Interação sociedade-espaço urbano no contexto cultural em
Belo Horizonte
Lúcio
Coelho Costa
Drummond na contemporaneidade
Maria Luiz Tolentino
Arnaldo Antunes: uma poética de agora
Vívien Gonzaga e Silva
RESUMOS
INTERAÇÃO SOCIEDADE-ESPAÇO URBANO NO
CONTEXTO CULTURAL EM BELO HORIZONTE
Lúcio Coelho COSTA
O espaço urbano é resultado da ação do homem e certamente reflete a forma como
ele se organiza e se relaciona, inclusive com esse mesmo espaço. O habitante da
capital mineira vem modelando seu espaço urbano que, por sua vez, também o
modela. O objetivo dessa comunicação é investigar a relação entre as mudanças
operadas no espaço arquitetônico e os diversos eventos culturais recentemente
realizados, especialmente os literários. Buscamos compreender, nesse sentido,
como vem se processando a ocupação do espaço urbano belorizontino, nos últimos
anos, e quais são suas conseqüências para o meio artístico e para a população
em geral.
DRUMMOND NA CONTEMPORANEIDADE
Maria Luiz TOLENTINO
O que se privilegia na contemporaneidade é uma escrita cuja lógica pode ser
chamada de a re-escrita da modernidade, ou seja, a capacidade de combinar
arbitrariamente fragmentos de frases, pedaços de informações, resíduos vitais
da escrita, que irão ser pensados e repensados por uma outra razão. Extraímos
da poética de Drummond elementos que nos remetem à idéia de buscas e dúvidas a
respeito das certezas de antes, e que, agora, são postas em questionamento e já
não trazem mais a marca do definido e sim das incertezas em que o poeta se
lançou.
ARNALDO ANTUNES: UMA POÉTICA DE AGORA
Vívien Gonzaga e SILVA
Buscamos, a partir do trabalho poético do artista multimídia Arnaldo Antunes,
analisar as representações veiculadas pela arte contemporânea, em sua união com
as novas tecnologias, no intuito de entendermos alguns aspectos da cultura de
nosso tempo e as múltiplas identidades que a ele se vinculam. Mais
precisamente, partimos de uma expressão artística em particular — e híbrida por
excelência —, para nos movermos no terreno onde, a nosso ver, desvela-se o
movimento perpétuo de construção/desconstrução/reconstrução de valores sobre os
quais assentam-se, ainda que desconfortavelmente, algumas linhas da identidade
finissecular.
APRESENTAÇÃO
A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E A CRISE DO SUJEITO
No final de 1998, alguns alunos da Graduação em Letras da UFMG fundaram um
grupo a que deram o nome de GELC (Grupo de Estudos Letra em Crise).
Interessados especialmente em aprofundar as discussões sobre certos aspectos
teóricos que permitissem a investigação das relações existentes entre
literatura e outros sistemas semióticos, o grupo solicitou minha ajuda, no
sentido de coordenar suas atividades e propor uma bibliografia básica. Sendo
assim, O GELC desenvolveu estudos intersemióticos e intermediáticos especialmente
voltados para a configuração do sujeito contemporâneo, inserido num mundo
globalizado, onde ele próprio se torna uma mercadoria descartável e
desauratizada.
Realizando reuniões e seminários periódicos, o grupo desenvolveu a pesquisa
"O sujeito contemporâneo: um olhar literário" a partir de debates e
produções textuais em que discutiu o pensamento crítico de vários autores tais
como Alain Badiou, Alain Touraine, Roland Barthes, Walter Benjamin, Homi
Bhabha, Jorge Luis Borges, Haroldo de Campos, Teixeira Coelho, Silviano
Santiago, Wander Melo Miranda, Eneida Maria de Souza, Antoine Compagnon, Michel
Foucault e Pierre Lévy. Além disso, trabalhou com produções artísticas de
Arnaldo Antunes, Carlos Drummond de Andrade, Silviano Santiago e de poetas mineiros
como Anelito de Oliveira, Ricardo Aleixo e Marcelo Dolabela.
O grupo de pesquisa participou da VIII Semana de Iniciação Científica,
apresentando os resultados parciais de sua pesquisa. Posteriormente,
desenvolveu de forma mais sistemática suas reflexões, as quais se encontram nos
trabalhos editados a seguir.
Maria Antonieta Pereira
Professor-Adjunto do Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura da
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (DSTL/FALE/UFMG)
Coordenadora do projeto de pesquisa "O sujeito contemporâneo: um olhar
literário"
INTERAÇÃO SOCIEDADE-ESPAÇO URBANO NO
CONTEXTO CULTURAL EM BELO HORIZONTE
Lúcio Coelho Costa
Com o presente estudo,
pretendo analisar como está ocorrendo a relação de certos autores e leitores da
capital mineira com o meio em que vivem. Dessa forma, tal trabalho objetiva
investigar o comportamento do sujeito contemporâneo, intermediado pela
literatura, a partir do processo de revitalização arquitetônica e urbanística
realizado nos espaços da Serraria Souza Pinto, do Mercado Popular da Lagoinha e
do Viaduto Santa Teresa. Através dessa reflexão, busco compreender como vem se
processando a ocupação do espaço urbano belo-horizontino pelo sujeito
contemporâneo e quais são as conseqüências disso.
O homem, a partir de sua proposta de domínio da natureza, vem provocando
alterações no meio em que vive adaptando-o de forma a satisfazer suas
necessidades. Tais alterações manifestam-se em diferentes áreas do
conhecimento. Conforme afirma o arquiteto Leonardo Barci Castriota, verifica-se
que, no início do século XX, fica evidenciada uma nova postura perante o cânone
arquitetônico. Essa postura se identifica com o processo de racionalização no
trato com a tradição, o que conduz à própria negação da tradição enquanto fonte
de normatividade. Temos, assim, atitudes que determinam uma postura de ruptura
com o passado, com o academicismo.
Construir para erguer o futuro
No início do século XX, o português Augusto de Souza Pinto e o coronel Antônio
Garcia e Paiva apostaram no projeto de construir uma serraria para atender à
demanda crescente de grandes construções que despontavam na época. Dessa
serraria, saíram madeiras para várias construções, tais como o Minas Tênis Club
e muitos dos arranha-céus de Belo Horizonte, como o edifício Acaiaca, o
primeiro da série que aos poucos seria desenvolvida. Mais tarde, a Serraria
transformou-se em oficina mecânica e posteriormente em estacionamento de
automóveis.
Tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico, em 1988, na década seguinte,
deu-se a transferência da propriedade do espaço para a Secretaria do Estado da
Cultura. Esse foi o primeiro passo para que o estabelecimento sofresse
alterações que mudariam sua história. Se nos primeiros anos de sua existência,
a ocupação da Serraria realizou-se em conformidade com a mentalidade de um
sujeito que apostava na transformação da sociedade pelo viés do progresso,
hoje, pela variedade de eventos que esse espaço comporta, o mesmo revela a
imagem de um sujeito múltiplo, fragmentado e descentrado.
Desde sua inauguração, em 22 de maio de 1997, o Centro de Eventos Culturais,
Lazer e Negócios, que funciona no espaço da antiga Serraria Souza Pinto, vem
contemplando diversos segmentos da sociedade, sendo local onde se realizam
desde shows de rock até festivais de aguardente de cana. Em junho de 1997, a
Serraria teve seu espaço transformado para receber 55 editoras de todo o país,
quando da realização da Feira de Literatura Infantil. Já em outubro, o mesmo
local abrigou a 3a Bienal Internacional de Histórias em Quadrinhos que teve
conferências, debates, workshops, oficinas, mostra de vídeos e estandes de
editoras especializadas nesse ramo. Dentre os vários eventos ocorridos nesse
ano, a Serraria recebeu o cartunista Ziraldo que realizou o lançamento da
revista literária Palavras.
Pela diversidade de eventos nela realizados, a Serraria tornou-se um centro de
encontros para os belo-horizontinos. A maioria das atividades ali transcorridas
são marcadas pela mídia e por recursos imagéticos, os quais são uma
característica da cultura de massa contemporânea. Até mesmo nos poucos eventos
de interesse do público literário realizados no local, percebe-se a
predominância da linguagem imagética, como é o caso da Bienal de História em
Quadrinhos. Assim, as atividades ligadas à literatura, como saraus, debates e
palestras não aparecem como alternativas culturais desse espaço. A ausência de
realizações de eventos dessa natureza no local acaba por não considerar a
possibilidade de criação de um olhar marcado pela subjetividade crítica de
autores e leitores capazes de reler as paisagens urbanas.
Um mercado de cultura
Estando à frente da prefeitura de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek marcou
sua administração com obras arquitetônicas do porte do complexo da Pampulha,
cuja finalidade era retirar da capital mineira o estigma de cidade interiorana.
Data dessa época o projeto de construção de um mercado que viria a atender à
demanda crescente de consumidores. O Mercado Popular da Lagoinha é desenvolvido
somente uma década depois, quando JK já era governador do Estado. Os arcos,
assim como os frisos e as telhas de barro, revelam o estilo neo-colonial da
obra arquitetônica do início da década de 50, concebida como um verdadeiro
mercado medieval, cuja praça em forma de U serviria como centro de comércio
moderno e como espaço para a aglutinação da população.
Entretanto, na década de 70, o Mercado Popular entrou em decadência, resultando
em seu desativamento completo em 1988. Depois de um longo período de total
abandono, a administração municipal, com o projeto de revitalização do bairro
da Lagoinha, anunciou uma reforma no mercado. Tal projeto visava a resgatar
certa memória de Belo Horizonte, uma vez que o referido bairro pode ser
considerado o berço da boemia belo-horizontina onde, inclusive, surgiram grupos
carnavalescos, como a tradicional Banda Mole. Surge então o Projeto Lagoinha,
com a Coordenação Técnica de Leonardo Barci Castriota. A reforma do Mercado,
além da fachada principal da antiga construção, preservou também a organização
interna do mesmo.
No entanto, o que se constata hoje no local, é que muitos dos espaços
destinados a lojas estão vazios. A planejada sala para exibição de filmes não
chegou a ser executada. A Galeria de Artes do Mercado da Lagoinha resiste às
condições do local. Segundo Simone Zanol, Coordenadora da Galeria, todas as
exposições têm uma presença grande de público, e não foi diferente na exposição
comemorativa dos dois anos de existência da mesma, realizada no período de
julho a agosto de 1999.
Nota-se que a pretensão da prefeitura, de tornar o Mercado Popular um centro
comercial e cultural, tem sido frustada já que o mesmo se encontra esquecido,
principalmente pelo público ligado à literatura. Atualmente, no Mercado
Popular, não se encontram mais os contadores de “causos” de outrora. É claro
que hoje a arte de narrar não é mais a mesma. Como diz Walter Benjamin, a rede
formada pelo narrador e pelo ouvinte apresenta-se desfeita em todas as
extremidades. Algumas das conseqüências dessa ruptura são a perda de certas
tradições culturais e o questionamento da própria identidade do sujeito
contemporâneo.
Para a literatura, sua presença no mercado, constitui uma questão marcada por
tensões. Hoje, o pequeno espaço ocupado pela literatura, dentro das
manifestações culturais em geral, está sujeito a expandir-se ou até mesmo a
contrair-se, modificação possível a partir de seu desempenho num mercado que se
estabeleceu como força de lei para o homem da atualidade.
Um viaduto e múltiplas veredas
Em 1929, a inauguração do Viaduto Santa Teresa
marcou uma nova fase na arquitetura mineira e no comportamento do cidadão de
Belo Horizonte. Os arcos parabólicos do viaduto, com 52m de vão e 14m de
altura, causaram sensação quando da sua inauguração. Ligando o centro comercial
da cidade a bairros boêmios como Santa Teresa e Floresta, por ele passavam,
além das linhas de bonde e carros, pedestres como Carlos Drummond de Andrade e
Pedro Nava. Não resistindo ao desafio de percorrer a pé os arcos do viaduto,
num gesto que mais tarde foi repetido por escritores como Fernando Sabino e
Otto Lara Resende, dentre outros, os escritores do Modernismo mineiro
encontravam nessa atitude uma forma de contestar o provincianismo da capital.
