“A INDIFERENÇA DO EU JÁ SEI:

A MOTIVAÇÃO EM LÍNGUA INGLESA EM UMA ESCOLA PARTICULAR” 

 

Bruno Horta Liza
Mestrando em Estudos Lingüísticos pela FALE/UFMG

 

 

1)      Introdução

  

A prática do ensino de línguas estrangeiras, principalmente na rede pública de ensino, tem mostrando uma enorme distância entre a mesma e as suas teorias e reflexões nas universidades. Cada vez mais milhares de professores estão entrando nesse mercado de trabalho e muitos deles, infelizmente, nem sempre com a preparação desejada para uma prática pedagógica compatível com a realidade com a qual estes irão deparar.

Sendo assim, há uma necessidade enorme de uma atualização constante desses professores para que eles possam estar mais preparados para a difícil tarefa que têm pela frente. A universidade, por sua vez, tem a missão de proporcionar meios para que essa atualização possa efetivamente ocorrer. É nesse contexto que se encaixa, por exemplo, o projeto de educação continuada para professores de língua estrangeira da UFMG, o EDUCONLE.

 

 

      2)  Justificativa

 

 

Este trabalho originalmente faz parte de um outro projeto intitulado Projeto ARADO (Agrupar-Refletir-Agir-Doar), o qual busca uma integração entre a pós-graduação, a graduação e a rede pública de ensino. A intenção original era reunir um aluno mestrando em estudos lingüísticos com um aluno graduando, para que eles trabalhassem colaborativamente com professores de língua inglesa do estado (agrupar), conhecendo não somente a realidade da rede pública de ensino mas construindo um espaço fértil para reflexão (refletir) da prática de ensino e aprendizagem de língua inglesa nesse contexto. Para isso seriam utilizados professores do projeto de educação continuada acima mencionado (EDUCONLE). A partir das reflexões sobre a prática pedagógica, procurar-se-ia uma ação (agir) sobre um problema detectado. Com fundamentos teóricos, o estudo desse problema levaria a resultados que poderiam trazer contribuições a serem repassadas para essas escolas (doar).

Entretanto, esse estudo se afastou um pouco da sua idéia original. Em primeiro lugar, houve uma grande dificuldade de conseguir alunos da graduação disponíveis para o acompanhamento do estudo, o qual infelizmente foi feito sem esse terceiro participante. Foi uma perda importante, pois esse olhar externo de quem está bem no meio do processo de formação de professores seria muito útil para o trabalho e para o aluno também. Além disso, a greve ocorrida no estado a partir de maio de 2003, que fez com que os horários das aulas fossem alterados e reduzidos para 30 minutos diários, dificultou também a escolha de um professor do EDUCONLE para o acompanhamento de suas aulas. Foi feita uma tentativa com a  professora Ana Helena do Colégio Tiradentes da PMMG e outra com  a professora Ariadne da Escola Estadual Maestro Villa-Lobos, mas devido as dificuldades acima mencionadas não foi possível o acompanhamento das aulas das mesmas.

Como o tempo para a observação das aulas foi relativamente curto e esse estava passando depressa enquanto tentava-se resolver esse impasse da greve, as professoras da disciplina autorizaram a observação de aulas também em escolas particulares de ensino. E foi em uma instituição dessa rede que esse projeto se realizou.

 

3) Objetivo

 

 

Esse trabalho objetivou-se então por realizar um estudo de caso em uma escola de ensino fundamental/médio, fazendo juntamente com o professor uma reflexão sobre a prática pedagógica do ensino de língua inglesa naquela instituição. A partir dessa reflexão teoricamente fundamentada, um segundo objetivo foi o de poder “colher frutos” para as aulas e conseqüentemente, para a escola.

 

 

4)  Metodologia 

 

 

Para esse trabalho foi realizada uma pesquisa qualitativa e o método de pesquisa foi um estudo de caso. Os instrumentos de coleta de dados foram notas de campo, questionários e entrevistas com os participantes gravadas em áudio.

