjamin, não existem palcos diferentes da história que, de acordo com o ideal positivista de objetividade, teriam que ser isolados, mas a história como um todo é, à maneira da arena, um único palco grande no qual os acontecimentos de épocas diversas podem se relacionar na forma de diversas “constelações”. Por mais que Benjamin se posicione a favor do Materialismo histórico, a 14a deixa bem claro que o “emaranhado”, a arena e o “céu livre” são metáforas para uma espacialização do tempo que dificilmente poderá ser encontrado em Marx.

 

Assim, Benjamin fica devendo uma explicação da citação enquanto idéia supostamente marxista, mesmo porque Marx desprezava a citação na história como “farsa”, considerando o recurso ao passado antes como obstáculo dentro de um desenvolvimento revolucionário do que como um possível ganho para a compreensão da história:

E quando parecem estar ocupados em revolucionar as coisas e a si mesmos, em criar uma situação inédita, justamente nessas épocas de uma crise revolucionária eles imploram ansiosamente os espíritos do passado para servi-los, emprestam-lhes os nomes, os motes de guerra, as vestimentas para apresentar, com esse disfarce honroso e com essa linguagem emprestada, o novo ato da história mundial. É assim que Lutero se vestia de apóstolo Paulo e a Revolução Francesa de 1789 a 1814, respectivamente, de República e de Império Romanos [...] 29

Se Marx, portanto, lança mão das imagens da vestimenta e do têxtil, é com a intenção clara de criticar o recurso ao passado não como uma citação que pudesse conferir um peso maior às ações do presente, mas como mascarada que deturpa as metas do presente. Marx associa as “vestimentas” e o “disfarce” ao mundo do teatro exatamente para desmascarar o recurso ao passado. Ele está longe de imaginar uma relação dialética com o passado, pois, de acordo com a frase anterior ao fragmento citado, a “tradição de todas as gerações mortas pesa como um pesadelo nos cérebros dos vivos.” Se o “estar-morto profundo” (cf. acima) do passado em Benjamin é apenas um pressuposto para que ele possa ser citado e reanimado, o passado para Marx é uma entrave que o presente deve evitar.
Mais decisivo, porém, que as divergências em relação ao conceito marxista de história, que se tornam evidentes na Obras das Passagens, mas tiveram que ceder espaço às confissões enfáticas a favor do Materialismo histórico, é o desprezo de Marx em relação aos empréstimos que o presente retira do passado. A insegurança das pessoas diante de um momento de crise as levaria ao “disfarce” do presente com retalhos do passado e assim a uma deturpação da situação considerada real. Em Marx, o emprestar, mascarar e disfarçar servem para mostrar como as aparências do passado escondem as verdades do presente, que assim é privado do seu potencial revolucionário. A adoção de símbolos fisicamente perceptíveis do passado serve apenas para apresentar um “novo ato da história mundial”, que deixa de ser “novo” devido ao disfarce com a roupagem velha; o próprio Marx lembra que a “farsa” tem sua origem no teatro.

 

Evidentemente, seria equivocado deduzir da passagem citada, onde o mundo do teatro apenas serve como metáfora, uma posição marxiana em relação ao mundo sensível. Criticar algo como “teatro” não significa desprezo pelo teatro, da mesma maneira que criticar algo como “moda” não significa desrespeitá-la. Tudo indica, no entanto, que o mundo sensível, mesmo na obra restante de Marx, não passa de uma determinante abstrata dentro da lógica materialista, sem que sua percepção seja valorizado como um meio de compreensão da realidade. A passagem citada demonstra uma desconfiança em relação ao mundo sensível que não é muito distante da dúvida epistemológica que Descartes desenvolve gradativamente nas suas Meditações e que começa pela desconfiança em relação aos próprios sentidos.
O palco da história de Marx, portanto, está muito distante da arena de Benjamin. O passado e o presente não se penetram em Marx para serem reunidos num único espaço, mas entram numa relação de conflito. Assim, não é de se admirar que Benjamin, com seu postulado de um “núcleo temporal” (Zeitkern), que liga e condensa épocas diversas, se distancia explicitamente do marxismo:

Cabe recusar, com ênfase, o conceito da “verdade atemporal”. Mas a verdade não é – como o marxismo afirma – apenas uma função temporal do conhecimento, mas é vinculado a um núcleo temporal que se encontra tanto no objeto quanto no sujeito do conhecimento. Isso é tão verdadeiro, de modo que o eterno é antes o rufo de um vestido do que uma idéia. 30

Benjamin rejeita um progresso do conhecimento, no qual o presente do sujeito ‘progride’ cada vez mais em relação ao objeto do passado, para assim alcançar a distância adequada. Por mais que seja difícil imaginar o “núcleo temporal” – há certas analogias com o núcleo magnético do ímã com seus pólos e campos de força –, o que importa é que, nesse último fragmento, trata-se, mais uma vez, de uma condensação no espaço-tempo e que o sujeito do presente e o objeto do passado são partes constitutivas do mesmo núcleo, talvez seus dois pólos, entre os quais são gerados campos de força e tensões31. Para Benjamin, a relação entre presente e passado é “tensa” e quando, na 5a tese, fala da imagem do passado que apenas “relampeja”, fica claro que essa relação não é nostálgica ou saudosista, mas marcada por ‘descargas’ inquietantes, para manter a metáfora do âmbito eletro-magnético.

 

Tudo indica que o próprio rufo no vestido possui características do “núcleo temporal”. Ele não apenas faz parte, enquanto algo eterno, de um determinado contexto histórico, mas também da “memória involuntária” dos atores da história. O rufo é o núcleo que tanto polariza quanto aglutina, sendo assim responsável pela tensão dialética entre a identidade do núcleo eterno e a diferença das particularidades das diversas épocas. A moda enquanto tal pode ser “volúvel” e servir, por isso, como metáfora da diferença, mas seus acessórios “singulares-extremos”, como o rufo, provocam ao mesmo tempo a memória de épocas do passado, representando, com base na sua identidade “eterna”, porém marginal, um elo subliminar entre elas.

O rufo cita o passado, sendo que ele divide com a citação verbal de um texto a ambivalência própria ao caráter metonímico da citação: da mesma maneira que a citação, por um lado, é a repetição idêntica de um fragmento de texto, mas, por outro lado, a evocação de um texto inteiro – cita-se um texto (inteiro) repetindo uma parte dele –, o rufo também, graças à sua emergência numa outra época, produz uma ligação entre dois contextos distantes. E da mesma maneira que o fragmento textual literalmente citado causa, no momento da citação, tanto uma ruptura no texto no qual é inserido quanto uma aproximação entre o texto de origem e o texto que estou chamando aqui de “texto-alvo”, o rufo também provoca uma “explosão” tanto na continuidade de uma determinada moda quanto uma aproximação de duas épocas distantes. A destruição passa a ser a condição para a construção.

 

A citação, portanto, surte um efeito semelhante ao objetivo almejado pelo materialista histórico:

Ele a aproveita [a oportunidade] para fazer explodir uma determinada época do processo continuo da história: assim, ele arranca uma determinada vida da época, uma determinada obra da obra inteira. O fruto desse procedimento consiste no fato de na obra particular ser preservada a obra de uma vida, na obra de uma vida a época e na época o processo de toda a história. 32

Qualquer citação é o “arrancar” de um fragmento do seu texto, ou então, do seu contexto histórico, sendo que ela representa esse texto ou contexto tanto no sentido de uma substituição quanto no sentido temporal, isto é, tornando-o “re?presente”. A esse arrancar do fragmento citado do contexto do passado corresponde sua ‘invasão’ no contexto do presente. O caráter súbito desse processo produz uma ruptura da linearidade, sendo que o seu aspecto destrutivo é compensado pela geração de constelações complexas na forma de “imagens históricas” ou “dialéticas”:

Imagem é onde o acontecido se encontra subitamente com o agora. Em outras palavras: imagem é dialética suspensa. Pois, enquanto a relação entre o presente e o passado é puramente temporal e contínua, a relação entre o acontecido e o agora é dialética: ela não é processo, porém imagem, “volúvel”. 33

Assim, não é de se admirar que a passagem do rufo, já muito citada pelos comentadores benjaminianos, não aparece apenas no capítulo N, dedicado às questões da teoria do conhecimento, mas também, enquanto fragmento autônomo, no capítulo B, dedicado à moda.34 “A moda é constituída de nada mais que extremos.”35 , diz Benjamin no mesmo capítulo, pois são os extremos como o rufo que tanto conferem identidade a uma determinada moda quanto possibilitam o déjà-vu “relampejante” da imagem dialética.

Hoje em dia, o uso do conceito benjamiano de citação é amplamente difundido, como na arquitetura, por exemplo, e se o nosso autor não apenas ressalta as relações da moda com o passado, mas também da arquitetura, nada impede de reclamá-lo como precursor, ou então, como ‘antecipador’ também do pós-modernismo. É de se perguntar até que ponto isso vale também para o conceito da leitura que passou a ser usado, com uma certa freqüência, no âmbito dos estudos culturais36. No caso dos Cultural Studies de origem anglo-saxônica, ele poderia ser adotado no contexto da emancipação das culturas ditas “periféricas”, no sentido de se questionar a hegemonia das culturas logocêntricas, isto é, centradas na escrita, justapondo-lhes culturas baseadas em outras formas simbólicas. A escrita passaria a ser uma forma simbólica entre outras e a leitura a ser uma técnica que abrange todas as formas simbólicas.


Mais uma vez, Benjamin poderia desempenhar o papel de precursor, ressaltando-se, ao mesmo tempo, que ele, apesar de ser referência constante de autores como Homi Bhabha37, em momento algum discutiu a questão do colonialismo.


No entanto, consideramos essas referências – ou seja, essas citações – como adequadas e legítimas, uma vez que Benjamin promove a emancipação do objeto em relação à palavra, rejeitando a dominação desta sobre aquele e procurando a dissolver, de um modo geral, o dualismo e a hierarquia entre significante e significado. Quando Benjamin diz, em um dos fragmentos, a Obra das Passagens como um todo: “Não tenho nada a dizer, apenas a mostrar.”38 , fica evidente, mais uma vez, que não se trata, nesse empreendimento, de um texto sobre uma determinada realidade, mas que os textos citados, como, por exemplo, a propaganda de um perfume, são parte dessa realidade, assim como o perfume oferecido “diz” alguma coisa dessa realidade. A linguagem é ‘coisificada’ e as coisas passam a ter sua linguagem. Palavras e coisas são parte de uma realidade maior que inclui tanto o mundo das coisas materiais quanto o dos textos verbais.


Qualquer leitura é acompanhada por citações, ou seja, o leitor sempre vai além do texto ou contexto propriamente dito, lê outras palavras e outras coisas39 . A questão decisiva para o conceito específico de leitura em Benjamin é a questão se o portador do significado, o signo, é constitutivo para a realização dessa leitura ou se, no sentido da arbitrariedade de Saussure, o signo é reduzido a uma mera função intermediadora40 . Pois é esse signo constitutivo que evoca, através do seu uso, o seu con?texto, assim como o rufo evoca uma determinada moda do passado, citando-a e trazendo-a para o presente. Enquanto as linguagens artificiais racionais da matemática e da lógica são mantidas ‘limpas’ de qualquer peso particular, isto é, histórico, o esforço de Benjamin vai no sentido contrário, no sentido de resgatar o caráter histórico da linguagem, a das palavras e das coisas. Como no caso do rufo, palavras e coisas possuem, graças ao seu caráter material, uma “eternidade” que não perdem mesmo fora do seu contexto original. Muito pelo contrário: enquanto “singulares-extremos”, essas “ruínas” têm que ser estar fora do seu texto ou contexto, para poder assumir o papel de intermediário.