Parafraseando o texto Sobre os arcos do
viaduto, onde a autora Thais Ferreira Drummond afirma que a obra
arquitetônica do viaduto subverte a geografia não sendo apenas um ponto de
ligação entre as diferentes ruas da cidade de Belo Horizonte, pode-se afirmar
que o surgimento dessa obra estabelece uma ponte para a criação
artístico-literária. Dessa forma, desde cedo, o viaduto tem posto à prova sua
vocação para provocar o imaginário do cidadão belo-horizontino, em especial dos
artistas, que, como afirma Ezra Pound, são as antenas da raça, uma vez que, em
geral, são os que mais facilmente sentem e manifestam as reações do homem em
torno do meio com o qual esse interage.
Tombado em março de 1988 pelo Iepha, o viaduto tem agora sua área inferior
reservada para atividades culturais, contendo, dentre outros espaços, palcos de
arena e locais para feiras e exposições. Dessa forma, o viaduto acabou sendo
integrado ao projeto que faz parte da proposta de revitalização urbanística e
cultural da rua da Bahia, cujo nome é “Rua da Bahia Viva”.
Entretanto, o espaço sob o viaduto não tem um aproveitamento total de seu
potencial enquanto local voltado para atividades culturais. De tal forma que,
tendo sido projetado um Largo dos Poetas, ele nunca foi realizado. O local
reservado para a realização de feiras também ainda não foi aproveitado, até
mesmo por causa das precárias condições de segurança que o espaço oferece.
Além de atravessar a pé sobre os arcos do viaduto, existem hoje outros desafios
para o poeta. Encontrar o lugar da literatura continua sendo um desses
desafios, assim como também o é achar o melhor caminho para tornar o seu olhar,
que repousa sobre o antigo, o novo e o renovado da cidade, uma espécie de
janela para outros leitores. Estar caminhando sobre os arcos do viaduto ou
estar ocupando um dos palcos de arena abaixo do mesmo não é realmente o mais
relevante. Com relação ao Viaduto de Santa Teresa, o que mais falta nele é a
existência de eventos que valorizem sua tradição histórico-literária e que
possam vir a valorizar também a produção e a recepção da literatura
contemporânea.
A recente tentativa de resgatar o passado histórico de Belo Horizonte, por meio
da recuperação de parte do seu patrimônio arquitetônico, estabeleceu uma nova
interação entre o homem e o meio em que ele vive. Essa tentativa remete-nos ao
conceito benjaminiano de História, no qual o filósofo alemão afirma que o olhar
crítico do homem direcionado para o passado funciona como mediador das
interações desse homem. Esse olhar é o que move o historiador materialista e o
faz buscar preencher o interior de um tempo que se apresenta homogêneo e vazio.
O olhar crítico, em verdade, possibilita ao homem resgatar o passado trazendo-o
de volta para o presente, de forma tal que ele seja uma mola propulsora
utilizada de acordo com a realidade do momento.
Observa-se hoje que os espaços da Serraria Souza Pinto, do Mercado Popular da
Lagoinha e do Viaduto Santa Teresa têm sido aproveitados para a realização de
uma gama de eventos. Dentro dessa variedade, vemos a literatura, aqui entendida
como trabalho artístico em prosa ou em verso, ausente dos espaços culturais
acima referidos.
Portanto, em conseqüência disso, não temos o aproveitamento, em todo o seu
potencial, dos locais aqui observados. Neles não ocorrem saraus, shows
multimídia, apresentações de videopoemas, lançamentos e/ou feiras de livros,
eventos que poderiam contribuir para uma possível difusão da literatura. Mesmo
não sendo um produto da cultura de massa, a literatura precisa encontrar formas
alternativas de atingir o público, usando os recursos necessários para
conquistar o leitor da atualidade, sensível aos apelos dos meios informatizados
e audiovisuais.
Navegar! Porque navegar é preciso.
Certamente são várias as causas que podem levar à idéia de um possível declínio
no consumo da obra literária. A relação do público com a arte sempre foi
pautada por peculiaridades inerentes ao tempo. Adorno contrapôs-se às idéias de
Hegel quando buscou valorizar a obra de arte por seu aparato erudito, elitista
e original. Dessa maneira, o valor da obra de arte apresenta-se fundado na
apresentação e não na representação, exigindo, assim, um público marcado pela
característica de poder realizar uma leitura crítica e reflexiva. Tal postura
insere a obra de arte no mercado como uma mercadoria que exige um público
capacitado. Essa especificidade exigida pela obra de arte acaba por torná-la de
difícil consumo. Sendo assim, é estabelecido, sobretudo, em países do terceiro
mundo, um embate entre mercado e obras literárias que aspiram por leitores
críticos e reflexivos. É certo que os empecilhos somam-se, exigindo do artista
um exercício de criatividade a mais para resolver satisfatoriamente tal embate.
Não se pode esquecer que, atualmente, os eventos em que há o predomínio da
imagem é que são capazes de melhor interessar o público.
O poeta belo-horizontino Marcelo Dolabela diz que a prateleira da livraria não
é o melhor espaço para os livros de poesia. Dolabela acredita que a poesia
convive melhor nos espaços alternativos como casas de shows e bares.
Compartilhando com músicos as oportunidades de ocupar esses espaços, o autor
ali realiza a distribuição de seus livros, estabelecendo contado direto com o
público. O escritor acredita que a poesia ocupa bem o espaço informatizado,
tendo, inclusive, sites em maior número e mais visitados do que os sites do
texto em prosa . Esse fato, garante o poeta, faz com que a poesia hoje esteja
mais presente no universo do público jovem, uma vez que ele convive bem com o
mundo informatizado.
Já o autor Ricardo Aleixo assegura que a literatura segue sua vocação de
dialogar com outros meios de expressão artística, sendo essa vocação
potencializada pela maior difusão dos meios eletrônicos. Aleixo afirma que
interagir com um espaço que não tenha sido pensado originalmente para a arte é
sempre muito mais estimulante do que ficar sonhando com os já existentes, na
maioria das vezes voltados para um público menos exigente. O poeta Ronald
Claver, criador do projeto “Poesia com Cachaça”, por meio do qual divulga a
poesia em bares e restaurantes, lamenta não ver hoje na capital mineira eventos
que aproximem os autores, como ocorreu na época de Hélio Pellegrino, Paulo
Mendes Campos e outros. Claver acredita que os organizadores dos concursos
literários poderiam realizar em sua etapa final, um momento de encontro entre
autores e desses com o público. Porém, essa etapa dos concursos é pouco
valorizada e, em geral, o público nem fica sabendo quais foram os ganhadores
dos concursos.
Em dezembro de 1999,
quando da comemoração do centésimo segundo aniversário da cidade de Belo
Horizonte, o artista plástico Agnaldo Pinho aceitou o desafio de realizar um
trabalho no espaço do Viaduto de Santa Teresa, o qual denominou Poetas e
Grafiteiros.
Aproveitando-se da estrutura do viaduto e dos valores histórico e cultural da
área, Pinho reuniu jovens grafiteiros que, sobre painéis, foram convidados a
reler visualmente trechos de textos escritos por 19 poetas escolhidos por José
Maria Cansado. Esses painéis foram instalados sob os vãos do viaduto, contendo
os versos selecionados. Além disso, o artista elaborou banners, nos quais se
lia uma pequena biografia dos autores escolhidos. Esses banners foram colocados
nas proximidades da área em que originalmente foi projetado o Largo dos Poetas.
Completando sua intervenção, o artista utilizou algumas birutas5 de cores
diferentes instalando-as sobre os arcos do viaduto. Cada biruta colorida estava
representando um momento de inspiração dos artistas. Com esse trabalho
dialogístico, o artista demostrou haver um potencial a ser explorado no espaço
cultural criado sob o viaduto.
Decerto, os artistas mineiros têm buscado formas diferentes de interação com o
público. E esse público, imerso num sistema opressor e inibidor de
manifestações reveladoras do sensível e do belo, é carente de algo que possa,
de alguma forma, resgatar o caráter do humano nas metrópoles contemporâneas.
Mesmo que para isso seja preciso retratar o desumano, enquanto manifestação
artística, a literatura apresenta-se como viés possível para a realização desse
resgate. Portanto, a despeito das mostras de declínio, a literatura oferece
algumas formas de resistência e continua levando para o público a alternativa
de interagir de forma crítica com o meio em que vive.
Uma dimensão poética
Juntamente com outras manifestações artísticas, a arte literária tem a
possibilidade de abarcar um público que tem formação diversificada,
principalmente quando pode ser fruto do diálogo crítico iniciado pela leitura
de acontecimentos às vezes banais, do dia-a-dia. Dessa maneira, a literatura
acaba ocupando um lugar que oscila entre o público erudito e o consumo popular.
Com a arte literária desprovida de um público alvo e de outras qualidades
mercantis, sendo inclusive chamada de “in-utensílio” por Paulo Leminski, fica
consolidado o embate tenso da mesma com o mercado. Por isso, aliado ao fato da
literatura valer-se na maioria das vezes do caráter subversivo da linguagem, o
lugar ocupado por ela é um lugar periférico, ou o lugar da marginalidade por
excelência. Assim, os artistas que se destacam, à medida que permanecem fiéis
às características de formas de expressão da arte literária, como os
consagrados Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, também passam a
ocupar o centro de uma periferia. Uma vez ocupando esse centro, os artistas
constituem um cânone para o meio artístico, embora sua projeção no mercado
ainda ocorra de forma bastante setorizada.
Desse modo, valendo-se da idéia de descentramento proposta pelo filósofo
francês Jacques Derrida, pode-se dizer que o espaço teórico denominado como o
entre é o lugar passível de ser ocupado pela arte literária. Assim sendo, cabe
ao artista contemporâneo equilibrar-se nesse espaço e intensificar seu empenho
na busca de maneiras concretas de interagir com um público já familiarizado com
o mundo virtual e midiático. Somente dessa forma, a literatura poderá continuar
estabelecendo um contato com o sujeito contemporâneo, ao indicar a
possibilidade de se continuar experimentando a dimensão poética do homem.
Notas:
1. Este estudo faz parte dos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos
Letra em Crise (GELC), do qual participo.
2. Premiado em out. de 97, pelo Instituto de Arquitetos/Curitiba.
3. Nome oficial – Arthur Bernardes.
4. A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte patrocinou o projeto intitulado
Cidade Viva 2000. Faz parte desse projeto, que envolve vários campos de
expressão artística e cultural, intervenções visuais cujo nome é Circuito Gira
Gira 2000.
5. Balões de forma cônica que servem para indicar a direção dos ventos de
superfície.
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DRUMMOND NA CONTEMPORANEIDADE
Maria Luiz Tolentino
Hoje, a fragmentação dos sentidos ocorre, numa incessante cadeia,
desprendendo-se do território dos conceitos fixos, onde reinava o império das
grandes teorias em que tudo era formalmente explicado, para a felicidade geral
dos seres humanos. Na contemporaneidade, os sentidos ancoram-se na pluralidade
das novas interpretações. A palavra e o sujeito fragmentam-se, numa coincidente
busca de novos sentidos a explorar.
Nessa movimentação de desprendimento, ou de rompimento com as formas rígidas do
pensar, é que surge o leitor de agora, com diversas possibilidades de criar e
recriar novas leituras e releituras. Contemporâneo é o sujeito que se fragmenta
como herdeiro dos versos de Mallarmé e Baudelaire, onde o significante não tem
suporte definido. Agora existe uma infinita rede: o leitor do agora exercita
uma leitura inquietante, desobrigando-se do sentido único e lógico, inventado
pelos senhores da razão.
O que se privilegia na contemporaneidade é uma escrita cuja lógica pode ser
chamada de a re-escrita da modernidade, ou seja, a capacidade de combinar
arbitrariamente fragmentos de frases, pedaços de informações, resíduos vitais
da escrita, que irão ser pensados e repensados por uma outra razão.
