A EVOLUÇÃO DAS CRENÇAS E ATITUDES DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS EM RELAÇÃO À MOTIVAÇÃO DE SEUS ALUNOS

 

Tufi Neder Neto
Doutorando
em Estudos Lingüísticos pela FALE/UFMG

 

1. Introdução

            Este trabalho pretende investigar as mudanças de crenças e atitudes de uma professora de inglês como língua estrangeira (ILE, daqui em diante) em relação à motivação de seus alunos conforme o tipo de atividades realizadas em sala de aula. A literatura sobre motivação em ensino de LE sugere que existe uma forte relação entre a motivação dos alunos e a possibilidade destes participarem na escolha das atividades a serem realizadas na sala de aula (McCombs, 1997). Acreditamos que, ao tomar e conhecimento da variação positiva nos níveis de motivação de seus alunos, a professora possa mudar suas crenças e atitudes em relação a este aspecto do ensino de LE.

A metodologia utilizada nas investigações será o estudo de caso, pois ele permite uma análise profunda e holística do fenômeno em estudo. Haverá a triangulação na análise dos dados coletados, que se constituirão da observação de aulas, a realização de entrevistas e a análise do diário da professora em questão. Finalmente, tentaremos chegar a conclusões que possam incrementar o desenvolvimento profissional da professora e servir de base para estudos futuros na área.

 

 

2. Revisão bibliográfica

            Esta revisão bibliográfica compreenderá estudos em duas grandes áreas: as crenças de professores e os processos motivacionais em LE. Como o objetivo deste trabalho não é investigar cada uma dessas áreas em profundidade, será feita uma revisão bibliográfica que apenas atenderá ao propósito de fornecer um fundo teórico para dar suporte à análise dos dados coletados.

           

2.1 As crenças dos professores

            No ofício de instrução em LE, observamos a ocorrência da atuação de crenças a respeito dos mais variados aspectos. Uma delas é a de que os professores sempre tomam decisões baseadas em conhecimentos para aplicar na prática. Entretanto, uma posição mais realista seria a de que a prática cotidiana freqüentemente não sofre um questionamento reflexivo da parte dos professores, sendo, então, ancorada em procedimentos baseados em crenças. Assim, a compreensão a respeito da gênese e estrutura das crenças dos professores é uma condição indispensável para se entender por que eles agem dessa forma na prática de sala de aula (Nespor, 1987). Nespor (ibid) postula que sistemas de crenças são preponderantemente utilizados na definição de tarefas, ou seja, que eles se sobrepõem aos recursos cognitivos e às estratégias metacognitivas para definir o modo como trabalhamos. Ele também sugere que os professores lançam mão das crenças para decidir que linhas de ação adotarão quando confrontam-se com os problemas multifacetados naturais do processo de aprendizagem. Assim, o estudo das crenças se torna essencial quando se deseja compreender e modificar os processos subjacentes ao desenvolvimento dos professores formados e em formação.

            Um aspecto importante na gênese das crenças de professores é o aprendizado da observação, termo cunhado por Lortie (1975, apud Pajares, 1992). O termo sugere que, desde os primeiros anos de vida escolar na infância, as pessoas formam um conjunto de crenças a respeito do ofício docente através da observação da atuação de seus professores.  Estas crenças já estariam formadas quando os futuros professores entram na faculdade e, por causa da sua natureza rígida, são difíceis de mudar mesmo quando informações científicas as contradizem (Pajares, 1992). Assim, de forma diversa de outras profissões, os futuros professores já conhecem seu ambiente de trabalho e não precisam (ou não são capazes) de redefinir seus conceitos a respeito dele (Pajares, ibid).

            O que se deseja investigar, neste aspecto da pesquisa, é se o acesso a novos conhecimentos e a experimentação de novas práticas de ensino levariam à modificação das crenças da professora informante, o que Nespor (ibid) afirma que só acontece se, no lugar das crenças atuais, puderem ser adotadas outras em substituição.

 

2.2 Os estudos sobre motivação em LE

Os estudos sobre a motivação em LE têm origem nos trabalhos de um grupo de pesquisadores canadenses liderados por Robert Gardner. Eles chamaram a atenção para esta importante faceta do complexo processo de ensino/aprendizagem em língua estrangeira ao propor uma distinção entre motivação com orientação integrativa, que seria aquela advinda do desejo de se integrar à comunidade da L2, e a motivação com orientação instrumental, que teria em sua base motivos práticos, por exemplo, para conseguir uma promoção no trabalho ou ler livros técnicos na L2 (Oxford & Shearin, 1994).

       A grande força dos estudos de Gardner foi a sua sólida base empírica (Dörnyei, 1998, Oxford & Shearin, 1994), e é indiscutível sua grande contribuição para o desenvolvimento das pesquisas na área. Porém, sua teoria não ficou imune a críticas. O fato de suas pesquisas serem realizadas no Canadá, país bilíngüe, e em contexto de L2 aprendida como segunda língua (no país onde é falada) abriu espaço às críticas de Dörnyei (1990), que propôs que o contexto de aprendizagem de uma L2 como segunda língua tem características distintas do contexto da L2 como língua estrangeira. Gardner sofreu críticas também de pesquisadores como Crookes e Schmidt, que, no início da década de 90, demandaram uma incorporação de teorias novas aos estudos sobre motivação em LE, originadas principalmente da área da psicologia cognitiva, as quais pudessem ajudar a explicar as origens cognitivas da motivação nas pessoas (Crookes & Schmidt, 1991), pois estas origens não poderiam ser explicadas a partir da psicologia social (Oxford & Shearin, 1994). Além disso, demandava-se uma orientação mais pragmática aos professores de L2, carentes de princípios para fundamentar sua prática cotidiana (Dörnyei, 1998).

No início dos anos 90, em resposta às demandas inicialmente colocadas por Crookes & Schmidt (1991), a pesquisa de motivação em L2 mudou sua orientação para aspectos mais pragmáticos. Houve um enfoque nas origens da motivação, na incorporação da pesquisa do campo da psicologia cognitiva e nas implicações para a prática de sala de aula (Dörnyei, 1998). Vários autores (Clément, Dörnyei, Oxford, Shearin, Williams, Burden, entre outros) procuraram inserir, assim, as teorias da expectativa e do valor, dos objetivos e da auto-determinação em suas abordagens ou modelos de educação em L2.

Dentre as teorias, a que interessa a este estudo é a da auto-determinação. Brown (1994) sugere que ambientes tradicionais escolares privilegiam as compensações ou prêmios (motivos extrínsecos), ao invés de estimular a apreciação da criatividade e a satisfação dos desejos pelo conhecimento e a exploração (motivos intrínsecos). Implícita neste pensamento está a noção de que é desejável o estímulo ao desenvolvimento da motivação intrínseca do aluno como forma de tornar a aprendizagem mais prazerosa e significativa para ele. Assim, a motivação extrínseca não seria mais vista como um oposto da motivação intrínseca, mas como uma variação ao longo de um contínuo.