Segundo Gillham (2000:11), um dos pontos fortes de métodos qualitativos, dentre outros, é poder entrar “por baixo da pele de um grupo ou organização para descobrir o que lá realmente acontece, a realidade informal que só pode ser percebida de dentro”. Era justamente essa a intenção do projeto: entrar em uma sala de aula e verificar o que está realmente acontecendo dentro dela. Gillham ainda ressalva a importância de se fazer isso sem uma pergunta de pesquisa formulada a priori para o estudo, uma vez que é a partir da observação das aulas que ela(s) deve(m) surgir. Em outras palavras, até entrar nesse contexto, coletar os dados e entender o que está se passando, não tem como saber quais teorias funcionariam melhor e fariam mais sentido ali.

Como método de pesquisa foi feito um estudo de caso. Nunam (1992:77), citando Cohenn e Manion (1985), define o estudo de caso como a observação das características de uma unidade individual – uma criança, uma turma, grupos fechados, uma escola, uma comunidade – que tem como propósito uma investigação e análise profunda dos diversos fenômenos que ocorrem no ciclo de vida onde essa unidade está inserida. Pelo mesmo caminho, Gillham o define como um caso que investiga um indivíduo, um grupo ou uma comunidade, (casos simples) ou mesmo múltiplos (diferentes escolas, profissões, etc.), que busca responder perguntas de pesquisa e que procura uma variedade de tipos de evidências que estão dentro do contexto (2000:1-2). Sendo assim, o trabalho se caracterizou como um estudo de caso pois foram feitas observações de uma turma específica e a pergunta de pesquisa surgiu após as observações de algumas aulas nessa turma.

Com relação aos procedimentos de coleta de dados, esses vieram de fontes diferentes em uma tentativa de aumentar a validade e a credibilidade dos resultados. Ter essas múltiplas perspectivas na coleta e agrupá-las favorecem isso. Brown e Rodgers (2002:243-4), denominam esse processo de triangulação metodológica, e dizem que examinar os dados a partir de pelo menos dois pontos de vista maximiza a possibilidade de conseguir resultados confiáveis.

 

Os participantes

 

Como foi mencionado anteriormente, esse estudo de caso foi realizado em uma instituição particular de ensino. Embora não tenha sido o foco inicial do projeto, isso não diminui a importância do mesmo uma vez que instituições particulares de ensino também fazem parte de nossa realidade escolar e essas, por sua vez, possuem também “problemas” no ensino de língua inglesa.

A instituição escolhida foi a escola Verde, localizada na região sul de Belo Horizonte. Ela possui aproximadamente 1000 alunos pertencentes às classes média-alta e alta.  Esses já são dados muito relevantes para o estudo, pois caracterizam um contexto totalmente diferente de uma escola pública. A turma escolhida foi uma 8ª série do turno da manhã, com aulas na segunda e sexta-feira, ambas no primeiro horário. É uma turma de 31 alunos e foram observadas aulas em Junho e Agosto de 2003. Em Julho foi observada somente uma aula, a do dia 4. Nesse mês houve também um recesso escolar de duas semanas.

 O professor Marcelo (pseudônimo) é graduado em letras há mais de 5 anos e é experiente em instituições particulares de ensino. Além de lecionar nessa escola, é ainda coordenador de área de uma outra escola particular, e franqueado/professor de um curso livre de idiomas.

  

5) Resultados e Análise

 

   

Logo no primeiro dia de observação de aula foi passado um pequeno questionário para se conhecer um pouco mais sobre o background dos alunos. Aí já surgiu um fato bem relevante em relação ao contato que esses alunos possuem com a língua inglesa. A grande maioria dos alunos da oitava série já estuda inglês em cursos de idioma fora da escola, conforme podemos observar no gráfico abaixo:

 

 

Após a observação das quatro primeiras aulas, foi notado que alguns alunos se envolviam com a matéria mais que os outros, o que até certo ponto é normal não somente para a língua inglesa, mas como para as demais matérias também. Só que mais do que isso ficava claro que dentro dois níveis de participação (alto e baixo) havia alunos que participavam bastante, praticamente todas as aulas e a todo o momento. No entanto, havia também alunos que se mostravam totalmente indiferentes às aulas, que não participavam nem um momento sequer. Em suma, o que foi observado na 8ª série foi um determinado número de alunos que estão sempre motivados e dispostos a fazer tudo na aula, e outros que em contrapartida estão visivelmente desmotivados e possuem apenas uma presença “física” na sala.

