Interação sociedade-espaço urbano no contexto cultural em Belo Horizonte
Lúcio Coelho Costa

Drummond na contemporaneidade
Maria Luiz Tolentino

Arnaldo Antunes: uma poética de agora
Vívien Gonzaga e Silva

RESUMOS


INTERAÇÃO SOCIEDADE-ESPAÇO URBANO NO CONTEXTO CULTURAL EM BELO HORIZONTE

Lúcio Coelho COSTA

O espaço urbano é resultado da ação do homem e certamente reflete a forma como ele se organiza e se relaciona, inclusive com esse mesmo espaço. O habitante da capital mineira vem modelando seu espaço urbano que, por sua vez, também o modela. O objetivo dessa comunicação é investigar a relação entre as mudanças operadas no espaço arquitetônico e os diversos eventos culturais recentemente realizados, especialmente os literários. Buscamos compreender, nesse sentido, como vem se processando a ocupação do espaço urbano belorizontino, nos últimos anos, e quais são suas conseqüências para o meio artístico e para a população em geral.

DRUMMOND NA CONTEMPORANEIDADE
Maria Luiz TOLENTINO

O que se privilegia na contemporaneidade é uma escrita cuja lógica pode ser chamada de a re-escrita da modernidade, ou seja, a capacidade de combinar arbitrariamente fragmentos de frases, pedaços de informações, resíduos vitais da escrita, que irão ser pensados e repensados por uma outra razão. Extraímos da poética de Drummond elementos que nos remetem à idéia de buscas e dúvidas a respeito das certezas de antes, e que, agora, são postas em questionamento e já não trazem mais a marca do definido e sim das incertezas em que o poeta se lançou.

ARNALDO ANTUNES: UMA POÉTICA DE AGORA

Vívien Gonzaga e SILVA

Buscamos, a partir do trabalho poético do artista multimídia Arnaldo Antunes, analisar as representações veiculadas pela arte contemporânea, em sua união com as novas tecnologias, no intuito de entendermos alguns aspectos da cultura de nosso tempo e as múltiplas identidades que a ele se vinculam. Mais precisamente, partimos de uma expressão artística em particular — e híbrida por excelência —, para nos movermos no terreno onde, a nosso ver, desvela-se o movimento perpétuo de construção/desconstrução/reconstrução de valores sobre os quais assentam-se, ainda que desconfortavelmente, algumas linhas da identidade finissecular.


APRESENTAÇÃO

A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E A CRISE DO SUJEITO

No final de 1998, alguns alunos da Graduação em Letras da UFMG fundaram um grupo a que deram o nome de GELC (Grupo de Estudos Letra em Crise). Interessados especialmente em aprofundar as discussões sobre certos aspectos teóricos que permitissem a investigação das relações existentes entre literatura e outros sistemas semióticos, o grupo solicitou minha ajuda, no sentido de coordenar suas atividades e propor uma bibliografia básica. Sendo assim, O GELC desenvolveu estudos intersemióticos e intermediáticos especialmente voltados para a configuração do sujeito contemporâneo, inserido num mundo globalizado, onde ele próprio se torna uma mercadoria descartável e desauratizada.

Realizando reuniões e seminários periódicos, o grupo desenvolveu a pesquisa "O sujeito contemporâneo: um olhar literário" a partir de debates e produções textuais em que discutiu o pensamento crítico de vários autores tais como Alain Badiou, Alain Touraine, Roland Barthes, Walter Benjamin, Homi Bhabha, Jorge Luis Borges, Haroldo de Campos, Teixeira Coelho, Silviano Santiago, Wander Melo Miranda, Eneida Maria de Souza, Antoine Compagnon, Michel Foucault e Pierre Lévy. Além disso, trabalhou com produções artísticas de Arnaldo Antunes, Carlos Drummond de Andrade, Silviano Santiago e de poetas mineiros como Anelito de Oliveira, Ricardo Aleixo e Marcelo Dolabela.

O grupo de pesquisa participou da VIII Semana de Iniciação Científica, apresentando os resultados parciais de sua pesquisa. Posteriormente, desenvolveu de forma mais sistemática suas reflexões, as quais se encontram nos trabalhos editados a seguir.
Maria Antonieta Pereira
Professor-Adjunto do Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura da
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (DSTL/FALE/UFMG)
Coordenadora do projeto de pesquisa "O sujeito contemporâneo: um olhar literário"

INTERAÇÃO SOCIEDADE-ESPAÇO URBANO NO CONTEXTO CULTURAL EM BELO HORIZONTE

Lúcio Coelho Costa

Com o presente estudo, pretendo analisar como está ocorrendo a relação de certos autores e leitores da capital mineira com o meio em que vivem. Dessa forma, tal trabalho objetiva investigar o comportamento do sujeito contemporâneo, intermediado pela literatura, a partir do processo de revitalização arquitetônica e urbanística realizado nos espaços da Serraria Souza Pinto, do Mercado Popular da Lagoinha e do Viaduto Santa Teresa. Através dessa reflexão, busco compreender como vem se processando a ocupação do espaço urbano belo-horizontino pelo sujeito contemporâneo e quais são as conseqüências disso.

O homem, a partir de sua proposta de domínio da natureza, vem provocando alterações no meio em que vive adaptando-o de forma a satisfazer suas necessidades. Tais alterações manifestam-se em diferentes áreas do conhecimento. Conforme afirma o arquiteto Leonardo Barci Castriota, verifica-se que, no início do século XX, fica evidenciada uma nova postura perante o cânone arquitetônico. Essa postura se identifica com o processo de racionalização no trato com a tradição, o que conduz à própria negação da tradição enquanto fonte de normatividade. Temos, assim, atitudes que determinam uma postura de ruptura com o passado, com o academicismo.

Construir para erguer o futuro

No início do século XX, o português Augusto de Souza Pinto e o coronel Antônio Garcia e Paiva apostaram no projeto de construir uma serraria para atender à demanda crescente de grandes construções que despontavam na época. Dessa serraria, saíram madeiras para várias construções, tais como o Minas Tênis Club e muitos dos arranha-céus de Belo Horizonte, como o edifício Acaiaca, o primeiro da série que aos poucos seria desenvolvida. Mais tarde, a Serraria transformou-se em oficina mecânica e posteriormente em estacionamento de automóveis.

Tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico, em 1988, na década seguinte, deu-se a transferência da propriedade do espaço para a Secretaria do Estado da Cultura. Esse foi o primeiro passo para que o estabelecimento sofresse alterações que mudariam sua história. Se nos primeiros anos de sua existência, a ocupação da Serraria realizou-se em conformidade com a mentalidade de um sujeito que apostava na transformação da sociedade pelo viés do progresso, hoje, pela variedade de eventos que esse espaço comporta, o mesmo revela a imagem de um sujeito múltiplo, fragmentado e descentrado.

Desde sua inauguração, em 22 de maio de 1997, o Centro de Eventos Culturais, Lazer e Negócios, que funciona no espaço da antiga Serraria Souza Pinto, vem contemplando diversos segmentos da sociedade, sendo local onde se realizam desde shows de rock até festivais de aguardente de cana. Em junho de 1997, a Serraria teve seu espaço transformado para receber 55 editoras de todo o país, quando da realização da Feira de Literatura Infantil. Já em outubro, o mesmo local abrigou a 3a Bienal Internacional de Histórias em Quadrinhos que teve conferências, debates, workshops, oficinas, mostra de vídeos e estandes de editoras especializadas nesse ramo. Dentre os vários eventos ocorridos nesse ano, a Serraria recebeu o cartunista Ziraldo que realizou o lançamento da revista literária Palavras.

Pela diversidade de eventos nela realizados, a Serraria tornou-se um centro de encontros para os belo-horizontinos. A maioria das atividades ali transcorridas são marcadas pela mídia e por recursos imagéticos, os quais são uma característica da cultura de massa contemporânea. Até mesmo nos poucos eventos de interesse do público literário realizados no local, percebe-se a predominância da linguagem imagética, como é o caso da Bienal de História em Quadrinhos. Assim, as atividades ligadas à literatura, como saraus, debates e palestras não aparecem como alternativas culturais desse espaço. A ausência de realizações de eventos dessa natureza no local acaba por não considerar a possibilidade de criação de um olhar marcado pela subjetividade crítica de autores e leitores capazes de reler as paisagens urbanas.

Um mercado de cultura

Estando à frente da prefeitura de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek marcou sua administração com obras arquitetônicas do porte do complexo da Pampulha, cuja finalidade era retirar da capital mineira o estigma de cidade interiorana. Data dessa época o projeto de construção de um mercado que viria a atender à demanda crescente de consumidores. O Mercado Popular da Lagoinha é desenvolvido somente uma década depois, quando JK já era governador do Estado. Os arcos, assim como os frisos e as telhas de barro, revelam o estilo neo-colonial da obra arquitetônica do início da década de 50, concebida como um verdadeiro mercado medieval, cuja praça em forma de U serviria como centro de comércio moderno e como espaço para a aglutinação da população.

Entretanto, na década de 70, o Mercado Popular entrou em decadência, resultando em seu desativamento completo em 1988. Depois de um longo período de total abandono, a administração municipal, com o projeto de revitalização do bairro da Lagoinha, anunciou uma reforma no mercado. Tal projeto visava a resgatar certa memória de Belo Horizonte, uma vez que o referido bairro pode ser considerado o berço da boemia belo-horizontina onde, inclusive, surgiram grupos carnavalescos, como a tradicional Banda Mole. Surge então o Projeto Lagoinha, com a Coordenação Técnica de Leonardo Barci Castriota. A reforma do Mercado, além da fachada principal da antiga construção, preservou também a organização interna do mesmo.

No entanto, o que se constata hoje no local, é que muitos dos espaços destinados a lojas estão vazios. A planejada sala para exibição de filmes não chegou a ser executada. A Galeria de Artes do Mercado da Lagoinha resiste às condições do local. Segundo Simone Zanol, Coordenadora da Galeria, todas as exposições têm uma presença grande de público, e não foi diferente na exposição comemorativa dos dois anos de existência da mesma, realizada no período de julho a agosto de 1999.

Nota-se que a pretensão da prefeitura, de tornar o Mercado Popular um centro comercial e cultural, tem sido frustada já que o mesmo se encontra esquecido, principalmente pelo público ligado à literatura. Atualmente, no Mercado Popular, não se encontram mais os contadores de “causos” de outrora. É claro que hoje a arte de narrar não é mais a mesma. Como diz Walter Benjamin, a rede formada pelo narrador e pelo ouvinte apresenta-se desfeita em todas as extremidades. Algumas das conseqüências dessa ruptura são a perda de certas tradições culturais e o questionamento da própria identidade do sujeito contemporâneo.
Para a literatura, sua presença no mercado, constitui uma questão marcada por tensões. Hoje, o pequeno espaço ocupado pela literatura, dentro das manifestações culturais em geral, está sujeito a expandir-se ou até mesmo a contrair-se, modificação possível a partir de seu desempenho num mercado que se estabeleceu como força de lei para o homem da atualidade.