Além do incentivo ao desenvolvimento da motivação intrínseca, a teoria da auto-determinação apregoa o estímulo à autonomia do aluno para aumentar sua motivação (Dörnyei, 1998). A autonomia do aluno, concebida aqui como seu progressivo controle e independência em relação a seu processo de aprendizagem, tem como um de seus princípios a sua possibilidade de escolhas (Cotterall, 1995; McCombs, 1997). De acordo com este princípio, os estudantes desenvolvem sua autonomia e, conseqüentemente, sua motivação, se puderem assumir um certo grau de controle e escolha sobre sua aprendizagem. Cotterall (1995) lista razões para se incentivar a autonomia do aluno:

a) filosoficamente, o aluno deve ter o direito de fazer escolhas em relação a seu aprendizado;

b) em termos pragmáticos, há a importância de se preparar o aluno para um futuro de mudanças rápidas, no qual a independência no aprendizado individual será uma qualidade valorizada;

c) psicologicamente, alunos acostumados a fazer escolhas e tomar decisões tendem a se sentir mais seguros no seu aprendizado;

d) em termos de instrução formal, pode-se argumentar que nem sempre o professor estará à disposição do aluno para auxiliá-lo em suas dificuldades.

Além disso, McCombs (1997), em seus estudos sobre motivação no processo educativo em geral, reforça a idéia da auto-regulação (controle sobre a atividade que se executa) como uma das bases da motivação individual. Segundo ela, o grau de estimulação que uma atividade exerce sobre um aluno dependerá, entre outros fatores, de sua relação com os interesses dele (relevância) e o nível de controle e escolha que o aluno possui sobre a sua realização.

As considerações a respeito dos processos motivacionais se fazem necessárias, pois a base dos processos motivacionais observados pela professora informante se localiza, entre outras situações, na possibilidade dos alunos de opinarem e escolherem as atividades a serem realizadas em sala de aula. Este tema será desenvolvido com mais profundidade adiante, na seção dedicada a esta pesquisa especificamente.

 

 

3. Metodologia – O estudo de caso

            O estudo de caso é a metodologia escolhida para a realização da pesquisa. Vamos trabalhar primeiro com a definição e caracterização do estudo de caso e logo após justificar sua utilização neste trabalho.

André (1995:49) define estudo de caso como o “estudo aprofundado de uma unidade em sua complexidade e dinamismo próprio, fornecendo informações relevantes para tomada de decisão” e, através desta definição, destaca o potencial diagnóstico da metodologia. Brown & Rodgers (2002:21) sugerem que “case study research comprises an intensive study of the background, current status, and environmental interactions of a given social unit.” Eles ainda destacam a natureza fortuita ou casual da metodologia, a qual coloca o pesquisador constantemente frente ao acaso, a situações inusitadas. Nunan (1992) sugere a definição de estudo de caso como “the investigation of [a] single instance in the context in which it occurs”. Em resumo, observamos que o estudo de caso é a investigação de uma instância em ação num contexto específico, com a análise de suas nuances e a consideração dos vários aspectos que interagem no seu funcionamento.

Para se justificar o uso do estudo de caso, pode-se recorrer a critérios definidos na literatura. Para alguns pesquisadores (André, 1995; Smith (citado em Stake (1988) apud Nunan, 1992)), a definição do uso do estudo de caso depende do que o pesquisador quer saber. O objetivo do pesquisador serviria também para definir todo o restante da pesquisa: o contexto, o foco das observações, a coleta e a interpretação dos dados e as conclusões. Na área específica dos estudos sobre a motivação em LE, Dörnyei (2001:239) afirma que “In the present state of L2 motivation research, which is characterised by searches for a new understanding of the intricate and multilevel construct of motivation, the adoption of qualitative research methods would seem to be very timely”. Ele destaca que a característica principal do estudo de caso é a sua flexibilidade, que vem traduzida na grande variedade de técnicas de elicitação e coleta de dados.

Deve-se, também, estar ciente das vantagens e limitações da metodologia. As vantagens listadas seriam (André, (1995); Adelman et al. (1976) apud Nunan, 1992):

a)      ao invés das outras metodologias, o estudo de caso possui um forte elemento de realidade e pragmatismo, sendo, portanto, ideal para o profissional da área em termos de reflexões a respeito da prática cotidiana;

b)      as conclusões derivadas do estudo de caso podem ser estendidas a outras instâncias ou à população da instância estudada;

c)      o estudo de caso representa uma visão multifacetada, profunda e holística da instância, permitindo várias interpretações possíveis da instância;

d)      um estudo de caso bem conduzido e estruturado pode servir de base de dados para pesquisas futuras;

e)      as interpretações e conclusões produzidas podem ser utilizadas de várias maneiras, seja para alterar a prática pedagógica ou para aperfeiçoar o treinamento de professores;

f)        os dados são mais acessíveis ao público em geral, alcançando um número maior de leitores;

g)      os estudos de casos possuem uma capacidade heurística considerável, levando o pesquisador a descobrir novas relações e significados a respeito da instância investigada.

Por outro lado, as limitações e críticas endereçadas ao estudo de caso não devem ser ignoradas. Há problemas de ordem estrutural cujas críticas mais comuns dizem respeito à validade e fidedignidade do estudo de caso (André, 1995; Yin, 1984 apud Nunan, 1992; Brown & Rodgers, 2002):

a)       a validade dos constructos: os conceitos estudados devem receber mensurações operacionais corretas. Para Yin, isto é particularmente relevante, pois podem ser utilizados julgamentos subjetivos para a coleta de dados ou os instrumentos de análise dos dados podem não ser adequados aos resultados que se deseja obter;

b)      a validade interna: o estabelecimento de uma relação causal, na qual certas condições levam a outras. Neste caso, corre-se o risco de se ignorar a influência de outros aspectos em uma relação de causa/efeito entre as variáveis estudadas, ou de se realizar inferências errôneas a respeito da instância.

c)       a validade externa: a generalização adequada à população representada pela instância. Uma crítica que se faz em relação a este aspecto é que, por falta de tempo de observação, pode-se incorrer no erro de se produzir falsas impressões ou interpretações duvidosas a respeito da instância investigada, comprometendo, assim, as conclusões e generalizações do estudo;

d)      fidedignidade (confiabilidade): o estudo pode ser repetido por outros pesquisadores com resultados semelhantes. Neste aspecto, as críticas giram em torno da inviabilidade ou impossibilidade de uma mesma instância ser analisada e interpretada da mesma maneira por pesquisadores diferentes. Tais críticas são rebatidas, entretanto, com a argumentação de que esse fato é, na verdade, uma vantagem do estudo de caso, a de derivar interpretações múltiplas que contribuiriam mais para a compreensão integral dos fenômenos em estudo;

Há problemas também de ordem prática, dentre os quais destacam-se os seguintes pontos:

a)      o estudo de caso pode se tornar tão essencialmente descritivo que pode padecer da falta de uma base teórica que o oriente, acrescentando pouco ao conhecimento da área;

b)      o potencial de iluminar os vários aspectos de uma instância e sugerir mudanças no tratamento de seus problemas pode levar a problemas se aplicado incorretamente em instâncias que não correspondem estruturalmente à investigada;

c)       a questão ética: podem ser omitidos dados importantes de acordo com a conveniência do pesquisador.

Gostaria de destacar que, epistemologicamente, parece-me um pouco arriscado aventurar-se em interpretações da realidade sem uma base sólida em conhecimentos da área da psicologia. Uma compreensão mais acurada acerca das razões das crenças e atitudes das pessoas pode apresentar-se inviável se não se pode contar, por exemplo, com um arcabouço teórico freudiano.  Assim, qualquer afirmativa ou conclusão derivada de tal compreensão seria passível de criticas a respeito de sua validade e confiabilidade pela própria incapacidade do pesquisador (e até dos próprios informantes) de analisar as razões dos seus pensamentos e atos.

