Capa divulgação do livro


CTRL – ALT – DEL



Juliana Leal

Doutoranda em Literatura Comparada, FALE/UFMG e professora de Língua Espanhola. Mestre em Estudos Literários e professora de Língua Portuguesa, PBH.


P.S. beijei. Adriana Falcão. São Paulo: Salamandra, 2004. 123 p.


Adriana Falcão é arquiteta de formação, mas escritora de profissão (e de coração). Carioca de nascimento, mas pernambucana de criação. Tem cadastro no Orkut e, selecionando um pouco seus gostos, pelo que deduzi escarafunchando as comunidades das quais faz parte, é fã do cantor Paulinho Moska, de Literatura Latino-americana (Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Clarice Lispector, Julio Cortázar...), de muitas atrizes brasileiras, incluindo sua filha Clarice (a que fez a personagem Mariana, na novela A favorita, da Rede Globo) e do rato Topo Gigio.

Em entrevista concedida a Mona Dorf, do programa radiofônico Letras e leituras, da Rádio Eldorado FM de São Paulo, disponível em http://www.letraseleituras.com.br/entrevistas/?a=adriana_falcao, Adriana afirma ser O livro do desassossego, do heterônimo de Fernando Pessoa chamado Bernardo Soares, seu livro de cabeceira, confessando-se fã de carteirinha do poeta português.

Adriana ganhou fama colaborando como roteirista de programas de TV (A grande família , Comédias da vida privada , Sexo frágil e Brasil legal ) e de filmes ( Se eu fosse você 1 e 2 , dirigido por Daniel Filho). Ela teve projeção no meio artístico também por ter adaptado para a TV, em parceria com Guel Arraes, a obra teatral O auto da compadecida, de Ariano Suassuna e, mesmo que se oponha, por ter se dedicado à literatura infanto-juvenil. Trabalhando com esse gênero a autora foi contemplada, em 2001, com os prêmios “Jabuti” e “O Melhor para a Criança”, da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil), pela publicação de Mania de explicação (“fofa”, nas palavras da autora) e, em 2002, por Luna clara & Apolo onze (“deliciosamente delicada”, nas minhas), também premiada pela FNLIJ.

Em entrevista dada ao Sempre um papo , disponível em http://www.youtube.com/watch?v=M_V1SOUDdT0, podemos ver uma Adriana preocupada — mesmo que não aprofunde essa questão — com essa história de se “mandar ler na escola”. Coincidência ou não, foi justamente por pensar que exigir leitura em sala de aula mais assassina do que forma leitores, que uma legião de alunos (mais meninas que meninos, admito) da Escola Municipal Maria de Magalhães Pinto, em Belo Horizonte, leu, em 2008, seu livro de 2004, escrito em parceria com a arquiteta Mariana Veríssimo, intitulado P.S. Beijei.

Havia uns 15 exemplares novinhos desse livro na biblioteca da escola, sem que ninguém — repito: ninguém! — os tivesse estreado. O nome da autora, cuja obra eu conhecia apenas por ter lido Luna clara & Apolo onze e Mania de explicação, pareceu-me uma garantia de que conseguiria convencer um grupo de alunos a ler o livro para ser feliz. Em outros termos: sem sair sangue, nem doer. Apesar de esperar que a obra fosse bem recebida, fiquei surpreendida com o grande sucesso que ela teve entre eles.

De mãos em mãos, os 15 exemplares da biblioteca não pararam na estante (quando um livro era devolvido, normalmente já havia outro leitor ao lado para pegá-lo). Era impressionante ver a satisfação nos olhos de muitos deles, que diziam ter lido o livro de Adriana em apenas um dia ou em poucas horas, razão pela qual desejei lê-lo também, para entender os motivos da aprovação, quase unânime, entre os leitores adolescentes e pré-adolescentes da escola em que trabalhava.