Um viaduto e múltiplas veredas

Em 1929, a inauguração do Viaduto Santa Teresa marcou uma nova fase na arquitetura mineira e no comportamento do cidadão de Belo Horizonte. Os arcos parabólicos do viaduto, com 52m de vão e 14m de altura, causaram sensação quando da sua inauguração. Ligando o centro comercial da cidade a bairros boêmios como Santa Teresa e Floresta, por ele passavam, além das linhas de bonde e carros, pedestres como Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava. Não resistindo ao desafio de percorrer a pé os arcos do viaduto, num gesto que mais tarde foi repetido por escritores como Fernando Sabino e Otto Lara Resende, dentre outros, os escritores do Modernismo mineiro encontravam nessa atitude uma forma de contestar o provincianismo da capital.

Parafraseando o texto Sobre os arcos do viaduto, onde a autora Thais Ferreira Drummond afirma que a obra arquitetônica do viaduto subverte a geografia não sendo apenas um ponto de ligação entre as diferentes ruas da cidade de Belo Horizonte, pode-se afirmar que o surgimento dessa obra estabelece uma ponte para a criação artístico-literária. Dessa forma, desde cedo, o viaduto tem posto à prova sua vocação para provocar o imaginário do cidadão belo-horizontino, em especial dos artistas, que, como afirma Ezra Pound, são as antenas da raça, uma vez que, em geral, são os que mais facilmente sentem e manifestam as reações do homem em torno do meio com o qual esse interage.

Tombado em março de 1988 pelo Iepha, o viaduto tem agora sua área inferior reservada para atividades culturais, contendo, dentre outros espaços, palcos de arena e locais para feiras e exposições. Dessa forma, o viaduto acabou sendo integrado ao projeto que faz parte da proposta de revitalização urbanística e cultural da rua da Bahia, cujo nome é “Rua da Bahia Viva”.

Entretanto, o espaço sob o viaduto não tem um aproveitamento total de seu potencial enquanto local voltado para atividades culturais. De tal forma que, tendo sido projetado um Largo dos Poetas, ele nunca foi realizado. O local reservado para a realização de feiras também ainda não foi aproveitado, até mesmo por causa das precárias condições de segurança que o espaço oferece.

Além de atravessar a pé sobre os arcos do viaduto, existem hoje outros desafios para o poeta. Encontrar o lugar da literatura continua sendo um desses desafios, assim como também o é achar o melhor caminho para tornar o seu olhar, que repousa sobre o antigo, o novo e o renovado da cidade, uma espécie de janela para outros leitores. Estar caminhando sobre os arcos do viaduto ou estar ocupando um dos palcos de arena abaixo do mesmo não é realmente o mais relevante. Com relação ao Viaduto de Santa Teresa, o que mais falta nele é a existência de eventos que valorizem sua tradição histórico-literária e que possam vir a valorizar também a produção e a recepção da literatura contemporânea.

A recente tentativa de resgatar o passado histórico de Belo Horizonte, por meio da recuperação de parte do seu patrimônio arquitetônico, estabeleceu uma nova interação entre o homem e o meio em que ele vive. Essa tentativa remete-nos ao conceito benjaminiano de História, no qual o filósofo alemão afirma que o olhar crítico do homem direcionado para o passado funciona como mediador das interações desse homem. Esse olhar é o que move o historiador materialista e o faz buscar preencher o interior de um tempo que se apresenta homogêneo e vazio. O olhar crítico, em verdade, possibilita ao homem resgatar o passado trazendo-o de volta para o presente, de forma tal que ele seja uma mola propulsora utilizada de acordo com a realidade do momento.

Observa-se hoje que os espaços da Serraria Souza Pinto, do Mercado Popular da Lagoinha e do Viaduto Santa Teresa têm sido aproveitados para a realização de uma gama de eventos. Dentro dessa variedade, vemos a literatura, aqui entendida como trabalho artístico em prosa ou em verso, ausente dos espaços culturais acima referidos.
Portanto, em conseqüência disso, não temos o aproveitamento, em todo o seu potencial, dos locais aqui observados. Neles não ocorrem saraus, shows multimídia, apresentações de videopoemas, lançamentos e/ou feiras de livros, eventos que poderiam contribuir para uma possível difusão da literatura. Mesmo não sendo um produto da cultura de massa, a literatura precisa encontrar formas alternativas de atingir o público, usando os recursos necessários para conquistar o leitor da atualidade, sensível aos apelos dos meios informatizados e audiovisuais.

Navegar! Porque navegar é preciso.

Certamente são várias as causas que podem levar à idéia de um possível declínio no consumo da obra literária. A relação do público com a arte sempre foi pautada por peculiaridades inerentes ao tempo. Adorno contrapôs-se às idéias de Hegel quando buscou valorizar a obra de arte por seu aparato erudito, elitista e original. Dessa maneira, o valor da obra de arte apresenta-se fundado na apresentação e não na representação, exigindo, assim, um público marcado pela característica de poder realizar uma leitura crítica e reflexiva. Tal postura insere a obra de arte no mercado como uma mercadoria que exige um público capacitado. Essa especificidade exigida pela obra de arte acaba por torná-la de difícil consumo. Sendo assim, é estabelecido, sobretudo, em países do terceiro mundo, um embate entre mercado e obras literárias que aspiram por leitores críticos e reflexivos. É certo que os empecilhos somam-se, exigindo do artista um exercício de criatividade a mais para resolver satisfatoriamente tal embate. Não se pode esquecer que, atualmente, os eventos em que há o predomínio da imagem é que são capazes de melhor interessar o público.

O poeta belo-horizontino Marcelo Dolabela diz que a prateleira da livraria não é o melhor espaço para os livros de poesia. Dolabela acredita que a poesia convive melhor nos espaços alternativos como casas de shows e bares. Compartilhando com músicos as oportunidades de ocupar esses espaços, o autor ali realiza a distribuição de seus livros, estabelecendo contado direto com o público. O escritor acredita que a poesia ocupa bem o espaço informatizado, tendo, inclusive, sites em maior número e mais visitados do que os sites do texto em prosa . Esse fato, garante o poeta, faz com que a poesia hoje esteja mais presente no universo do público jovem, uma vez que ele convive bem com o mundo informatizado.

Já o autor Ricardo Aleixo assegura que a literatura segue sua vocação de dialogar com outros meios de expressão artística, sendo essa vocação potencializada pela maior difusão dos meios eletrônicos. Aleixo afirma que interagir com um espaço que não tenha sido pensado originalmente para a arte é sempre muito mais estimulante do que ficar sonhando com os já existentes, na maioria das vezes voltados para um público menos exigente. O poeta Ronald Claver, criador do projeto “Poesia com Cachaça”, por meio do qual divulga a poesia em bares e restaurantes, lamenta não ver hoje na capital mineira eventos que aproximem os autores, como ocorreu na época de Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e outros. Claver acredita que os organizadores dos concursos literários poderiam realizar em sua etapa final, um momento de encontro entre autores e desses com o público. Porém, essa etapa dos concursos é pouco valorizada e, em geral, o público nem fica sabendo quais foram os ganhadores dos concursos.
Em dezembro de 1999, quando da comemoração do centésimo segundo aniversário da cidade de Belo Horizonte, o artista plástico Agnaldo Pinho aceitou o desafio de realizar um trabalho no espaço do Viaduto de Santa Teresa, o qual denominou Poetas e Grafiteiros.

Aproveitando-se da estrutura do viaduto e dos valores histórico e cultural da área, Pinho reuniu jovens grafiteiros que, sobre painéis, foram convidados a reler visualmente trechos de textos escritos por 19 poetas escolhidos por José Maria Cansado. Esses painéis foram instalados sob os vãos do viaduto, contendo os versos selecionados. Além disso, o artista elaborou banners, nos quais se lia uma pequena biografia dos autores escolhidos. Esses banners foram colocados nas proximidades da área em que originalmente foi projetado o Largo dos Poetas. Completando sua intervenção, o artista utilizou algumas birutas5 de cores diferentes instalando-as sobre os arcos do viaduto. Cada biruta colorida estava representando um momento de inspiração dos artistas. Com esse trabalho dialogístico, o artista demostrou haver um potencial a ser explorado no espaço cultural criado sob o viaduto.

Decerto, os artistas mineiros têm buscado formas diferentes de interação com o público. E esse público, imerso num sistema opressor e inibidor de manifestações reveladoras do sensível e do belo, é carente de algo que possa, de alguma forma, resgatar o caráter do humano nas metrópoles contemporâneas. Mesmo que para isso seja preciso retratar o desumano, enquanto manifestação artística, a literatura apresenta-se como viés possível para a realização desse resgate. Portanto, a despeito das mostras de declínio, a literatura oferece algumas formas de resistência e continua levando para o público a alternativa de interagir de forma crítica com o meio em que vive.

Uma dimensão poética

Juntamente com outras manifestações artísticas, a arte literária tem a possibilidade de abarcar um público que tem formação diversificada, principalmente quando pode ser fruto do diálogo crítico iniciado pela leitura de acontecimentos às vezes banais, do dia-a-dia. Dessa maneira, a literatura acaba ocupando um lugar que oscila entre o público erudito e o consumo popular. Com a arte literária desprovida de um público alvo e de outras qualidades mercantis, sendo inclusive chamada de “in-utensílio” por Paulo Leminski, fica consolidado o embate tenso da mesma com o mercado. Por isso, aliado ao fato da literatura valer-se na maioria das vezes do caráter subversivo da linguagem, o lugar ocupado por ela é um lugar periférico, ou o lugar da marginalidade por excelência. Assim, os artistas que se destacam, à medida que permanecem fiéis às características de formas de expressão da arte literária, como os consagrados Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, também passam a ocupar o centro de uma periferia. Uma vez ocupando esse centro, os artistas constituem um cânone para o meio artístico, embora sua projeção no mercado ainda ocorra de forma bastante setorizada.
Desse modo, valendo-se da idéia de descentramento proposta pelo filósofo francês Jacques Derrida, pode-se dizer que o espaço teórico denominado como o entre é o lugar passível de ser ocupado pela arte literária. Assim sendo, cabe ao artista contemporâneo equilibrar-se nesse espaço e intensificar seu empenho na busca de maneiras concretas de interagir com um público já familiarizado com o mundo virtual e midiático. Somente dessa forma, a literatura poderá continuar estabelecendo um contato com o sujeito contemporâneo, ao indicar a possibilidade de se continuar experimentando a dimensão poética do homem.

Notas:
1. Este estudo faz parte dos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos Letra em Crise (GELC), do qual participo.
2. Premiado em out. de 97, pelo Instituto de Arquitetos/Curitiba.
3. Nome oficial – Arthur Bernardes.
4. A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte patrocinou o projeto intitulado Cidade Viva 2000. Faz parte desse projeto, que envolve vários campos de expressão artística e cultural, intervenções visuais cujo nome é Circuito Gira Gira 2000.
5. Balões de forma cônica que servem para indicar a direção dos ventos de superfície.

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DRUMMOND NA CONTEMPORANEIDADE

Maria Luiz Tolentino

Hoje, a fragmentação dos sentidos ocorre, numa incessante cadeia, desprendendo-se do território dos conceitos fixos, onde reinava o império das grandes teorias em que tudo era formalmente explicado, para a felicidade geral dos seres humanos. Na contemporaneidade, os sentidos ancoram-se na pluralidade das novas interpretações. A palavra e o sujeito fragmentam-se, numa coincidente busca de novos sentidos a explorar.
Nessa movimentação de desprendimento, ou de rompimento com as formas rígidas do pensar, é que surge o leitor de agora, com diversas possibilidades de criar e recriar novas leituras e releituras. Contemporâneo é o sujeito que se fragmenta como herdeiro dos versos de Mallarmé e Baudelaire, onde o significante não tem suporte definido. Agora existe uma infinita rede: o leitor do agora exercita uma leitura inquietante, desobrigando-se do sentido único e lógico, inventado pelos senhores da razão.