Dessa escrita surge o verso livre dos poetas da tradição moderna, de onde
escolhemos o poeta Carlos Drummond de Andrade, cuja escrita se faz com a emoção
e com os fragmentos da memória que se configura como força ativa do passado. O
poeta, iniciou seus versos num ambiente de mundo moderno, realizando uma
escrita atemporal que se arrasta até a contemporaneidade. Seus procuram
resgatar a significativa experiência do homem.
Extraímos da poética de Drummond elementos que nos remetem à idéia de buscas e
dúvidas a respeito das certezas de antes, e que, agora, são postas em
questionamento e já não trazem mais a marca do definido e sim das incertezas em
que o poeta se lançou. A partir daí, percebemos que ser gauche, em Drummond,
indica as características e os traços do sujeito contemporâneo, homem do agora
cuja identidade entrou em colapso em diferentes momentos e não são mais
unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de cada um há identidades
contraditórias. Assim também é caracterizado o ser gauche, tema explicado por
Affonso Romano de Sant’Anna:
gauche é a palavra em que cristalizou a essência da personalidade estética do
poeta. Significa basicamente o indivíduo desajustado. O gauche é caracterizado
pelo contínuo desajustamento entre a sua realidade e a realidade exterior. Há
uma crise permanente entre o sujeito e o objeto que, ao invés de interagirem e
se completarem, terminam por se opor conflituosamente.
E nesse duelo das tensões geradas entre o sujeito e o objeto é que percebemos a
voz dos poemas, denunciando a condição da existência do ser multidirecionado,
perdido no caminho, como a inexplicável pedra que suscitou indagações e
especulações nas quais vamos encontrar o sujeito finissecular: homem anônimo,
sem rumo, sem identidade, à procura de máscaras para a sobrevivência num mundo
que se desprendeu da natureza, para se enraizar no mundo inseguro das produções
humanas, homem que encontra seu valor no mundo pelo preço de sua força de trabalho,
desprovido dos valores humanos.
Quando retrata o gauche, Drummond mostra o sujeito desajustado, deslocado e
conflituoso o que nos remete à idéia de um ser que lida com o mundo de forma
desarmônica, contraditória e fragmentada: trata-se do sujeito contemporâneo, em
busca de uma identidade em crise. No poema “A ilusão do Migrante”, está
explicitada a idéia do homem diverso, desagregado, do ser múltiplo:
Quando vim, se é que vim
De algum para outro lugar
O mundo girava, alheio
À minha baça pessoa,
E no seu giro entrevi
Que não se vai nem se volta
De sítio algum a nenhum.
O elemento que
perpassa o poema é a voz do sujeito no entre-lugar, ou sem lugar: se tinha a
certeza de sua origem acabou por perdê-la. Indaga sobre seu nascedouro e
termina por não saber o quando, o onde, nem o tempo ou o lugar de suas origens.
Configura-se como um sujeito perdido nas entranhas de seu tempo e seu espaço,
imerso numa diversidade temporal e espacial, com uma identidade posta em
questão: o próprio migrante.
Há, no entanto, uma distinção entre o espaço e o lugar: os lugares permanecem
fixos, neles encontramos as raízes, entretanto, o espaço pode ser cruzado pelo
migrante que o atravessou através do tempo e se perdeu na sua ilusão que é
ilustrada na seguinte passagem:
Quando vim da minha terra,
não vim, perdi-me no espaço,
Na ilusão de ter saído,
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
Assim o poeta expressa o sentimento daquele que atravessa as fronteiras de seu
lugar natural, como ele próprio o fez, e que o dispersa de sua terra natal, mas
que, paradoxalmente, retém fortes vínculos com seu lugar de origem e com suas
tradições, em contraste com seu passado e com a ilusão de um rompimento
concreto.
A presença constante desse ser migrante é notada no eixo da contemporaneidade
que, ao cruzar os espaços através do tempo, distancia-se de seus começos e se
encontra em constante estado de mudança. Esse deslocamento espacial vivenciado
cria possibilidades de mil direções. Isso ocorre, porém, com uma certa
singularidade: sendo ele um sujeito que entra em contato com novos modos de
vida, é condenado a relacionar-se com essas novas formas de viver e pensar, sem
contudo, incorporar visceralmente esses novos modos de vida.
O sujeito adquire uma identidade adaptável aos novos lugares e a outras
circunstâncias.
A posição desse sujeito é como a de um andarilho, que, longe de suas origens,
fragmenta-se e se torna um desconhecido para si mesmo em detrimento do novo
espaço que é obrigado a conquistar. Há uma tensão entre sua identidade de homem
enraizado e sua identidade transitória, exigida pelas demandas dos novos e dos
velhos tempos, como em Ulisses, que encena a necessidade de deslocamento do
homem para conhecer outros mundos.
Mesmo com essa movimentação de idas e vindas, o sujeito carrega os traços de
suas tradições, linguagens e suas historias particulares, nessas estão as
marcas de sua condição de ser como percebemos nessa passagem do poema em
estudo: “A ilusão do migrante”,
Que carregamos as coisas
moldura da nossa vida
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente em nossas fundas paredes
Nesse transitar há uma voz do passado, como se fosse um eco que ressoa,
revelando seu lugar de origem e a busca do que passou. É o sujeito híbrido do
nosso tempo, transportado entre fronteiras. Encontramos em Drummond a
característica do poeta migrante, pertencente a dois mundos: o provinciano
itabirano e o urbano fluminense.
Trata-se de uma poesia em trânsito que, em seus versos, traz a voz de Minas. O
poeta explora o lugar de origem, a cidade em que nasceu, a vida interiorana.
Sua poesia recai sobre as dores atuais, o homem da rua, as cidades históricas
de Minas. Mesmo tratando-se de uma região específica do país, nada possui de
provinciano, seus versos se realizam reunindo a contradição do local e do
universal.
A casa é o lugar fixo e o tempo é algo que se esvai. É a estrada que o homem
percorre em busca de suas raízes e ao mesmo tempo de seu abandono, é o homem
sem rosto, desmascarado pelo seu tempo é o que percebemos no poema “A casa do
tempo perdido”:
...Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve minha ânsia de entreabrir esses paços
gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar
no bater e bater.
No poema “Acordar, Viver”, o poeta trata o tempo como um ato de despedida da
vida:
como acordar sem sofrimento?
recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a terra e sua púrpura demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
O sujeito poético faz do tempo o algoz da existência humana, insere seu
sofrimento numa realidade de mundo frio e pétreo. A consciência do
dilaceramento da vida pelo tempo abre as feridas existenciais e nelas há o
silêncio das perguntas sem respostas. Das perguntas sem respostas, perguntas
existenciais, surge a conclusão de que a vida é pétrea. O indivíduo caminha
para assumir a tragédia que a vida comporta. Existe a consciência da destruição
e da expectação da morte que funcionam como elementos integradores da vida e ao
mesmo tempo revelam o sentimento de angústia diante da certeza da
transitoriedade da vida que fatalmente caminha para o fim. E talvez por isso o
poeta refere-se à vida como sendo pétrea, fria como o mármore que encobrirá o
corpo.
No poema a “Carne envilecida”, o elemento central traduz-se pela presença da
finitude, do descontínuo e da transitoriedade do ser. O corpo é vítima da ação
demolidora do tempo:
A carne encanecida chama o Diabo
E pede-lhe consolo. O diabo atende
Sob as mil formas de êxtase transido,
Volta a carne a sorrir, no vão intento
De sentir outra vez o que era graça
De amar em flor e em fluida beatitude.
Mas os dons infernais são novo agravo
À envilecida carne sem defesa,
E nada se resolve, e o aroma espalha-se
De flores calcinadas e de horror.
O sujeito poético faz um apelo ao diabo que o atende, mas isso de nada adianta,
o corpo está condenado ao envelhecimento, exposto à ação do tempo que
inexoravelmente, caminha para a sua destruição.
O tempo é um dos mais importantes temas da poesia de Drummond, é o principal
combustível que move a sua linguagem poética. Ele o descreve incorporando
elementos do passado, do presente e do futuro que é assim descrito no poema: O
segundo, que me vigia
Implacável ponteiro dos segundos.
Não, não quero este decassílabo.
O que eu queria dizer era:
O segundo, não o tempo é implacável.
Tolera-se o minuto. A hora suporta-se.
Admite-se o dia, o mês, o ano, a vida,
A possível eternidade.
Mas o segundo é implacável.
Sempre vigiando e correndo e vigiando.
De mim não se condói, não pára, não perdoa.
Avisa talvez que a morte foi adiada
Ou apressada
Por quantos segundos?
Do segundo à eternidade, o sujeito poético desfia o tempo e cai no paradoxo de
suportar toda uma vida, mas não o segundo, a partícula menor do tempo. É o
tempo vigiando a vida, fazendo-se passar por ela, atravessando a existência. Lentamente,
é o segundo que chega de mansinho, e o segundo é o exato momento do presente,
sendo o minuto, a hora, o dia, o mês, o ano, a vida, já transformados no
passado e a eternidade no futuro. O poeta manipula os elementos temporais como
um químico em seu laboratório. Traz o sujeito para uma consciência da
destruição contínua e progressiva da vida. Esse homem, animal enfermo de
temporalidade, exibe os dois componentes essenciais de seu ser: o instinto da
morte e o instinto da vida.
É num ambiente de transformações que Drummond realiza sua arte poética. Num
período em que o mundo passa por caminhos de insegurança e insensibilidade, as
certezas construídas pela idéia do progresso vão chocar-se contra o real
trágico do século XX, atravessado por duas grandes guerras mundiais, e várias
outras tragédias coletivas. A questão do sujeito e sua relação com a
temporalidade sofre mudanças, configura-se uma nova relação de tempo e espaço.
O futuro já não é mais visto com o acenar de glórias, e o presente não é mais o
agora e sim a necessidade da releitura do passado para enfrentar uma nova
marcha.
O sujeito senhor de seu destino perfeito, que marcha direto para a perfeição,
não é mais idealizado. O progresso deixa de ser a força motriz da evolução
social. A identidade deixa de ser lida a partir do interior para se projetar
num espaço exterior. O modo de olhar em relação ao sujeito sofre a pluralização
dos espaços e a alteridade inaugura agora a nova era.
Nessa alteridade, podemos perceber a escrita de Drummond que se aproveita de
sua vivência, elaborando-a com a do outro para escrever seus poemas. Nessa
arte, notamos a condição do sujeito contemporâneo, sem identidade, com muitas
faces, insatisfeito, cindido, a buscar novos caminhos, tantos novos caminhos
que nenhum lhe basta. Assim é o sujeito gauche de Drummond, plenamente
contemporâneo, que atravessou o tempo e o espaço do século XX, tentando
acreditar numa era de progresso da humanidade, mas que ao final se vê cada vez
mais esfacelado pelas arestas do progresso que não cumpriu sua promessa de
felicidade.
Observamos que a poética de Drummond é perpassada pela fugacidade da vida, pela
consciência da dor, da finitude e da transitoriedade. Sua escrita deixa lacunas
em seus versos e perguntas sem respostas. A experiência de vida, o tempo e o
espaço foram transformados em linguagem poética, permitindo de certo modo o
diálogo de sua obra com outros poetas contemporâneos. A esse respeito o crítico
Heitor Ferraz tece o seguinte comentário:
Carlos Drummond é o epicentro da poesia brasileira neste século, consolidando o
modernismo e se projetando na obra de poetas contemporâneos que podem assumir
ou negar sua influência, mas sempre dialogam com sua obra.9
E, a exemplo disso, temos a poetisa Adélia Prado que faz uma intertextualidade
com a obra de Drummond ao publicar o poema “Com licença poética”:
quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira,
Cargo muito pesado pra mulher,
Esta espécie ainda envergonhada,
Aceito os subterfúgios que me cabem,
Sem precisar mentir.