O topos da linguagem das coisas, ou então, do mundo enquanto livro, remonta a uma tradição milenar, cujos começos são anteriores à sua tematização por Sto. Agostinho e cujo ápice mais recente é a leitura do código genético41 :

O discurso do livro da natureza aponta para o fato de que a realidade pode ser lida como um texto. É isso que queremos fazer aqui [na Obras das Passagens] com a realidade no século XIX. Abrimos o livro dos acontecimentos.42

Um traço comum a todas as variantes desse topos43 é que não se trata de um livro sobre a natureza, porém da natureza enquanto livro. O “livro da natureza” é uma metáfora que se baseia no fato de também a natureza não ser uma entidade que existe por si só, mas que seus componentes são signos que apontam para algo além da sua mera existência. Uma análise mais sucinta da história desse topos poderia apoiar-se nas diferenças na referencialidade das coisas enquanto signos: se, para Sto. Agostinho, que desconhece qualquer historicidade do mundo, o “livro da natureza” aponta para seu criador, o “livro da cultura (urbana)” de Benjamin é responsável pelo estabelecimento das relações intramundanas e intra-históricas. Transcendência e imanência seriam os possíveis critérios de diferenciação, que distinguem Benjamin também de outros autores, inclusive daqueles que, embora pensem em categorias históricas, “lêem” os índices do presente a partir de um futuro utópico, isto é, fora da topografia da história.


A idéia da história topográfica faz com que ela possa ser vista como um espaço, dentro do qual cada objeto pode se relacionar com outros objetos, formando assim novas constelações, normalmente designadas como “acontecimento”. Ao conceito difundido da história enquanto seqüência de acontecimentos que se revezam, ele Benjamin opõe formações espaciais, cujos componentes materiais, embora ruínas, não se perdem nesse espaço, nem perdem em valor. Muito pelo contrário: o “lixão” da história é um tesouro onde qualquer objeto pode se transformar numa preciosidade a partir do momento em que evoca ou “cita” o passado, desencadeando uma interpenetração, ou seja, uma “dialética” entre épocas tidas como distantes. Por esse motivo, a imagem, enquanto formação bidimensional que permite relações ‘ricas’ entre seus elementos, é uma representação mais condizente com esse conceito de história do que o texto linear das “grandes narrativas”, como diria Lyotard, cuja seqüência unidimensional é responsável pela ‘pobreza’ das relações mútuas. Conseqüentemente, Benjamin não entrega o conhecimento da história a uma lógica monocausal, que, por assim dizer, seria enfaticamente linear, mas a uma leitura dialética de imagens, compostas por elementos do passado e do presente. Assim, as relações entre duas épocas

não são de natureza temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são verdadeiramente históricas, isto é, não arcaicas. A imagem lida, a saber a imagem no agora da recognoscibilidade carrega ao máximo a marca do momento crítico e perigoso que está na base de qualquer leitura. [N 3,1] 44

 