O que se privilegia na contemporaneidade é uma escrita cuja lógica pode ser chamada de a re-escrita da modernidade, ou seja, a capacidade de combinar arbitrariamente fragmentos de frases, pedaços de informações, resíduos vitais da escrita, que irão ser pensados e repensados por uma outra razão.

Dessa escrita surge o verso livre dos poetas da tradição moderna, de onde escolhemos o poeta Carlos Drummond de Andrade, cuja escrita se faz com a emoção e com os fragmentos da memória que se configura como força ativa do passado. O poeta, iniciou seus versos num ambiente de mundo moderno, realizando uma escrita atemporal que se arrasta até a contemporaneidade. Seus procuram resgatar a significativa experiência do homem.
Extraímos da poética de Drummond elementos que nos remetem à idéia de buscas e dúvidas a respeito das certezas de antes, e que, agora, são postas em questionamento e já não trazem mais a marca do definido e sim das incertezas em que o poeta se lançou. A partir daí, percebemos que ser gauche, em Drummond, indica as características e os traços do sujeito contemporâneo, homem do agora cuja identidade entrou em colapso em diferentes momentos e não são mais unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de cada um há identidades contraditórias. Assim também é caracterizado o ser gauche, tema explicado por Affonso Romano de Sant’Anna:

gauche é a palavra em que cristalizou a essência da personalidade estética do poeta. Significa basicamente o indivíduo desajustado. O gauche é caracterizado pelo contínuo desajustamento entre a sua realidade e a realidade exterior. Há uma crise permanente entre o sujeito e o objeto que, ao invés de interagirem e se completarem, terminam por se opor conflituosamente.

E nesse duelo das tensões geradas entre o sujeito e o objeto é que percebemos a voz dos poemas, denunciando a condição da existência do ser multidirecionado, perdido no caminho, como a inexplicável pedra que suscitou indagações e especulações nas quais vamos encontrar o sujeito finissecular: homem anônimo, sem rumo, sem identidade, à procura de máscaras para a sobrevivência num mundo que se desprendeu da natureza, para se enraizar no mundo inseguro das produções humanas, homem que encontra seu valor no mundo pelo preço de sua força de trabalho, desprovido dos valores humanos.

Quando retrata o gauche, Drummond mostra o sujeito desajustado, deslocado e conflituoso o que nos remete à idéia de um ser que lida com o mundo de forma desarmônica, contraditória e fragmentada: trata-se do sujeito contemporâneo, em busca de uma identidade em crise. No poema “A ilusão do Migrante”, está explicitada a idéia do homem diverso, desagregado, do ser múltiplo:

Quando vim, se é que vim
De algum para outro lugar
O mundo girava, alheio
À minha baça pessoa,
E no seu giro entrevi
Que não se vai nem se volta
De sítio algum a nenhum.

O elemento que perpassa o poema é a voz do sujeito no entre-lugar, ou sem lugar: se tinha a certeza de sua origem acabou por perdê-la. Indaga sobre seu nascedouro e termina por não saber o quando, o onde, nem o tempo ou o lugar de suas origens. Configura-se como um sujeito perdido nas entranhas de seu tempo e seu espaço, imerso numa diversidade temporal e espacial, com uma identidade posta em questão: o próprio migrante.
Há, no entanto, uma distinção entre o espaço e o lugar: os lugares permanecem fixos, neles encontramos as raízes, entretanto, o espaço pode ser cruzado pelo migrante que o atravessou através do tempo e se perdeu na sua ilusão que é ilustrada na seguinte passagem:


Quando vim da minha terra,
não vim, perdi-me no espaço,
Na ilusão de ter saído,
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado


Assim o poeta expressa o sentimento daquele que atravessa as fronteiras de seu lugar natural, como ele próprio o fez, e que o dispersa de sua terra natal, mas que, paradoxalmente, retém fortes vínculos com seu lugar de origem e com suas tradições, em contraste com seu passado e com a ilusão de um rompimento concreto.
A presença constante desse ser migrante é notada no eixo da contemporaneidade que, ao cruzar os espaços através do tempo, distancia-se de seus começos e se encontra em constante estado de mudança. Esse deslocamento espacial vivenciado cria possibilidades de mil direções. Isso ocorre, porém, com uma certa singularidade: sendo ele um sujeito que entra em contato com novos modos de vida, é condenado a relacionar-se com essas novas formas de viver e pensar, sem contudo, incorporar visceralmente esses novos modos de vida.

O sujeito adquire uma identidade adaptável aos novos lugares e a outras circunstâncias.
A posição desse sujeito é como a de um andarilho, que, longe de suas origens, fragmenta-se e se torna um desconhecido para si mesmo em detrimento do novo espaço que é obrigado a conquistar. Há uma tensão entre sua identidade de homem enraizado e sua identidade transitória, exigida pelas demandas dos novos e dos velhos tempos, como em Ulisses, que encena a necessidade de deslocamento do homem para conhecer outros mundos.
Mesmo com essa movimentação de idas e vindas, o sujeito carrega os traços de suas tradições, linguagens e suas historias particulares, nessas estão as marcas de sua condição de ser como percebemos nessa passagem do poema em estudo: “A ilusão do migrante”,


Que carregamos as coisas
moldura da nossa vida
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente em nossas fundas paredes


Nesse transitar há uma voz do passado, como se fosse um eco que ressoa, revelando seu lugar de origem e a busca do que passou. É o sujeito híbrido do nosso tempo, transportado entre fronteiras. Encontramos em Drummond a característica do poeta migrante, pertencente a dois mundos: o provinciano itabirano e o urbano fluminense.
Trata-se de uma poesia em trânsito que, em seus versos, traz a voz de Minas. O poeta explora o lugar de origem, a cidade em que nasceu, a vida interiorana. Sua poesia recai sobre as dores atuais, o homem da rua, as cidades históricas de Minas. Mesmo tratando-se de uma região específica do país, nada possui de provinciano, seus versos se realizam reunindo a contradição do local e do universal.
A casa é o lugar fixo e o tempo é algo que se esvai. É a estrada que o homem percorre em busca de suas raízes e ao mesmo tempo de seu abandono, é o homem sem rosto, desmascarado pelo seu tempo é o que percebemos no poema “A casa do tempo perdido”:

...Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar
no bater e bater.

No poema “Acordar, Viver”, o poeta trata o tempo como um ato de despedida da vida:

como acordar sem sofrimento?
recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a terra e sua púrpura demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.

O sujeito poético faz do tempo o algoz da existência humana, insere seu sofrimento numa realidade de mundo frio e pétreo. A consciência do dilaceramento da vida pelo tempo abre as feridas existenciais e nelas há o silêncio das perguntas sem respostas. Das perguntas sem respostas, perguntas existenciais, surge a conclusão de que a vida é pétrea. O indivíduo caminha para assumir a tragédia que a vida comporta. Existe a consciência da destruição e da expectação da morte que funcionam como elementos integradores da vida e ao mesmo tempo revelam o sentimento de angústia diante da certeza da transitoriedade da vida que fatalmente caminha para o fim. E talvez por isso o poeta refere-se à vida como sendo pétrea, fria como o mármore que encobrirá o corpo.
No poema a “Carne envilecida”, o elemento central traduz-se pela presença da finitude, do descontínuo e da transitoriedade do ser. O corpo é vítima da ação demolidora do tempo:

A carne encanecida chama o Diabo
E pede-lhe consolo. O diabo atende
Sob as mil formas de êxtase transido,
Volta a carne a sorrir, no vão intento
De sentir outra vez o que era graça
De amar em flor e em fluida beatitude.
Mas os dons infernais são novo agravo
À envilecida carne sem defesa,
E nada se resolve, e o aroma espalha-se
De flores calcinadas e de horror.

O sujeito poético faz um apelo ao diabo que o atende, mas isso de nada adianta, o corpo está condenado ao envelhecimento, exposto à ação do tempo que inexoravelmente, caminha para a sua destruição.
O tempo é um dos mais importantes temas da poesia de Drummond, é o principal combustível que move a sua linguagem poética. Ele o descreve incorporando elementos do passado, do presente e do futuro que é assim descrito no poema: O segundo, que me vigia
Implacável ponteiro dos segundos.

Não, não quero este decassílabo.
O que eu queria dizer era:
O segundo, não o tempo é implacável.
Tolera-se o minuto. A hora suporta-se.
Admite-se o dia, o mês, o ano, a vida,
A possível eternidade.
Mas o segundo é implacável.
Sempre vigiando e correndo e vigiando.
De mim não se condói, não pára, não perdoa.
Avisa talvez que a morte foi adiada
Ou apressada
Por quantos segundos?

Do segundo à eternidade, o sujeito poético desfia o tempo e cai no paradoxo de suportar toda uma vida, mas não o segundo, a partícula menor do tempo. É o tempo vigiando a vida, fazendo-se passar por ela, atravessando a existência. Lentamente, é o segundo que chega de mansinho, e o segundo é o exato momento do presente, sendo o minuto, a hora, o dia, o mês, o ano, a vida, já transformados no passado e a eternidade no futuro. O poeta manipula os elementos temporais como um químico em seu laboratório. Traz o sujeito para uma consciência da destruição contínua e progressiva da vida. Esse homem, animal enfermo de temporalidade, exibe os dois componentes essenciais de seu ser: o instinto da morte e o instinto da vida.

É num ambiente de transformações que Drummond realiza sua arte poética. Num período em que o mundo passa por caminhos de insegurança e insensibilidade, as certezas construídas pela idéia do progresso vão chocar-se contra o real trágico do século XX, atravessado por duas grandes guerras mundiais, e várias outras tragédias coletivas. A questão do sujeito e sua relação com a temporalidade sofre mudanças, configura-se uma nova relação de tempo e espaço. O futuro já não é mais visto com o acenar de glórias, e o presente não é mais o agora e sim a necessidade da releitura do passado para enfrentar uma nova marcha.
O sujeito senhor de seu destino perfeito, que marcha direto para a perfeição, não é mais idealizado. O progresso deixa de ser a força motriz da evolução social. A identidade deixa de ser lida a partir do interior para se projetar num espaço exterior. O modo de olhar em relação ao sujeito sofre a pluralização dos espaços e a alteridade inaugura agora a nova era.
Nessa alteridade, podemos perceber a escrita de Drummond que se aproveita de sua vivência, elaborando-a com a do outro para escrever seus poemas. Nessa arte, notamos a condição do sujeito contemporâneo, sem identidade, com muitas faces, insatisfeito, cindido, a buscar novos caminhos, tantos novos caminhos que nenhum lhe basta. Assim é o sujeito gauche de Drummond, plenamente contemporâneo, que atravessou o tempo e o espaço do século XX, tentando acreditar numa era de progresso da humanidade, mas que ao final se vê cada vez mais esfacelado pelas arestas do progresso que não cumpriu sua promessa de felicidade.