P.S. Beijei já me pareceu estimulante logo pelo título (frase que, aliás, aparecerá somente na última linha da obra). Quem não gosta de beijar? Adolescentes, adultos, homens, mulheres, divorciados, solteiros... Todos, absolutamente todos nós, adoramos trocar carícias e afeto e, assim como as duas (na verdade, três) personagens da obra de Falcão, amaríamos se fôssemos correspondidos, não é mesmo?! E quando se trata do primeiro beijo, então...

Pois esse é justamente o “drama” que vivem Bia e Lili (Beatriz e Alice), duas amigas que, por estarem de férias, se veem geograficamente separadas, mas em nenhum momento afastadas afetivamente. A Internet (Aleluia!, diriam as duas) facilita tremendamente a comunicação diária entre elas, possibilitando a troca de confidências, medos, ansiedades e dúvidas, DIARIAMENTE.

P.S. Beijei está estruturado por meio de correspondências eletrônicas ( e-mails ) que essas duas amigas (na verdade, três) trocam entre si. Entre um envio e outro, a obra vai se revelando, com a ajuda de recursos gráficos e visuais (aproveitamento do significado que pode ter uma página em branco; distribuição de cores de pano de fundo, para marcar as alternâncias das falas das personagens; uso de fontes de diferentes tamanhos, para salientar a ansiedade de uma personagem em receber notícia da outra; uso de variados emoticons - ícones que ajudam a expressar nuances de humor - numa divertida incursão pelo universo adolescente. Precisamente isso é que torna a leitura da obra tão estimulante e dinâmica.

Inevitável não desejar, por essa razão, avançar e avançar por suas páginas, para saber as decisões que tomarão as duas garotas (se o Marcello, com dois eles; se o Alberto, “lindo e maravilhoso”; se o Thiago, ex-espinhento horroroso, que gostava de pagode...) e a influência que a “terceira personagem” que mencionei anteriormente — a avó de Bia — terá nas resoluções que tomará sua neta e, em certa medida, sua amiga Lili. A filosofia do CTRL-ALT-DEL, por exemplo, será exatamente a que nos ensinará (afilio-me a essa filosofia porque, não posso negar, SIMPLESMENTE ADOREI a dica). Valeu, Dona Beatriz!

A leitura da obra de Falcão se mostra bastante excitante, não somente pelo uso que faz dos variados recursos estilísticos disponíveis pelos provedores de e-mails ou editores de texto na elaboração de mensagens digitais, tais como o negrito, o sublinhado, o itálico, a possibilidade de variação de fonte, tamanho e cor das letras, mas também pela maneira, salpicada de toques de um delicioso humor, a partir da qual desenvolverá uma temática tão cara a jovens e adultos: os relacionamentos afetivos, seus conflitos, dificuldades e prazeres. A seguir, um trecho ilustrativo de um dos e-mails que Beatriz envia à sua amiga Alice (um dos meus favoritos):

Data: Domingo, 5 de janeiro, 16:01
Assunto: Cabeça/2

“Lili,

Eu sei por que nós gostamos de garotos.
É porque, apesar da desgraça, eles ainda são melhores
do que insetos voadores em geral, acordar cedo,
prova oral, tropeção, aniversário de primo pequeno
e quando o computador dá pau.”

Sem lançar mão da habitual linguagem abreviada e codificada (eh, naum, vc, kd, entre outros exemplos), normalmente usada nas práticas de escrita realizadas em ambientes digitais, P.S. beijei consegue atrair o interesse do leitor jovem pela mistura, na medida exata, do vocabulário manejado por esse público com um discurso linguístico mais elaborado (por meio das intervenções da avó de Bia). Além de ser uma obra que revela, com maestria, a aproximação saudável entre diferentes gerações (avós e netos) viabilizada entre outras coisas pela Internet, P.S. beijei é um admirável manifesto literário de exaltação e valorização da amizade (coisa tão cara aos jovens), apesar das inevitáveis diferenças de opinião e, principalmente, dos erros (também inevitáveis) que cometemos.

P.S: Vale super a pena ler essa obra!!!