Visando uma investigação do porquê dessa diferença, foram escolhidos dois alunos para uma observação mais criteriosa. Para isso, foi feito um levantamento do número de participações dos alunos em 5 aulas, e foram selecionados o aluno mais participativo e um com o menor número de participações que é justamente o oposto: apático e indiferente às aulas. E a partir de então, o estudo de caso centrou-se nesses dois alunos que, de agora em diante, recebem os pseudônimos de Tadeu e Ricardo, respectivamente.

A partir da observação nas duas primeiras semanas, as perguntas de pesquisa desse estudo de caso já se caracterizavam. O objetivo seria conhecer o perfil desses dois alunos com comportamentos opostos nas aulas e tentar descobrir o porquê dessa diferença de atitudes em sala. Uma outra pergunta viria mais tarde visando os resultados práticos, que é descobrir o que fazer para motivar Ricardo.

A partir das aulas seguintes até o final da observação, o que foi visto não se alterou quase nada. Tadeu é um aluno que sempre se oferece para responder perguntas, corrigir exercícios e que faz todas as atividades. Ele esteve presente em todas as 13 aulas observadas e teve alta participação em todas elas. Por outro lado, Ricardo, que também esteve presente em todas aulas, foi um o que menos participou em toda turma, e sua participação estava vinculada à convocação do professor. Caso contrário, ele não participaria nada como em 6 aulas onde não foi “convocado”. Ricardo, porém, nunca se recusou a participar e fez suas participações com excelência. 

Na aula no dia 27 de Junho, por exemplo, os alunos estavam fazendo a leitura em voz alta de um capítulo de um livro sobre a Austrália.  Tadeu foi o primeiro a se oferecer para a leitura, a qual foi feita com pouca dificuldade e ajuda do professor na pronúncia de algumas palavras. Já Ricardo não se ofereceu, mas ao ser chamado pelo professor fez uma leitura praticamente perfeita, já que não foi corrigido nenhuma vez. No final a mesma aula, o professor sugeriu uma pesquisa na internet a ser feita em casa sobre um determinado assunto citado no livro. Na aula seguinte, Tadeu foi um dos 4 únicos alunos que tinham a resposta. Ricardo não fez.

Na aula do dia 4 de Julho, Ricardo estava tão desmotivado quem nem as brincadeiras que fizeram a turma praticamente toda rir mudou seu estado de indiferença. Nas aulas seguintes, este não copiou vocabulário “novo” que surgiu a partir da discussão do livro.  Nas 3 avaliações formais que ocorreram durante o estudo, ele sempre foi um dos primeiros a terminar.

No artigo intitulado "Qualitative Research Guidelines" da TESOL Quartely, são citados alguns fatores como altamente desejáveis para a realização de um bom estudo de caso. Além da coleta de dados por procedimentos distintos (conforme já mencionado acima) foram citados, dentre outros, obter informações relevantes e adequadas sobre o background dos participantes. Tendo isso em mente, foi feito então um levantamento de mais informações sobre os participantes. Sendo assim, foi verificado o desempenho escolar deles na disciplina de língua inglesa desde a 5ª série. Essa medida foi feita em relação ao conceito final na matéria, pois a escola Verde no ensino fundamental utiliza conceitos e não notas, que são deixadas para o ensino médio.