No caso de nossa pesquisa, estudaremos as mudanças nas crenças e percepções de uma professora de ILE (instância em ação) de uma escola da rede pública de Belo Horizonte (contexto específico) e tentaremos realizar uma reflexão que possa levar a conclusões e derivar sugestões para a sua prática do ensino de ILE.

 

3.1 O uso de narrativas

No que tange a coleta de dados, recorreremos ao uso de narrativas produzidas pela professora e entrevistas. As narrativas constituem-se em uma fonte de dados valiosa para o estudo de caso por causa de suas características essenciais, sendo comparadas aos dados empíricos dos estudos quantitativos (Clandinin, Connelly & He, 1997). Clandinin & Connelly (1999) criaram uma metáfora que explicita tais características: a metáfora do espaço tridimensional da pesquisa narrativa. Os autores sugerem que as narrativas compreendem os aspectos “pessoal e social (interação); passado, presente e futuro (continuidade); combinados com a noção de lugar (situação)” (Clandinin & Connelly, 1999:50). Assim, estudos de narrativas enfocam o indivíduo imerso e em ação na sociedade, em um espaço físico e em um período de tempo específicos, características coincidentes com as do estudo de caso.

As narrativas também assumem um papel esclarecedor para a compreensão holística das pessoas. Elas transmitem a sua história pessoal, evidenciando fatores que podem influenciar a prática profissional. Como afirmam Clandinin, Connelly & He (1997:672): “We believe that there is more of a sense of a person living inside a story than there is of a person living inside a theory or living inside an ideology”. Assim, o conjunto das experiências pessoais tem maior peso na determinação da atuação, por exemplo, de um professor de LE do que seus conhecimentos técnicos da área, o que está de acordo com a idéia de Nespor (1987) de que as crenças são preponderantes na determinação das tarefas executadas na sala de aula.

Além disso, é destacado o papel social e atuante do pesquisador nas investigações de narrativas; para Clandinin & Connelly (ibid) e André (1995), o pesquisador não deve ficar passivo frente à realidade e conclusões descobertas. Ao contrário, ele deve usar do conhecimento adquirido para oferecer sugestões para a melhoria da qualidade de vida da sociedade.

Os tipos de narrativa investigados serão o diário reflexivo escrito pela professora como uma das atividades requisitadas pelo curso de aperfeiçoamento que ela freqüenta na Faculdade de Letras da UFMG, no projeto denominado EDUCONLE e uma entrevista semi-estruturada.

A escrita de diários constitui-se, de acordo com Clandinin & Connelly (ibid), em uma ferramenta poderosa na narração das experiências dos indivíduos. Apesar do fato de que, de acordo com os autores, eles geralmente não são escritos com uma intenção reflexiva, o diário analisado possui uma forte característica reflexiva, o que, no meu ponto de vista, contribui para a compreensão da visão êmica, que é aquela reflete o sistema cultural que os indivíduos utilizam para interpretar e dar sentido às suas experiências no contexto investigado (Watson-Gegeo, 1988). Além disso, os autores advertem que, para que possam contribuir efetivamente para o crescimento do conhecimento em geral e do próprio indivíduo que o escreve, eles devem ser escritos rotineiramente e ser ricos em detalhes.

            Entrevistas são largamente utilizadas para a criação de textos de campo Clandinin & Connelly (ibid). Elas geralmente são transcritas integralmente ou apenas parcialmente, de acordo com os interesses do pesquisador[1]. Outra característica das entrevistas é que a forma como o entrevistador as conduz determina também a maneira como os entrevistados respondem. Elas também podem ser totalmente ou parcialmente pré-definidas, dependendo do grau de liberdade que o entrevistador deseja lhes conferir.

 

4. A pesquisa

            Esta pesquisa pretende analisar as crenças e atitudes de uma professora de ILE sobre a relação entre os níveis de motivação de seus alunos e o tipo de atividades realizadas em sala de aula. A pergunta central da pesquisa é: O conhecimento científico teórico e a experimentação empírica podem alterar as crenças de um indivíduo? A pergunta é pertinente no sentido em que, como já destacamos anteriormente, supõe-se que os sistemas de crenças são resistentes a mudanças e só seriam abandonados se houver outro(s) para substituí-los (Nespor, 1987). Conforme sugerido nas orientações sobre estudos de caso no TESOL Quarterly (2003), a análise dos dados partirá de observações mais gerais para as mais específicas.

 

4.1 O perfil da professora informante

A professora informante trabalha em uma escola da rede estadual de ensino, na região leste da cidade de Belo Horizonte. É jovem e está trabalhando no ensino de inglês como língua estrangeira (ILE) há menos de 3 anos. Apesar de todas as dificuldades de sua situação (ver nota de rodapé), nota-se que ela tenta incrementar o processo de ensino/aprendizagem. Ela participa do projeto EDUCONLE, da Faculdade de Letras da UFMG, o qual oferece um curso de educação continuada para os professores de inglês da rede pública. Deixa transparecer no diário que está gostando muito do projeto: “...gostei muito desta aula, achei interessante a abordagem sobre como nós professores comportamos em sala de aula”; “Esta aula foi bastante divertida...”; “A outra atividade também foi bastante legal...”, “...com muito pesar tive que faltar a estas aulas...”. Além disso, reconhece claramente que tem aprendido muito no curso, principalmente através da conjugação das reflexões sobre teoria com a prática: Então, por isso que eu acho que a educação continuada tem que ser assim, a prática junto com a teoria, sei lá. Eu acho que isso é uma boa proposta”. Ela inclusive faz uma crítica ao curso de graduação que freqüentou, o qual, segundo ela, não conseguia realizar tal ligação: “...a gente achava que quando a gente ia pra fazer as matérias da Faculdade de Educação, a gente achava que lá a gente ia aprender a ser professor, né? Vou aprender o que é uma sala de aula... mas, completamente diferente. Pura teoria, entendeu? Não existia um estudo assim, olha, existe uma dinâmica para esta atividade...”.

As reflexões da professora quanto a uma atividade de teatro que os alunos fizeram revelam dois aspectos de sua personalidade: ela se mostra insegura por estar realizando uma atividade que nunca havia feito antes, ao mesmo tempo em que se mostra feliz por estar possibilitando que os alunos usem sua criatividade e desenvolvam sua autonomia. Foi destacado um trecho em negrito que, ao meu ver, evidencia o poder do aprendizado da observação na formação das crenças os professores (Nespor, 1987; Pajares, 1992): “Detalhe, estou caminhando com as minhas reflexões[;] esta peça de teatro é algo inovador para mim, por que, enquanto aluna de língua inglesa eu nunca fiz um teatro em inglês, mas como eu vi que este era um anseio de parte dos alunos, resolvi quebrar o meu ritmo totalmente tradicional. Aceitei o desafio e então vamos ver o que vai acontecer. Já estou percebendo que os alunos estão colocando a criatividade em evidência. Muitos fizeram a proposta de fazer outra peça de teatro, ou seja, pediram para fazer Cinderela, Snow White e outros. Estou deixando... vamos ver o que vai acontecer...”. A situação transcrita revela que a professora não parece guiar sua prática por teorias de ensino, mas sim por princípios pessoais, como por exemplo, neste caso, que se deve tentar fazer com que o aluno participe, se expresse mais livremente e se envolva mais com o aprendizado. Ela não tem medo de errar, embora isto possa levar a conseqüências indesejáveis para os alunos. Ela poderia, assim, tentar pautar sua prática por princípios ou teorias da área do ensino de LE, inclusive para poder refletir melhor sobre sua conduta.