A poetisa dialoga com o “Poema de sete faces“ em que poeta gauche funda uma
identidade poética. O anjo de Drummond é torto, vive na sombra e sentencia ao
sujeito poético a maldição: a sua condição de ‘gauche na vida’
No entanto, como podemos perceber, a poetisa se apresenta afirmando-se pela
diferença, enuncia o poema sob a ótica do feminino, seu anjo é esbelto, toca
trombeta e anuncia-lhe a missão de “carregar bandeira”, ela descarrega o poeta
do peso da sua maldição e inaugura a poética do desdobramento, o ser
desdobrável que se afirma pela alteridade.
Nesse trabalho concluímos que o poeta traz a marca do contemporâneo, ao mesmo
tempo que participou do eixo da tradição literária moderna, num panorama de
modificações e rupturas com as estruturas estéticas identificadas ao passado. O
prosaísmo de seus versos permitiu a incorporação de novos elementos estéticos
ao discurso poético, propiciando a dilatação das fronteiras do literário e
reforçando o pensamento de que a poesia é forma, organização acertada de
palavras que alcança o espírito na sua necessidade de se fazer imortal.
Notas:
1. SANT’ANNA, 1972. p.31
2. DRUMMOND, 1996. p.20
3. DRUMMOND, 1996. p.20
4. DRUMMOND, 1996.p.20
5. DRUMMOND, 1996.p.15.
6. DRUMMOND, 1996. p.16.
7. DRUMMOND, 1996.p.14.
8. DRUMMOND, 1996. p.80
9. FERRAZ, 1999. p.27
10. PRADO, 1991, p.11
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poética. 21 ed. Rio de Janeiro: Record, 1962.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Farewell.
Rio de Janeiro: Record, 1996.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III. Charles
Baudelaire – Um lírico no auge do Capitalismo. Trad. J.C.M.
Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1994.
COMPAGNON, Antonie. Os cinco paradoxos da
modernidade. Trad. C.P.Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.
DOSSE, François. História do
estruturalismo, v. 1. São Paulo: Ensaio, 1993.
HALL, Stuart. A identidade cultural
pós-moderna. Trad. Tomaz. Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro.
Rio de janeiro: 1998.
JAMESON, Frederic, Espaço e imagem – teoria
do pós moderno e outros ensaios. Trad. Ana Lúcia Gazolla. Rio de
janeiro: Editora UFRJ, 1994.
SOARES, Claudia Campos. O afã e a
insolvência: a marca do dilaceramento na poética de Adélia Prado.
Florianópolis: UFSC, 1992. (Dissertação, Mestrado em Literatura Brasileira)
VASCONCELOS, Mauricio Salles, e COELHO, Haydée Ribeiro. 1000 Rastros rápidos - cultura e milênio. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 1999.
ARNALDO ANTUNES: UMA POÉTICA DE AGORA
Vívien Gonzaga e Silva
A voz saía de uma placa metálica
retangular semelhante a um espelho fosco, embutido na parede direita. (...) O
aparelho (chamava-se teletela) podia ter o volume reduzido, mas era impossível
desligá-lo de vez.
George Orwell, 1984.
“É preciso estar ciente de que, se essas tão imensas inovações transformam toda
a técnica das artes e, nesse sentido, atuam sobre a própria invenção, devem,
possivelmente, ir até ao ponto de modificar a própria noção de arte, de modo
admirável.”
Pouco menos de um século após a publicação do texto de Paul Valéry, de onde foi
extraída essa passagem, por Walter Benjamin, o interesse pela relação entre as
artes e o meio técnico ainda está longe de se esgotar.
É a análise dessa relação que servirá de baliza para a discussão que propomos
aqui, como um modo de compreendermos, mesmo que precariamente, o que tomamos
como identidade nessa transição de séculos.
A pertinência das indagações de Valéry fica mais evidente em outro trecho:
Tal como a água, o gás e a corrente elétrica vêm de longe para as nossas casas,
atender às nossas necessidades por meio de um esforço quase nulo, assim seremos
alimentados de imagens visuais e auditivas, passíveis de surgir e desaparecer
ao menor gesto, quase que a um sinal.
Podemos pensar que o prognóstico contido nas palavras do poeta e ensaísta
francês consumou-se já com o advento da televisão, que veio viabilizar a
disseminação de imagens com a mesma velocidade e poder de alcance que a voz já
experimentava através do rádio, transpondo para um domínio próprio o fascínio
exercido pelo cinema falado e assegurando para si um posto singular no universo
da cultura de massas. Tudo, a partir do simples apertar de um botão. O que
talvez ainda não pudesse ser mensurado por Valéry, em sua época, era a dimensão
que este gesto mínimo assumiria no decorrer de poucos anos.
A crescente incursão de tecnologias avançadas em grande parte das áreas de
atuação humana confere ao comando digital uma posição ambígua. Por um lado,
constitui uma habilidade privilegiada que, em si, pressupõe a inserção do
sujeito numa esfera de conhecimento específica, dotada principalmente de uma
linguagem própria, cujo acesso é graduado por fatores como poder aquisitivo,
ocupação profissional, escolarização etc. Isto significa que a apropriação
dessa linguagem demarca um certo “poder” diante das demandas cotidianas, o que
configura, num certo sentido, um status diferenciado que aponta, dentre outras
coisas, para a formação de uma nova plataforma de valores sociais e
individuais.
Por outro lado, o exercício ostensivo dessa habilidade digital, em escala de
substituição progressiva de outras habilidades humanas, torna cada vez menos
perceptível a mediação corporal entre o apelo subjetivo e sua resposta no meio
externo. O “desejar fazer” e o “está feito” diferenciam-se por um átimo,
favorecendo um certo alheamento do sujeito em relação ao processo do qual ele é
agente, o que não se diferencia da “alienação do trabalho” da qual nos fala
Karl Marx, contudo, não se restringindo, hoje, às atividades profissionais.
Esse alheamento é reforçado, singularmente, por artifícios tecno-mercadológicos
que buscam minimizar o aspecto hostil do universo maquínico e acabam por
insinuar uma possível identificação entre máquina e homem. É o que ocorre, por
exemplo, com a utilização de gravações ou de vozes sintetizadas em terminais
eletrônicos, o que confere à inteligência artificial uma assombrosa
“humanidade”. Já não é raro presenciarmos – ou mesmo protagonizarmos – um
diálogo “amistoso” entre a máquina e seu operador.
Cabe perguntar, aqui, até que ponto temos consciência dos limites dessa
“identificação” ou controle sobre eles. Ou, ainda, até que ponto os padrões de
eficiência humana não estariam sendo espelhados nos parâmetros impostos pelo
progresso tecnológico.
O nome das coisas
Pensar que a arte ficaria à margem desse progresso seria ignorar sua dimensão
pragmática, pressupondo-se, logicamente, que estariam incluídas nesse universo
aquelas atividades ligadas a manifestações de ordem psicossociais, como os
esforços de comunicabilidade, por exemplo.
Diga-se a propósito, que a história da arte, entendida como disciplina
humanística, está muito próxima do estudo das imagens como linguagem. Não é à
toa que muitos conceitos utilizados no campo da arte tenham sua origem no
desenvolvimento de ciências como a antropologia ou a arqueologia que, não
raramente, se apoiam na produção artística e, particularmente, no acervo de
imagens produzidas em um período para a reconstrução da cultura geral de uma
civilização.
Como afirma Omar Calabrese, “as formas expressivas são consideradas formas
simbólicas, isto é, capazes de manifestar conteúdos que não são diretamente
motivados pelo aspecto natural das próprias formas.”
Nessa linha de pensamento, faz sentido tentarmos analisar as representações
veiculadas pela arte contemporânea com o intuito de entendermos alguns aspectos
da cultura de nosso tempo e as múltiplas identidades que a ele se vinculam.
Mais precisamente, faz sentido, neste espaço, partirmos de uma expressão
artística em particular para nos movermos no terreno onde, a nosso ver,
configuram-se algumas linhas dessa identidade.
Eu berro as palavras
no microfone
da mesma maneira com que
as desenho, com cuidado,
na página.
Neste fragmento do poema que abre o livro Psia, de Arnaldo Antunes, já é
possível perceber que estamos lidando com a idéia de “trânsito” entre meios
diversos. Não por acaso, e mesmo considerando-se o caráter ficcional da obra
literária, o trecho em questão remete ao fato de que Antunes é também cantor,
e a aproximação feita entre os dois veículos – o microfone e a página de papel
– já oferece indícios para pensarmos que uma das marcas da contemporaneidade é
a existência de mídias diversificadas.
Mas, antes de nos lançarmos na análise dessa questão, vamos abordar outro
aspecto interessante desse poema: sem título destacado, ele vem impresso na
orelha do livro, ou seja, no prolongamento da capa que, quando existe, via de
regra, é reservado à apresentação da obra e do autor. Em Psia, o próprio poema
se encarrega de cumprir esta função:
Psia é feminino
de psiu;
que serve para chamar a atenção
de alguém, ou para pedir silêncio.
Está enunciado, nos primeiros versos, a partir de uma falsa definição do termo
“psia”, o propósito do autor: chamar a atenção do leitor, pedir silêncio para
que se prossiga a leitura.
Com projeto gráfico e diagramação do próprio Arnaldo Antunes,
esse poema ocupa todo o espaço da orelha. Entretanto, o texto é dividido por um
picote no papel,
o que sugere que uma das partes seja destacada, transformando-se em marcador de
texto, objeto avulso, exterior ao livro. Ora, com esse efeito, a própria
integridade do poema é colocada em questão: a idéia de fragmentação extrapola a
linguagem poética para manifestar-se como fragmentação física do objeto poema,
incidindo sobre as palavras:
Para transformá-las em coisas,
em vez de substituírem
as coisas.
Não se trata aqui de apresentar o trabalho desenvolvido por Arnaldo Antunes
como mostra de originalidade, mas, sobretudo, como um exemplo relevante, na
poesia brasileira, de uma conduta artística que vem se constituindo sob o signo
das transformações verificadas mundialmente no decorrer do século XX, as quais
ocorreram, de modo especial, a partir da intervenção de novas tecnologias.
Em seu prefácio a Un coup de dés, Stepháne Mallarmé já explicita, no século
XIX, uma mudança de tratamento do espaço gráfico:
Os “brancos”, com efeito, adquirem importância, chocam de início; a
versificação os exigiu, como silêncio em torno, ordinariamente, até o ponto em
que um trecho, lírico ou de poucos pés, ocupe, no centro, a terça parte mais ou
menos da folha: não transgrido essa medida, apenas a disperso. O papel intervém
cada vez que uma imagem, por si mesma, cessa ou se oculta, aceitando a sucessão
de outras.
Esse é, também, o cerne das experiências concretistas, que ganharam projeção em
meados do século XX, como está assinalado no seguinte trecho do Plano-piloto
para poesia concreta, importante manifesto da vertente brasileira desse
movimento:
dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a
poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente
estrutural.
Seria arriscado, salvo em raríssimos casos, tentar situar o nascimento de uma
proposta estética em um momento específico, ou mesmo creditá-la a um movimento
em particular, porém, é inegável que alguns dos procedimentos formais em
gestação desde o final do século XIX estão na base da prática poética
contemporânea.
A reordenação conceitual que se processa, a partir daquela época, pode ser
vista como a elaboração de uma resposta ao esgotamento das possibilidades
discursivas da linguagem frente a um contexto de transformações muito agudas. É
especialmente significativo, nesse sentido, que o manifesto dos concretos,
dentre outras formulações teóricas surgidas nesse período, proclame “uma
responsabilidade integral perante a linguagem”,
o que, de certa forma, resume muitas das proposições estéticas reivindicadas,
simultaneamente, por diversos movimentos que delinearam o perfil da
modernidade, não só na poesia, mas nas artes de um modo geral. Guardando as
particularidades de cada um desses movimentos, é certo que há um ponto de
confluência entre eles que configura não somente um novo posicionamento diante
das possibilidades de uso do código verbal, mas intensifica, a partir da
reflexão crítica sobre o fazer artístico, o entrelaçamento de códigos
distintos.