Resumidamente, o que temos então sobre a trajetória desses alunos na escola é o que segue:

 

ALUNO

5ª SÉRIE

6ª SÉRIE

7ª SÉRIE

8ª SÉRIE (até o momento)

 

 

 

 

1º BIMESTRE          2º BIMESTRE

Tadeu

B

B

B

           B                                B

Ricardo

A

A

A

           B                                A

 

Conforme podemos observar, Tadeu, um aluno totalmente envolvido e comprometido com a matéria é um aluno de média B, enquanto Ricardo, que é indiferente, é e praticamente sempre foi um aluno com média A. Seu conceito B no primeiro bimestre foi, em suas palavras “uma bobeada”. Em uma conversa informal com o professor Marcelo, esse definiu Ricardo como “um aluno muito quieto, mas um aluno excelente”. Ao falar sobre Tadeu, esse foi definido pelo professor como “um aluno muito bom que sempre participa”. Essas opiniões só vieram a comprovar o que estava sendo observado em sala de aula.

O que parecia a princípio ser um pouco contraditório (um aluno indiferente com performance excelente) foi de uma certa maneira compreendido ao analisar o primeiro questionário que os todos alunos da turma responderam no segundo dia de observação. Nele foi possível evidenciar que Tadeu está dentro dos 17% da turma que nunca estudou inglês fora do colégio e Ricardo, por sua vez, já esta no seu sétimo semestre.

 Tadeu e Ricardo, embora os escolhidos, podem ser vistos como representantes de dois grupos de alunos da 8ª série com comportamentos similares.  Ficou evidente durante as aulas essa polarização da turma. E não havia como tentar analisar essas diferenças sem levantar a questão da motivação desses alunos na sala de aula.

  

Motivação

 

Williams e Burdon (1997:113), ao traçarem diferentes visões da motivação começam com a da teoria behaviorista, que considerava a motivação muito em relação a forças externas. Segundo eles, é dada ênfase em um sistema de recompensas como a maneira mais efetiva a motivar um comportamento desejado. Embora aceita por muito tempo, essa abordagem da motivação se mostrou muito simplista ao tentar explicar um assunto tão complexo como esse. Apesar disso, podemos trazer essas idéias para o estudo. Em boa parte das aulas observadas, tirar notas para não perder média parecia ser a única coisa que “motivava” os alunos da 8ª série.  Isso a princípio não foi comprovado no questionário respondido pelos alunos. Talvez porque a pergunta da forma como foi feita (Tirar boas notas é o que vem em primeiro lugar na matéria) em uma Likert Scale se encaixava no tipo de perguntas de prestígio. Segundo Brown e Rodgers (2002:144), essas perguntas “podem ser problemáticas” pois o participante percebe maneiras prestigiosas de respondê-las. Durante a entrevista, porém, ambos alunos deixaram claro que isso (tirar boas notas) é o que vem primeiro e o que os “motiva” (=força) a estudar e se empenharem na matéria.

Devido a sua natureza social, aprender uma língua é diferente de aprender outras disciplinas. Sendo assim, a aprendizagem de uma outra língua será afetada pela situação social como um todo. Williams e Burdon  (1997:116), citando Gardner (1995), dizem que este, em seu modelo sócio-educacional de aprendizagem de língua, enfatiza a motivação como o fator primário. Ele também faz a distinção em orientações integrativas e instrumentais na mesma. E segundo ele, a primeira é um dos fatores importantes em alcançar a motivação integrativa:

Orientação não é a mesma coisa que motivação, mas representa razões para estudar a língua. Uma orientação integrativa ocorre quando o aprendiz está estudando a língua devido a um desejo de identificar-se com a cultura dos falantes daquela língua. Uma motivação instrumental descreve um grupo de fatores ligados à motivação surgindo de fatores externos como aprovação em testes, recompensas financeiras, avanço na carreira ou promoção. (116-7)

 Uma visão cognitiva da motivação está centrada em indivíduos tomando decisões sobre suas ações. Isso ocorre porque eles possuem poder de escolha sobre seu comportamento e não mais dependem de forcas externas sobre as quais eles não têm controle. A motivação está estão relacionada com o porquê pessoas agem de uma dada maneira, as razões que as levam a isso e o quanto elas estão preparadas para esforçar para atingir seus objetivos.  Williams e Burdon, porém, apontam as limitações de uma abordagem puramente cognitiva, pois essas não levam em conta a influência de fatores afetivos, emoções e influencias sociais e contextuais.