           

 

4.2 O contexto da pesquisa

A professora informante trabalha em uma escola da rede estadual de ensino localizada na região leste da cidade de Belo Horizonte. O prédio é velho e está mal conservado, com rachaduras e vidraças quebradas. No interior, as salas de aulas também estão em mau estado, com várias carteiras quebradas, paredes necessitando de pintura e portas com os trincos danificados. Não há qualquer decoração, quadros ou pôsteres de nenhuma matéria nas paredes das salas. Como se pode concluir, o ambiente físico não é dos mais favoráveis para o desenvolvimento dos alunos.

Em termos de material de apoio didático, a professora não pode contar com aparelho de som, tendo que trazer de casa se quiser trabalhar com fitas. Também não há serviço de mecanografia, como será mencionado adiante. Os recursos, como um todo, são escassos. Enfim, a situação geral reflete bem o descaso das autoridades estaduais ao longo dos anos.

Os alunos que freqüentam a escola são oriundos de classes desfavorecidas, como ela deixa claro no seu diário quando comenta que havia pedido que eles tirassem cópia de um texto e a resposta de vários foi “não tenho dinheiro, pois o xerox custa R$ 3,00”. A turma observada nesta pesquisa e que ela usa nas reflexões do seu diário é uma turma de 1º ano do 2º grau com aproximadamente 30 alunos. Por causa dos movimentos por melhores condições de trabalho[2], as aulas têm durado apenas 30 minutos, o que limita bastante as opções de atividades. Outro fator que pode ser colocado como dificultador do trabalho da professora é o fato de que as duas aulas da turma são separadas por uma aula de outra turma, quebrando, assim, o ritmo de aula e levando a uma perda desnecessária de tempo. E, ainda, as paralisações propostas pelo sindicato têm, coincidentemente, ocorrido nos dias de aula da turma, nas terças-feiras.

 

4.3 A evolução das crenças e práticas da professora em relação à motivação dos seus alunos

Inicialmente, as falas da professora durante a entrevista revelam que sua atuação profissional corrobora as idéias sobre o poder do aprendizado da observação na formação do professor (Nespor, 1987; Pajares, 1992). Quando perguntada sobre sua vida escolar no 1º e 2º graus, ela diz: Não tinha, não tinha essa questão de motivar não”; “essa questão de motivação ‘Ah, vai ter um teatro de inglês’, eu nunca vi na minha escola, eu nunca vi”; “Que, se você olhar meu histórico, meu passado, eu não tive nenhum professor que investisse nisso”; “Então, quer dizer, eu entrei na sala de aula com a imagem de um certo tipo de profissional na minha cabeça. E aí, quer dizer, eu ia me fazer através dessa imagem”; “eu fazia o que eu aprendi, ou seja, é gramática no quadro, igual eu tava falando aqui. Passava no quadro, pegava o livro, quando os alunos tinham o livro, marcava um tanto de página para eles fazerem”. Portanto, ela revela nesse fragmento que trabalhava da maneira que seus professores de infância e adolescência o faziam.

Entretanto, no transcorrer da entrevista, ela revela que se sentia incomodada por não estar atendendo às necessidades de seus alunos. Percebe que os alunos de hoje são diferentes da aluna que ela foi na sua época. Por exemplo, ela comenta: “Eu era aquela aluna dos tempos de ditadura mesmo. (...) O professor mandou, o professor tem toda a razão, não questiona o professor, o que ele falou é certo. Não tinha nada de questionar. Hoje não”; “Mas só que o público que eu tenho hoje me pede outras coisas. Eu num posso deixar de atender isso”; “hoje é completamente diferente, entendeu? Hoje você tem que ter jogo de cintura, tem que ter mais política na sala, você tem que levar na brincadeira, você tem que ter esportiva, né?”; “Até eu vi uma palestra com o Juarez Dayrell, é uma geração que se preocupa muito com a cultura, então por isso que essa questão do teatro teve, eu, teve um peso também”.

Além disso, a professora não fica somente na percepção dessa mudança do perfil dos alunos; ela também mostra consciência do fato de que o docente tem que estar atento às reações do seu público. Ela afirma: “Então, a gente tem que sentir também o ambiente, então o que eu percebo no ambiente, que o negócio não tá fluindo, tá aquela aula... aí eu já penso: ‘Nossa, tá horrível, eu preciso dar um jeito de mudar’”; “Era um tédio a aula, entendeu? Nem eu tava gostando da aula. Nossa, essa aula tá um tédio. Realmente tem razão dos alunos estarem assim”; “... É igual, por exemplo, o palestrante, ele tá lá e se ele começa a perceber que a platéia dele tá abrindo a boca, tá dormindo, tá conversando, é preocupante, não é? Eu acho que uma coisa que deixa qualquer um que tá lá na frente motivado também [a mudar]. Então, por isso, se eu perceber algo assim, aí eu vou ter que mudar minha estratégia; eu tenho que ver que que tá acontecendo nas minhas aulas...”.

O primeiro passo para a mudança havia sido dado: a percepção de que havia algo errado e que a incomodava. Contudo, ela não sabia o que fazer, sentia-se impotente para mudar. Ela revela: É, eu não conseguia mesmo. Então, como que eu vou fazer isso? Assim, por exemplo, eu não tenho recursos, eu ficava pensando, eu não tenho recursos”; “Porque, antes de entrar [no curso], me incomodava, mas eu não conseguia caminhar para uma reflexão, era um incômodo”.

O incômodo, porém, fez com que tentasse resolver seus problemas. Ela decidiu estudar para se capacitar e melhorar, sem esperar pela ajuda da escola ou do Estado. Assim, está fazendo o curso de educação continuada que já foi mencionado anteriormente. Suas falas mostram claramente essa decisão: “Então, assim, por isso que eu acho, que eu tô achando legal, essa proposta da educação continuada. Porque não existe mais esse negócio de você ficar com aquilo que a gente recebeu [na graduação], porque aquilo que a gente recebeu tá insuficiente. Para os alunos de hoje, tá insuficiente”; “Mas só que o público que eu tenho hoje me pede outras coisas. Eu num posso deixar de atender isso. Isso é uma coisa que me incomoda. Foi um tanto que por isso que eu procurei essa educação continuada. Falei, quem sabe isso aí pode me ajudar, porque aqui na escola a gente não tem um apoio pedagógico, é o professor só”.

Um dos enfoques do curso de educação continuada é levar o professor a refletir sempre sobre sua prática, a chamada educação reflexiva. A intenção é fazer com que o professor pense sobre suas crenças e descubra as razões de suas atitudes acerca do processo de ensino e aprendizagem. O efeito do curso transparece nas falas da professora, que o reconhece claramente: “Estou, estou bem diferente. Assim, bem diferente eu não vou falar... estou refletindo mais. Porque, antes de entrar [no curso], me incomodava, mas eu não conseguia caminhar para uma reflexão, era um incômodo”; “Estou refletindo, justamente [inaudível] a refletir mais, a pensar mais”.