É oportuno ressaltar que o trânsito intersemiótico é inerente e necessário a
qualquer processo cognitivo, encontrando-se, mesmo, na base de toda produção
simbólica que permeia a expressão humana. No entanto, no que se refere a
experimentos intencionais no âmbito da mesclagem sígnica, o momento que marcou
a nossa entrada na modernidade é particularmente relevante.
Como bem assinala Gilberto Mendonça Teles, esse período é marcado por “um ideal
comum de renovação artística”,
a partir do qual a poesia assimila as técnicas pictóricas ao mesmo tempo em que
as artes plásticas se apoiam nas idéias filosóficas e poéticas, em ebulição nas
primeiras décadas do século XX.
Neste sentido, é extraordinária a ascendência do cubismo sobre as demais
modalidades de expressão artística. Ao atuar sobre a decomposição das formas,
recompondo-as em planos geométricos simultâneos, os pintores cubistas não
fizeram menos que explicitar um novo modo de perceber a realidade. A proposta
de apreensão instantânea de múltiplos ângulos desestabilizava o olhar,
impelindo-o para o confronto com uma realidade fracionada, em que a
subjetivação deveria agir como elemento fundamental na construção de sentido.
Ao mesmo tempo, a introdução de técnicas inovadoras, como a colagem, ou mesmo a
utilização de suportes não convencionais, acabam significando a ruptura com uma
prática agonizante, fundamentada no efeito de ilusão, ou seja, na tentativa de
retratação idealizada da realidade.
Embutida nesses procedimentos formais está toda uma discussão sobre a autonomia
da arte e do objeto artístico e, portanto, da própria noção de realidade e da
relação entre esta e aqueles. Trata-se de um caminho sem volta, que coloca em
debate também a natureza do meio, que seria, ele próprio, dotado de
expressividade e de significação. Em suma, processa-se uma profunda revisão,
fundamental para a produção literária da época, das noções que envolvem a
linguagem artística, tratada, então, em sua materialidade. Abre-se, com os
modernistas,
uma trilha não de todo explorada até os dias de hoje.
Os nomes dos bichos não são os bichos.
Os bichos são:
Macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha.
Os nomes das cores não são as cores.
As cores são:
Preto azul amarelo verde vermelho marrom.
Os nomes dos sons não são os sons.
Os sons são.
Só os bichos são bichos.
Só as cores são cores.
Só os sons são
som são
nome não
Os nomes dos bichos não são os bichos.
Os bichos são:
Plástico pedra pelúcia madeira cristal porcelana papel.
Os nomes das cores não são as cores.
As cores são:
Tinta cabelo cinema céu arco-íris tevê.
Os nomes dos sons.
Como se pode ver, “Nome não” reedita alguns aspectos da reflexão em torno do
signo lingüístico: nega e afirma o real por meio do signo, colocando em xeque a
própria significação; o nome das coisas não são as coisas mas, numa civilização
que tem no verbum até mesmo a base de sua cosmogonia, as coisas só se dão a
conhecer por meio do nome. A prática metalingüística presta-se, então, a minar
o alicerce em que se assenta todo o sistema de conhecimento ocidental,
explicitando, numa rede associativa enclausurada no significante, o esforço vão
de apreender o inapreensível pela via da linguagem.
É interessante observar que, no poema escrito, o trecho que enuncia “os sons
são” fica pendente, quebrando a expectativa criada nos versos anteriores; no
disco, porém, esse mesmo verso vem seguido de solos instrumentais: não há
nomeação – o significado é, então, presentificado e, por meio do sentido
auditivo, prescinde da expressão verbal.
Podemos dizer que, nesse caso, a discussão crítica sobre as possibilidades
expressivas dos diversos códigos ocorre no âmbito mesmo do fazer poético, por
meio da exploração simultânea e suplementar das especificidades desses códigos.
Esse fazer poético constrói-se, então, sobre o que Melo e Castro denomina de
“equivalências estruturais”,
permitindo a articulação concomitante de sinais verbais e não-verbais. De um
modo geral, no projeto poético desenvolvido por Antunes, encontramos, além
dessa articulação, a utilização de recursos tecnológicos e de mídias
diferenciadas, não apenas na condição de mero veículo, mas como elemento
constituinte de uma proposta estética.
Se Mallarmé tivesse um sampler
Seria inútil e desnecessário buscarmos compreender a obra de Arnaldo Antunes a
partir de uma provável filiação estética. Porém, como ocorre com outros nomes
dessa poesia que se produz nos dias atuais, há na obra de Antunes pelo menos
uma herança visível da modernidade, que diz respeito à união entre a prática
poética e a reflexão crítica sobre essa prática.
“Artista multimediático e intersemiótico” – assim se refere Haroldo de Campos a
Arnaldo Antunes, em seu posfácio ao livro 2 ou + corpos no mesmo espaço.
Trata-se de um pequeno texto de pouco mais de 15 linhas, capaz, entretanto, de
tangenciar algumas questões interessantes. Falando sobre a natureza icônica da
obra de Antunes, Campos transcreve um trecho no qual Walter Benjamin afirma
que, por meio dessa “nova escrita de trânsito universal, os poetas renovarão
sua autoridade na vida dos povos”. Servimo-nos dessa declaração de Benjamin
para pensar o papel do artista e tentar entender algumas especificidades de sua
atuação dentro das condições atuais.
Não é demais voltar aos experimentos de Mallarmé, que chegaram até nós apenas
sob a forma de anotações esparsas e pequenos fragmentos, à parte o texto de Un
coup de dés. Analisando o projeto mallarmiano de dar forma ao seu Livre –
“máquina poética” destinada a combinações infinitas de palavras e frases, num
movimento contínuo de geração de poemas –, Arlindo Machado observa:
para que a sua mecânica combinatória fosse colocada em movimento e ainda para
que nenhuma relação se impusesse como definitiva, ele deveria ser estruturado
como um objeto tridimensional, em que a coordenada de profundidade funcionaria
como eixo do paradigma, estoque potencial de palavras ou frases que se poderiam
permutar durante o ato de realização do poema.
No contexto em que situamos a nossa análise, até agora, vemos que a proposta de
uma produção poética capaz de transpor os limites de seu suporte material já
vinha sendo acalentada muito antes que surgissem os recursos técnicos capazes
de viabilizá-la.
No entanto, o desenvolvimento meteórico da indústria eletrônica coloca anos-luz
de distância entre os nossos dias e o fazer poético limitado à composição
tipográfica que deu origem à imprensa no século XV e revolucionou o mercado
editorial nos séculos seguintes. Nesse sentido, o artista contemporâneo tem uma
participação significativa e, como observa Eduardo de Assis Duarte, é preciso,
por exemplo, “ponderar a respeito da literatura enquanto impulsionadora de
inovações técnicas, em termos da demanda por ela exercida no aprimoramento dos
meios de difusão/circulação de mensagens”.
Vemos aí uma relação simbiótica na qual o artista, ao se apropriar de recursos
tecnológicos para dar forma a sua expressão, estaria interferindo em processos
aparentemente distantes da dimensão criativa e estimulando não só o
aperfeiçoamento do meio técnico, mas a sua popularização.
A indústria cultural, cada vez melhor aparelhada, insere o artista num outro
circuito, no qual estão concorrendo interesses os mais diversos. A realização
de um único show musical ou a produção de um filme, como exemplos, podem
envolver altos investimentos na locação de equipamentos eletrônicos
sofisticadíssimos. Isso, por um lado, propicia resultados impensáveis sem tais
recursos; por outro, vincula-se a uma complexa estrutura de mercado em que
estão em jogo, dentre outros fatores, verbas de patrocinadores, contratação de
profissionais especializados, investimentos em mídia, bilheterias milionárias
etc.
Parte integrante dessa estrutura, o artista contemporâneo distancia-se cada vez
mais da figura sacralizada, confinada em sua elaboração solitária, para
interagir com outros agentes cuja participação é tão intensa na materialização
de um projeto artístico que, não raro, podem adquirir o status de co-autores:
engenheiros de som, técnicos em computação, editores de imagens, programadores,
web designers e uma infinidade de novas categorias profissionais das quais o
artista está cada vez mais próximo – quando ele mesmo não as assume.
Essa interação com outros campos de conhecimento coloca o artista (e a obra de
arte) numa esfera cotidiana na qual é possível um novo tipo de inserção na
realidade, ou de uma espécie de resgate da “autoridade na vida dos povos”, como
queria Benjamin.
Tudo ao mesmo tempo agora
É também na esfera da cotidianeidade que se trava, de fato, o confronto de
identidades. Ao que parece, torna-se cada vez mais difícil ignorar a influência
das novas tecnologias, a não ser numa condição de ruptura com os padrões
socialmente constituídos. Não havendo essa ruptura, qualquer indivíduo deve
estar predisposto a lidar com sistemas automatizados, hoje presentes nas ações
mais corriqueiras da vida urbana: encontrar um livro em uma biblioteca, pagar
uma conta de telefone, buscar informações na Internet, exercer o direito de
voto.
Esse caráter quase ubíquo das tecnologias contemporâneas, capazes de se
imiscuírem nos mais diversos setores das atividades humanas, não indica apenas
uma dilatação das possibilidades produtivas, mas revelam uma nova lógica que
regula as formas de interação dos indivíduos com o meio.
Alguns estudos de Paul Virilio são especialmente significativos na análise
dessa questão. Vejamos, por exemplo, como ele demarca a história moderna a
partir da invenção de cinco “motores”:
primeiro, o motor a vapor, responsável pela criação da primeira máquina que
serviu à revolução industrial. Foi ele que permitiu a visão do mundo através do
trem, a visão em desfile que prenuncia a visão do cinema. O segundo motor, de
explosão, propiciou o surgimento do avião e do automóvel. O homem pôde obter
uma informação e visão inéditas, proporcionou a visão aérea. O terceiro motor
foi o elétrico, que deu origem à turbina, à eletrificação e criou a visão
noturna das cidades. O motor elétrico favoreceu o cinema, que é uma arte do
motor. O quarto motor, o foguete, permitiu ao homem escapar da atração
terrestre e obter uma visão da Terra a partir da lua. O quinto é o motor à
inferência lógica, do software, que permite a digitalização da imagem, do som,
e o surgimento da realidade virtual. Esse último modifica a nossa relação com o
real a partir da possibilidade de criação de uma outra realidade que funciona
ao vivo.
(grifos nossos).
Privilegiando outros elementos, Arnaldo Antunes também percorre a história,
traçando, contudo, uma linha em ordem inversa:
antes de existir computador, existia a tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio 21
Mito retomado em novo domínio semântico, o instante primordial é recuperado à
luz do engenho humano. A linha do tempo – metáfora de um novo olhar sobre uma
velha história – vem pontuada não por eventos ou datas, mas por ícones da
civilização, símbolos que assumem uma carga de significação ampliada, capaz de
referenciar estágios da história humana e de suas respectivas identidades.
Nos versos de “O silêncio”, o movimento em flash-back superpõe e entrelaça
grupos de referências que deixam entrever uma outra trajetória: antes de
existir computador, o homem compreendia a realidade e relacionava-se com ela
diferentemente daquele que assistiu às primeiras transmissões dos sinais
eletromagnéticos pela televisão (imagens!); ou daquele que viu serem
substituídos, um a um, os lampiões a gás pela lâmpada elétrica. É um exercício
instigante pensar que identidade seria possível apreender no estágio atual
dessa história, demarcada por Antunes pela existência/signo do computador.
Há, na escala descendente de “O silêncio”, perdas implícitas: o homem da era do
computador, da realidade digitalizada, recriada no plano virtual, tem anseios
quase inexprimíveis fora de um outro espaço, também virtual, o da linguagem em
sua vertente poética. É nesse espaço que, na impossibilidade (ou na
inutilidade) de romper com uma história dada – voz, alfabeto, enciclopédia... –
o poeta ainda pode propor a recuperação de uma dimensão ancestral: “vamos ouvir
esse silêncio meu amor / amplificado no amplificador”. Convite aporético que
resgata, na sonoridade do cotidiano contemporâneo – “batedeira liquidificador”
–, o silêncio pré-verbal, “a primeira coisa que existiu / um silêncio que
ninguém ouviu”.