A partir daí surge então uma perspectiva sócio-construtivista da motivação. Essa distingue 3 estágios (não lineares) para se alcançar a mesma, que são (1) as razões para se engajar em uma atividade, (2) as decisões para fazer algo e também (3) a manutenção do esforço para completar uma tarefa. Os mesmos autores dizem que “é importante enfatizar que motivação é muito mais do que simplesmente despertar o interesse. Ela também envolve manter o interesse e investir tempo e energia no esforço de alcançar certos objetivos” (1997:121). Esse modelo de 3 estágios é a base do modelo interativo de motivação onde todos estágios agem entre si se auto-afetando.

Ainda dentro dessa perspectiva sócio-construtivista, trabalha-se a distinção entre motivação extrínseca e intrínseca.  A primeira é alcançada quando a única razão para se fazer algo está em ganhar algo fora da atividade em si, como ser aprovado em uma prova, tirar boas notas, recompensas financeiras, etc. A outra, por sua vez é alcançada quando o fazer algo gera por si só interesse. Em outras palavras, a razão para se fazer algo está em fazer esse algo.

Brown (2002), frisa a importância dessa motivação intrínseca para os alunos. Ao criticar a obsessão do século passado na busca de um método de ensino ideal, ele propõe o que ele denomina de Principled Approach. Dentre os doze princípios por ele listados, os quais englobam suposições teóricas amplamente aceitas, um deles é sobre motivação intrínseca. Diz Brown:

Algumas vezes, um comportamento guiado por recompensas é dependente (...) de motivação extrínseca. Mas uma categoria mais poderosa de recompensa é aquela que é intrinsecamente guiada dentro do aluno. Quando um comportamento surge de necessidades, desejos dentro de nós, o comportamento em si tem o poder de ser auto-recompensador. Em tal contexto, recompensas externas são desnecessárias.

 

Voltando para a sala de aula, vimos que de uma perspectiva behaviorista da motivação, os alunos parecem fadados a serem movidos por fatores externos como a nota. Durante a entrevista, Tadeu disse que se não fosse por ela ele não estudaria. E Ricardo disse que faz tudo porque “tem que fazer”, senão o conceito irá cair.

Olhando para a questão da motivação sob uma ótica sócio-construtivista, dois problemas são encontrados. O primeiro deles é verificado ao tentar aplicar na sala de aula o modelo de motivação de 3 estágios. A motivação para esses alunos deve ser mais do que simplesmente despertar o interesse dos alunos. Pois isso o professor faz com excelência e consegue com que quase todos (Ricardo muito raramente) entrem em uma determinada atividade. Mas é preciso também sustentar essa motivação. O segundo está relacionado com a motivação intrínseca. Ela parece existir em Tadeu, que faz questão de aproveitar ao máximo suas aulas de inglês na escola uma vez que não estuda em curso livre. Ele, nas palavras do professor “faz as coisas porque gosta”. Por outro lado, essa motivação falta em Ricardo. Percorrer na escola o mesmo caminho que ele já passou no seu curso de idiomas não vai fazer com que ele encontre, dentro de caminhos já percorridos, motivação para percorrê-los novamente. Resta a ele então ser somente guiado pela motivação extrínseca, que por sua vez não passa de um sistema de recompensas de boas notas e punições se não fizer o esperado.

De acordo com Lepper (1988), aprendizes que são motivados extrinsecamente tentam  fazer o mínimo de esforço para conseguir uma recompensa máxima. Esse parece ser o caso de Ricardo, que só faz o mínimo para que ele consiga notas boas, tanto é que praticamente em todo seu histórico acadêmico foi um aluno A. Além disso, o professor mencionou que ele sempre foi assim em anos anteriores. Lepper ainda diz que alunos motivados intrinsecamente preferem tarefas mais desafiadoras. Bem, se o desafio tem então essa relação coma motivação intrínseca, baseado em uma resposta de Ricardo que disse que as aulas não o desafiam, podemos entender que esse seu tipo de motivação realmente é baixa. Nas palavras de Ricardo, “porque eu faço em outro lugar aqui na escola é um pouco mais fácil”. Já Tadeu diz que “não é fácil, mas também não é difícil não”. Para esse último, o desafio pode estar, dentre outras coisas, em aprender aquilo que para ele é novo. E para Ricardo, qual é o desafio?