Notas
* Professor da Faculdade de Letras/UFMG. O presente texto é a tradução da palestra apresentada no Seminário de Ciências Culturais da Universidade Humboldt, de Berlim, como resultado de uma bolsa de pós-doutorado pela CAPES. Agradeço à CAPES o apoio financeiro que me possibilitou a elaboração do presente trabalho. Devo também meus agradecimentos ao Prof. Dr. Hartmut Böhme e aos participantes do seu Kolloquium cujos comentários contribuiram para a confecção do presente texto.
1 Walter Benjamin, Das Passagen-Werk, Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1983, p. 112.
2 Georg Simmel. „Philosophie der Mode“, in: Gesamtausgabe. Hg. v. Otthein Rammstedt. Frankfurt/M., 1995.
S. 7-37.
3 Das Passagen-Werk, p. 112.
4 A exposição "Giorgio Armani“ na Galeria Nacional de Berlim na Primavera de 2003 pode servir como exemplo pela emancipação institucional da moda em relação à arte. Gert Mattenklott, em seu artigo „Erotismo têxtil. Cultura nudista?“ na Süddeutsche Zeitung de 09/05/2003, dá uma demonstração de como filosofar sobre moda.
5 Walter Benjamin, Das Passagen-Werk. Frankfurt/M., Suhrkamp, 1983. GS V/1, p. 112.
6 GS I/2, p. 701.
7 Aqui cabe lembrar principalmente a crítica de Adorno, em sua carta de 10/11/1938 (Walter Benjamin, Briefe, Frankfurt/M., 1966, p. 782 s.) ao uso que Benjamin faz do marxismo, onde ele cobra a „mediação“ necessária entre a base material e a superestrutura cultural. Por mais que a crítica de Adorno a alguns „curtos-circuitos“ de Benjamin, que lembram o marxismo vulgar, ela mostra ao mesmo tempo sua falta de compreensão em relação à predileção benjaminiana pelo imediato, isto é, a falta de mediação. Alguma incompatibilidades do marxismo benjaminiano ainda serão explicitadas no presente estudo.
8 Até Roland Barthes, em sua análise semiológica sobre a moda, vê o risco de se expor ao ridículo quando ilustra questões da Filosofia da linguagem através da moda, ou ainda através da linguagem de revistas de moda.
Cf. Die Sprache der Mode, Frankfurt/M., Suhrkamp, 1985, p. 22.
9 GS I/2, p. 695.
10 Estamos nos referindo à „orientação quase natural dos atores históricos da época revolucionária pela República romana antiga – estilizada como modelo normativo“. Cf. Hans Ulrich Gumbrecht, As funções da retórica parlamentar na Revolução Francesa, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003. p. 36.
11 Walter Benjamin, Obras escolhidas. Vol. I. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 223.
12 Benjamin até mesmo considerava essas práticas como etapas preliminares da leitura de textos: „Esse tipo de leitura é o mais antigo: a leitura anterior a qualquer linguagem, das vísceras, estrelas ou danças. Posteriormente passaram para o uso de elos de mediação, tais como runas e hieróglifos.“
GS II/1, p. 213, apud Wolfgang Bock, Walter Benjamin – Die Rettung der Nacht. Bielefeld, Aisthesis Verlag, 2000, p. 31.
13 Fragmento J 77,1, Passagen-Werk, p. 459-460; grifo meu.
14 „Erkenntniskritische Vorrede“, GS I/1, p. 207-237.
15 GS I/1, p. 208.
16 GS I/1, p. 226.
17 GS I/1, p. 214.
18 GS I/1, p. 215.
19 Segundo Willi Bolle, o historiador se serve também do flâneur como medium para ler o „texto da cidade“. Cf. Fisiognomia da metrópole moderna. 2a ed. São Paulo: Fapesp/Edusp, 2000. p. 78. Willi Bolle também recorre ao termo da „leitura“ quando fala na „teoria baudelairiana da modernité, que faz o diagnóstico da época a partir da leitura de sua epiderme, a moda.“ (p. 85)
20 Cf. a minha publicação “Vestígios de um materialismo estético em Walter Benjamin”. In: Mimesis e Expressão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001, p. 402-411.