Com base, também, nas colocações de Virilio, Luiz Alberto Brandão Santos
assinala a substituição gradativa de uma “estética da aparição”, cujas
referências se encontram na concretude de “imagens estáveis”, numa dimensão
espácio-temporal também estável, por uma “estética do desaparecimento”, cujas
bases estariam na produção sintética de “imagens instáveis”, móveis, calcadas,
apenas, na velocidade de sua propagação. Estaríamos vivenciando, segundo
Brandão Santos,
um processo de “desregulamentação das aparências físicas em que a localização e
a identificação perderam progressivamente seu significado”. Num universo onde a
observação direta das aparências é substituída pela teleobservação,
necessariamente mediatizada, de “trans-aparências” (cuja concretude se limita à
luminosidade impalpável constituinte das imagens), a cidade se apresenta como
“paisagem fantasmática”, como resíduo incômodo de uma era ultrapassada, como
espaço que tem de ser enfrentado por aqueles que não podem se beneficiar da
instantaneidade protetora e isolante das ações à distância.22
Agora já passou
O título desse tópico reproduz o único verso de uma das músicas de Antunes,
editada no Cd Nome, bem como no vídeo e no livro homônimos. Em “Agora”, o
compositor parece dar corporeidade ao movimento e à velocidade, fazendo-nos lembrar
de um trecho de Água Viva, de Clarice Lispector, que vale a pena transcrever:
mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende e apaga. O presente
é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no
chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará no imediato que absorve o
instante presente e torna-o passado. Eu, viva e tremeluzente como os instantes,
acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só aquilo que capto em
mim tem, quando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das
palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que o instante,
quero seu fluxo.23
O poema de Antunes também propõe uma captura impossível, construindo-se por
meio da tentativa frenética – e frustrada – de pronúncia integral dos vocábulos
que, no disco e no vídeo, se sobrepõem e se interrompem uns aos outros.
Utilizando apenas o recurso de programação de voz, sem acompanhamento
instrumental, “Agora” cria uma sonoridade quase hipnótica, acentuada, no vídeo,
pelo efeito de fragmentação da imagem, sendo que, nessa mídia, o poema é
acrescido do verso “agora outro agora” que insurge, instável, do fundo da tela.
A supervalorização da velocidade é, a propósito, uma das marcas do mundo
contemporâneo. A consolidação gradativa de uma realidade eletronicamente
mediada, on line, alimentada pela obsolescência das imagens, em sentido amplo,
desestabiliza algumas categorias de pensamento bem complexas como, por exemplo,
o binômio tempo/espaço.
À parte concepções que devem ser historicizadas, o que interessa aqui é a
profunda mudança que vem ocorrendo na maneira pela qual o homem contemporâneo
percebe essas dimensões. Parece óbvio que apreendemos o mundo exterior pelas
informações que os sentidos detectam no meio ambiente e pelo modo como o
sistema nervoso processa essas informações. Mas como isto ocorre a partir da
mediação de instrumentos capazes de maximizar os sentidos? Em que medida o
processamento qualitativo estaria sendo comprometido pela preponderância quantitativa
dessas informações?
Seria um equívoco tratar essa questão como se o progresso tecnológico fosse
dotado de uma dinâmica autônoma, e não configurasse o resultado de opções
feitas por esta ou aquela sociedade. Em um pequeno artigo sobre os meios de
comunicação de massa, Néstor García Canclini traz à luz essa discussão:
Quem prescreveu que o discurso televisivo tem que viver o tempo todo em
velocidade e nos manter fascinados apenas com o recurso da renovação
incessante? Esta não é uma exigência da televisão como linguagem tecnológica,
mas da competição mercadológica entre canais e do temor de que o espectador use
o zapping.24
Essa questão parece apontar para o fato de estarmos diante de uma forma muito
particular de contato com a realidade, uma forma característica do nosso
momento histórico, em que os avanços tecnológicos atuam, inevitavelmente, como
mediadores no processo de apreensão de nós mesmos e do mundo que nos cerca. De
natureza essencialmente urbana, esse fenômeno, contudo, não deixa de estender seus
braços virtuais a outros espaços.
Como bem assinala Ulf Hannerz, “o mundo se transformou numa rede de relações
sociais, e entre as suas diversas regiões existe um fluxo de significados, bem
como de pessoas e de mercadorias”.25
Um dado importante, nesse caso, é que essa tendência mundializante serve-se de
recursos tecnológicos avançados, porém concentrados nos centros de poder
político e econômico, dos quais adota e prescreve prioridades, o que,
inevitavelmente, reduz as chances de eqüidade no âmbito sócio-econômico. O
processo de globalização reflete, por um lado, uma idéia de universalização e,
por outro, atua como instrumento de estratificação social, promovendo a
concentração de capital e atendendo a interesses de grupos específicos. Essa
natureza ambivalente do fenômeno da globalização manifesta-se também na esfera
cultural e, como observa Stuart Hall, “ao lado da tendência em direção à
homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a
mercantilização da etnia e da alteridade.”26
Taxionomia do paradoxo
Parece evidente, hoje, que a globalização, em suas manifestações mais recentes,
não atua na destruição pura e simples das identidades nacionais. O que se
verifica é a mesclagem de novas identidades globais e locais, dificultando a
preservação das identidades tradicionais e dependentes de suas raízes, em
localidades rigorosamente delimitadas. Essa questão é aprofundada nos estudos
de Homi Bhabha, a partir dos quais Maria Antonieta Pereira ressalta que
o conceito pedagógico de nação baseia-se numa perspectiva histórica que
privilegia a homogeneidade, o progresso e a linearidade como formas de se obter
uma suposta identidade nacional. Tal modelo tem sido fraturado por uma noção
performática em que as diferenças de interesse e as culturas de minorias
rasuram as semelhanças globalizadoras, traçam fronteiras internas e percebem a
nação como uma narrativa que recomeça sempre.27
Há que se pensar, também, que é inerente aos processos civilizatórios, dentre
outros fatores, esse entrelaçamento de culturas diversificadas, sem o qual
estariam intactos os valores de povos e nações que, hoje, só podem ser
reconhecidos por meio de resíduos já amalgamados às culturas contemporâneas.
Nessa transição de milênios, torna-se cada vez mais questionável o uso de
categorias absolutas para a definição de grupos étnico-culturais, ou dos
indivíduos que, numa atitude de resistência nem sempre consciente, buscam,
contraditoriamente, reconhecer-se como parte integrante desses grupos. Vejamos
um exemplo desse questionamento presente na obra de Arnaldo Antunes:
que preto, que branco, que índio o quê?que branco, que índio, que preto o
quê?que índio, que preto, que branco o quê?que preto branco índio o quê?branco
índio preto o quê?índio preto branco o quê?aqui somos mestiços mulatoscafuzos
pardos mamelucos sararáscrilouros guaranisseis e judárabesorientupis
orientupisameriquítalos luso nipo caboclosorientupis orientupisiberibárbaros
indo ciganagôssomos o que somosinclassificáveis não tem um, tem dois,não tem
dois, tem três,não tem lei, tem leis,não tem vez, tem vezes,não tem deus, tem
deuses,não há sol a sósaqui somos mestiços mulatoscafuzos pardos tapuias
tupinambclosamericarataís yorubárbaros(...)egipciganos
tupinamboclosyorubárbaros carataíscaribocarijós orientapuiasmamemulatos
tropicaburéschibarrosados mesticigenadosoxigenados debaixo do sol28
Essa nova taxionomia, que se esboça na letra da música “Inclassificáveis”,
explicita a dinâmica de desconstrução de identificações nacionais a partir da
qual se dá a construção de identificações transnacionais, representadas, pelo
compositor, num exercício neológico que transpõe para o domínio da língua o
movimento de miscigenação racial (e, obviamente cultural) inseparável da
dinâmica dos agrupamentos sociais.
Uma reflexão acerca da inocuidade de classificações absolutas também é
perceptível na música “O nome disso”, de Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra:
o nome disso é mundoo nome disso é terrao nome disso é globoo nome disso é
esferao nome disso é azulo nome disso é bolao nome disso é hemisférioo nome
disso é planetao nome disso é lugaro nome disso é imagemo nome disso é arábia
sauditao nome disso é austráliao nome disso é brasilcomo é que chama o nome
disso?o nome disso é rotaçãoo nome disso é movimentoo nome disso é representação
(...)o nome disso é chãoo nome disso é aldeiao nome disso é issoo nome disso é
aquio nome disso é sudãoo nome disso é áfricao nome disso é continenteo nome
disso é mundoo nome disso é tudoo nome disso é velocidadeo nome disso é itáliao
nome disso é equadoro nome disso é coisao nome disso é objetocomo é que chama o
nome disso?29
Trabalhando com a idéia da arbitrariedade dos signos lingüísticos, os autores
evocam significantes ligados às noções de localização e identificação e, a
partir da substituição sucessiva desses significantes, provoca-se o
esvaziamento de sentido dessas noções: nomes que designam nacionalidades,
podem, então, significar o mesmo que “lugar”, “imagem”, “idéia”, “aldeia”,
“aqui”, ou, não por acaso, “rotação”, “movimento”, “velocidade”, “tudo”...
Em outro trecho dessa mesma música, esse recurso de transmutação atinge as
convenções idiomáticas, em que a mescla de diferentes códigos e o rompimento da
sintaxe oficial acabam por gerar um certo non sense:
the word for what is is a name
the name of this é isso
o nome disso is place
el nombre of name space
el nombre do nome esfera
o nome disso é idéia30
Babel e seus tradutores
Fronteiras geográficas diluídas, fronteiras monetárias mescladas, fronteiras religiosas
em crise, fronteiras culturais recriadas. Esse cenário convulsivo provoca
múltiplos desdobramentos que afetam a constituição das identidades sociais, o
que, desde os primórdios, representou um forte apelo à natureza gregária do
homem.
Salta aos olhos, por exemplo, que a interlocução cultural se intensifica na
proporção que a disputa mercadológica fomenta o aperfeiçoamento e a
disponibilização de novas tecnologias centradas no fluxo de informações
multimidiáticas potencialmente acessáveis, em tempo real, em qualquer ponto do
planeta (ou fora dele!). Como já dissemos anteriormente, os contrastes
sócio-econômicos são fator relevante na distribuição dos recursos que
viabilizam esse “acesso ilimitado”. Tecnicamente, contudo, as barreiras se
diluem, evidenciando a condição cada vez mais provisória das fronteiras que se
estabelecem no desenho de novas identidades.
Nesse sentido, seria temerário, num esforço de classificação, tentar manter
categorias censitárias como cor, raça, classe, sexo, sem levar em consideração
a precariedade dos processos de auto-identificação, decorrente da fluidez de
valores que caracteriza o momento atual.
A crescente oferta de produtos que se destinam, em princípio, a otimizar o
desempenho da máquina social tem efeitos colaterais significativos. Aliado a
outras questões que formam a argamassa de contradições do modelo capitalista, o
progresso tecnológico tem servido de reforço a um sistema político-econômico
excludente que se projeta na própria noção de identidade. Torna-se cada vez
mais difícil conceber a vida urbana, com todos os seus incômodos, sem o aparato
tecnológico que coloca na ponta dos dedos o controle de um mundo cada vez mais
remoto. Ter acesso ao mundo on-line é uma modalidade recente de status social,
na qual está em gestação uma nova matriz de valores: interatividade asséptica e
acesso seletivo fazem do mais sutil movimento dos dedos, um gesto demiúrgico,
com o qual se abre ou se fecha a “janela” para o mundo real. Como valor
agregado a esse status, conquista-se a segurança do distanciamento:
A identidade do espaço da rua – principal espaço público das grandes cidades –
é a prescrição de que nenhuma identidade se constitua. Sou um habitante da
grande cidade se me despojo de qualquer pretensão de comunhão, se abdico da
crença de que pode haver, no espaço público, constituição de um grupo. O que
posso comungar com aqueles que se deslocam a meu redor é somente o desejo de
que possamos mutuamente nos ignorar. Anonimato, indiferença: a relação básica
ideal é que nenhuma relação se estabeleça.31
A natureza hostil do espaço urbano vem se constituindo, então, numa
justificativa para a impessoalidade prescrita para as relações sociais. A
virtualização das relações humanas, perigosamente alimentada pela
espetacularização da realidade nos meios de comunicação de massa,32 encontra respaldo na substituição
gradativa da exposição física por conexões eletrônicas. Enquanto no primeiro
caso alguns aspectos da identidade individual são necessariamente expostos, o
relacionamento virtual permite, dentre outras coisas, que essa identidade seja
mantida completamente em sigilo.