Littlejohn (2001:6-7), já pensa que além da motivação intrínseca e extrínseca, uma outra fonte de motivação merece ser destacada: o sucesso na tarefa. Para ele, a motivação intrínseca é muito difícil de ser ativada nos alunos mais jovens. Frente a esse problema, muitos professores e sistemas educacionais se voltam para a outra fonte de motivação que é a extrínseca, mas acabam a transformando em um sistema de punições e recompensas, que pode ser desmotivante para os alunos fracos. A terceira fonte de motivação, por ele caracterizada como “pouco explorada” é o sucesso na tarefa. Se fizermos algo bem, nos sentiremos mais propensos a nos esforçarmos mais para fazer novamente. Fazendo novamente, faremos melhor e isso sustentará a motivação.

Tadeu, durante a entrevista respondeu que se acha na média da turma e atribuiu à língua inglesa a dificuldade normal. Isso foi verificado em sala e viu-se que ele possui sim algumas dificuldades mas que não impedem que ele tenha sucesso nas tarefas e o que, segundo Littlejohn, sustenta a sua motivação.

O mesmo autor relaciona a motivação diretamente com a habilidade, e propõe que uma percepção de baixa habilidade pode levar a uma espiral descendente como a que segue:

auto-percepção de baixa habilidade

baixa motivação

baixo esforço

baixo progresso

baixa motivação

 baixo esforço

 

Se pensarmos o caminho inverso, imaginaremos que um alto nível de habilidade acabaria levando a uma maior motivação, que por sua vez levaria a um maior esforço, que levaria a um progresso maior e assim por diante. Entretando, no caso de Ricardo, acontece algo diferente pois ele tem essa auto-percepção de sua habilidade (respondeu no questionário que se acha acima da média da turma e que acha a matéria fácil) mas isso não leva a uma alta motivação. Muito pelo contrário, ele acaba desmotivado por já saber os conteúdos. Conseqüentemente, ele se envolve muito pouco. Para complicar ainda mais as coisas ele tem ótimos resultados, o que na ótica da escola Verde é considerado alto progresso. Mas é justamente isso, o fácil demais, o eu já sei, que o desmotiva e que faz que não se esforce muito e assim por diante. Em suma, as idéias de LittleJohn para motivação se encaixam perfeitamente para Tadeu, mas não para Ricardo, pois sua falta de motivação não está ligada a baixa habilidade e sim a alta.         

Littlejohn  prescreve alguns elementos para manter a motivação (partindo do pré suposto que o sucesso na tarefa irá iniciá-la). Dentre eles ele aponta o envolver os alunos na tomada de decisões das aulas, desde que essas não tragam riscos para o curso como um todo. Durante as aulas observadas, o professor consultou os alunos, mas somente para saber qual tipo de livro que eles queriam ler (de histórias ou informativo).  Ao responderem no questionário e confirmarem na entrevista, Tadeu e Ricardo apontaram esse aspecto como muito interessante para eles. Nas palavras de Ricardo, “Eu acho que seria mais interessante (...) e é melhor aprender o que a gente gosta”. Talvez uma das saídas para motivar esse aluno (e outros) seria começando por aí.

Para finalizar, Harmer (1991:5-6) aponta fatores que afetam a motivação intrínseca como o método, o professor, as condições físicas e o sucesso. Quanto ao método, a escola Verde, por ser tradicional, ainda está no processo de libertação do estilo tradicional de aulas e isso pode ser um dos fatores que desmotiva alguns alunos. Quanto o professor, esse tem um rapport excelente com a turma e se esforça para tornar as aulas interessantes, mas  sempre dentro da filosofia da escola que preza muito a disciplina durante as aulas. Estar quieto durante as aulas é de uma certa maneira o esperado. Já as instalações da escola oferecem condições físicas que dificilmente haverá em uma escola pública, com excelente infra-estrutura. Mas isso não é o bastante. A comparação inevitável com suas escolas de idiomas onde existem poucos alunos na sala faz com que suas crenças que na escola (com mais de 30 alunos em sala) não se aprende inglês influenciem na motivação dos mesmos.