Observamos que a poética de Drummond é perpassada pela fugacidade da vida, pela consciência da dor, da finitude e da transitoriedade. Sua escrita deixa lacunas em seus versos e perguntas sem respostas. A experiência de vida, o tempo e o espaço foram transformados em linguagem poética, permitindo de certo modo o diálogo de sua obra com outros poetas contemporâneos. A esse respeito o crítico Heitor Ferraz tece o seguinte comentário:
Carlos Drummond é o epicentro da poesia brasileira neste século, consolidando o modernismo e se projetando na obra de poetas contemporâneos que podem assumir ou negar sua influência, mas sempre dialogam com sua obra.9
E, a exemplo disso, temos a poetisa Adélia Prado que faz uma intertextualidade com a obra de Drummond ao publicar o poema “Com licença poética”:

quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira,
Cargo muito pesado pra mulher,
Esta espécie ainda envergonhada,
Aceito os subterfúgios que me cabem,
Sem precisar mentir.

A poetisa dialoga com o “Poema de sete faces“ em que poeta gauche funda uma identidade poética. O anjo de Drummond é torto, vive na sombra e sentencia ao sujeito poético a maldição: a sua condição de ‘gauche na vida’
No entanto, como podemos perceber, a poetisa se apresenta afirmando-se pela diferença, enuncia o poema sob a ótica do feminino, seu anjo é esbelto, toca trombeta e anuncia-lhe a missão de “carregar bandeira”, ela descarrega o poeta do peso da sua maldição e inaugura a poética do desdobramento, o ser desdobrável que se afirma pela alteridade.
Nesse trabalho concluímos que o poeta traz a marca do contemporâneo, ao mesmo tempo que participou do eixo da tradição literária moderna, num panorama de modificações e rupturas com as estruturas estéticas identificadas ao passado. O prosaísmo de seus versos permitiu a incorporação de novos elementos estéticos ao discurso poético, propiciando a dilatação das fronteiras do literário e reforçando o pensamento de que a poesia é forma, organização acertada de palavras que alcança o espírito na sua necessidade de se fazer imortal.

Notas:

1. SANT’ANNA, 1972. p.31
2. DRUMMOND, 1996. p.20
3. DRUMMOND, 1996. p.20
4. DRUMMOND, 1996.p.20
5. DRUMMOND, 1996.p.15.
6. DRUMMOND, 1996. p.16.
7. DRUMMOND, 1996.p.14.
8. DRUMMOND, 1996. p.80
9. FERRAZ, 1999. p.27
10. PRADO, 1991, p.11

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 21 ed. Rio de Janeiro: Record, 1962.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Farewell. Rio de Janeiro: Record, 1996.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III. Charles Baudelaire – Um lírico no auge do Capitalismo. Trad. J.C.M. Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1994.
COMPAGNON, Antonie. Os cinco paradoxos da modernidade. Trad. C.P.Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.
DOSSE, François. História do estruturalismo, v. 1. São Paulo: Ensaio, 1993.
HALL, Stuart. A identidade cultural pós-moderna. Trad. Tomaz. Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. Rio de janeiro: 1998.
JAMESON, Frederic, Espaço e imagem – teoria do pós moderno e outros ensaios. Trad. Ana Lúcia Gazolla. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 1994.
SOARES, Claudia Campos. O afã e a insolvência: a marca do dilaceramento na poética de Adélia Prado. Florianópolis: UFSC, 1992. (Dissertação, Mestrado em Literatura Brasileira)
VASCONCELOS, Mauricio Salles, e COELHO, Haydée Ribeiro. 1000 Rastros rápidos - cultura e milênio. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 1999.


ARNALDO ANTUNES: UMA POÉTICA DE AGORA
Vívien Gonzaga e Silva

A voz saía de uma placa metálica retangular semelhante a um espelho fosco, embutido na parede direita. (...) O aparelho (chamava-se teletela) podia ter o volume reduzido, mas era impossível desligá-lo de vez.
George Orwell, 1984.

“É preciso estar ciente de que, se essas tão imensas inovações transformam toda a técnica das artes e, nesse sentido, atuam sobre a própria invenção, devem, possivelmente, ir até ao ponto de modificar a própria noção de arte, de modo admirável.” Pouco menos de um século após a publicação do texto de Paul Valéry, de onde foi extraída essa passagem, por Walter Benjamin, o interesse pela relação entre as artes e o meio técnico ainda está longe de se esgotar.

É a análise dessa relação que servirá de baliza para a discussão que propomos aqui, como um modo de compreendermos, mesmo que precariamente, o que tomamos como identidade nessa transição de séculos.
A pertinência das indagações de Valéry fica mais evidente em outro trecho:
Tal como a água, o gás e a corrente elétrica vêm de longe para as nossas casas, atender às nossas necessidades por meio de um esforço quase nulo, assim seremos alimentados de imagens visuais e auditivas, passíveis de surgir e desaparecer ao menor gesto, quase que a um sinal.
Podemos pensar que o prognóstico contido nas palavras do poeta e ensaísta francês consumou-se já com o advento da televisão, que veio viabilizar a disseminação de imagens com a mesma velocidade e poder de alcance que a voz já experimentava através do rádio, transpondo para um domínio próprio o fascínio exercido pelo cinema falado e assegurando para si um posto singular no universo da cultura de massas. Tudo, a partir do simples apertar de um botão. O que talvez ainda não pudesse ser mensurado por Valéry, em sua época, era a dimensão que este gesto mínimo assumiria no decorrer de poucos anos.

A crescente incursão de tecnologias avançadas em grande parte das áreas de atuação humana confere ao comando digital uma posição ambígua. Por um lado, constitui uma habilidade privilegiada que, em si, pressupõe a inserção do sujeito numa esfera de conhecimento específica, dotada principalmente de uma linguagem própria, cujo acesso é graduado por fatores como poder aquisitivo, ocupação profissional, escolarização etc. Isto significa que a apropriação dessa linguagem demarca um certo “poder” diante das demandas cotidianas, o que configura, num certo sentido, um status diferenciado que aponta, dentre outras coisas, para a formação de uma nova plataforma de valores sociais e individuais.

Por outro lado, o exercício ostensivo dessa habilidade digital, em escala de substituição progressiva de outras habilidades humanas, torna cada vez menos perceptível a mediação corporal entre o apelo subjetivo e sua resposta no meio externo. O “desejar fazer” e o “está feito” diferenciam-se por um átimo, favorecendo um certo alheamento do sujeito em relação ao processo do qual ele é agente, o que não se diferencia da “alienação do trabalho” da qual nos fala Karl Marx, contudo, não se restringindo, hoje, às atividades profissionais. Esse alheamento é reforçado, singularmente, por artifícios tecno-mercadológicos que buscam minimizar o aspecto hostil do universo maquínico e acabam por insinuar uma possível identificação entre máquina e homem. É o que ocorre, por exemplo, com a utilização de gravações ou de vozes sintetizadas em terminais eletrônicos, o que confere à inteligência artificial uma assombrosa “humanidade”. Já não é raro presenciarmos – ou mesmo protagonizarmos – um diálogo “amistoso” entre a máquina e seu operador.

Cabe perguntar, aqui, até que ponto temos consciência dos limites dessa “identificação” ou controle sobre eles. Ou, ainda, até que ponto os padrões de eficiência humana não estariam sendo espelhados nos parâmetros impostos pelo progresso tecnológico.

O nome das coisas

Pensar que a arte ficaria à margem desse progresso seria ignorar sua dimensão pragmática, pressupondo-se, logicamente, que estariam incluídas nesse universo aquelas atividades ligadas a manifestações de ordem psicossociais, como os esforços de comunicabilidade, por exemplo.
Diga-se a propósito, que a história da arte, entendida como disciplina humanística, está muito próxima do estudo das imagens como linguagem. Não é à toa que muitos conceitos utilizados no campo da arte tenham sua origem no desenvolvimento de ciências como a antropologia ou a arqueologia que, não raramente, se apoiam na produção artística e, particularmente, no acervo de imagens produzidas em um período para a reconstrução da cultura geral de uma civilização.
Como afirma Omar Calabrese, “as formas expressivas são consideradas formas simbólicas, isto é, capazes de manifestar conteúdos que não são diretamente motivados pelo aspecto natural das próprias formas.”
Nessa linha de pensamento, faz sentido tentarmos analisar as representações veiculadas pela arte contemporânea com o intuito de entendermos alguns aspectos da cultura de nosso tempo e as múltiplas identidades que a ele se vinculam. Mais precisamente, faz sentido, neste espaço, partirmos de uma expressão artística em particular para nos movermos no terreno onde, a nosso ver, configuram-se algumas linhas dessa identidade.

Eu berro as palavras
no microfone
da mesma maneira com que
as desenho, com cuidado,
na página.

Neste fragmento do poema que abre o livro Psia, de Arnaldo Antunes, já é possível perceber que estamos lidando com a idéia de “trânsito” entre meios diversos. Não por acaso, e mesmo considerando-se o caráter ficcional da obra literária, o trecho em questão remete ao fato de que Antunes é também cantor, e a aproximação feita entre os dois veículos – o microfone e a página de papel – já oferece indícios para pensarmos que uma das marcas da contemporaneidade é a existência de mídias diversificadas.

Mas, antes de nos lançarmos na análise dessa questão, vamos abordar outro aspecto interessante desse poema: sem título destacado, ele vem impresso na orelha do livro, ou seja, no prolongamento da capa que, quando existe, via de regra, é reservado à apresentação da obra e do autor. Em Psia, o próprio poema se encarrega de cumprir esta função:

Psia é feminino
de psiu;
que serve para chamar a atenção
de alguém, ou para pedir silêncio.

Está enunciado, nos primeiros versos, a partir de uma falsa definição do termo “psia”, o propósito do autor: chamar a atenção do leitor, pedir silêncio para que se prossiga a leitura.
Com projeto gráfico e diagramação do próprio Arnaldo Antunes, esse poema ocupa todo o espaço da orelha. Entretanto, o texto é dividido por um picote no papel, o que sugere que uma das partes seja destacada, transformando-se em marcador de texto, objeto avulso, exterior ao livro. Ora, com esse efeito, a própria integridade do poema é colocada em questão: a idéia de fragmentação extrapola a linguagem poética para manifestar-se como fragmentação física do objeto poema, incidindo sobre as palavras:

Para transformá-las em coisas,
em vez de substituírem
as coisas.

Não se trata aqui de apresentar o trabalho desenvolvido por Arnaldo Antunes como mostra de originalidade, mas, sobretudo, como um exemplo relevante, na poesia brasileira, de uma conduta artística que vem se constituindo sob o signo das transformações verificadas mundialmente no decorrer do século XX, as quais ocorreram, de modo especial, a partir da intervenção de novas tecnologias.
Em seu prefácio a Un coup de dés, Stepháne Mallarmé já explicita, no século XIX, uma mudança de tratamento do espaço gráfico:
Os “brancos”, com efeito, adquirem importância, chocam de início; a versificação os exigiu, como silêncio em torno, ordinariamente, até o ponto em que um trecho, lírico ou de poucos pés, ocupe, no centro, a terça parte mais ou menos da folha: não transgrido essa medida, apenas a disperso. O papel intervém cada vez que uma imagem, por si mesma, cessa ou se oculta, aceitando a sucessão de outras.
Esse é, também, o cerne das experiências concretistas, que ganharam projeção em meados do século XX, como está assinalado no seguinte trecho do Plano-piloto para poesia concreta, importante manifesto da vertente brasileira desse movimento:
dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural.