Os contatos efetuados pela Internet, por exemplo, relativizam a identidade em
todos os níveis: o interlocutor virtual pode estar falando de Manaus, embora
afirme estar em Bruxelas; pode ser um senhor de 50 anos, embora se identifique
como uma jovem adolescente; pode ser um homem, embora utilize um “nick”
feminino, e assim por diante. Como demonstram os estudos do jornalista Carlos
Magno Mendonça,33 a rede mundial permite a reconstrução contínua da identidade,
pela qual o “corpo virtual” pode assumir a feição desejada.
Um trecho da música “Diferente”, especialmente em sua versão para o vídeo,
coloca-nos diante de uma reflexão importante.
eles são tão parecidos mas não como nós
eles falam outra língua pela nossa voz
eles são tão bonitos
mas não são como a gente
eles vêm de muito antes que nossos avós
eles fazem companhia mas estamos sós34
O vídeo-poema constrói-se sobre a imagem de um feto, ou seja, de um ser ainda
em formação, que se faz e se desfaz continuamente na tela, em constante
mutação; um texto paralelo faz alusões a figuras de uma mitologia
contemporânea: super-heróis, heróis e anti-heróis dos quadrinhos ou do cinema –
seres híbridos, de origem desconhecida, ET’s que vêm de um tempo e de um espaço
irreconhecíveis, com os quais sempre é possível estabelecer algum tipo de
relação, muitas vezes amistosa, mas sempre pontuada pelo estranhamento. “Eles”
não são mais os invasores inimigos, que se podia identificar por bandeiras e
estandartes, mas são “estranhos”, “diferentes”, não são como “nós”. Mas será
que não estamos também começando a processar uma revisão inédita das fronteiras
que demarcam essas diferenças, criando uma possibilidade de assimilação diversa
da antiga forma de mesclagem cultural via dominação?
Por esse prisma, observamos que a subjetividade fluida, flexível e extremamente
dinâmica que se projeta no mundo virtual coloca em evidência a natureza
paradoxal dos tempos atuais, mas, ao mesmo tempo, parece apontar para novos
posicionamentos diante dessas contradições.
Se, por um lado, essa “liberdade” da qual o sujeito contemporâneo goza no plano
virtual reflete a assustadora ausência de identidades fixas, ela traz
implícito, também, o desmantelamento de preconceitos ainda subsistentes nas
relações sociais. A aceitação de que se pode intercambiar crenças, preferências
e conhecimentos com aquele que é o “diferente”, o “estranho”,
“não-identificável”, pode impulsionar transformações positivas.
Trata-se, na verdade, de um exercício estimulante que revela o desgaste de
valores alicerçados em estruturas já demolidas, e que pode resultar na
consolidação de novos modelos comportamentais e novas formas de convívio social
baseados no compartilhamento gratuito de afinidades. Quem sabe, em lugar da
anomia que caracteriza esse período de incertezas, venha a se forjar uma nova
identidade menos atrelada a categorias prévias, liberta das classificações
sexistas, das limitações sócio-econômicas, das fronteiras geo-políticas, das barreiras
lingüísticas.
Talvez aí, como esperava Benjamin, resida o importante papel reservado à
poesia, e às artes de maneira geral: que sejam capazes de transitar com alguma
impunidade entre as benesses e as mazelas do “admirável mundo finissecular”, para
que desse trânsito resulte uma constante tradução crítica da linguagem híbrida
com a qual se expressa a nova identidade contemporânea, certamente em
construção em algum lugar entre o real e o virtual.
Arnaldo Antunes: alguns dados
biográficos
Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu 1960, na cidade de São Paulo e, desde
1980, faz música, poesia, vídeo, performances, shows e intervenções em outros
meios. Integrou o grupo de rock Titãs, de 1982 a 1992, com o qual gravou sete
álbuns lançados pela WEA Brasil: Titãs (1993), Televisão (1985), Cabeça
dinossauro (1986), Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987), Go back –
ao vivo em Montreux (1988), Õ blésq blom (1989) e Tudo ao mesmo tempo agora
(1991). Após sua saída da banda, participou como compositor nos CDs
Titanomaquia (1993), Domingo (1995), Titãs – acústico (1996) e Volume 2 (1998).
No exterior, teve algumas faixas de seus CDs solos35 incluídas em várias
antologias musicais, tais como Beleza tropical 2 – New! More! Better!,
compilada por David Byrne – Luaka Bop/Warner Bros; EUA/BRASIL 2 mil – the soul
of bass-o- novo, compilada por Béco Dranoff e Marc Hollander – Ziriguiboom
Discos/Crammed Discs, Bélgica. Participou, também, de projetos coletivos
produzidos no exterior, como os CDs Onda sonora – Red hot + Lisbon – Red Hot
Organization (Arnaldo Antunes, Arto Lindsay e Davi Moraes) e Freezone 5: the
radio is teaching my goldfish ju-jitsu – SSR/Crammed Discs, Bélgica (Arnaldo
Antunes e Mitar Subotic).
Já desenvolveu trilhas sonoras para espetáculos de dança, inclusive para a Cia.
de Dança O Corpo, de Minas Gerais, e para a performance Teresa, do artista
plástico Tunga. O videoclipe de “Música para ouvir”, dirigido por Andrew
Waddington e Toni Vanzolini, recebeu o prêmio de Melhor Clip Pop Brasileiro, no
MTV Awards 1999.
Arnaldo Antunes tem composições em parceria, dentre outros, com Alice Ruiz,
Arrigo Barnabé, Arto Lindsay, Carlinhos Brown, Cazuza, Edgard Scandurra,
Gilberto Gil, João Donato, Jorge Benjor, Lenine, Marina Lima, Marisa Monte,
Paulo Leminski, Péricles Cavalcanti, Roberto Frejat, Roberto de Carvalho e
Titãs, entre outros. Cerca de 150 composições suas já foram gravadas por outros
artistas, tais como: Gal Costa, Jorge Benjor, Marisa Monte, Gilberto Gil, Maria
Bethânia, Carlinhos Brown, Ney Matogrosso, Sandra de Sá, Adriana Calcanhoto,
Marina Lima, Rita Lee, Cássia Eller e Ornella Vanoni.
Dois de seus cinco livros36
foram adotados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Ministério da
Educação (MEC), Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FAE) e Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo: As coisas e 2 ou + corpos no mesmo espaço.
Teve poemas incluídos nas antologias Nothing the sun could not explain – 20
contemporary brazilian poets – Sun & Moon Press, Los Angeles, EUA (1997);
Norte y sur de la poesía iberoamericana – Editorial Verbum, Madrid, Espanha
(1997); Antologia poética: Brasil-Colômbia – para conocernos mejor – Ed. Unesp,
São Paulo, Brasil (1997); Esses poetas – uma antologia dos anos 90 – Heloisa
Buarque de Holanda, Aeroplano Editora, Rio de Janeiro, Brasil (1998); Dinge
zwischen leben, kunst & werk – Alemanha, (1999) e Festa da língua
portuguesa 2 – vozes poéticas da lusofonia – Câmara Municipal e Instituto
Camões, Sintra, Portugal (1999). Editou as revistas de poesia Almanak 80
(1980), Kataloki (1981) e Atlas (1988).
Participou de diversas mostras de poesia visual no Brasil e no exterior, dentre
outras: Caligrafias, Galeria Cultura, Sec. de Estado da Cultura, SP (1983);
Poesiaevidência, PUC, SP (1983); Palavra Imágica, Museu de Arte Contemporânea
(MAC), SP (1987); Paraver, FASM, SP (1993); Transfutur – Visuelle Poesie,
Kassel (1990); Pöesïe – digitale dichtkunst, Munique (1992); Arte Cidade – A
Cidade sem janelas, Matadouro Municipal, Secretaria de Estado da Cultura de São
Paulo (1994); Inside Brazil, Long Beach Museum of Art, CA, EUA (1995);
Manipulated Word: Text & Image, Miami, FL, EUA (1996); VI Bienal de Havana,
Cuba (1997); XXIV Bienal de São Paulo, Brasil (1998); Hand made, com Walter
Silveira (1998), Curitiba, Brasil.
Notas:
1. VALÉRY, 1934.
2. VALÉRY, 1934.
3. CALABRESE. 1987. p. 28.
4. ANTUNES, 1991.
5. Cf. o tópico "Arnaldo Antunes: alguns dados biográficos".
6. ANTUNES, 1991.
7. Com exceção do disco Um som, Arnaldo Antunes é responsável, sozinho ou em parceria,
pelos projetos gráficos de seus trabalhos. Cf. ANEXO I, onde fizemos o registro
de algumas informações técnicas que julgamos relevantes no material pesquisado.
8. Esse recurso gráfico é utilizado nas publicações editadas pela Iluminuras.
No entanto, no exemplo analisado, ele “interfere” no texto poético.
9. ANTUNES, 1991.
10. MALLARMÉ, 1945.
11. Cf. CAMPOS et al. 1975.
12. Cf. CAMPOS et al. 1975.
13. TELES, 1999. p. 114.
14. É importante que fique claro que utilizamos o termo “modernistas” num sentido
mais genérico, como forma de remeter às vanguardas do início do século, não
privilegiando, mas obviamente incluindo, o movimento especificamente denominado
Modernista.
15. ANTUNES. “Nome não”, poema publicado no livro Tudos e, posteriormente, no
Cd e no vídeo Nome.
16. Cf. CASTRO, 1993.
17. ANTUNES, 1997.
18. MACHADO, 1996. p. 166.
19. DUARTE, 1999. p. 52.
20. VIRILIO, 1998.
21. ANTUNES, 1996. Cd O silêncio.
22. SANTOS, 1999.
23. LISPECTOR, 1998. p. 15.
24. CANCLINI, 1998. p. 13.
25. HANNERZ, 1994. p. 251.
26. HALL, 1998. p. 77.
27. PEREIRA, 1999. p. 128.
28. ANTUNES, 1996. Cd O silêncio.
29. ANTUNES, 1995. Cd Ninguém.
30. ANTUNES, 1995. Cd Ninguém.
31. SANTOS, 1999. p. 133.
32. Cf. CANCLINI, 1998.
33. Cf. MENDONÇA, 1999.
34. ANTUNES, 1993. Cd Nome.
35. Cf. o tópico “Discografia”.
36. Cf. o tópico “Bibliografia”.
Bibliografia*
ANTUNES, Arnaldo. Ou E. São
Paulo: edição do autor, 1983.
ANTUNES, Arnaldo. Psia. 3.ed.
corrigida. São Paulo: Iluminuras, 1991.
ANTUNES, Arnaldo. Tudos. 4.ed.
São Paulo: Iluminuras, 1998.
ANTUNES, Arnaldo. As coisas.
6.ed. São Paulo: Iluminuras, 1998.
ANTUNES, Arnaldo. 2 ou + corpos no mesmo
espaço. São Paulo: Perspectiva, 1997. (Coleção Signos, 23).
* Não dispúnhamos, até o término desta pesquisa, das informações catalográficas
do livro Nome.
Discografia
ANTUNES, Arnaldo. Ninguém. São
Paulo: BMG Ariola/RCA, 1995.
ANTUNES, Arnaldo. Nome. São
Paulo: BMG Ariola/RCA, 1993.