Um dos resultados das reflexões da professora é uma mudança de suas crenças acerca do processo de ensino, corroborando a idéia exposta anteriormente de que os sistemas de crenças podem ser substituídos se forem disponibilizados outros mais elaborados para o indivíduo, embora seja um processo gradual e difícil (Nespor, 1987). Ela fala: “Então, claro que não é que a gente tem que estar sempre tendo alguma coisa... não que eu vou jogar fora o modelo de profissional que eu tava, que eu construí, né? Aproveitar algumas coisas e passar algumas, né?”.

As reflexões apresentadas a levaram a uma mudança de sua prática em relação à motivação dos alunos. Parece que o processo se iniciou na aula de metodologia do dia 25-04-03, cujo tema foi o texto Classroom management, de Gebbard (sem referência de data). Entre as anotações da aula, coloco em destaque: “Saber planejar a aula de acordo com a realidade do aluno e o tempo. Deixar sempre o aluno com uma atividade interessante, levar em consideração o que o aluno quer...”. O texto de Gebbard convoca o professor a estar atento às necessidades e desejos dos alunos e a ouvi-los, o que se constitui em um fator motivacional poderoso (McCombs, 1997). A professora nota que o seu interesse no que o aluno pensa e o fato de dar-lhe a oportunidade de expressar os pensamentos (através de um questionário que ela pediu que eles respondessem) contribuem para aumentar o interesse e a motivação: “...para minha surpresa, os alunos gostaram de ter respondido este questionário. A grande maioria, creio, ficou surpresa ao ver o interesse de nós professores quanto a estarmos preocupados com o que eles acham ou com o que eles querem”. Essa preocupação com a motivação dos alunos também se faz presente através da variação do tipo de atividades realizadas em sala. Ela pediu que os alunos trouxessem notícias retiradas de versões em português de jornais estrangeiros. Depois as coletou e, em uma determinada aula (que não foi observada por mim), entregou-as aleatoriamente aos alunos. Logo após escreveu, em inglês, as manchetes referentes a cada notícia no quadro. À medida que identificasse a manchete de sua notícia no quadro, o aluno devia se levantar e ler a notícia para os colegas. A professora comenta, em relação a essa atividade: “Achei esta atividade interessante, pois percebi que o perfil da turma são alunos criativos e que gostam de participar de atividades diferentes”.

A sensibilidade e a valorização quanto às sugestões dos alunos é, talvez, o exemplo mais flagrante das mudanças de atitude da professora. Ela escreve: “Bem, mas logo após esta atividade (descrita por mim acima), um aluno desta turma procurou-me e sugeriu que fizéssemos um teatro. Achei que aquela atividade das reportagens trouxe uma inspiração para a oralidade dos alunos, achei interessante”. E continua, na aula seguinte: “Conforme sugerido pelo aluno, fiz a proposta de um teatro. (...) Pedi a eles que tirassem xerox, que inclusive custou R$ 3,00 numa lojinha lá perto da escola. Bem, os alunos reclamaram um pouco, mas o entusiasmo com o teatro e a nota que eu propus para esta atividade fez com que eles parassem de reclamar”. Eu destaquei a parte em negrito no texto devido a um aspecto negativo que a motivação pode assumir quando é originada de forma extrínseca, ao contrário da origem intrínseca, e destaca o prêmio, ou a nota, e não o prazer advindo da realização da atividade (Dörnyei, 1990, 1998). No entanto, existe a possibilidade da motivação extrínseca tornar-se intrínseca se o aluno atribuir um valor pessoal e verdadeiro à realização da atividade, independentemente da origem da motivação.

Alguns trechos da entrevista realizada com a professora evidenciam que ela, implicitamente, reconhece a natureza multifacetada da motivação dos alunos. Ela relaciona a motivação a vários fatores, tais como:

a) a interação na sala de aula usando a LE: Não existia professora que... ela não incentivava o comunicativo em inglês, pelo menos no ensino fundamental não foi. No 2º grau, eu tive uma professora, como eu fiz curso técnico, estudei um ano só de inglês. A professora, ela conversava o tempo todo em inglês na sala, entendeu? Eu [inaudível],  mas eu gostava muito da aula dela”;

b) o aspecto lúdico: “A faculdade foi muito assim, os professores, eles, eles davam trabalhos pra você apresentar um tema assim. Mas acadêmico, né? Aquela coisa assim, mais acadêmica pra você apresentar. Eu já apresentei um trabalho em inglês na faculdade, me lembro, acho que foram poucos trabalhos que eu apresentei. Mas, um foi de língua inglesa, da matéria língua inglesa, o outro foi da parte de literatura, que eu apresentei sobre um livro, um texto que a gente leu, então a gente teve que apresentar. No mais, nada, assim, de lúdico também, não tinha não;

c) o aspecto do prazer: “Eu sempre penso de ter uma aula que o aluno pense assim, “Nossa, essa aula foi boa, foi prazerosa, eu aprendi e gostei!”;

d) atividades de listening: “...eu vou dar uma atividade de listening pros alunos”, porque eles não sentem que estão estudando inglês se eles não fizerem uma atividade assim, de listening. É, eles ficam... aquela coisa muito de gramática, né? Então eles não sentem... que estudar inglês para eles é só em cursinho. Então, eu trouxe o rádio, que toda vez que você chega com o rádio, já dá um impacto diferente...”;

e) variação no estilo de aprendizagem ativado pela atividade: “É, trazer figuras mesmo. Eu já dei aulas depois... eu comecei a trazer mais essas coisas assim, a tentar montar um material pra mim; um material, assim, diferente”;

f) a motivação varia entre as turmas de alunos: “Em outras turmas não funciona. Eu fiz em outra turma, foi até a turma que a F. acompanhou, e não teve motivação nenhuma pra fazer teatro. Teve um grupo que teve, ensaiou bonitinho e tal, mas não teve aquela empolgação”;

g) o grau de participação e responsabilidade do aluno no processo: “Está difícil, por exemplo, o material é difícil, quer dizer, mas também é uma oportunidade de fazer, estar levando os alunos a trazer... então, é uma oportunidade de tirar um pouco, de estar delegando tudo pra gente; ou seja, passar o aluno também a se sentir responsável pelo aprendizado (...) Isso pode motivá-lo”.

            Finalmente, a mudança de suas crenças e práticas começaram a se refletir em uma mudança da postura dos próprios alunos. Em um trecho do diário, ela comenta: “Nesse ano os alunos chegam na sala e já perguntam: “Que que você vai dar pra gente?”, quer dizer, já tem uma curiosidade, sabe que você vai passar alguma coisa. Ano passado não, já era aquela coisa maçante, era gramática...”.

 

4.4 As impressões da professora informante quanto aos resultados da pesquisa

            Houve um momento de relato dos resultados da pesquisa para a professora informante. Ele constou de uma conversa rápida, durante a qual a professora praticamente concordou com todos os aspectos observados e relatados na pesquisa. Reiterou que, daqui em diante, pautará sua prática pela consideração dos aspectos que motivam seus alunos, incorporando esse princípio em sua atividade profissional.

            Ela somente demonstrou resistência quanto ao trecho da seção 4.1 que coloca uma observação quanto à necessidade, sentida por este pesquisador, de ela basear sua prática em conhecimentos teóricos para que não fique restrita a suas crenças. Após a argumentação de que a leitura de textos teóricos poderia levá-la a enxergar aspectos que ela não conseguia somente através da experiência, ela se sentiu mais motivada a investigar sobre os fatores que exercem alguma influência na prática de ensino de ILE.