Seria arriscado, salvo em raríssimos casos, tentar situar o nascimento de uma proposta estética em um momento específico, ou mesmo creditá-la a um movimento em particular, porém, é inegável que alguns dos procedimentos formais em gestação desde o final do século XIX estão na base da prática poética contemporânea.
A reordenação conceitual que se processa, a partir daquela época, pode ser vista como a elaboração de uma resposta ao esgotamento das possibilidades discursivas da linguagem frente a um contexto de transformações muito agudas. É especialmente significativo, nesse sentido, que o manifesto dos concretos, dentre outras formulações teóricas surgidas nesse período, proclame “uma responsabilidade integral perante a linguagem”, o que, de certa forma, resume muitas das proposições estéticas reivindicadas, simultaneamente, por diversos movimentos que delinearam o perfil da modernidade, não só na poesia, mas nas artes de um modo geral. Guardando as particularidades de cada um desses movimentos, é certo que há um ponto de confluência entre eles que configura não somente um novo posicionamento diante das possibilidades de uso do código verbal, mas intensifica, a partir da reflexão crítica sobre o fazer artístico, o entrelaçamento de códigos distintos.

É oportuno ressaltar que o trânsito intersemiótico é inerente e necessário a qualquer processo cognitivo, encontrando-se, mesmo, na base de toda produção simbólica que permeia a expressão humana. No entanto, no que se refere a experimentos intencionais no âmbito da mesclagem sígnica, o momento que marcou a nossa entrada na modernidade é particularmente relevante.

Como bem assinala Gilberto Mendonça Teles, esse período é marcado por “um ideal comum de renovação artística”, a partir do qual a poesia assimila as técnicas pictóricas ao mesmo tempo em que as artes plásticas se apoiam nas idéias filosóficas e poéticas, em ebulição nas primeiras décadas do século XX.
Neste sentido, é extraordinária a ascendência do cubismo sobre as demais modalidades de expressão artística. Ao atuar sobre a decomposição das formas, recompondo-as em planos geométricos simultâneos, os pintores cubistas não fizeram menos que explicitar um novo modo de perceber a realidade. A proposta de apreensão instantânea de múltiplos ângulos desestabilizava o olhar, impelindo-o para o confronto com uma realidade fracionada, em que a subjetivação deveria agir como elemento fundamental na construção de sentido. Ao mesmo tempo, a introdução de técnicas inovadoras, como a colagem, ou mesmo a utilização de suportes não convencionais, acabam significando a ruptura com uma prática agonizante, fundamentada no efeito de ilusão, ou seja, na tentativa de retratação idealizada da realidade.
Embutida nesses procedimentos formais está toda uma discussão sobre a autonomia da arte e do objeto artístico e, portanto, da própria noção de realidade e da relação entre esta e aqueles. Trata-se de um caminho sem volta, que coloca em debate também a natureza do meio, que seria, ele próprio, dotado de expressividade e de significação. Em suma, processa-se uma profunda revisão, fundamental para a produção literária da época, das noções que envolvem a linguagem artística, tratada, então, em sua materialidade. Abre-se, com os modernistas, uma trilha não de todo explorada até os dias de hoje.
Os nomes dos bichos não são os bichos.
Os bichos são:
Macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha.
Os nomes das cores não são as cores.
As cores são:
Preto azul amarelo verde vermelho marrom.
Os nomes dos sons não são os sons.
Os sons são.
Só os bichos são bichos.
Só as cores são cores.
Só os sons são
som são
nome não
Os nomes dos bichos não são os bichos.
Os bichos são:
Plástico pedra pelúcia madeira cristal porcelana papel.
Os nomes das cores não são as cores.
As cores são:
Tinta cabelo cinema céu arco-íris tevê.
Os nomes dos sons.
Como se pode ver, “Nome não” reedita alguns aspectos da reflexão em torno do signo lingüístico: nega e afirma o real por meio do signo, colocando em xeque a própria significação; o nome das coisas não são as coisas mas, numa civilização que tem no verbum até mesmo a base de sua cosmogonia, as coisas só se dão a conhecer por meio do nome. A prática metalingüística presta-se, então, a minar o alicerce em que se assenta todo o sistema de conhecimento ocidental, explicitando, numa rede associativa enclausurada no significante, o esforço vão de apreender o inapreensível pela via da linguagem.

É interessante observar que, no poema escrito, o trecho que enuncia “os sons são” fica pendente, quebrando a expectativa criada nos versos anteriores; no disco, porém, esse mesmo verso vem seguido de solos instrumentais: não há nomeação – o significado é, então, presentificado e, por meio do sentido auditivo, prescinde da expressão verbal.
Podemos dizer que, nesse caso, a discussão crítica sobre as possibilidades expressivas dos diversos códigos ocorre no âmbito mesmo do fazer poético, por meio da exploração simultânea e suplementar das especificidades desses códigos. Esse fazer poético constrói-se, então, sobre o que Melo e Castro denomina de “equivalências estruturais”, permitindo a articulação concomitante de sinais verbais e não-verbais. De um modo geral, no projeto poético desenvolvido por Antunes, encontramos, além dessa articulação, a utilização de recursos tecnológicos e de mídias diferenciadas, não apenas na condição de mero veículo, mas como elemento constituinte de uma proposta estética.

Se Mallarmé tivesse um sampler

Seria inútil e desnecessário buscarmos compreender a obra de Arnaldo Antunes a partir de uma provável filiação estética. Porém, como ocorre com outros nomes dessa poesia que se produz nos dias atuais, há na obra de Antunes pelo menos uma herança visível da modernidade, que diz respeito à união entre a prática poética e a reflexão crítica sobre essa prática.
“Artista multimediático e intersemiótico” – assim se refere Haroldo de Campos a Arnaldo Antunes, em seu posfácio ao livro 2 ou + corpos no mesmo espaço. Trata-se de um pequeno texto de pouco mais de 15 linhas, capaz, entretanto, de tangenciar algumas questões interessantes. Falando sobre a natureza icônica da obra de Antunes, Campos transcreve um trecho no qual Walter Benjamin afirma que, por meio dessa “nova escrita de trânsito universal, os poetas renovarão sua autoridade na vida dos povos”. Servimo-nos dessa declaração de Benjamin para pensar o papel do artista e tentar entender algumas especificidades de sua atuação dentro das condições atuais.

Não é demais voltar aos experimentos de Mallarmé, que chegaram até nós apenas sob a forma de anotações esparsas e pequenos fragmentos, à parte o texto de Un coup de dés. Analisando o projeto mallarmiano de dar forma ao seu Livre – “máquina poética” destinada a combinações infinitas de palavras e frases, num movimento contínuo de geração de poemas –, Arlindo Machado observa:
para que a sua mecânica combinatória fosse colocada em movimento e ainda para que nenhuma relação se impusesse como definitiva, ele deveria ser estruturado como um objeto tridimensional, em que a coordenada de profundidade funcionaria como eixo do paradigma, estoque potencial de palavras ou frases que se poderiam permutar durante o ato de realização do poema.

No contexto em que situamos a nossa análise, até agora, vemos que a proposta de uma produção poética capaz de transpor os limites de seu suporte material já vinha sendo acalentada muito antes que surgissem os recursos técnicos capazes de viabilizá-la.
No entanto, o desenvolvimento meteórico da indústria eletrônica coloca anos-luz de distância entre os nossos dias e o fazer poético limitado à composição tipográfica que deu origem à imprensa no século XV e revolucionou o mercado editorial nos séculos seguintes. Nesse sentido, o artista contemporâneo tem uma participação significativa e, como observa Eduardo de Assis Duarte, é preciso, por exemplo, “ponderar a respeito da literatura enquanto impulsionadora de inovações técnicas, em termos da demanda por ela exercida no aprimoramento dos meios de difusão/circulação de mensagens”. Vemos aí uma relação simbiótica na qual o artista, ao se apropriar de recursos tecnológicos para dar forma a sua expressão, estaria interferindo em processos aparentemente distantes da dimensão criativa e estimulando não só o aperfeiçoamento do meio técnico, mas a sua popularização.

A indústria cultural, cada vez melhor aparelhada, insere o artista num outro circuito, no qual estão concorrendo interesses os mais diversos. A realização de um único show musical ou a produção de um filme, como exemplos, podem envolver altos investimentos na locação de equipamentos eletrônicos sofisticadíssimos. Isso, por um lado, propicia resultados impensáveis sem tais recursos; por outro, vincula-se a uma complexa estrutura de mercado em que estão em jogo, dentre outros fatores, verbas de patrocinadores, contratação de profissionais especializados, investimentos em mídia, bilheterias milionárias etc.

Parte integrante dessa estrutura, o artista contemporâneo distancia-se cada vez mais da figura sacralizada, confinada em sua elaboração solitária, para interagir com outros agentes cuja participação é tão intensa na materialização de um projeto artístico que, não raro, podem adquirir o status de co-autores: engenheiros de som, técnicos em computação, editores de imagens, programadores, web designers e uma infinidade de novas categorias profissionais das quais o artista está cada vez mais próximo – quando ele mesmo não as assume.
Essa interação com outros campos de conhecimento coloca o artista (e a obra de arte) numa esfera cotidiana na qual é possível um novo tipo de inserção na realidade, ou de uma espécie de resgate da “autoridade na vida dos povos”, como queria Benjamin.

Tudo ao mesmo tempo agora

É também na esfera da cotidianeidade que se trava, de fato, o confronto de identidades. Ao que parece, torna-se cada vez mais difícil ignorar a influência das novas tecnologias, a não ser numa condição de ruptura com os padrões socialmente constituídos. Não havendo essa ruptura, qualquer indivíduo deve estar predisposto a lidar com sistemas automatizados, hoje presentes nas ações mais corriqueiras da vida urbana: encontrar um livro em uma biblioteca, pagar uma conta de telefone, buscar informações na Internet, exercer o direito de voto.
Esse caráter quase ubíquo das tecnologias contemporâneas, capazes de se imiscuírem nos mais diversos setores das atividades humanas, não indica apenas uma dilatação das possibilidades produtivas, mas revelam uma nova lógica que regula as formas de interação dos indivíduos com o meio.
Alguns estudos de Paul Virilio são especialmente significativos na análise dessa questão. Vejamos, por exemplo, como ele demarca a história moderna a partir da invenção de cinco “motores”:
primeiro, o motor a vapor, responsável pela criação da primeira máquina que serviu à revolução industrial. Foi ele que permitiu a visão do mundo através do trem, a visão em desfile que prenuncia a visão do cinema. O segundo motor, de explosão, propiciou o surgimento do avião e do automóvel. O homem pôde obter uma informação e visão inéditas, proporcionou a visão aérea. O terceiro motor foi o elétrico, que deu origem à turbina, à eletrificação e criou a visão noturna das cidades. O motor elétrico favoreceu o cinema, que é uma arte do motor. O quarto motor, o foguete, permitiu ao homem escapar da atração terrestre e obter uma visão da Terra a partir da lua. O quinto é o motor à inferência lógica, do software, que permite a digitalização da imagem, do som, e o surgimento da realidade virtual. Esse último modifica a nossa relação com o real a partir da possibilidade de criação de uma outra realidade que funciona ao vivo. (grifos nossos).