ANTUNES, Arnaldo. O silêncio.
São Paulo: BMG Ariola/RCA, 1996.
ANTUNES, Arnaldo. Um som. São
Paulo: BMG Ariola, 1998.
Videografia
NOME. Realização de ANTUNES, Arnaldo; CATUNDA, Celia; MISTRORIGO, Kiko; MOREAU,
Zaba. São Paulo: BMG/Ariola, 1993. 60min. cor.
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São Paulo: Abril Cultural, 1983. 345p. (Os pensadores).
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 2ed. Trad. Tomaz Tadeu
da Silva, Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. 102p.
HANNERZ, Ulf. Cosmopolitas e locais na cultura global. In: FEATHERSTONE, Mike
(Org.). Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis:
Vozes, 1990. 437p.
HARAWAY, Donna. Um manifesto para os cyborgs: ciência, tecnologia e feminismo
socialista na década de 80. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Tendências
e impasses – o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
(Mimeogr.)
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. 2ed. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. 336p.
HOCKE, Gustav R. Maneirismo: o mundo como labirinto. São Paulo: Perspectiva,
1974. 334p. (Debates, 92).
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Trad. Carlos Irineu da Costa. Rio
de Janeiro: Editora 34, 1993. (Mimeogr.).
LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 87p.
MALLARMÉ, Stéphane. Oeuvres complétes. Paris: Gallimard, Bibliothèque de la
Pléiade, 1945 apud TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo
brasileiro. 15ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 448p.
MENDONÇA, Carlos Magno Camargos. Sociabilidade e subjetividade na atitude
cyberpunk. Belo Horizonte: Faculdade de Ciências Humanas da UFMG, 1999.
(Dissertação, Mestrado em Comunicação Social; Mimeogr.).
MENEZES, Philadelpho. Poética e visualidade: uma trajetória da poesia
brasileira contemporânea. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1991. 198p.
MIRANDA, Wander Melo. A liberdade do Pastiche. 34 Letras. Rio de Janeiro, n.3,
p. 172-177, mar., 1989.
ORWELL, George. 1984. Trad. Wilson Velloso. 17ed. São Paulo: Ed. Nacional,
1984. 277p.
PAZ, Octavio. A outra voz. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1993.
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PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perpectiva, 1996. (Debates, 48).
PEREIRA, Maria Antonieta. A ilha – cidadela do dissenso. In: VASCONCELLOS,
Maurício Salles, COELHO, Haydée Ribeiro (Org.). 1000 rastros rápidos – Cultura
e milênio. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 230p.
PEREIRA, Maria Antonieta. A máquina da criação. In: PEREIRA, Maria Antonieta;
SANTOS, Luis Alberto Brandão. Palavras ao sul. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
198p.
PEREIRA, Maria Antonieta. A tela e o texto: literatura e trocas culturais no
Cone Sul. (Estudo apresentado no “Colóquio Trinacional: a posição da literatura
no âmbito dos estudos culturais”, Belo Horizonte, UFMG, jun. 1998, Mimeogr.)
RENAULT, Alain. O indivíduo: reflexão acerca da filosofia do sujeito. Trad.
Helena Gaidano. Rio de Janeiro: DIFEL, 1998. 112p. (Enfoques – Filosofia).
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência
cultural. São Paulo: Perspectiva/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do
Estado de São Paulo, 1978.
SANTOS, Luis Alberto Brandão. Textos da cidade. In: VASCONCELLOS, Maurício
Salles; COELHO, Haydée Ribeiro (Org.). 1000 rastros rápidos – Cultura e
milênio. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 230p.
SUBIRATS, Eduardo. Da vanguarda ao pós-moderno. 2ed. São Paulo: Nobel, 1986.
110p.
SZAMOSI, Géza. Tempo e espaço: as dimensões gêmeas. Trad. Jorge Enéas Fortes e
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. 277p.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. 15ed.
Petrópolis: Vozes, 1999. 448p.
VALÉRY, Paul. Pièces sur l’art. Paris, 1934 apud BENJAMIN, Walter. A obra de
arte na época de suas técnicas de reprodução. 2ed. São Paulo: Abril Cultural,
1983. 345p. (Os pensadores).
VILLAÇA, Nizia. Paradoxos do pós-moderno: sujeito e ficção. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996. 225.
VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Trad. Paulo Roberto Pires. 2ed. rev. amp. Rio
de Janeiro: Editora 34, 1993. 160p.
VIRILIO, Paul. Os motores da história. In: ARAÚJO, Hermetes (Org.).
Tecnociência e Cultura. Estação Liberdade, São Paulo, 1998. (Mimeogr.)
Internet
http://www.uol.com.br/arnaldoantunes
ANEXO I - Informações adicionais
Nome. Projeto multimediático integrado por Cd, video-home e livro (não foi
possível adquirir um exemplar deste último; nossa análise foi feita apenas a
partir do Cd e do vídeo). O Cd foi gravado entre junho e julho de 1993
(estúdios ArtMix e Salamandra); capa e encarte com projeto gráfico de Arnaldo
Antunes, Zaba Moreau, Celia Catunda e Kiko Mistrorigo; apresenta as letras das
músicas; produção: Arnaldo Antunes, Paulo Tatit e Rodolfo Stroeter; músicos
participantes: Alexandre Sobral, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Edgard
Scandurra, Edson X, João Donato, Marisa Monte, Octávio Paixão, Paulo Tatit,
Péricles Cavalcanti, Rodolfo Stroeter, Zaba Moreau, Zé Eduardo Nazário.
Faixas:
1. Fênis (Arnaldo Antunes)
2. Diferente (Arnaldo Antunes)
3. Nome (Arnaldo Antunes)
4. Tato (Arnaldo Antunes)
5. Cultura (Arnaldo Antunes)
6. Se não se (Arnaldo Antunes)
7. O macaco (Arnaldo Antunes)
8. Carnaval (Arnaldo Antunes)
9. Campo (Arnaldo Antunes)
10. Entre (Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti)
11. Luz (Arnaldo Antunes)
12. Direitinho (Arnaldo Antunes)
13. Não tem que (Arnaldo Antunes)
14. Dentro (Arnaldo Antunes)
15. Alta noite (Arnaldo Antunes)
16. Pouco (Arnaldo Antunes
17. Nome não (Arnaldo Antunes)
18. Soneto (Arnaldo Antunes)
19. Imagem (Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti)
20. Armazém (Arnaldo Antunes e Arto Lindsay)
21. Acordo (Arnaldo Antunes)
22. E só (Arnaldo Antunes)
23. Agora (Arnaldo Antunes)
Ninguém. Gravado entre novembro de 1994 e janeiro de 1995 (estúdios Mosh e Nas
nuvens); capa e encarte com projeto gráfico de Arnaldo Antunes e Zaba Moreau;
apresenta as letras das músicas; fotos: Gal Oppido; produção: Liminha; músicos
participantes: Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Jorge Mautner, Liminha, Paulo
Tatit, Pedro Ito, Peter Price, Zaba Moreau.
Faixas:
1. Ninguém (Paulo Tatit, Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
2. Consciência (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
3. Nome disso (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
4. Nem tudo (Toni Bellotto, Arnaldo Antunes)
5. Alegria (Arnaldo Antunes)
6. Budismo moderno (Arnaldo Antunes, sobre poema de Augusto dos Anjos)
7. Fora de si (Arnaldo Antunes)
8. Minha meu (Arnaldo Antunes)
9. Lugar comum (João Donato, Gilberto Gil)
10. Judiaria (Lupicínio Rodrigues)
11. Inspirado (Edvaldo Santana, Arnaldo Antunes)
12. No fundo (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
13. Quero (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
14. Ninguém no carnaval (Liminha, Arnaldo Antunes)
O silêncio. Gravado entre junho e julho de 1996 (estúdios ArtMix e Mosh;
Salamandra); capa e encarte com projeto gráfico de Arnaldo Antunes e Zaba
Moreau; apresenta as letras das músicas; produção: Mitar Subotic; músicos
participantes: Arnaldo A. Nora Antunes (pai), Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown,
Chico Sciense, Edgard Scandurra, Mitar Subotic, Paulo Tatit, Pedro Ito, Peter
Price, Zaba Moreau; Lua, Bel, João, Tati, Taís, Rosa, Celeste e Miguel (coro
infantil, em O silêncio)
Faixas:
1. O silêncio (Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes)
2. E estamos conversados (Paulo Tatit, Arnaldo Antunes)
3. Poder (Arnaldo Antunes, Tadeu Jungle)
4. Eva e eu (Péricles Cavalcanti, Arnaldo Antunes)
5. Macha fêmeo (Paulo Tatit, Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer)
6. Inclassificáveis (Arnaldo Antunes)
7. Que te quero (Edgard Scandurra, Peter Price, Arnaldo Antunes)
8. Desce (Arnaldo Antunes)
9. Juízo final (Nelson Cavaquinho, Élcio Soares)
10. O que swingnifica isso? (Arnaldo Antunes)
11. O buraco (Arnaldo Antunes)
12. Desce (versão 2) (Arnaldo Antunes)
13. O buraco do espelho (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
Um som. Gravado entre abril e junho de 1998 (estúdios Rosa Celeste e 302;
Lincoln Barbosa e Real World); capa e encarte com projeto gráfico de Barrão e
Fernanda Villa-Lobos; fotos: Bob Wolfenson, Vicente de Mello e Barrão;
apresenta as letras das músicas; produção: Chico Neves; músicos participantes:
Arnaldo Antunes, Bartolo, Cecília Spyer, Chico Neves, Davi Moraes, Edgard
Scandurra, Fabio Tagliaferri, João Barone, Marcos Suzano, Moreno Veloso, Paulo
Freire, Paulo Tatit, Pedro Ito, Pedro Sá, Pedro Sá, Red Dog, Saadet Türkoz,
Toninho Ferragutti, Zaba Moreau.
Faixas:
1. Música para ouvir (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
2. Cinzas (Cassiano)
3. As árvores (Jorge Benjor, Arnaldo Antunes)
4. Engrenagem (Arnaldo Antunes)
5. Quase tudo (Péricles Cavalcanti, Arnaldo Antunes)
6. Socorro (Arnaldo Antunes, Alice Ruiz)
7. Além alma (Paulo Leminski, Arnaldo Antunes)
8. Se no meio do que você tá fazendo você pára (Arnaldo Antunes, Nando Reis)
9. Dinheiro (Jorge Benjor, Arnaldo Antunes)
10. O sol (Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra)
11. Decida (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
12. Na ativa (Arnaldo Antunes)
13. Fim do dia (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos)
14. Doce do mar (Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes)
15. Volte para o seu lar (Arnaldo Antunes)
16. Pare o crime (Stop the crime) (Junior Murvin; versão: Arnaldo Antunes)
17. Um som (Paulo Tatit, Arnaldo Antunes)
Ou E. Álbum de poemas visuais; edição do autor, com acabamento artesanal;
tiragem de 500 exemplares (não foi possível conseguir um exemplar para
consulta).
Psia. As duas primeiras edições saíram pela Ed. Expressão (1986 e 1987) e a 3ª
edição pela Iluminuras (1991); atualmente na 4ª edição; projeto gráfico e
diagramação: Arnaldo Antunes; capa: caligrafia de Go.
Tudos. Quatro edições até o momento: 1ª e 2ª (1990), 3ª (1993) e 4ª (1998),
todas pela Ed. Iluminuras; projeto gráfico e diagramação: Arnaldo Antunes e
Zaba Moreau.
As coisas. A primeira edição é de 1992 (Prêmio Jabuti de poesia); capa: Arnaldo
Antunes e Zaba Moreau; ilustrações de Rosa Moreau Antunes (filha do autor).
2 ou + corpos no mesmo espaço. Atualmente na 2ª edição, o livro faz parte da
Coleção Signos, dirigida por Haroldo de Campos; capa e projeto gráfico: Arnaldo
Antunes; acompanha um CD com “leitura poética” de 13 poemas do livro, na voz do
autor.