O quarto fator segundo Harmer é o sucesso, e ele afirma que “tanto o fracasso total quanto o sucesso total podem ser desestimulantes” (1991:7). Isso se enquadra perfeitamente no caso de Ricardo, que alcança seus conceitos A com pouco esforço. Além disso, o autor diz que atividades que são pouco desafiadoras podem ser tão desestimulantes quanto as muito difíceis. Isso em um contexto de uma turma heterogênea como essa se torna um grande desafio, pois o que é fácil demais entedia alunos como Ricardo, o que é muito difícil assusta e desmotiva os alunos que não tem a mesma bagagem que ele possui.

 

6) Conclusões

 

Após esse período de observação de aulas e das reflexões teóricas feitas sobre motivação na visão de diferentes autores, podemos até um certo ponto concluir que o andamento das aulas da maneira que é dada leva a uma polarização da turma em relação a níveis de participação. Tadeu e Ricardo chamaram a atenção e acabaram tornando-se participantes do estudo não somente porque são representantes desses pólos de participações distintos da sala, mas também porque são, dentro da turma, extremos opostos de um contínuo.

Independentemente dos aspectos que fazem com que a aula possa ser mais ou menos motivadora para a turma, um dos fatores essenciais que diferenciam os dois alunos é o background. Não há como negar que Tadeu é intrinsecamente mais motivado que Ricardo porque como ele não faz um curso de língua inglesa à parte, ele investe seus esforços nas aulas do colégio.  Seu conceito B ao longo de sua vida acadêmica exemplifica bem o seu esforço e suas dificuldades também. Além de tudo, ele gosta da disciplina.

 Já Ricardo, por outro lado, é o retrato de uma realidade cada vez maior e mais recorrente nas escolas particulares: um aluno com uma bagagem muito relevante (pois cursa uma escola de idiomas há 3 anos) e que é colocado junto de outros alunos com nível de proficiência bem menores que o dele. Além de isso tudo, é um bom aprendiz e não é à toa que sempre foi um aluno A. Buscar uma motivação intrínseca num contexto como esse é muito difícil. Resta então a ele se “motivar” extrinsecamente, para se sair bem no jogo de recompensas e punições. E isso ele tem conseguido embora não é preciso muito esforço de sua parte. Isso ele mesmo confirmou quando disse que não se sente desafiado pela matéria.  E isso acaba em um ciclo vicioso onde ele se esforça pouco e consegue muito de uma maneira relativamente fácil. Desmotivado, ele continua não se esforçando tanto e acaba conseguindo bons resultados novamente.

Moreira (2002), ao questionar a relação entre motivação e aprendizagem, diz ao citar Skehan (1989) que:

o sucesso na aprendizagem leva a uma maior motivação e essa, por sua vez, aumenta a possibilidade de estudos futuros. Alguns autores, no entanto, atentam para o fato de que o sucesso só leva a um aumento de motivação se o aluno se sente responsável por esse sucesso e comprometido com os objetivos do curso.(p.24)

 

Quando questionado na entrevista sobre seu sucesso acadêmico (conceitos A), Ricardo atribui isso muito mais ao fato dele estudar fora do que ele mesmo se esforçar para buscar isso. Sendo assim, fica claro com as idéias acima que o seu sucesso, diferentemente do que ocorre com Tadeu, não o motiva. Ele atribui às suas aulas fora da escola o seu sucesso dentro dela.

Mudanças?

Um dos fatores que me levaram a escolher uma turma de 8ª série para o estudo de caso foi que sendo o professor das turmas de 1º e 2º ano do ensino médio da mesma escola, tenho em mãos um problema muito maior.  Em uma fase da vida onde são muito questionadores e até certo ponto desafiadores, muitos alunos são Ricardos do ensino médio, com um agravante que são muito mais proficientes e muitos atrapalham as aulas.