 

5. Conclusão

            A presente pesquisa procurou evidenciar a mudança das crenças e atitudes de uma professora de ILE em relação à motivação dos seus alunos. Foi utilizada a metodologia de estudo de caso, pois se estudou uma instância em particular (uma professora), em um contexto definido (a sala de aula) e em um período de tempo determinado. A coleta de dados se deu através da leitura de um diário reflexivo da professora, assim como a realização de uma entrevista semi-estruturada. Após a análise dos dados, concluímos que houve uma mudança já que ela passou a refletir e a perceber melhor as necessidades dos seus alunos, modificando sua prática para atendê-los e motivá-los a aprender mais.

            Foi identificada a existência de etapas bem distintas nesse processo de mudança da professora:

1- a conscientização de que os alunos de hoje têm necessidades diversas das que ela possuía enquanto foi aluna;

2- a percepção de que a sua prática não condizia com as necessidades dos seus alunos, feita através da observação de suas reações às atividades propostas nas aulas;

3- a conscientização de que esse fato a incomodava e que era necessário fazer alguma coisa para transformar a situação;

4- a percepção de que ela não possuía meios ou recursos para modificar a situação;

5- a decisão de fazer um curso de educação continuada para melhorar sua prática;

6- o início das reflexões a respeito de suas crenças e práticas;

7- a percepção de que ela estava diferente por ter sofrido mudanças por causa de suas reflexões.

            A análise dos dados dá suporte à proposição de Nespor (1987) de que, apesar da forte influência do aprendizado da observação na formação de crenças e práticas dos professores e da natureza rígida das crenças, existe a possibilidade que estas sejam substituídas se houver a disponibilidade de outras fontes de conhecimento mais elaboradas para o professor. Este processo ocorreu com a professora informante desta pesquisa em um período relativamente curto de tempo (aproximadamente 7 meses), se comparado à totalidade de suas experiências de vida na escola.

            Pesquisas na área de crenças dos professores demonstram o quanto são importantes no cotidiano destes profissionais e apontam para a necessidade de se pesquisar mais sobre o assunto para que se possa compreender com mais profundidade os fatores intervenientes na prática de sala de aula.

 

 

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WATSON-GEGEO, K. A. Etnography in ESL: defining the essentials. TESOL Quarterly, v.22, n.4, dez. 1988.

 

 

Apêndice A

Íntegra da entrevista realizada com a professora informante da pesquisa

T- N., em relação à motivação, eu vi aqui no seu diário que, quando você começou a fazer teatro com os alunos, você estava experimentando uma coisa nova, que você não tinha feito quando você era aluna.

N- Ah, isso mesmo..

T- Você, como que era a questão da sua motivação enquanto você era aluna... como você sentia que os seus professores de inglês trabalhavam, ou não trabalhavam, a motivação?

N- Não tinha, não tinha essa questão de motivar não. Eu não sei se foi coisa minha mesmo, ou da minha casa... lá em casa o pessoal gostava muito de inglês. O livro que trabalha... da inglês, eu gostava do livro, achava legal o livro. Mas a aula em si era essa aula mesmo, gramática, decorar os verbos, copiar 5 vezes o mesmo verbo... era esse esquema. A professora era rígida, olhava, a gente tinha que fazer, entendeu? Então, essa questão de motivação “Ah, vai ter um teatro de inglês”, eu nunca vi na minha escola, eu nunca vi.

T- E você não sentia os professores preocupados, nem se falava sobre isso?

N- Não, nem se falava sobre isso. Não existia professora que... ela não incentivava o comunicativo em inglês, pelo menos no ensino fundamental não foi. No 2º grau, eu tive uma professora, como eu fiz curso técnico, estudei um ano só de inglês. A professora, ela conversava o tempo todo em inglês na sala, entendeu? Eu [inaudível],  mas eu gostava muito da aula dela.

T- Isso motivava a querer aprender mais?

N- Isso. Ela dava uma motivação sim, porque ela saía falando, perguntava [pra] gente, aí todo mundo ficava meio sem graça, não entendia, mas eu gostava da aula dela. Ás vezes não entendia, alguma coisa eu não entendia, então isso me dava vontade de querer aprender. Eu acho que eu gostei de inglês assim, foi da forma tradicional. Não tive nada assim, de acrescentar...

T- E na faculdade? Como é que foi essa questão também de motivação... Isso já era um assunto que os professores tocavam na sala de aula?

N- A faculdade foi muito assim, os professores, eles, eles davam trabalhos pra você apresentar um tema assim. Mas acadêmico, né? Aquela coisa assim, mais acadêmica pra você apresentar. Eu já apresentei um trabalho em inglês na faculdade, me lembro, acho que foram poucos trabalhos que eu apresentei. Mas, um foi de língua inglesa, da matéria língua inglesa, o outro foi da parte de literatura, que eu apresentei sobre um livro, um texto que a gente leu, então a gente teve que apresentar. No mais, nada, assim, de lúdico também, não tinha não.

T- Sei.

N- A questão, assim, de lúdico. Era porque, quer dizer, a faculdade, o clima já é diferente. É todo mundo adulto, né. Então acho que tudo que o professor, se ele se propusesse a fazer uma coisa lúdica, funcionaria muito mais do que numa escola de ensino médio, porque lá serão futuros profissionais. Então acho que eles estariam mais atentos, né?

T- Existe um pressuposto de que quem está lá quer  aprender.

N- Quer aprender.

T- Está motivado.

N- Isso, né? Então, assim, na faculdade eu não tive realmente aula de falar, assim, ah, essa aula foi muito interessante. Principalmente metodologia, a gente nunca viu metodologia.

T- No curso de letras.

N- No curso de letras. O que eu acho um grande erro. Né, é o que eu tô aprendendo em educação continuada.

T- Então fica adiado para a pós-graduação uma coisa que tinha que ser da graduação.

N- Exatamente, exatamente. Que, o que, por exemplo, a gente achava que quando a gente ia pra fazer as matérias da Faculdade de Educação, a gente achava que lá a gente ia aprender a ser professor, né? Vou aprender o que é uma sala de aula... mas, completamente diferente. Pura teoria, entendeu? Não existia um estudo assim, olha, existe uma dinâmica para esta atividade...

T- Nem mesmo prática de ensino?

N- Nossa, a prática de ensino era o quê? Estudar teoria, entendeu? Então, assim, por isso que eu acho, que eu tô achando legal, essa proposta da educação continuada. Porque não existe mais esse negócio de você ficar com aquilo que a gente recebeu [na graduação], porque aquilo que a gente recebeu tá insuficiente. Para os alunos de hoje, tá insuficiente. Eu não era uma aluna como os alunos de hoje são.

T- Sei.

N- Eu era aquela aluna dos tempos de ditadura mesmo.

T- Fazia o que o professor mandava...

N- O professor mandou, o professor tem toda a razão, não questiona o professor, o que ele falou é certo. Não tinha nada de questionar. Hoje não.

T- Talvez por isso que essa questão da motivação não era abordada.

N- Não era abordada. Você tinha que fazer porque tinha. Porque se você não fizer o problema é seu, você não vai ser nada na vida [risos]. Agora, aqui na escola, é totalmente diferente o perfil que a gente pega de aluno. Aluno te desafia, te faz até pensar também: “Não, professora, mas não tem isso?”, alunos que te questionam, que te criticam, entendeu? Na minha época não tinha isso, quem criticava a professora era para fora, suspensão, qualquer outra coisa.