Privilegiando outros elementos, Arnaldo Antunes também percorre a história, traçando, contudo, uma linha em ordem inversa:
antes de existir computador, existia a tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio 21

Mito retomado em novo domínio semântico, o instante primordial é recuperado à luz do engenho humano. A linha do tempo – metáfora de um novo olhar sobre uma velha história – vem pontuada não por eventos ou datas, mas por ícones da civilização, símbolos que assumem uma carga de significação ampliada, capaz de referenciar estágios da história humana e de suas respectivas identidades.

Nos versos de “O silêncio”, o movimento em flash-back superpõe e entrelaça grupos de referências que deixam entrever uma outra trajetória: antes de existir computador, o homem compreendia a realidade e relacionava-se com ela diferentemente daquele que assistiu às primeiras transmissões dos sinais eletromagnéticos pela televisão (imagens!); ou daquele que viu serem substituídos, um a um, os lampiões a gás pela lâmpada elétrica. É um exercício instigante pensar que identidade seria possível apreender no estágio atual dessa história, demarcada por Antunes pela existência/signo do computador.

Há, na escala descendente de “O silêncio”, perdas implícitas: o homem da era do computador, da realidade digitalizada, recriada no plano virtual, tem anseios quase inexprimíveis fora de um outro espaço, também virtual, o da linguagem em sua vertente poética. É nesse espaço que, na impossibilidade (ou na inutilidade) de romper com uma história dada – voz, alfabeto, enciclopédia... – o poeta ainda pode propor a recuperação de uma dimensão ancestral: “vamos ouvir esse silêncio meu amor / amplificado no amplificador”. Convite aporético que resgata, na sonoridade do cotidiano contemporâneo – “batedeira liquidificador” –, o silêncio pré-verbal, “a primeira coisa que existiu / um silêncio que ninguém ouviu”.

Com base, também, nas colocações de Virilio, Luiz Alberto Brandão Santos assinala a substituição gradativa de uma “estética da aparição”, cujas referências se encontram na concretude de “imagens estáveis”, numa dimensão espácio-temporal também estável, por uma “estética do desaparecimento”, cujas bases estariam na produção sintética de “imagens instáveis”, móveis, calcadas, apenas, na velocidade de sua propagação. Estaríamos vivenciando, segundo Brandão Santos,
um processo de “desregulamentação das aparências físicas em que a localização e a identificação perderam progressivamente seu significado”. Num universo onde a observação direta das aparências é substituída pela teleobservação, necessariamente mediatizada, de “trans-aparências” (cuja concretude se limita à luminosidade impalpável constituinte das imagens), a cidade se apresenta como “paisagem fantasmática”, como resíduo incômodo de uma era ultrapassada, como espaço que tem de ser enfrentado por aqueles que não podem se beneficiar da instantaneidade protetora e isolante das ações à distância.22

Agora já passou

O título desse tópico reproduz o único verso de uma das músicas de Antunes, editada no Cd Nome, bem como no vídeo e no livro homônimos. Em “Agora”, o compositor parece dar corporeidade ao movimento e à velocidade, fazendo-nos lembrar de um trecho de Água Viva, de Clarice Lispector, que vale a pena transcrever:
mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará no imediato que absorve o instante presente e torna-o passado. Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só aquilo que capto em mim tem, quando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que o instante, quero seu fluxo.23

O poema de Antunes também propõe uma captura impossível, construindo-se por meio da tentativa frenética – e frustrada – de pronúncia integral dos vocábulos que, no disco e no vídeo, se sobrepõem e se interrompem uns aos outros. Utilizando apenas o recurso de programação de voz, sem acompanhamento instrumental, “Agora” cria uma sonoridade quase hipnótica, acentuada, no vídeo, pelo efeito de fragmentação da imagem, sendo que, nessa mídia, o poema é acrescido do verso “agora outro agora” que insurge, instável, do fundo da tela.

A supervalorização da velocidade é, a propósito, uma das marcas do mundo contemporâneo. A consolidação gradativa de uma realidade eletronicamente mediada, on line, alimentada pela obsolescência das imagens, em sentido amplo, desestabiliza algumas categorias de pensamento bem complexas como, por exemplo, o binômio tempo/espaço.

À parte concepções que devem ser historicizadas, o que interessa aqui é a profunda mudança que vem ocorrendo na maneira pela qual o homem contemporâneo percebe essas dimensões. Parece óbvio que apreendemos o mundo exterior pelas informações que os sentidos detectam no meio ambiente e pelo modo como o sistema nervoso processa essas informações. Mas como isto ocorre a partir da mediação de instrumentos capazes de maximizar os sentidos? Em que medida o processamento qualitativo estaria sendo comprometido pela preponderância quantitativa dessas informações?

Seria um equívoco tratar essa questão como se o progresso tecnológico fosse dotado de uma dinâmica autônoma, e não configurasse o resultado de opções feitas por esta ou aquela sociedade. Em um pequeno artigo sobre os meios de comunicação de massa, Néstor García Canclini traz à luz essa discussão:
Quem prescreveu que o discurso televisivo tem que viver o tempo todo em velocidade e nos manter fascinados apenas com o recurso da renovação incessante? Esta não é uma exigência da televisão como linguagem tecnológica, mas da competição mercadológica entre canais e do temor de que o espectador use o zapping.24
Essa questão parece apontar para o fato de estarmos diante de uma forma muito particular de contato com a realidade, uma forma característica do nosso momento histórico, em que os avanços tecnológicos atuam, inevitavelmente, como mediadores no processo de apreensão de nós mesmos e do mundo que nos cerca. De natureza essencialmente urbana, esse fenômeno, contudo, não deixa de estender seus braços virtuais a outros espaços.

Como bem assinala Ulf Hannerz, “o mundo se transformou numa rede de relações sociais, e entre as suas diversas regiões existe um fluxo de significados, bem como de pessoas e de mercadorias”.25
Um dado importante, nesse caso, é que essa tendência mundializante serve-se de recursos tecnológicos avançados, porém concentrados nos centros de poder político e econômico, dos quais adota e prescreve prioridades, o que, inevitavelmente, reduz as chances de eqüidade no âmbito sócio-econômico. O processo de globalização reflete, por um lado, uma idéia de universalização e, por outro, atua como instrumento de estratificação social, promovendo a concentração de capital e atendendo a interesses de grupos específicos. Essa natureza ambivalente do fenômeno da globalização manifesta-se também na esfera cultural e, como observa Stuart Hall, “ao lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da alteridade.”26

Taxionomia do paradoxo

Parece evidente, hoje, que a globalização, em suas manifestações mais recentes, não atua na destruição pura e simples das identidades nacionais. O que se verifica é a mesclagem de novas identidades globais e locais, dificultando a preservação das identidades tradicionais e dependentes de suas raízes, em localidades rigorosamente delimitadas. Essa questão é aprofundada nos estudos de Homi Bhabha, a partir dos quais Maria Antonieta Pereira ressalta que
o conceito pedagógico de nação baseia-se numa perspectiva histórica que privilegia a homogeneidade, o progresso e a linearidade como formas de se obter uma suposta identidade nacional. Tal modelo tem sido fraturado por uma noção performática em que as diferenças de interesse e as culturas de minorias rasuram as semelhanças globalizadoras, traçam fronteiras internas e percebem a nação como uma narrativa que recomeça sempre.27
Há que se pensar, também, que é inerente aos processos civilizatórios, dentre outros fatores, esse entrelaçamento de culturas diversificadas, sem o qual estariam intactos os valores de povos e nações que, hoje, só podem ser reconhecidos por meio de resíduos já amalgamados às culturas contemporâneas.

Nessa transição de milênios, torna-se cada vez mais questionável o uso de categorias absolutas para a definição de grupos étnico-culturais, ou dos indivíduos que, numa atitude de resistência nem sempre consciente, buscam, contraditoriamente, reconhecer-se como parte integrante desses grupos. Vejamos um exemplo desse questionamento presente na obra de Arnaldo Antunes:
que preto, que branco, que índio o quê?que branco, que índio, que preto o quê?que índio, que preto, que branco o quê?que preto branco índio o quê?branco índio preto o quê?índio preto branco o quê?aqui somos mestiços mulatoscafuzos pardos mamelucos sararáscrilouros guaranisseis e judárabesorientupis orientupisameriquítalos luso nipo caboclosorientupis orientupisiberibárbaros indo ciganagôssomos o que somosinclassificáveis não tem um, tem dois,não tem dois, tem três,não tem lei, tem leis,não tem vez, tem vezes,não tem deus, tem deuses,não há sol a sósaqui somos mestiços mulatoscafuzos pardos tapuias tupinambclosamericarataís yorubárbaros(...)egipciganos tupinamboclosyorubárbaros carataíscaribocarijós orientapuiasmamemulatos tropicaburéschibarrosados mesticigenadosoxigenados debaixo do sol28

Essa nova taxionomia, que se esboça na letra da música “Inclassificáveis”, explicita a dinâmica de desconstrução de identificações nacionais a partir da qual se dá a construção de identificações transnacionais, representadas, pelo compositor, num exercício neológico que transpõe para o domínio da língua o movimento de miscigenação racial (e, obviamente cultural) inseparável da dinâmica dos agrupamentos sociais.

Uma reflexão acerca da inocuidade de classificações absolutas também é perceptível na música “O nome disso”, de Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra:
o nome disso é mundoo nome disso é terrao nome disso é globoo nome disso é esferao nome disso é azulo nome disso é bolao nome disso é hemisférioo nome disso é planetao nome disso é lugaro nome disso é imagemo nome disso é arábia sauditao nome disso é austráliao nome disso é brasilcomo é que chama o nome disso?o nome disso é rotaçãoo nome disso é movimentoo nome disso é representação (...)o nome disso é chãoo nome disso é aldeiao nome disso é issoo nome disso é aquio nome disso é sudãoo nome disso é áfricao nome disso é continenteo nome disso é mundoo nome disso é tudoo nome disso é velocidadeo nome disso é itáliao nome disso é equadoro nome disso é coisao nome disso é objetocomo é que chama o nome disso?29

Trabalhando com a idéia da arbitrariedade dos signos lingüísticos, os autores evocam significantes ligados às noções de localização e identificação e, a partir da substituição sucessiva desses significantes, provoca-se o esvaziamento de sentido dessas noções: nomes que designam nacionalidades, podem, então, significar o mesmo que “lugar”, “imagem”, “idéia”, “aldeia”, “aqui”, ou, não por acaso, “rotação”, “movimento”, “velocidade”, “tudo”...
Em outro trecho dessa mesma música, esse recurso de transmutação atinge as convenções idiomáticas, em que a mescla de diferentes códigos e o rompimento da sintaxe oficial acabam por gerar um certo non sense:
the word for what is is a name
the name of this é isso
o nome disso is place
el nombre of name space
el nombre do nome esfera
o nome disso é idéia30
Babel e seus tradutores

Fronteiras geográficas diluídas, fronteiras monetárias mescladas, fronteiras religiosas em crise, fronteiras culturais recriadas. Esse cenário convulsivo provoca múltiplos desdobramentos que afetam a constituição das identidades sociais, o que, desde os primórdios, representou um forte apelo à natureza gregária do homem.
Salta aos olhos, por exemplo, que a interlocução cultural se intensifica na proporção que a disputa mercadológica fomenta o aperfeiçoamento e a disponibilização de novas tecnologias centradas no fluxo de informações multimidiáticas potencialmente acessáveis, em tempo real, em qualquer ponto do planeta (ou fora dele!). Como já dissemos anteriormente, os contrastes sócio-econômicos são fator relevante na distribuição dos recursos que viabilizam esse “acesso ilimitado”. Tecnicamente, contudo, as barreiras se diluem, evidenciando a condição cada vez mais provisória das fronteiras que se estabelecem no desenho de novas identidades.
Nesse sentido, seria temerário, num esforço de classificação, tentar manter categorias censitárias como cor, raça, classe, sexo, sem levar em consideração a precariedade dos processos de auto-identificação, decorrente da fluidez de valores que caracteriza o momento atual.

