IMAGENS SOBRE ENSINAR  E APRENDER LÍNGUA INGLESA: O MITO DE HERMES[1]

 

Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira
Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela FALE/UFMG

 

Segundo o escritor argentino Jorge Luiz Borges, a censura é a mãe da metáfora. Muitas pesquisas têm demonstrado (Oxford, 1998) que, no discurso pedagógico, há elementos metafóricos que traduzem concepções sobre ensinar e aprender. Esses elementos são, muitas vezes,  censurados como temas específicos de interlocução, a eles só sendo permitida a veiculação por meios imagéticos.  A maior parte das concepções ou “verdades” sobre ensinar e aprender , segundo  Moita Lopes (2001),  são incutidas no professor em sua formação, altamente dogmática e prescritiva, que não o torna  emancipado e faz com que esteja sempre “rezando pela cartilha dos outros”. Tendo em vista esse panorama,  procurei identificar os elementos imagéticos que apareciam no discurso de uma professora de língua inglesa (MC) de uma escola pública da região suburbana de Belo Horizonte. Em seu discurso pedagógico e também durante nossas conversas informais MC repetia a metáfora  da passagem, representada por um barco : “Nós estamos todos no mesmo barco. Ninguém sabe mais que ninguém não” que  me trouxe ao Mito de Hermes. De acordo com Almeida (2002), Hermes era o deus responsável pela comunicação entre o humano e o divino. Ele não transformava os dois mundos, mas os aproximava, para isso, contava com um bastão mágico que o auxiliava em ocasiões especiais. Hermes era como uma terceira margem do rio, pois só ele conhecia a língua dos homens e a língua dos deuses e podia, por isso,  atravessar o abismo que separava os dois mundos. Especulo então que MC, ao enunciar a imagem da passagem, demonstre um tipo de consciência prática de seu difícil papel de mediadora entre os conhecimentos produzidos em dois mundos bastante diferentes: o mundo das crianças de sexta-série, de classe subalterna, falantes de português, com sua cultura e história pessoais e coletivas próprias e aquele  relacionado à diversa  gama de cultura, informação e conhecimento veiculado em língua inglesa.  MC não conhece bem o mundo da língua inglesa, ao contrário de Hermes, que transita entre os dois mundos com suavidade. Mas ela conhece a realidade de seus alunos e beneficia-se dessa reversibilidade de troca. “Eu procuro trabalhar a realidade deles. Outro dia o assunto era papagaio. Acho que vou  fazer uma atividade sobre papagaio para aproveitar o vento dessa época do ano. Já pensou se eu desse só aula de gramática?” Apesar desse conhecimento,  MC tem grandes limitações teóricas, lingüísticas e institucionais  “Eu nunca vi essas coisas  (teorias sobre ensino aprendizagem de LE) na faculdade não. Acho que não fui bem preparada nessa parte não” que tornam sua atividade de mediação ainda mais árdua. A seu favor, contudo, está sua concepção fundamental  de que ensinar é mediar conhecimentos pela via da linguagem, uma vez que não há conhecimento sem linguagem. Além disso, MC sabe que, diferentemente de Hermes, ela não pode contar com bastões mágicos, porque que não os há. Desse modo,  beneficia-se de interlocuções colaborativas e teoricamente informadas, como as que tivemos até agora e, principalmente, não fica a espera de “um abraço mágico como real , ou a última e insuperável teoria”. (Mota 2003). Assim como Hermes, MC pode representar a todos nós, professores de línguas que conduzimos nossos alunos pela difícil passagem entre informação e aprendizagem significativa (Bruner 1983). Conduzir  essa tensão e seguir navegando  é nossa tarefa.  Que  Hermes nos guarde a todos.

Referências bibliográficas:

 

Almeida, C. Hermenêutica e Dialética.  Porto Alegre: Edipurs (2002).

Bruner, J. 5. Child ‘s Talk. Londres: Oxford University Press. 1983 (tradução do original de 1969).

Moita-Lopes, L. P. Oficina de Lingüísitca Aplicada. Campinas: Mercado das Letras, 2001.

Mota, R. Entre e Metáfora e o Silêncio. In: Polifônicas  Idéias Por uma Ciência Aberta. Almeida M. et alii (orgs). Porto Alegre: Editora Sulina. 2003.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] O recorte aqui apresentado é parte de uma pesquisa maior, em andamento na FALE/UFMG ,sobre a orientação da profa. Dra. Deise Prina Dutra.

2  Agradeço à professora participante deste estudo que me emprestou suas “falas e salas”.