T- É.

N- Então, a conseqüência era outra, hoje é completamente diferente, entendeu? Hoje você tem que ter jogo de cintura, tem que ter mais política na sala, você tem que levar na brincadeira, você tem que ter esportiva, né? Então, é uma série de elementos que, isso, a faculdade não me deu preparo nenhum pra enfrentar. E nem, a questão mesmo que era o papel da faculdade, a questão da metodologia, né? Como você vai trabalhar esse assunto, ser mais objetivo. Então quer dizer, cê pega um tanto de teoria e fica estudando as teorias, fica estudando os caras, os caras tal. E de repente, estão até fazendo uma teoria de acordo do que faz com a prática, só que você não vivencia.

T- Tá certo.

N- Então você não consegue focalizar o que o cara tá querendo dizer com aquilo. Então, por isso que eu acho que a educação continuada tem que ser assim, a prática junto com a teoria, sei lá. Eu acho que isso é uma boa proposta.

T- Eu encontrei aqui na sua narrativa várias menções a respeito da questão da motivação, mesmo que indiretamente. Quando você escreveu seu diário você pensou sobre isso, ou foi, você, foi natural, você não refletia exatamente sobre isso? Por exemplo, você diz que ficou surpresa quando o aluno diz que gostou de ter respondido um questionário, querendo saber... “Olha, a professora quer saber o que que eu penso disso.”

N- A-hã.

T- E aí você já começou a... em outras páginas você começa a demonstrar que já está começando a refletir sobre essa questão da motivação. Isso aconteceu de uma forma natural, ou vocês leram algum texto que tivesse o objetivo que refletir sobre a questão...

N- Não, acho que foi uma coisa de forma natural. Porque, é igual eu estou te falando, eu acho assim, que, é a minha necessidade do momento, entendeu? Que é essa questão da motivação. Que, se você olhar meu histórico, meu passado, eu não tive nenhum professor que investisse nisso. Então, não era uma coisa que eu achava que seria preocupante. Então, quer dizer, eu entrei na sala de aula com a imagem de um certo tipo de profissional na minha cabeça. E aí, quer dizer, eu ia me fazer de através dessa imagem. Mas só que o público que eu tenho hoje me pede outras coisas. Eu num posso deixar de atender isso. Isso é uma coisa que me incomoda. Foi um tanto que por isso que eu procurei essa educação continuada. Falei, quem sabe isso aí pode me ajudar, porque aqui na escola a gente não tem um apoio pedagógico, é o professor só. Então, eu num... na educação continuada a gente tem realmente estudado isso, né? Essa questão, assim, da motivação. Por exemplo, é... administrar a sala de aula, o tempo que você vai dar... a gente tem realmente estudado algumas teorias sim. Eu sempre penso de ter uma aula que o aluno pense assim, “Nossa, essa aula foi boa, foi prazerosa, eu aprendi e gostei!”, né?

T- A-hã.

N- Então, claro que não é que a gente tem que estar sempre tendo alguma coisa... não que eu vou jogar fora o modelo de profissional que eu tava, que eu construí, né? Aproveitar algumas coisas e passar algumas, né?

T- Você conseguiria lembrar como você encarava a motivação dos seus alunos antes de começar a educação continuada? Ou seja, você consegue perceber mudanças nas suas crenças durante a realização do curso? Você tá diferente do que você era antes?

N- Estou, estou bem diferente. Assim, bem diferente eu não vou falar... estou refletindo mais. Porque, antes de entrar [no curso], me incomodava, mas eu não conseguia caminhar para uma reflexão, era um incômodo.

T- Por que você achava assim?

N- Era um tédio a aula, entendeu? Nem eu tava gostando da aula. Nossa, essa aula tá um tédio. Realmente tem razão dos alunos estarem assim. Não tem nada que eu possa fazer para convencê-los de que isso é importante. Quer dizer, num dou um trabalho, fico só no livro, sabe? Então...

T- Mas por que você ficava [só no livro]? Você não sabia o que fazer, ou você... o que que era que acontecia?

N- Não, eu fazia o que eu aprendi, ou seja, é gramática no quadro, igual eu tava falando aqui. Passava no quadro, pegava o livro, quando os alunos tinham o livro, marcava um tanto de página para eles fazerem.

T- Quer dizer que você, assim, você se preocupava com a motivação mas você não conseguia se desvincular do modelo que você presenciou...

N- Exatamente. É, eu não conseguia mesmo. Então, como que eu vou fazer isso? Assim, por exemplo, eu não tenho recursos, eu ficava pensando, eu não tenho recursos. Antes mesmo de entrar na educação continuada, eu falei “Não, eu vou dar uma atividade de listening pros alunos”, porque eles não sentem que estão estudando inglês se eles não fizerem uma atividade assim, de listening. É, eles ficam... aquela coisa muito de gramática, né? Então eles não sentem... que estudar inglês para eles é só em cursinho. Então, eu trouxe o rádio, que toda vez que você chega com o rádio, já dá um impacto diferente. Aí, esse ano, eu percebo que o perfil dos meus alunos desse ano e do ano passado.

T- Sei.

N- Nesse ano os alunos chegam na sala e já perguntam: “Que que você vai dar pra gente?”, quer dizer, já tem uma curiosidade, sabe que você vai passar alguma coisa. Ano passado não, já era aquela coisa maçante, era gramática... Então, assim, não tou ainda distante disso não, que eu nem sei se dá pra trazer alguma coisa legal, diferente.

T- Bem, eu vi aqui no seu diário o seguinte: houve um momento que um aluno chegou pra sugerir uma atividade que foi a do teatro, foi uma sugestão de um aluno.

N- É.

T- Você, depois reflete que, é, você tá percebendo que quando você leva em consideração o que o aluno quer é provável que ele vá se motivar mais.

N- É.

T- Você acha que agora, daqui pra frente você vai... a sua prática vai mudar, não só suas crenças, também sua prática, ou você acha que não vai ser... você não vai assimilar isso...

N- Sempre. Vou assimilar sempre isso.

T- Vamos supor, todo ano que você vai começar a dar aula agora, você vai pensar nisso e vai fazer força para que isso aconteça... você vai levar em consideração os desejos dos seus alunos, as necessidades deles. Ou você não vai incorporar isso na sua prática?

N- Ah, não, eu penso, porque... É igual, por exemplo, o palestrante, ele tá lá e se ele começa a perceber que a platéia dele tá abrindo a boca, tá dormindo, tá conversando, é preocupante, não é? Eu acho que uma coisa que deixa qualquer um que tá lá na frente motivado também [a mudar]. Então, por isso, se eu perceber algo assim, aí eu vou ter que mudar minha estratégia; eu tenho que ver que que tá acontecendo nas minhas aulas... me preocupar comigo primeiro, vou ver o que eu estou fazendo, vou [inaudível] na minha metodologia, né?

T- A-hã.

N- Mas também, igual, a gente ta lendo muita coisa, a gente vê que tem, é, estilos de aprendizado também. Então eu acho que, agora, a gente tem que ta atento a isso, ao estilo de cada um. Claro que nem sempre a gente vai ter uma aula pra todos os estilos. Eu acho que você tem que estar tentando.

T- Você quer dizer os estilos visual, cinestésico...