A crescente oferta de produtos que se destinam, em princípio, a otimizar o desempenho da máquina social tem efeitos colaterais significativos. Aliado a outras questões que formam a argamassa de contradições do modelo capitalista, o progresso tecnológico tem servido de reforço a um sistema político-econômico excludente que se projeta na própria noção de identidade. Torna-se cada vez mais difícil conceber a vida urbana, com todos os seus incômodos, sem o aparato tecnológico que coloca na ponta dos dedos o controle de um mundo cada vez mais remoto. Ter acesso ao mundo on-line é uma modalidade recente de status social, na qual está em gestação uma nova matriz de valores: interatividade asséptica e acesso seletivo fazem do mais sutil movimento dos dedos, um gesto demiúrgico, com o qual se abre ou se fecha a “janela” para o mundo real. Como valor agregado a esse status, conquista-se a segurança do distanciamento:

A identidade do espaço da rua – principal espaço público das grandes cidades – é a prescrição de que nenhuma identidade se constitua. Sou um habitante da grande cidade se me despojo de qualquer pretensão de comunhão, se abdico da crença de que pode haver, no espaço público, constituição de um grupo. O que posso comungar com aqueles que se deslocam a meu redor é somente o desejo de que possamos mutuamente nos ignorar. Anonimato, indiferença: a relação básica ideal é que nenhuma relação se estabeleça.31
A natureza hostil do espaço urbano vem se constituindo, então, numa justificativa para a impessoalidade prescrita para as relações sociais. A virtualização das relações humanas, perigosamente alimentada pela espetacularização da realidade nos meios de comunicação de massa,32 encontra respaldo na substituição gradativa da exposição física por conexões eletrônicas. Enquanto no primeiro caso alguns aspectos da identidade individual são necessariamente expostos, o relacionamento virtual permite, dentre outras coisas, que essa identidade seja mantida completamente em sigilo.

Os contatos efetuados pela Internet, por exemplo, relativizam a identidade em todos os níveis: o interlocutor virtual pode estar falando de Manaus, embora afirme estar em Bruxelas; pode ser um senhor de 50 anos, embora se identifique como uma jovem adolescente; pode ser um homem, embora utilize um “nick” feminino, e assim por diante. Como demonstram os estudos do jornalista Carlos Magno Mendonça,33 a rede mundial permite a reconstrução contínua da identidade, pela qual o “corpo virtual” pode assumir a feição desejada.
Um trecho da música “Diferente”, especialmente em sua versão para o vídeo, coloca-nos diante de uma reflexão importante.
eles são tão parecidos mas não como nós
eles falam outra língua pela nossa voz
eles são tão bonitos
mas não são como a gente
eles vêm de muito antes que nossos avós
eles fazem companhia mas estamos sós34
O vídeo-poema constrói-se sobre a imagem de um feto, ou seja, de um ser ainda em formação, que se faz e se desfaz continuamente na tela, em constante mutação; um texto paralelo faz alusões a figuras de uma mitologia contemporânea: super-heróis, heróis e anti-heróis dos quadrinhos ou do cinema – seres híbridos, de origem desconhecida, ET’s que vêm de um tempo e de um espaço irreconhecíveis, com os quais sempre é possível estabelecer algum tipo de relação, muitas vezes amistosa, mas sempre pontuada pelo estranhamento. “Eles” não são mais os invasores inimigos, que se podia identificar por bandeiras e estandartes, mas são “estranhos”, “diferentes”, não são como “nós”. Mas será que não estamos também começando a processar uma revisão inédita das fronteiras que demarcam essas diferenças, criando uma possibilidade de assimilação diversa da antiga forma de mesclagem cultural via dominação?

Por esse prisma, observamos que a subjetividade fluida, flexível e extremamente dinâmica que se projeta no mundo virtual coloca em evidência a natureza paradoxal dos tempos atuais, mas, ao mesmo tempo, parece apontar para novos posicionamentos diante dessas contradições.
Se, por um lado, essa “liberdade” da qual o sujeito contemporâneo goza no plano virtual reflete a assustadora ausência de identidades fixas, ela traz implícito, também, o desmantelamento de preconceitos ainda subsistentes nas relações sociais. A aceitação de que se pode intercambiar crenças, preferências e conhecimentos com aquele que é o “diferente”, o “estranho”, “não-identificável”, pode impulsionar transformações positivas.
Trata-se, na verdade, de um exercício estimulante que revela o desgaste de valores alicerçados em estruturas já demolidas, e que pode resultar na consolidação de novos modelos comportamentais e novas formas de convívio social baseados no compartilhamento gratuito de afinidades. Quem sabe, em lugar da anomia que caracteriza esse período de incertezas, venha a se forjar uma nova identidade menos atrelada a categorias prévias, liberta das classificações sexistas, das limitações sócio-econômicas, das fronteiras geo-políticas, das barreiras lingüísticas.

Talvez aí, como esperava Benjamin, resida o importante papel reservado à poesia, e às artes de maneira geral: que sejam capazes de transitar com alguma impunidade entre as benesses e as mazelas do “admirável mundo finissecular”, para que desse trânsito resulte uma constante tradução crítica da linguagem híbrida com a qual se expressa a nova identidade contemporânea, certamente em construção em algum lugar entre o real e o virtual.

Arnaldo Antunes: alguns dados biográficos

Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu 1960, na cidade de São Paulo e, desde 1980, faz música, poesia, vídeo, performances, shows e intervenções em outros meios. Integrou o grupo de rock Titãs, de 1982 a 1992, com o qual gravou sete álbuns lançados pela WEA Brasil: Titãs (1993), Televisão (1985), Cabeça dinossauro (1986), Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987), Go back – ao vivo em Montreux (1988), Õ blésq blom (1989) e Tudo ao mesmo tempo agora (1991). Após sua saída da banda, participou como compositor nos CDs Titanomaquia (1993), Domingo (1995), Titãs – acústico (1996) e Volume 2 (1998).
No exterior, teve algumas faixas de seus CDs solos35 incluídas em várias antologias musicais, tais como Beleza tropical 2 – New! More! Better!, compilada por David Byrne – Luaka Bop/Warner Bros; EUA/BRASIL 2 mil – the soul of bass-o- novo, compilada por Béco Dranoff e Marc Hollander – Ziriguiboom Discos/Crammed Discs, Bélgica. Participou, também, de projetos coletivos produzidos no exterior, como os CDs Onda sonora – Red hot + Lisbon – Red Hot Organization (Arnaldo Antunes, Arto Lindsay e Davi Moraes) e Freezone 5: the radio is teaching my goldfish ju-jitsu – SSR/Crammed Discs, Bélgica (Arnaldo Antunes e Mitar Subotic).

Já desenvolveu trilhas sonoras para espetáculos de dança, inclusive para a Cia. de Dança O Corpo, de Minas Gerais, e para a performance Teresa, do artista plástico Tunga. O videoclipe de “Música para ouvir”, dirigido por Andrew Waddington e Toni Vanzolini, recebeu o prêmio de Melhor Clip Pop Brasileiro, no MTV Awards 1999.

Arnaldo Antunes tem composições em parceria, dentre outros, com Alice Ruiz, Arrigo Barnabé, Arto Lindsay, Carlinhos Brown, Cazuza, Edgard Scandurra, Gilberto Gil, João Donato, Jorge Benjor, Lenine, Marina Lima, Marisa Monte, Paulo Leminski, Péricles Cavalcanti, Roberto Frejat, Roberto de Carvalho e Titãs, entre outros. Cerca de 150 composições suas já foram gravadas por outros artistas, tais como: Gal Costa, Jorge Benjor, Marisa Monte, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Carlinhos Brown, Ney Matogrosso, Sandra de Sá, Adriana Calcanhoto, Marina Lima, Rita Lee, Cássia Eller e Ornella Vanoni.

Dois de seus cinco livros36 foram adotados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Ministério da Educação (MEC), Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FAE) e Secretaria da Educação do Estado de São Paulo: As coisas e 2 ou + corpos no mesmo espaço. Teve poemas incluídos nas antologias Nothing the sun could not explain – 20 contemporary brazilian poets – Sun & Moon Press, Los Angeles, EUA (1997); Norte y sur de la poesía iberoamericana – Editorial Verbum, Madrid, Espanha (1997); Antologia poética: Brasil-Colômbia – para conocernos mejor – Ed. Unesp, São Paulo, Brasil (1997); Esses poetas – uma antologia dos anos 90 – Heloisa Buarque de Holanda, Aeroplano Editora, Rio de Janeiro, Brasil (1998); Dinge zwischen leben, kunst & werk – Alemanha, (1999) e Festa da língua portuguesa 2 – vozes poéticas da lusofonia – Câmara Municipal e Instituto Camões, Sintra, Portugal (1999). Editou as revistas de poesia Almanak 80 (1980), Kataloki (1981) e Atlas (1988).
Participou de diversas mostras de poesia visual no Brasil e no exterior, dentre outras: Caligrafias, Galeria Cultura, Sec. de Estado da Cultura, SP (1983); Poesiaevidência, PUC, SP (1983); Palavra Imágica, Museu de Arte Contemporânea (MAC), SP (1987); Paraver, FASM, SP (1993); Transfutur – Visuelle Poesie, Kassel (1990); Pöesïe – digitale dichtkunst, Munique (1992); Arte Cidade – A Cidade sem janelas, Matadouro Municipal, Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (1994); Inside Brazil, Long Beach Museum of Art, CA, EUA (1995); Manipulated Word: Text & Image, Miami, FL, EUA (1996); VI Bienal de Havana, Cuba (1997); XXIV Bienal de São Paulo, Brasil (1998); Hand made, com Walter Silveira (1998), Curitiba, Brasil.