Negar o background dos alunos em escolas particulares é dar um grande passo para desmotivá-los. Tenho feito uma experiência com o 2º ano que tem sido interessante embora ainda precisa ser muito aprimorada. A turma é dividida em dois níveis e a escolha é feita pelos próprios alunos. Eles trabalham muito em grupos ou individualmente no laboratório de informática, onde as atividades são deixadas em uma página de internet para eles. A experiência tem motivado tanto os alunos mais proficientes quanto os menos, que se sentem mais a vontade e se envolvem mais pois estão com alunos mais ou menos do seu nível. Isso foi confirmado por eles com a coordenação da escola. Além disso, em aulas com os dois grupos juntos, eles trabalham colaborativamente.  No 1º ano, as aulas são dadas como na 8ª série e as turmas de polarizam da mesma maneira com o agravante do nível de proficiência deles ser maior. Já se têm, para ser ter idéia, alunos com o FCE no primeiro ano.

Ao observar na 8ª série problemas similares do primeiro e segundo anos, surgiu a idéia de propor ao professor essa sugestão de divisão da turma. Entretando, ele não concorda muito com idéia e acha que isso seria “dar mais moral” para aqueles alunos que são bons e atrapalham as aulas. Tê-los todos juntos em uma mesma sala é para ele uma maneira de controlá-los. Para Marcelo, ter domínio sobre o grupo parece ser vir bem antes que buscar motivá-los. Isso não deixa de ser uma verdade, mas as conseqüências já foram vistas. Ano que vem, se Ricardo, Tadeu e os outros forem meus alunos, ficará pelo menos uma sugestão do que pode ser feito para tentar minimizar o problema. Ambos já demonstraram, no questionário, que aprovam o trabalho colaborativo em grupo, preferencialmente se for com um aluno de nível de proficiência maior que o deles. Para Tadeu, “eu aprendo mais com a dificuldade que tenho”, e para Ricardo “porque aí você aprende mais”.  Porque não tentar?

 

 

7) Bibliografia

 

 

BROWN, James D.; RODGERS, Theodore S. Doing Second Language Research.1ed.  Oxford - New York: Oxford Universtiy Press, 2002.

 

 

BROWN, H. Douglas. English Language Teaching in the Post-Method Era: Toward Better Diagnosis, Treatment and Assessment. In: RICHARDS, Jack C.; RENANDYA, Willy A. (Ed.). Methodology in Language Teaching: An Anthology of current practice. 1 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

 

 

FRANÇA, Júnia Lessa et al.  Manual para normalização de publicações técnico-científicas. 6 ed. Belo Horizonte: ed.UFMG, 2003.

 

GILLHAM, Bill. Case Study Research Methods.1 ed. Padstow: Continuum, 2000.

 

HARMER, Jeremy. The Practice of English Language Teaching. 12 ed. Londres -Nova York: Longman, 1991.

 

 

LEPPER, Mark R. Motivational Considerations in the Study of Instruction: Cognition and Instruction. Vol. 5, No. 4. 1988.

 

 

LITTLEJOHN, Andrew. Motivation: Where does it come from? Where does it go? English Teaching Professtional, London, volume 19, p.5-8, Abril de 2001.

 

 

MOREIRA, Maria Letícia G. da Luz. Investigando as inter-relações entre crenças, autonomia e motivação: uma análise de suas implicações no desempenho de aprendizes e instrutores. 2000. 127 f. Dissertação  (Mestrado em Lingüística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.

 

 

NUNAN, David. Research methods in language learning. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 74-90.

Qualitative Research Guidelines.  TESOL Quartely, vol.37, number 1, Spring 2003. 

 

WILLIAMS, Marion; BURDEN, Robert L. What Makes a person want to learn?: Motivation In language learning. In: Psychology for Language Teachers: A social constructivist approach. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, capítulo 6, p.111-143.