N- É. Essas questões aí, né? É, trazer figuras mesmo. Eu já dei aulas depois... eu comecei a trazer mais essas coisas assim, a tentar montar um material pra mim; um material, assim, diferente. Eu tento montar um material, assim, prático, que eu vou usar em... todas as aulas que eu der eu posso usar esse material. Então eu acho, assim, não existe essa de pensar assim “Eu achei a fórmula agora.”, eu acho que isso não vai existir nunca.

T- Não?

N- Eu acho que não, porque as pessoas mudam, as gerações mudam, essa é uma geração diferente, né? Até eu vi uma palestra com o Juarez Dayrell, é uma geração que se preocupa muito com a cultura, então por isso que essa questão do teatro teve, eu, teve um peso também.

T- Mas você falou que em outras turmas talvez não funcionasse...

N- Em outras turmas não funciona. Eu fiz em outra turma, foi até a turma que a Flaviane

acompanhou, e não teve motivação nenhuma pra fazer teatro. Teve um grupo que teve, ensaiou bonitinho e tal, mas não teve aquela empolgação. Agora, teve uma outra turma de 1º ano que eu falei assim, já que a coisa não tava caminhando, eu falei: “Não, não vou fazer teatro”. Aí eles acharam ruim [inaudível], falaram “Não professora, a gente tava pensando, começamos a pensar e tal”, mas eu falei “É, mas vocês não querem, ninguém me apresentou nada até agora”. Eles acharam ruim, entendeu? Aí eu fiz a proposta: “Querem uma prova, que eu dê uma prova, ou vocês querem apresentar um teatro?” Aí eles “Não, um teatro, um teatro...”. Quer dizer, claro, uma prova você tem que provar seu conhecimento, ali, um teatro é mais light. Mas tem aluno que não, tem aluno que gosta daquela coisa de prova, gramática, enfim. Então assim, eu não tenho que satisfazer o tempo todo, o desejo deles.

T- É inviável, né?

N- É inviável. Mas eu acho que você pode conjugar, fazer uma mudança. Acho que você tem que estar sempre mudando. Isso é da minha personalidade também, eu gosto de mudança, eu detesto coisa estagnada, sabe? Rotina, eu detesto rotina, então por isso que eu fico incomodada com rotina, aquela coisa que parece que não tá saindo do lugar. Então, talvez, assim, isso é da minha personalidade. Então, a gente tem que sentir também o ambiente, então o que eu percebo no ambiente, que o negócio não tá fluindo, tá aquela aula... aí eu já penso: “Nossa, tá horrível, eu preciso dar um jeito de mudar”. Então, eu acho que isso é uma coisa que vai sempre me incomodar. Não sei se é só uma característica minha, mas é uma coisa que vai sempre me incomodar.

T- E você está se sentindo, assim, estimulada a aprender mais sobre o assunto, ou você está satisfeita com o que está sendo dado na educação continuada?

N- Não, eu acho que ainda tem mais [risos]. Eu acho que é mais, igual eu tô te falando, é uma coisa que não existe uma fórmula; eu acho que você tem que ir aprendendo mais e experimentando. Porque a gente sabe que se a educação tivesse uma fórmula já tava tudo resolvido e não é; cada dia surge um teórico novo, uma pessoa pensando diferente. Então não é um processo estagnado, né? É um processo contínuo, porque a sociedade tá mudando, as pessoas tão mudando, os valores, tudo mudando. Então enquanto você... se não mudar também você vai ter que parar. Então eu acho que é um negócio que eu não falo assim: “Oh, estou boa agora, estou pronta.”, eu nunca acho.

T- E como você está trabalhando a questão da avaliação dos trabalhos do teatro? Quais são os critérios, ou você está levando mais pro lado de tentar motivar mais pelo valor motivacional.

N- É, é isso mesmo. Tô pensando mais em levar por esse lado, entendeu? Eu tou trabalhando a questão de pronúncia, tou trabalhando a questão de interesse, entendeu? Se eu vi que o aluno, assim, interessou, porque eu to vendo, o aluno chega aqui: “Oh, professora, como é que pronuncia isso?”. Ele quer falar, ele tem vontade de ter um bom desempenho. Esses alunos eu estou, eu estou dando a nota igual pro grupo todo, mas aí depois eu pondero algumas coisas: “Olha, poderia ter feito isso, eu vi que, no final, [inaudível] ensaiou, fez as coisas assim, muito de qualquer jeito”, entendeu? Eu estou fazendo essas, esses comentários. A questão de nota tá liberada, entendeu? Não é muito a minha preocupação não. Porque não está sendo a preocupação de ninguém essa questão de nota, a questão é mesmo de envolver a pessoa, né? É igual, os alunos não sabem nem entrar em sala de aula. A gente está tendo que trabalhar essas questões básicas, que é anterior à gramática, anterior à pronúncia, anterior... entendeu? Então, a gente está tendo que tratar com questões básicas do ser humano que, né? E coisas que, às vezes, atrapalham o trabalho da gente, ou, também, pode ser uma oportunidade também. É igual falou, a gente tem que ver em cada dificuldade uma oportunidade e eu acho que o professor tem que pensar muito isso. Está difícil, por exemplo, o material é difícil, quer dizer, mas também é uma oportunidade de fazer, estar levando os alunos a trazer... então, é uma oportunidade de tirar um pouco, de estar delegando tudo pra gente; ou seja, passar o aluno também a se sentir responsável pelo aprendizado.

T- E isso pode motivá-lo também?

N- Isso pode motivá-lo. Eu acho que é uma das questões, igual tem se falado do aluno do ensino noturno, por exemplo. O ensino noturno, eu vejo dessa forma porque eles não têm tempo, é carência de tempo mesmo, então é uma questão que eu acho, deveria ser passada para eles. É, não pescar o peixe, ensinar a pescar, entendeu? São coisas assim.

T- A-hã.

N- Eles mesmo produzirem, eles mesmo pesquisarem. Hoje, um aluno também, igual se fala muito: “Ah, porque eles têm muita informação, a informação está muito rápida.”, tudo bem, a informação está muito rápida, [mas] os alunos, eles não, eles não têm muito isso de querer pesquisar não. Eles querem tudo pronto.

T- É.

N- Né? Eu aprendi na Federal, na minha, na época que eu estudava, essa questão de pesquisar.

T- De correr atrás.

N- De correr atrás. Na Federal tem muito isso. Então eu tenho muito isso também, de passar que tem que correr atrás, sabe? Então, às vezes eu passo uma coisa assim, jogo, eles correm atrás. E é o que acontece, isso aí também foi efeito da faculdade.

T- Você sente, então, que você está mudando não só as suas crenças, as suas atitudes em relação a ensinar, como a sua prática também está sendo modificada. Obviamente, não uma coisa radical, como você falou, mas você está refletindo...

N- Estou refletindo, justamente [inaudível] a refletir mais, a pensar mais.

[1] A íntegra da entrevista realizada nesta pesquisa encontra-se no apêndice A.

[2] Os movimentos por melhores condições de trabalho têm se constituído em uma rotina na história da rede estadual de ensino de Minas Gerais. Os baixos salários, o mau estado da estrutura física dos prédios, a falta de recursos didáticos e a ausência de estímulos à capacitação dos professores refletem o descaso das autoridades governamentais em relação à educação, resultando em um prejuízo geral para os alunos.