Notas:

1. VALÉRY, 1934.
2. VALÉRY, 1934.
3. CALABRESE. 1987. p. 28.
4. ANTUNES, 1991.
5. Cf. o tópico "Arnaldo Antunes: alguns dados biográficos".
6. ANTUNES, 1991.
7. Com exceção do disco Um som, Arnaldo Antunes é responsável, sozinho ou em parceria, pelos projetos gráficos de seus trabalhos. Cf. ANEXO I, onde fizemos o registro de algumas informações técnicas que julgamos relevantes no material pesquisado.
8. Esse recurso gráfico é utilizado nas publicações editadas pela Iluminuras. No entanto, no exemplo analisado, ele “interfere” no texto poético.
9. ANTUNES, 1991.
10. MALLARMÉ, 1945.
11. Cf. CAMPOS et al. 1975.
12. Cf. CAMPOS et al. 1975.
13. TELES, 1999. p. 114.
14. É importante que fique claro que utilizamos o termo “modernistas” num sentido mais genérico, como forma de remeter às vanguardas do início do século, não privilegiando, mas obviamente incluindo, o movimento especificamente denominado Modernista.
15. ANTUNES. “Nome não”, poema publicado no livro Tudos e, posteriormente, no Cd e no vídeo Nome.
16. Cf. CASTRO, 1993.
17. ANTUNES, 1997.
18. MACHADO, 1996. p. 166.
19. DUARTE, 1999. p. 52.
20. VIRILIO, 1998.
21. ANTUNES, 1996. Cd O silêncio.
22. SANTOS, 1999.
23. LISPECTOR, 1998. p. 15.
24. CANCLINI, 1998. p. 13.
25. HANNERZ, 1994. p. 251.
26. HALL, 1998. p. 77.
27. PEREIRA, 1999. p. 128.
28. ANTUNES, 1996. Cd O silêncio.
29. ANTUNES, 1995. Cd Ninguém.
30. ANTUNES, 1995. Cd Ninguém.
31. SANTOS, 1999. p. 133.
32. Cf. CANCLINI, 1998.
33. Cf. MENDONÇA, 1999.
34. ANTUNES, 1993. Cd Nome.
35. Cf. o tópico “Discografia”.
36. Cf. o tópico “Bibliografia”.

Bibliografia*

ANTUNES, Arnaldo. Ou E. São Paulo: edição do autor, 1983.
ANTUNES, Arnaldo. Psia. 3.ed. corrigida. São Paulo: Iluminuras, 1991.
ANTUNES, Arnaldo. Tudos. 4.ed. São Paulo: Iluminuras, 1998.
ANTUNES, Arnaldo. As coisas. 6.ed. São Paulo: Iluminuras, 1998.
ANTUNES, Arnaldo. 2 ou + corpos no mesmo espaço. São Paulo: Perspectiva, 1997. (Coleção Signos, 23).
* Não dispúnhamos, até o término desta pesquisa, das informações catalográficas do livro Nome.

Discografia

ANTUNES, Arnaldo. Ninguém. São Paulo: BMG Ariola/RCA, 1995.
ANTUNES, Arnaldo. Nome. São Paulo: BMG Ariola/RCA, 1993.
ANTUNES, Arnaldo. O silêncio. São Paulo: BMG Ariola/RCA, 1996.
ANTUNES, Arnaldo. Um som. São Paulo: BMG Ariola, 1998.

Videografia

NOME. Realização de ANTUNES, Arnaldo; CATUNDA, Celia; MISTRORIGO, Kiko; MOREAU, Zaba. São Paulo: BMG/Ariola, 1993. 60min. cor.
Referências bibliográficas
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BHABAHA, H. K. DissemiNação: tempo, narrativa e as margens da nação moderna. Trad. M. L. C. Valle. (Mimeogr.)
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CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de. Panorama de Finnegans Wake. São Paulo: Perspectiva, 1986. (Mimeogr.)
CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia Concreta. 2ed. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1975. (Mimeogr.)
CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. 4ed. São Paulo: Perspectivas, 1977. 233p. (Debates, 16).
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SZAMOSI, Géza. Tempo e espaço: as dimensões gêmeas. Trad. Jorge Enéas Fortes e Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. 277p.
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VALÉRY, Paul. Pièces sur l’art. Paris, 1934 apud BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. 2ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 345p. (Os pensadores).
VILLAÇA, Nizia. Paradoxos do pós-moderno: sujeito e ficção. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. 225.
VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Trad. Paulo Roberto Pires. 2ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. 160p.
VIRILIO, Paul. Os motores da história. In: ARAÚJO, Hermetes (Org.). Tecnociência e Cultura. Estação Liberdade, São Paulo, 1998. (Mimeogr.)
Internet
http://www.uol.com.br/arnaldoantunes
ANEXO I - Informações adicionais
Nome. Projeto multimediático integrado por Cd, video-home e livro (não foi possível adquirir um exemplar deste último; nossa análise foi feita apenas a partir do Cd e do vídeo). O Cd foi gravado entre junho e julho de 1993 (estúdios ArtMix e Salamandra); capa e encarte com projeto gráfico de Arnaldo Antunes, Zaba Moreau, Celia Catunda e Kiko Mistrorigo; apresenta as letras das músicas; produção: Arnaldo Antunes, Paulo Tatit e Rodolfo Stroeter; músicos participantes: Alexandre Sobral, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Edgard Scandurra, Edson X, João Donato, Marisa Monte, Octávio Paixão, Paulo Tatit, Péricles Cavalcanti, Rodolfo Stroeter, Zaba Moreau, Zé Eduardo Nazário.
Faixas:
1. Fênis (Arnaldo Antunes)
2. Diferente (Arnaldo Antunes)
3. Nome (Arnaldo Antunes)
4. Tato (Arnaldo Antunes)
5. Cultura (Arnaldo Antunes)
6. Se não se (Arnaldo Antunes)
7. O macaco (Arnaldo Antunes)
8. Carnaval (Arnaldo Antunes)
9. Campo (Arnaldo Antunes)
10. Entre (Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti)
11. Luz (Arnaldo Antunes)
12. Direitinho (Arnaldo Antunes)
13. Não tem que (Arnaldo Antunes)
14. Dentro (Arnaldo Antunes)
15. Alta noite (Arnaldo Antunes)
16. Pouco (Arnaldo Antunes
17. Nome não (Arnaldo Antunes)
18. Soneto (Arnaldo Antunes)
19. Imagem (Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti)
20. Armazém (Arnaldo Antunes e Arto Lindsay)
21. Acordo (Arnaldo Antunes)
22. E só (Arnaldo Antunes)
23. Agora (Arnaldo Antunes)
Ninguém. Gravado entre novembro de 1994 e janeiro de 1995 (estúdios Mosh e Nas nuvens); capa e encarte com projeto gráfico de Arnaldo Antunes e Zaba Moreau; apresenta as letras das músicas; fotos: Gal Oppido; produção: Liminha; músicos participantes: Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Jorge Mautner, Liminha, Paulo Tatit, Pedro Ito, Peter Price, Zaba Moreau.
Faixas:
1. Ninguém (Paulo Tatit, Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
2. Consciência (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
3. Nome disso (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
4. Nem tudo (Toni Bellotto, Arnaldo Antunes)
5. Alegria (Arnaldo Antunes)
6. Budismo moderno (Arnaldo Antunes, sobre poema de Augusto dos Anjos)
7. Fora de si (Arnaldo Antunes)
8. Minha meu (Arnaldo Antunes)
9. Lugar comum (João Donato, Gilberto Gil)
10. Judiaria (Lupicínio Rodrigues)
11. Inspirado (Edvaldo Santana, Arnaldo Antunes)
12. No fundo (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
13. Quero (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
14. Ninguém no carnaval (Liminha, Arnaldo Antunes)
O silêncio. Gravado entre junho e julho de 1996 (estúdios ArtMix e Mosh; Salamandra); capa e encarte com projeto gráfico de Arnaldo Antunes e Zaba Moreau; apresenta as letras das músicas; produção: Mitar Subotic; músicos participantes: Arnaldo A. Nora Antunes (pai), Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Chico Sciense, Edgard Scandurra, Mitar Subotic, Paulo Tatit, Pedro Ito, Peter Price, Zaba Moreau; Lua, Bel, João, Tati, Taís, Rosa, Celeste e Miguel (coro infantil, em O silêncio)
Faixas:
1. O silêncio (Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes)
2. E estamos conversados (Paulo Tatit, Arnaldo Antunes)
3. Poder (Arnaldo Antunes, Tadeu Jungle)
4. Eva e eu (Péricles Cavalcanti, Arnaldo Antunes)
5. Macha fêmeo (Paulo Tatit, Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer)
6. Inclassificáveis (Arnaldo Antunes)
7. Que te quero (Edgard Scandurra, Peter Price, Arnaldo Antunes)
8. Desce (Arnaldo Antunes)
9. Juízo final (Nelson Cavaquinho, Élcio Soares)
10. O que swingnifica isso? (Arnaldo Antunes)
11. O buraco (Arnaldo Antunes)
12. Desce (versão 2) (Arnaldo Antunes)
13. O buraco do espelho (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
Um som. Gravado entre abril e junho de 1998 (estúdios Rosa Celeste e 302; Lincoln Barbosa e Real World); capa e encarte com projeto gráfico de Barrão e Fernanda Villa-Lobos; fotos: Bob Wolfenson, Vicente de Mello e Barrão; apresenta as letras das músicas; produção: Chico Neves; músicos participantes: Arnaldo Antunes, Bartolo, Cecília Spyer, Chico Neves, Davi Moraes, Edgard Scandurra, Fabio Tagliaferri, João Barone, Marcos Suzano, Moreno Veloso, Paulo Freire, Paulo Tatit, Pedro Ito, Pedro Sá, Pedro Sá, Red Dog, Saadet Türkoz, Toninho Ferragutti, Zaba Moreau.
Faixas:
1. Música para ouvir (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
2. Cinzas (Cassiano)
3. As árvores (Jorge Benjor, Arnaldo Antunes)
4. Engrenagem (Arnaldo Antunes)
5. Quase tudo (Péricles Cavalcanti, Arnaldo Antunes)
6. Socorro (Arnaldo Antunes, Alice Ruiz)
7. Além alma (Paulo Leminski, Arnaldo Antunes)
8. Se no meio do que você tá fazendo você pára (Arnaldo Antunes, Nando Reis)
9. Dinheiro (Jorge Benjor, Arnaldo Antunes)
10. O sol (Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra)
11. Decida (Edgard Scandurra, Arnaldo Antunes)
12. Na ativa (Arnaldo Antunes)
13. Fim do dia (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos)
14. Doce do mar (Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes)
15. Volte para o seu lar (Arnaldo Antunes)
16. Pare o crime (Stop the crime) (Junior Murvin; versão: Arnaldo Antunes)
17. Um som (Paulo Tatit, Arnaldo Antunes)
Ou E. Álbum de poemas visuais; edição do autor, com acabamento artesanal; tiragem de 500 exemplares (não foi possível conseguir um exemplar para consulta).
Psia. As duas primeiras edições saíram pela Ed. Expressão (1986 e 1987) e a 3ª edição pela Iluminuras (1991); atualmente na 4ª edição; projeto gráfico e diagramação: Arnaldo Antunes; capa: caligrafia de Go.
Tudos. Quatro edições até o momento: 1ª e 2ª (1990), 3ª (1993) e 4ª (1998), todas pela Ed. Iluminuras; projeto gráfico e diagramação: Arnaldo Antunes e Zaba Moreau.
As coisas. A primeira edição é de 1992 (Prêmio Jabuti de poesia); capa: Arnaldo Antunes e Zaba Moreau; ilustrações de Rosa Moreau Antunes (filha do autor).
2 ou + corpos no mesmo espaço. Atualmente na 2ª edição, o livro faz parte da Coleção Signos, dirigida por Haroldo de Campos; capa e projeto gráfico: Arnaldo Antunes; acompanha um CD com “leitura poética” de 13 poemas do livro, na voz do autor.