21 Passagen-Werk, Fragmento J 76a,4; p. 459.
22 Passagen-Werk, p. 460.
23 Passagen-Werk, Fragmento K 2,3, p. 495.
24 Márcio Seligmann-Silva associa a questão da densidade e materialidade ao caráter imagético do conceito benjaminiano de leitura; cf. Ler o livro do mundo. Walter Benjamin: Romantismo e crítica literária. São Paulo: FAPESP/Iluminuras, 1999. p. 229-230.
25 Cf. Wolfgang Bock, op. cit., sobre o rompimento da „hierarquia entre idéias superiores e fenômenos inferiores“. Uma crítica da dialética marxista entre a infra-estrutura e a super-estrutura encontra-se tanto no Fragmento K 2,5, p. 495-6, quanto no Fragmento N 1a,6, p. 573-4.
26 Passagen-Werk, p. 495; Fragmento K 2,3; grifo de Benjamin.
27 Jeanne-Marie Gagnebin, em seu Prefácio (“Walter Benjamin ou a história aberta”), fala da „presença do passado no presente”. Walter Benjamin, Obras Escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política, Vol. I. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985. p. 15.
28 GS I/2, p. 704.
29 Karl Marx, „Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte“ in: Karl Marx/Friedrich Engels - Werke, Band 8, Dietz Verlag, Berlin, 1972, Vorrede zur dritten Auflage, p. 115.
30 Passagen-Werk, p. 578.
31 Cf. o Fragmento 7a,1, p. 587/8.
32 GS I/2, p. 703.
33 Passagen-Werk, GS V/1, p. 576/7.
34 Passagen-Werk, GS V/1, p. 118.
35 Passagen-Werk, GS V/1, p. 119. Benjamin cita de uma publicação com o título „70 anos de moda alemã“. Cabe esclarecer que a citação se refere à opinião de a moda mudar de um extremo para o outro – e não aos acessórios „extremos“.
36 Cf., como exemplo em língua alemã, Gerhard Neumann, Sigrid Weigel (Hg.), Die Lesbarkeit der Kultur. München, 2000. Nesse contexto cabe mencionar também o conceito da 'codificação’, que vai além de uma textualização por escrito, exigindo uma leitura adequada, isto é, uma 'decodificação’. Algo semelhante ocorre com o tópos da 'cifra’ e sua respectiva 'decifração’. Observe-se, no entanto, que tanto a decodificação quanto a decifração sugerem uma exatidão que dificilmente poderá ser encontrada nos seus correspondentes positivos.
37 Cf. Homi K. Bhabha, O local da cultura, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003, que recorre várias vezes às teses „Sobre o coneito de história“ de Benjamin e, principalmente, ao ensaio intitulado „ A tarefa do tradutor“ (cf. a tradução de Susana Kampff Lages, in: Clássicos da Teoria da Tradução, org. Werner Heidermann, Florianópolis, UFSC, Núcleo de tradução, 2001. págs. 188-215.), para desenvolver, a partir da teoria da tradução de Benjamin – e do pensamento de Derrida, um conceito de diferença cultural.
38 Passagen-Werk, GS V/1, p. 574.
39 Blumenberg, Hans. Die Lesbarkeit der Welt.
Frankfurt/M., 1986. p. 342.
40 Cf. o texto muito esclarecedor de Aleida Assmann, „Die Sprache der Dinge.
Der lange Blick und die wilde Semiose.“, in: Gumbrecht, Hans Ulrich (Hg.), Materialität der Kommunikation, p. 237-251. Numa referência a Carlo Ginzburg, a autora ressalta o aspecto importante da leitura de vestígios, sem entrar, no entanto, na questão dos deslocamentos temporais enquanto 'vestígios para o passado’, essenciais para Benjamin. Qualquer citação poderia ser concebido como vestígio nesse sentido.
41 O livro de Blumenberg, op. cit., é fundamental para o conhecimento da história do tópos.
42 Passagen-Werk, GS V/1, p. 580.
43 Adotamos o conceito do „tópos“ de Ernst Robert Curtius, Literatura européia e Idade Méida latina, São Paulo, EDUSP, 1996. O próprio Curtius dedica um sub-capítulo ao tópos do „livro da natureza“.
44 Passagen-Werk, GS V/1, p. 578.